“Goiânia, 17 de março de 2010.

 Oi Cris,

Eu não sei as palavras certas para usar, então optei por ser direta: Eu estou gravida.

Desculpe eu não ter dito antes, mas ver sua felicidade me impediu de ser egoísta e estraga-la. Sei que você também não receberá esse e-mail, então o segredo se mantem, mas mesmo assim, me sentirei menos culpada por estar te privando dessa nova vida que estou gerando aqui.

Prometo escrever nesses e-mails sem remetente, todas as fases importantes do nosso bebê.

Me perdoe se omiti, mas acredito que não faria tanta diferença para você saber de nossa existência.

Sua Malu.”

—O que você ta fazendo acordada ate essa hora? –Alice pergunta chateada. Desde que passou a morar no meu quarto, não tenho deixado que ela durma direito.

—Agora tenho o que escrever nos e-mails de mentira. Vou guardar todas as lembranças que seriam importantes para o Cris neles. –sorrio com melancolia.

—Acho que você precisa de terapia. –diz ranzinza enquanto se vira para tentar dormir novamente.

...

“Goiânia, 23 de abril de 2010.

Oi...

Tenho uma noticia que vai te deixar muito feliz: É UMA MENINA!

O que acha disso papai?

Estou pensando em nomes, imaginando qual teríamos escolhido juntos. Você certamente iria pensar em algo de arrepiar os cabelos, mas como sou eu quem esta aguentando todos os desconfortos da gravidez me sinto no direito de escolher um que agrade a nós dois.

PS: Amamos você!”

...

—Malu, me deixa ir com você? Esses encontros são para o casal, você pode não acreditar mas vai se sentir mal estando sozinha lá. –Guilherme insiste outra vez para me acompanhar ao encontro de pais.

—Gui, eu agradeço sua intenção de me ajudar, mas não posso te usar para suprir minhas necessidades, desculpe. –não quero magoa-lo mais do que já esta.

—Malu, eu não sou um menino bobo apaixonado, eu sei que você ainda ama o Cristiano, mas isso não me impede de te amar também. Nada me daria mais prazer do que te acompanhar nessa gravidez, eu amo você e amo sua filha Malu, será que não entende? –diz sincero.

—Gui, eu não quero te impedir de conviver com a gente, eu adoro você de verdade, só estou tentando não te magoar.

—Nada me magoaria mais do que não poder te ver mais. –não consigo me conter e o abraço agradecida.

...

“Goiânia, 03 de julho de 2010.

Oi papai...

Estamos passando para dizer que sentimos sua falta hoje no encontro de pais.

Sabe Cris, houveram momentos em que eu pedi a Deus que um outro amor logo aparecesse, porem, contradizendo a mim mesma, só de imaginar isso me senti morrer por dentro.

Enfim, sabe o que viemos te contar? Nossa filhinha já tem um nome: Jade! Esperamos que goste.

PS: Ainda choro por você.”

...

—Fica calma Malu, logo sua obstetra vai chegar. –Alice tenta me acalmar, visivelmente muito mais apavorada do que eu.

—Eu to calma Alice, minha mãe já chegou? –finjo estar calma.

Delirando entre o desespero e a razão me vejo sendo levada para a sala de parto. Outra vez a experiência na pratica foi mil vezes pior do que na teoria. Foram dezesseis horas de trabalho de parto divididas entre a dor quase mortal de dar a luz, e a felicidade de trazer ao mundo a minha Jade.

E então a vi. Toda dor sendo ofuscada por aqueles olhinhos confusos, o rostinho pequeno é uma perfeita mistura minha e do Cris. Senti meu rosto esquentar quando as lagrimas brotaram. O amor que pensei ser inexplicável tomou proporções ainda maiores.

Ela é linda.

...

“Goiânia, 19 de agosto de 2010.

Oi Cris...

Nossa menina nasceu, hoje faz sete dias que ela veio ao mundo. Ela é maravilhosa Cris, tenho certeza que você ia ama-la tanto quanto eu a amo.  Não me sinto no direito de dizer que senti sua falta no momento mais importante da minha vida sabendo que foi uma consequência das minhas próprias escolhas erradas. Me perdoe por isso também.

Hoje nós a registramos no cartório, e confesso que deixei um espaço na certidão dela para que um dia ela seja Jade Lacerda de Araújo.

Ainda sua, Malu.”

...

—Malu, por que não aproveita que sua mãe esta aqui, deixa ela cuidando da Jade e vem com a gente? Você precisa se distrair amiga, só trabalhar e ser mãe tem tomado toda sua juventude. –Alice minha fiel companheira sempre aqui por mim, uma pena eu não conseguir agrada-la nem um pouquinho.

—Vou assistir TV Alice, vai e aproveita por mim ta? Te amo. –digo colocando-a para fora da casa.

Eu não poderia dizer a Alice qual minha real intenção, seria muito provável que ela desistisse de sair para uma sessão terapêutica de emergência. Ela nunca aceitou essa minha insistência em mandar e-mails sem destinatário. Nunca sequer entendeu, por isso acabei diminuindo a frequência e quase esquecendo por fim. Hoje decidi reler alguns e com isso me lembrar um pouco mais dele, o único homem que fui capaz de amar. Cristiano.

Minha caixa de e-mail esta repleta de lembranças bonitas, quantas vezes desejei envia-las mas ao imaginar a reação horrível que ele poderia ter, acabei desistindo.

Cada titulo foi um momento muito importante de nós duas quais eu dediquei a ele.

Minha gravidez. (17 de março de 2010)

Descobrimos o sexo. (23 de abril de 2010)

Sentimos sua falta. (03 de julho de 2010)

Ela nasceu. (19 de agosto de 2010)

Primeiros passinhos. (30 de julho de 2011)

Aniversario de princesa. (12 de agosto de 2011)

Cadê o papai? (27 de dezembro de 2011)

Primeira vez no zoológico. (13 de janeiro de 2012)

Meu primeiro dia de aula. (17 de fevereiro de 2013)

Viagem para a praia. (05 de julho de 2013)

Esses para mim foram os mais marcantes dentre todos os demais. Eu me sentia menos cruel por ter escondido dele a existência da nossa filha quando usava esses e-mails. Eles serviram como uma camuflagem para esconder meu egoísmo.

Quando eu soube que ele se separou da Bruna, um ano depois de se casarem quase fui correndo contar a ele, mas ele começou imediatamente uma turnê pelos Estados Unidos, me fazendo repensar em tudo, outra vez. Ele tem uma vida corrida, esta cada dia mais famoso, nem mesmo a Bruna que também é cantora não conseguiu acompanha-lo, novamente eu desisti. Em sua vida não tem espaço para nós.

Agora depois de tanto tempo, me sinto na obrigação de escrever-lhe outro e-mail sobre nossa filha. Um dia ela mesma os entregará para ele. Um dia ele saberá que é pai dela.

“Goiania, 21 de maio de 2015.

Oi Cris...

Quero começar pedindo desculpas por ter passado tanto tempo sem escrever, a vida se tornou corrida depois que me formei. Hoje trabalho no hospital regional e enfim posso dizer que parte do meu sonho esta realizado. A outra parte jamais poderei concluir pois ela esta ai com você.

Você ainda pensa em mim? Aqui a resposta é sempre sim. Eu apesar de tantos anos, ainda te amo como o primeiro dia.

Bom, não quero mais falar de mim. A Jade esta cada dia mais linda, inteligente e acredite, ela é sua cara. Ate o sorriso torto e debochado ela herdou do pai dela. Ela ainda pergunta por você, e como sempre, eu digo que você é incrível.

Ah, ela também canta, acredita? Estar com ela tem fortalecido ainda mais meu amor por você, ela é sua parte aqui.

Ainda te amo Cris, e espero que ai você também.”

Acordo com o notebook ainda em cima do meu colo, dormi tarde ontem se não fosse esse telefone tocando acho que dormiria bem mais.

—Oi Alice. –atendo sonolenta.

—Malu como você ta? –pergunta preocupada. Não entendo.

—Estaria melhor se minha melhor amiga não me acordasse tão cedo num dia de folga, o que foi? Por que quer saber se estou bem?

—Você ainda não ligou a TV? –pergunta me deixando ainda mais confusa.

—Não por que o que houve? –pergunto nervosa.

—É o Cris. –sussurra.