Londres, Internato Cockran, 21 de março 2013.
Pronto! Agora sim, o “presentinho” que seu pai deu ao diretor do internato está com o seu estilo, mais tarde quando o diretor Augustus sair vai ver como seu novo carro esta melhor com as mudanças que Laura proporcionou a ele, os quatro pneus furados, os vidros das janelas quebrados, o retrovisor jogado no chão, arranhões em toda a lataria com palavras “baixas”, para se dizer o mínimo, e mais algumas modificações que aumentarão a incrível enxaqueca que o Senhor Augustus diz ter por causa dela.
Seu pai presenteou o diretor com um carro para que ele não a expulsasse do colégio, e deu certo, ela continua presa nesse internato. Por isso agora esta aqui, no estacionamento do colégio, que fica ao lado dessa majestosa prisão, quer dizer, construção vitoriana, com mais de 200 anos e mais de 100 cômodos divididos entre dormitórios, salas de aula, cozinha, suítes e gabinetes, sem falar da imensa biblioteca, a área de exercícios, com uma piscina olímpica, quadras de diversos esportes e maquinas de academia e o pátio que é uma imensa área gramada, com bancos de madeira e algumas árvores, que fica no centro do internato; mas voltando ao estacionamento, onde é proibido qualquer estudante entrar, por ficar fora do colégio e por medo que algum deles possa roubar algum carro para fugir ou fazer qualquer outro tipo de loucura: “Esses adolescentes ricos e mimados não tem limites, são todos inconsequentes e é por isso que no meu internato as regras são rigorosas, para disciplinarmos essas crianças impulsivas”, é o que o Sr. Augustus sempre diz, quando questionado sobre sua rigorosa política de não deixar nenhum estudante sair do internato sem estar devidamente acompanhado por seus pais, e é por essa razão que Laura esta ali, violando a mais severa regra do lugar, “juntando o útil ao agradável”, matando a sua ultima aula da manhã, matemática, cujo professor, um idiota recém-formado, que é a “paixonite” de todas as garotas do colegio, e é filho do excelentíssimo Sr. Augustus e procurando mais uma forma de ser expulsa.
Um sinal alto e estridente tocou, anunciando o final da ultima aula, logo o estacionamento estaria lotado, e por mais que Laura quisesse ver a cara do Sr. Augustus quando visse seu carro, ser encontrada no local do crime mancharia sua reputação, já que depois de ser expulsa de sete internatos, sem nunca ser pega no local do delito, ela não podia permitir sofrer um flagra agora. Ela percorreu o estacionamento meio agachada e a passos rápidos e silenciosos, olhando de um lado para o outro para se certificar que ninguém a visse ali, ela havia demorado mais do que pretendia com a destruição do veiculo, quando soasse o sinal ela já queria estar no pátio, onde todos pensariam ser o lugar que ela escolheu para ficar ao invés de assistir a aula do professor Rian, ninguém imaginaria onde de fato ela estava ate que descobrissem que foi ela que “aprimorou” o carro de seu amado diretor, mas agora que não havia mais como isso acontecer ela deveria pensar em outro plano rápido de sair dali sem ser notada, pois será difícil entrar no colégio agora que todos estão saindo para almoçar.
Para sair do colégio ela contou com a ajuda do porteiro, que depois de receber uma quantia, que Laura achou ser bem abusiva para o pequeno esforço, que ele deveria fazer para que ela pudesse sair afinal, pagar cem euros para que ele fosse ao banheiro na hora que eles combinaram e depois retornasse lá quando ele a visse voltando para dentro da construção, era dinheiro demais, pois por mais que seu pai tivesse muito dinheiro era difícil arrancar algum dele, já que a relação entre eles era péssima. Esse dinheiro que ela usou para pagar o porteiro, não conseguiu com o pai, mas sim roubando a sua colega de quarto, Ashelley, uma patricinha idiota e burra, por causa dela Laura quase foi expulsa desse internato, por causa de uma briga entre as duas, que começou no meio da aula de matemática, Laura perdeu muitos fios de cabelo na briga, mas Ashelley quase perdeu dois dentes e ganhou um olho roxo, Ashelley não foi expulsa porque seu pai, um famoso caçador de talentos do futebol, sempre contribuiu com o time de futebol do colégio, sabendo disso e desesperado para que Laura não fosse expulsa de mais um internato, Lorenzo Delarian deu uma linda Ferrari vermelha ao senhor Augustus, que não está mais tão linda assim...
Ela estava quase chegando à portaria sem que ainda ninguém tivesse saído do colégio, por muito pouco ela não consegue voltar facilmente, mas quando ela esta quase na entrada o porteiro a vê e faz um sinal para que ela se esconda, ela corre de volta ao estacionamento e fica atrás de um utilitário preto, mas a tempo de ver que as primeiras pessoas que entraram no estacionamento, um homem alto de mais ou mesmos 1,90m, careca, de mais ou menos 60 anos, vestindo um terno barato e a seu lado outro homem bem mais jovem, pouco mais de 20 anos, e parecia ser ate mesmo um estudante dali, cabelos louros lisos caídos ate abaixo da testa, precisando ser cortados, olhos azuis, e um físico perfeito, que podia ser notado mesmo por debaixo de seu suéter velho e sua calça jeans desbotada, um homem muito bonito e desleixado com a própria aparência, Laura os reconheceu de imediato, eram o diretor e o filhinho querido dele. O professor Rian estava com uma expressão tensa no rosto e parecia preocupado e ate mesmo um pouco triste, já o senhor Augustus estava sorrindo com uma expressão despreocupada, com certeza por causa do carro novo, pensou Laura. Ela mordeu o canto do lábio inferior em uma tentativa de controlar a ansiedade, ela queria segui-los só para ver qual seria a reação daquele diretor corrupto e do seu filhinho metido a professor, porém ela não podia correr o risco de ser encontrada ali.
Eles estavam passando no carro a frente do que Laura estava escondida e ela podia ouvir o que os dois estavam conversando, ela não estava prestando atenção ate ouvir um nome que a deixou desinquieta, Miguel, o nome de seu irmão. Eles devem estar falando de outro Miguel, há garotos que estudam aqui chamados assim, pensou, mas mesmo indo contra a lógica ela não pode evitar aquela sensação de que estavam falando algo importante sobre o irmão dela, sobre ela.
Ela os seguiu pelo estacionamento, mas não com tanto cuidado quanto tomou para tentar sair de lá, Laura não conseguia parar de pensar no irmão, ainda não tinha certeza se os dois estavam realmente falando sobre ele, mas ela sentia que era. Pensava que ele tinha arrumado um jeito de ser expulso do internato onde estava. Miguel é um ano mais velho que ela, ele tem 17 anos, e já esta terminando o ensino médio, assim como ela, ele também vive sendo expulso de internatos, e mesmo sendo irmãos, depois da morte da mãe deles, eles nunca mais estudaram na mesma escola, e isso já faz quase oito anos.
Os irmãos Delarian não eram muito próximos na infância, eles viviam brigando, coisas típicas de crianças, mas depois da morte da mãe, Helena Delarian, eles criaram um laço muito forte um com o outro, ate mesmo para irmãos, afinal um era a única família para o outro, eles só podiam contar com eles mesmos, não podiam contar nem com o próprio pai, já que os dois acreditavam que Lorenzo foi o responsável pela morte da mãe deles, e ele não fazia nada para que os filhos o vissem de outra forma. Desde a morte de Helena, a única coisa que Lorenzo fez foi agravar o ódio que os filhos sentiam dele, ele separou os irmãos, os mandando para internatos diferentes, que na maioria das vezes ficavam a países de distancia um do outro, e nem mesmo os deixava saber em qual lugar o outro estava. Foi por causa disso que, durante a primeira férias em que se reencontraram desde a morte da mãe, eles fizeram um juramento, que eles nunca iriam abandonar um ao outro e fariam de tudo para serem expulsos de todos os colégios para onde forem mandados ate que o pai deles os coloque no mesmo lugar, pois uma família deve ficar junta, principalmente uma família tão pequena.
Laura nunca quis se vingar do pai, por mais que ela o odiasse, ela realmente só queria poder voltar a viver junto ao irmão, não importava o que ela tivesse que fazer para alcançar isso, ela faria.
—O que aconteceu com o meu carro?! – gritou o Sr. Augustus ao encontrar sua Ferrari toda destruída, Laura estava escondida atrás de um carro bem perto dali e não conseguiu conter uma pequena gargalhada, a ver cara que o diretor fez, foi realmente melhor do que ela tinha imaginado – Quem é o engraçadinho que esta achando graça do que aconteceu? – continuava gritando, agora vermelho de raiva, e Laura ria ainda mais, e por essa distração, ela não percebeu quando o professor Rian saiu de perto do carro do pai e foi à procura de quem estava rindo.
—Então é ai que você estava ao invés de estar assistindo a minha aula?- perguntou Rian atrás de Laura, a fazendo pular com o susto.
—Desculpe professor, mas aqui é muito mais interessante do que a sua aula – rebateu Laura.
—Então foi essa delinquente que destruiu o meu carro?! – continuava gritando o diretor, e nesse tempo o estacionamento já estava cheio dos funcionários do colégio que saiam para almoçar, mas que resolveram parar para ver o que foi capaz de tirar o Sr. Augustus do serio.
—Pai, não temos nenhuma prova que foi ela quem fez isso. Garanto que ela tem uma ótima explicação para estar aqui fora – defendeu Rian olhando para Laura.
—O professor Rian tem razão diretor, vocês não têm provas de que fui eu, alem do mais, eu tenho uma ótima explicação para estar aqui e ter matado a sua aula professor, é que eu não aguentava mais ter que assistir à aula de um filhinho de papai recém-formado, que não faz nada na sala de aula a não ser dar em cima das lideres de torcida peitudas da sala – debochava Laura, mesmo sabendo que aquilo era mentira, ele era um ótimo professor e eram as garotas que viviam dando em cima dele, mas ele sempre fora muito profissional e nunca dera esperanças nem motivos para que as garotas achassem ter alguma chance com ele.
—Não vou cair nas suas provocações Laura, eu conheço muito bem você e conheço melhor ainda meu filho – falou duramente o Sr Augustus -, agora me fale como conseguiu sair do colégio e como você pode fazer isso com o meu carro! – gritou ainda mais vermelho de raiva.
—Eu... – Laura começou a falar, mas logo foi interrompida.
—... Ela vai voltar para dentro do colégio e ir almoçar – disse Rian olhando para Laura, e depois se virou para encarar o pai - e nos vamos fazer o mesmo, já que não vamos conseguir sair para comer em casa, e depois o senhor chama o guincho para levar o carro, e no fim do dia nós voltamos para casa na minha moto, eu consigo arrumar outro capacete para o senhor.
—Essa delinquente não vai voltar para dentro do meu internato! – continuou gritando o Sr. Augustos que não conseguia parar de berrar desde que viu o estado de seu veiculo, Laura continha a vontade de rir ao ver aquele homem careca, que ficava cada vez mais vermelho, que ate parecia estar prestes a explodir.
—Pai, você sabe que hoje não é um dia adequado para dar sermões na senhorita Delarian, deixe-a voltar e almoçar, mais tarde vocês terão muito que conversar – com essas palavras a expressão do Sr. Augustus se modificou completamente, ele se acalmou e um brilho frio e perverso invadiu seus olhos azuis, que fez Laura congelar e ter, pela primeira vez, medo daquele senhor.
—Vamos Laura, volte para o colégio conosco – após essas palavras ele se virou de costas para a garota e seu filho e se dirigiu para a entrada do colégio, Rian e Laura o seguiram.

A ultima aula da tarde havia terminado há cinco minutos e ate então o diretor Augustus ainda não tinha falado com Laura, ela estava preocupada, nunca nenhuma bronca, castigo, detenção ou ate mesmo expulsão haviam demorado tanto para acontecer, Laura sabia que o diretor estava tramando alguma coisa, e esse silêncio todo que ele estava fazendo em relação ao que ela fez a deixava cada vez mais desinquieta.
— Todos os alunos compareçam ao pátio principal, o diretor Augustus vai fazer um pronunciamento. Todos os alunos... – repetia o autofalante do colégio.
“É agora!” pensou Laura.
Todos já estavam reunidos no pátio, Laura fez questão de ser a ultima a chegar, todos os estudantes estavam espalhados no lugar, cada um em seu próprio grupo de amigos, Laura não pertencia a nenhum deles. Mesmo sozinha ela foi ate a frente do palco improvisado onde aconteciam algumas palestras ás vezes, e onde agora estava reunido o diretor e todo o corpo docente da escola. O professor Rian estava conversando com o seu pai e parecia estar tentando arrancar alguma informação dele, inutilmente. Os dois viram quando Laura se aproximou, o olhar que o professor Rian lançou sobre ela foi carregado de reprovação e ate mesmo de algo que pareceu ser preocupação, já o de seu pai, pareceu estar carregado de puro divertimento.
—Quero pedir silencio a todos – começou a falar o Sr Augustus no microfone e todos, tanto estudantes quanto professores, se calaram. É com muita tristeza que eu reuni todos vocês aqui hoje, eu queria pedir que todos prestassem suas condolências a nossa querida estudante Laura Delarian, que perdeu seu irmão, Miguel, essa manhã, morto em um terrível acidente quando tentava fugir do internato onde morava.