Tempo Ruim escrita por helenabenett, Lyra Parry


Capítulo 6
Apenas mais uma de amor


Notas iniciais do capítulo

"Eu gosto tanto de você
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido"

Nossos amigos tomam fortes resoluções e lentamente vão as colocando em prática. A situação gradativamente se tornou explosiva e depois de muita reflexão nossos heróis começam a trilhar seus caminhos... Infelizmente, para lados distintos.



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Sábado, 21:00, Casa do Cascão

Não é porque Cas tinha assumido seus verdadeiros sentimentos por Magali que não estava confuso.

Ele amava a namorada. Tinha certeza disso. Cascuda era sua melhor amiga e a companheira de todas as horas. Por terem os mesmos hobbies, estavam sempre juntos, tanto na escola quanto fora dela. Ela sempre ia vê-lo jogar com os rapazes – inclusive dera-lhe uma bela de uma bronca no dia em que comprara briga com o Quinzinho – e ele gostava de vê-la jogando vôlei ou basquetebol com as outras garotas. Ela era uma atleta invejável, e ele gostava de se gabar de tê-la como namorada.

Os dois também gostavam das mesmas matérias e iam mal nas mesmas disciplinas, o que significa que estudavam juntos sempre que podiam. Para completar, ela partilhava de seu desapreço por baladas e bebida; então, quando não estava com Cebolinha, Xaveco, Titi ou os outros, ela era quem o acompanhava ao cinema, ao shopping, ao parque de diversões, ou para dar uma volta pela cidade, sem rumo nem pressa.

A bem da verdade, agora que parara para pensar, quase não saía mais com os outros rapazes além do Cebola. Por ter uma namorada ciumenta, ele não podia andar muito com os amigos que estavam aproveitando a vida de solteiros. Além do mais, agora que estavam a apenas um ano da faculdade, Cascão percebera que, se não se esforçasse de verdade, não conseguiria a vaga no curso de Educação Física numa universidade pública. Como seus pais eram de condição humilde, ele não tinha alternativa a não ser estudar. E isso o afastara dos colegas que estavam menos preocupados. Só os via nas peladas do fim de semana, mas sempre que podia passava na casa de um ou de outro.

Mas fazia tempo que não via ninguém. Maria, que ocupava mais da metade de seu tempo livre, estava exigindo quase todo o restante para si. Aquilo o irritara, e fora a causa de muitas discussões nas últimas semanas. Talvez por isso tivesse se encantado por Maga: ela não virava uma arara insuportável e chata quando ficava com raiva, nem gritava com ele, nem o espicaçava. Mas agora que ele e Cascuda estavam bem – e como em todas as vezes em que eles faziam as pazes – ele se sentia tão satisfeito que era difícil se imaginar com outra pessoa.

Embora não fosse muito dada a solilóquios, Maria era uma daquelas pessoas capazes de conversar sobre qualquer assunto por ser culta e bem informada. E, nos seus melhores momentos, era também afetuosa, embora até nisso ela se comportasse de maneira bruta e um pouco desajeitada, como se o fizesse mais por obrigação do que por si mesma. "Ou porque talvez tenha vergonha", acrescentou ele. E seu coração doeu.

Onde estava com a cabeça? Ele tinha uma namorada legal e cuidadosa, por que se interessara pela amiga?

Mas ela o fascinava. Era inevitável. Magali era forte (como Cascuda), porém delicada e doce. Alguém que ele poderia proteger e cuidar, e que também lhe tinha carinho. Sim, era isso que faltava em sua vida: carinho. Gostava muito de Maria, mas ela era agressiva e competitiva em tudo, inclusive nos cuidados que tinha com ele. Não tinha leveza nem nas maneiras nem no modo de pensar. Sua mãe e seu pai eram mais equilibrados, porém sua sabedoria tranquila advinha da simplicidade da educação que receberam de seus avós e que também passaram a ele. Quanto aos amigos, bom... Cebola era ácido e elétrico, Titi, Xaveco e os outros não eram tão próximos quanto já haviam sido um dia. Tinha a Mônica também, mas ela era de longe a mais esquentada de todos os seus amigos. Era impossível ficar perto dela dez minutos sem ouvir uma imprecação ou uma ordem. Sua namorada não era muito diferente, mas pelo menos ela sabia se controlar melhor e respeitava o espaço alheio. Isso era admirável. Cascuda era uma das pessoas que melhor lidava com aqueles que pensavam diferente dela, mesmo que no fundo estivesse com vontade de socar a cara de alguém.

Mas toda essa resistência acabava sendo descontada nele em forma de ironias, sarcasmo e brutalidade. Era por isso que brigavam tanto: porque ele se irritava por ser o saco de pancadas de Maria, e implicava-a de volta em retaliação. No fim, eles voltavam porque Cascão se arrependia da infantilidade, e Cascuda da rudeza. E também porque tinham muitas coisas em comum, portanto ficar sem se falar era um verdadeiro tormento para ambos.

Isso o afligia agora. Como seria quando Maria não quisesse mais olhar na cara dele?

Ele sentiria falta das conversas e das brincadeiras, e ela também, ele sabia. Mas duvidava que Cascuda cedesse à saudade em detrimento do orgulho.

Isso o impedia de contar a ela o que sentia. Embora soubesse que era o certo a fazer, ele tinha medo de perder Maria para sempre. Teria que dizer mais cedo ou mais tarde, mas ali, naquele instante, agora que tinha prometido ser um namorado mais atencioso e se desculpado pelas coisas que dissera sem pensar, parecia-lhe uma grande sacanagem atirar aquela bomba em cima da namorada. Deu a si mesmo uma semana, nem um segundo a mais. Ele tinha esse tempo para decidir o que faria agora que admitira para si mesmo que Magali não era apenas um resquício de um antigo afeto, mas uma realidade presente. E, se não conseguisse chegar a uma resolução menos dolorosa, terminaria o namoro, pois enganar Cascuda era a última coisa que ele queria. Não seria como Joaquim.

***

Sábado, 20:32, casa da Cascuda.

Assim que seu namorado a deixou em casa, Maria subiu e se trancou em seu quarto.

“Eu estava certa”, pensou ela, amargamente. Vira muito bem a maneira que seu namorado olhava para Magali, bem como sua mudança de comportamento na presença da amiga. Cas ficava mais ansioso e, constrangido, tentava disfarçar com uma despreocupação aparente que podia escapar a qualquer observador menos atencioso, mas não a ela, que o conhecia há tantos anos.

Por outro lado, mesmo estando visivelmente perturbado por Magali, em nenhum momento ele a deixou de lado ou se mostrou menos atencioso. A mudança não era nas atitudes concretas, mas nos gestos impensados, e no olhar verdadeiro. Triste, reconheceu que apenas a lealdade e o respeito que ele lhe tinha o mantinham ligado a si.

Sabia que era amada por ele. Mas era evidente que Cascão amava a amiga de um modo muito mais profundo. Algo que ele nunca sentira por ela, nem por ninguém, até onde sabia.

Gostava do namorado há tanto tempo que não suportava a ideia de perdê-lo. Mesmo que muitas vezes a ideia de terminar lhe passasse pela cabeça, sempre voltava atrás porque, embora o garoto sensível lhe fizesse perder a paciência, gostava muito do rapaz gentil e divertido, e a ele se afeiçoara. Além do mais, estavam juntos há tanto tempo que terminar o namoro era abandonar uma parte de si e de sua história. Pensava se Magali não tinha sentido o mesmo quando terminara com Joaquim. Ela também se sentia mais amiga que namorada de Cascão na maior parte do tempo. Talvez ela devesse mesmo terminar. Não se pode ficar com alguém de quem não se gosta por inteiro, e nem permanecer num relacionamento em que os momentos de verdadeira felicidade são cada vez mais raros.

Ele não ia falar. Nunca. Conhecia Cascão muito bem, sabia que ele preferiria morrer a confessar qualquer sentimento para ela. Provavelmente, ele não havia admitido nem para si mesmo o que sentia, imagine para outra pessoa. Mas por quanto tempo ele conseguiria conter-se? E como ela reagiria se ele dissesse que estava tudo acabado? Porque ele ia dizer em algum momento. Não seria capaz de enganá-la. E então, o que ela faria?

Não. Ela não iria pagar para ver. Daria um ponto final naquela história o quanto antes, assim pelo menos não sairia por baixo. Mesmo que ficasse um caquinho por dentro, ela não ia deixar que eles soubessem. Perderia, sim, mas sairia por cima.

***

Sábado, 20:10, casa da Magali.

Magali chegou em casa ligeiramente abatida. Tomara uma resolução firme de que iria se esquecer totalmente de Cas e se afastaria o máximo que conseguisse dele e de sua namorada. A Mônica tinha razão, ele nunca largaria Maria por sua causa, e mesmo que a deixasse como ela poderia viver com a culpa de ter machucado Cascuda? Não. Ela seguiria em frente. Poderia começar por sair com Luke. Ele era um rapaz tão belo e interessante, por que não tentar? Pegou o celular, ele havia lhe mandado - como fazia todos os dias – uma sms lhe desejando um bom dia.  Ela respondeu:

— Oi, Luke. Estava pensando se a gente não podia sair um dia desses. – “A que ponto você chegou, implorando para rapazes saírem com você”. Aquilo não era bem verdade, ela sabia, mas gostava de se torturar um pouco. Os minutos se passaram e nada do rapaz responder, fazendo com que se sentisse cada vez mais tola. Até que, por fim, o aparelhinho apitou.

— Oi, Maga. Vai ser um prazer sair com você o dia que você quiser!

A moça ficou radiante. Ela tivera muito medo de ser rejeitada outra vez, depois de tudo que acontecera naquele dia. Os dois acabaram conversando por várias horas, e Maga acabou descobrindo que ele era um rapaz culto e inteligente. Lia muito e havia viajado para muitos países. Era, no entanto, um pouco mais velho que ela, mas não que ela se importasse. Magali notou, depois de conversarem até mais de meia noite, que ela passara todo esse tempo sem nem ao menos se lembrar de Cas e aquilo lhe deixou feliz. Talvez, se ela se cuidasse, aquela paixão que durava tantos anos, tantos que ela já não podia contar, acabaria agora de maneira feliz. Ela só precisava se cuidar e isso significava ficar o mais longe possível do Cascão, mesmo que aquilo lhe doesse até a alma.


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