Guertena escrita por KyonLau


Capítulo 13
Quebra-cabeças de Leite


Notas iniciais do capítulo

Bonjour/bonsoir mesdames et messieurs!
E agora que eu gastei todo o meu francês... Tenham uma ótima leitura! :3

Soundtrack: Blind Alley
https://www.youtube.com/watch?v=GN6O9-s9PqM



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A princípio, tanto Galli quanto Iza não souberam o que fazer quando Ib simplesmente caiu no chão, imóvel. Eles a viraram de barriga para cima e então sentaram-se ao chão do outro lado da sala. Iza sentia os nervos à flor da pele. A imagem do rosto pálido e contorcido de Garry não queria sair de sua cabeça, seus gritos e ameaças... E Ib chamara seu nome. Antes de desmaiar, a menina certamente ouvira-a murmurá-lo, como que pedindo ajuda. Galli aparentemente não ouvira, estava muito longe quando aquilo acontecera, mas Iza, que estava tão próxima, não poderia estar enganada quanto a isso.

Tanto isso quanto o quadro da menininha logo a frente deles, uma representação infantil da mulher desacordada logo abaixo, não podia deixar dúvidas para Iza: Ib já estivera na Galeria e, por algum motivo estranho, não se lembrava disso.

— Quanto tempo você acha que ela vai ficar dormindo ainda? — a voz frágil de Galli cortou o silêncio entre os dois.

Ele já não suava mais, mas ainda parecia extremamente cansado. Iza balançou a cabeça em negativa, sem saber o que responder. Sentiu-se repentinamente culpada por obrigar aquele menino franzino lutar contra um adulto enraivecido. Afinal, a culpa fora dela...

   — Por que você não aproveita esse tempo para dormir um pouco? — sugeriu ela por fim — Deve estar cansado, depois de toda essa correria...

Galli deu de ombros.

— Estou bem cansado... Mas com nenhuma vontade de dormir. Você não notou? Já devemos estar à horas aqui dentro e não sentimos nenhuma fome, sede ou sono até agora.

Iza arregalou os olhos, observando o que o pequeno falara pela primeira vez. De fato, agora que parara para pensar, ela não comera nada além de uma barrinha de cereal antes de sair de casa, justamente para ir encontrar Leo para visitarem a Exposição de Guertena. Ela já deveria estar com o estômago urrando à essa hora, mas nada acontecera.

— Que bizarro... — comentou, estranhando cada vez mais a situação.

Galli riu de leve da inquietude da companheira.

— Ao menos com isso não temos que nos preocupar, certo?

— Acho que sim — replicou Iza enquanto abraçava os joelhos contra o peito — Aliás, acho que eu te devo um agradecimento... Por ter me ajudado tanto até agora e também agora, com aquele doido psicótico...

Galli balançou a cabeça com energia.

— N-não precisa agradecer! Você faria o mesmo por mim, afinal somos amigos... Não somos?

Ele olhou amedrontado para a adolescente, como se temesse ter dito algo errado, o que fez Iza querer abraça-lo e não soltar mais.

— Claro que somos amigos!

Iza sorriu. Era boa a sensação de ter alguém assim no meio daquele caos. Ao retribuir o sorriso dela, Galli parecia ainda mais feliz. O corpinho tenso pareceu relaxar com aquilo. Ele recostou-se melhor na parede ao lado da garota, as pernas cruzadas.

— Eu não gostei de ficar sozinho — comentou — Esse lugar é enorme... Eu já não sabia para onde ir.

— Não vamos mais nos separar daqui para frente então, combinado?

Galli não disse nada, mas anuiu com a cabeça, fechando os punhos em cima do próprio colo, as bochechas adquirindo um leve tom rosado. Iza se perguntou se seria apropriado falar alguma coisa, mesmo que não soubesse bem o que falar, mas antes mesmo de chegar a uma decisão um leve gemer se fez ouvir.

Os dois jovens ergueram os olhos a tempo de ver Ib mexer levemente a cabeça, os olhos semiabertos ligeiramente opacos, perdidos.

— Ib?

Tanto Iza quanto Galli se aproximaram da mulher atordoada, curvando suas cabeças para examinarem-na melhor.

— O que faremos? — perguntou Galli que, muito provavelmente movido pela curiosidade, aproximou a mão do rosto de Ib — Argh!

Num gesto repentino, a mão da mulher decolou e foi parar no ombro do menino, que gritou de dor e susto. Por mais que ele tentasse se soltar daquele aperto, Ib parecia decidida a não larga-lo por nada no mundo, os olhos repletos de lágrimas. Iza atirou-se no meio dos dois, para tentar separá-los, mas mesmo assim isso demandou muito esforço de sua parte.

Quando conseguiu fazer com que Ib largasse Galli, este último se afastou choramingando e segurando o ombro machucado com força. Iza, por sua vez, encarou a mais velha com raiva, ainda segurando com força a sua mão.

— Para que você foi fazer isso?

Ib não respondeu de imediato. Começou a tentar se sentar lentamente, a face pálida ainda molhada de suor e o olhar fixo no chão.

— Era ele... O retrato esquecido — balbuciou — Eu sabia, mas... Não entendia.

E, levando a mão à testa, como se sentisse muita dor, calou-se. Assustada, Iza se afastou da mulher e foi até o menino que se encolhera num dos cantos da sala. Ele já largara o ombro, mas continuava fitando Ib com uma expressão que lembrava um pouco à Iza a mesma que ele fizera, um segundo antes da porta da sala dos mentirosos se fechar definitivamente, separando-os. Não sabia o que ele estava pensando ou sentindo naquele instante e aquilo a incomodava.

— Você está bem? — perguntou de mansinho ai chegar perto dele — Ela te machucou?

Galli desgrudou os olhos de Ib e olhou para a amiga como se a notasse pela primeira vez.

— Eu estou bem — afirmou com um sorriso — Na hora ela machucou, mas agora já não sinto nada.

A garota afastou os cabelos agora absolutamente cacheados e emaranhados do rosto, bufando enquanto, dando meia volta até Ib e estendendo a mão para ajudá-la a se levantar. Ib encarou a mão sem entender por um tempo e, logo em seguida, levantou-se sem usá-la como gancho. A mais velha fez menção de continuar andando, mas Iza a impediu, colocando o braço na sua frente.

— Eu não entendi o que você quis fazer agora a pouco — disse séria — Mas se tentar isso de novo com qualquer um de nós dois, vamos nos separar.

Ib parecia não ter ouvido uma palavra. Continuava a fixar os olhos no chão como se lá estivesse passando o melhor filme do Universo. Contudo, ela concordou lentamente com um aceno de cabeça e, retirando o braço de Iza de sua frente, avançou para a próxima porta, que estava pintada em violeta, e, tirando uma chave da mesma cor do bolso da sua blusa, a abriu sem nenhuma cerimônia.

Iza lançou um último olhar desconfiado antes de seguir atrás dela e pode ouvir pelo barulho provocado pelos passos de Galli que o menino estava logo atrás dela.

O corredor por onde caminhavam era bem mais largo que os anteriores e era a primeira vez que o lugar parecia se assemelhar a uma galeria de artes. Várias pinturas estavam dispostas pela parede do lado direito, com alguns cordões de isolamento vermelhos à sua frente, para impedir que os espectadores tocassem nas obras descuidadamente, deixando-os caminhar pelo lado esquerdo.

Passos díspares ecoavam nas paredes e, pela primeira vez, o silêncio absoluto não a incomodava nem um pouco. Preferia assim. Com uma ameaça como Garry rondando o lugar, a garota achava que seria mais fácil de ouvir uma possível ameaça se todos ficassem quietos e atentos. Sem falar em Ib, que agora a assustava um pouco devido ao seu comportamento e possível passado perturbador.

Aquilo permaneceu por cerca de quinze minutos, por aí. Era difícil de mensurar naquele lugar. Felizmente nada acontecia e o grupo passou a se sentir um pouco mais confiante. Iza já começava a pensar em outras coisas, como era de costume quando nada havia para prender sua atenção, e o resultado disso foi um baque produzido pelo encontrão que dera em Ib, que parara bruscamente por aparentemente motivo nenhum.

— O que houve? — perguntou enfezada enquanto esfregava o nariz.

— Por que pararam? — Galli perguntou quase ao mesmo tempo.

Iza olhou adiante. Ib estava parada e encarava a parede à sua esquerda. Por algum motivo, havia um quadro pendurado ali, e não no lado direito, como todos os outros. Ele era todo branco dentro de sua moldura e algumas linhas simulavam ranhuras e ajuntamentos em todos os cantos, formando peças menores. No meio, uma das peças faltava, formando um buraquinho negro.

 — É um quebra-cabeças? — perguntou Iza erguendo uma sobrancelha — Que estranho, é todo branco.

— É um quebra-cabeças de leite — comentou Galli chegando mais perto para examinar — A mamãe tinha um, eles são...

— Bem difíceis de montar — Ib completou a frase do menino — Mas eles não são nada divertidos, já que não formam uma figura no final...

Os olhares dos mais novos recaíram sobre ela, sem entender. Ib falava devagar e seus olhos estavam vidrados. Ela abaixou-se e, ao se levantar, trazia seguro nos dedos a pecinha que faltava. Devagar, como se temesse que tudo fosse se quebrar ao menor toque, a mulher levou a peça até seu lugar de direito e, pressionando-a contra o quadro, encaixou-a de volta com delicadeza.

Lágrimas caíram de seus olhos como se tivesse começado a chover sem aviso.

— Eu fiz algo horrível.

Ela respirou fundo e Iza pode sentir a tristeza no esvaziar de seus pulmões.


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Notas finais do capítulo

Bom, that's all for today folks!
Sim, hoje eu estou bilíngue o3o
Me digam o que acharam nos comentários~



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