Blooded escrita por Sawatari


Capítulo 1
Capítulo 1 - O primeiro dia de uma Vida Morta




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            Eu estava no inferno. Sentia minha pele fria como gelo enquanto abraçava os ombros, mas ao mesmo tempo, eu queimava. Tudo o que via eram borrões confusos, hora um teto pontilhado de teias de aranha, hora uma chão duro de concreto, hora uma porta trancada com cadeado. Por mais que gritasse, ninguém vinha. Eu ia morrer sozinho.

            Então parou. Todo o fogo que percorria meu corpo se concentrou em dois únicos pontos. Com um sobressalto, meu coração parou de bater, extinguindo o fogo nele. Entretanto, ainda estava vivo. Respirava em arquejos, enquanto piscava, tentando me acostumar com aquela aguçada visão e esquecer os sons distantes e abafados ao longe.

            E mesmo tomado por esses pensamentos, ainda tinha plena noção de que minha garganta ainda queimava. Me levantei, mais rápido do que julgava ser possível, e olhei a volta. Pela aparência, e tamanho, do lugar, devia ser um depósito abandonando a muito tempo. Por que eu estava ali?

            Senti um arrepio que não tinha nada a ver com o frio ali. Afinal, não sentia mais frio. Eu não me lembrava do que tinha acontecido antes de queimar. Nada. Nem mesmo meu nome. Eu não sabia quem eu era. Reprimi a onde de desespero que ameaçou quebrar no meu peito. Se deixasse aquilo me dominar, ficaria lá, sozinho, me lamentando por sabe-se lá quanto tempo.

            Fui até a porta e quebrei o cadeado, apenas fechando a mão sobre ele. Não me pareceu estranho, já que não me lembrava do que era normal para mim. Estava escuro lá fora, o vento forte batendo, nuvens pesadas cobrindo a lua. Uma noite comum de inverno. A rua se estendia a minha frente, desgastada e velha, quase tanto quanto as casas e armazéns, quase todos fechados com tábuas.

            Em poucos segundos me afastei daquele lugar. Tentava andar devagar, um segundo para cada passo, para poder ver tudo mais claramente. Logo as casas do subúrbio se transformaram em lojas e propagandas de um centro. Estava tarde, porque não havia ninguém além de mim lá. Como esse era meu único pensamento no momento, não conseguia me distrair o suficiente para esquecer a dor na garganta.

            O que aconteceu depois foi rápido demais, até mesmo para mim. Eles apareceram, no fim da rua. Um casal, de mãos dadas e andando meio cambaleantes às vezes. Um encontro havia durado tempo demais. Não haviam me notado ainda, devido à escuridão e à distância. Tudo o que distingui deles eram que eram um homem e uma mulher. Seu cheiro me desligou de todo o resto.

            Em três passadas estava a frente deles, que se assustaram. Havia aparecido rápido demais, já que esquecera de controlar minha velocidade. O homem disse alguma coisa surpreso, mas não conseguia escutar. Só conseguia manter os olhos no ponto do seu pescoço onde o fluxo de sangue corria, mais rápido por conta do susto. Eu ataquei.

            Ele caiu no chão quando me joguei sobre ele, mas antes que pudesse gritar, cravei os dentes em sua pele. O homem agitava os braços tentando me afastar, mas era o mesmo que mover uma montanha, acho eu. O gosto de se sangue inundou na minha boca, quente, pesado, doce. O fogo na minha garganta diminuiu a medida que sugava todo o sangue. Seus movimentos foram ficando cada vez mais letárgicos, até que cessaram por fim. Pouco tempo depois, seu corpo já tinha perdido todo o sangue que tinha.

            Levantei o rosto, sentindo aquela maldita queimação voltar lentamente pela minha garganta. Sem pensar, passei a mão no rosto, tirando o sangue que tinha escorrido pelo queixo. Eu ainda estava consciente da mulher ao meu lado, que ficara paralisada de terror ao ver meu ataque. Queria ver qual seria sua reação.

            Depois de longos dois segundos, ela soltou um grito abafado e se afastou um passo. Me virei para ela, rosnando. Ela deu um grito de verdade, virando de costas e correndo pela rua. Observei-a se afastando desesperada alguns metros, antes de levantar de seu... err, amigo. Dei duas passadas longas, tomando impulso, e saltei. Ela também caiu na calçada da esquina quando caí sobre suas costas, se contorcendo para se soltar.

            A segurei pelos braços, rasgando o fino casaco que usava sobre eles e a carne sob a pele pela força que tinha adquirido. Estávamos debaixo de um poste, desse modo, ela pareceu ver mais claramente meu rosto quando a virei. Provavelmente eu era assustador, porque soltou outro grito estrangulado e começou a soluçar.

 

            - Por favor... não, por favor...

            - Vai acabar rápido. – disse, antes de cravar os dentes em seu pescoço também.

 

            Seu grito agudo pareceu rasgar meus tímpanos sensíveis, de modo que tapei sua boca com uma das mãos, tentando fazê-la calar a boca. A verdade era que eu não precisava segurá-la com ambas as mãos, uma vez que descobrira a força que tinha. Seus movimentos eram ainda mais irritantes do que os do homem, de modo que aumentei a força com que a segurava. Eu podia ficar ali, tomando seu sangue por toda a eternidade, o gosto doce e quente atravessando meu corpo, atenuando a dor, me desligando do fato de que eu não sabia anda sobre mim mesmo ou qualquer outra coisa desde que saíra daquele depósito.

            Com certeza era o que eu faria, se seu sangue não tivesse acabado também. Soltei seu corpo inerte, ficando de joelhos sobre seu peito. Levaria mais tempo para o fogo em minha garganta voltar, ajudado pelo fato de que minha mente estava tomada na lembrança do gosto do sangue e da sensação que ele causava.

            Aquele sentimento era tão bom que do nada eu comecei a rir. Qualquer um passasse ali, iria se horrorizar com um garoto rindo feito um maníaco sobre o corpo sem sangue de uma mulher, mas eu não conseguia parar. Além disso, se alguém aparecesse, eu o atacaria também. Não precisava de mais sangue, agora que o fogo tinha atenuado, mas eu queria mais. Segundos depois, consegui parar de rir e me levantei. Olhei para mim mesmo, mas antes que registrasse algo, notei o sangue nas minhas mãos. Eu tinha apertado o rosto e os braços daquela mulher com força demais.

            Desejando que tivesse mais, lambi os dedos, sentindo fracamente o gosto do sangue já frio e coalugando. Foi aí que eu levantei os olhos e estanquei. Na esquina havia uma daquela lojas que deixam seus vidros expostos, como se não tivessem nada de valor para ser roubado, o que devia ser verdade. E refletido no vidro da vitrine, iluminado debaixo do poste, estava uma criatura estranha.

            O garoto era alto, mas era difícil definir sua idade. Podia ser qualquer coisa entre quinze e dezenove anos. A pele era branca como alabastro, lisa e tendo apenas uma deformação, uma cicatriz em meia-lua no lado esquerdo do pescoço, que podia ser facilmente escondida dos humanos. Seus cabelos castanhos e escuros estavam desarrumados e caindo sobre os olhos emoldurados por olheiras arroxeadas. Olhos vermelhos como rubis mergulhados em sangue. Seu corpo estava rígido enquanto as feições angulosas revelavam espanto. Uma das mãos estava próxima à boca, com manchas de sangue.

            Ele definitivamente não era humano. Não com aquela aparência, ou o que tinha feito. Não duvidava que um dia tivesse sido humano, mas se tornara algo diferente. Aquilo era uma anomalia, uma aberração, um desconhecido. Aquilo era eu.

            Deixei a mão cair, já esquecendo do quanto queria o sangue nela, hipnotizado pela bizarra criatura que se olhava chocada pelo vidro. Então abaixei os olhos para os corpos na rua. Eu tinha matado duas pessoas friamente, como se não fossem nada. Tinha que sair dali. Simplesmente tinha que fugir daquilo que tinha feito.  Dei às costas aquele reflexo e corri. Corri o mais rápido que podia.

            Sem nunca olhar para trás.

 


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