Na Mira da Flecha escrita por Luh Castellan


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Olá! Obrigada pelos comentários, acompanhamentos e visualizações nos últimos capítulos ♥
Me desculpem se os fatos ficarem meio corridos, mas é porque estou literalmente correndo contra o tempo para terminar esta história no prazo que o moço pediu.
Beijos e boa leitura!



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Farei um resumo dos fatos: dois dias depois, chegou uma carta de Elena, dizendo que a informação chegou até o presidente da Liga, foi alvo de muitas discussões, mas no fim, eles acabaram permitindo que eu participasse, pela clara demonstração de habilidade e porque não havia mais tempo para arranjar outro arqueiro. Claro que fiquei em êxtase, pulando e rindo pela casa.

Demorou um pouco (bastante) para convencer meu pai a me deixar ir, mas depois de muito choro, ele acabou cedendo. Descobri que por trás de toda a sua oposição em me deixar ir, estava o medo de perder a sua única filha mulher. Porém, o lema “servirei e honrarei a pátria em todas as circunstâncias” acabou falando mais alto. A marra de Joshua era, em parte, inveja. Ele foi aceitando e já não implica tanto comigo. Estava bastante empolgado com a repercussão de tudo e seu passatempo preferido tornou-se discutir estratégias de batalha comigo.

 Por falar em repercussão, a notícia da “primeira garota a entrar para a Liga” saiu até no Canal Real, com uma entrevista dos jurados que avaliaram meu teste (que foram os mesmos a avaliarem o príncipe Lucca) e um depoimento da rainha, que falou que aquilo tudo era “um importante passo na história do nosso país”. O rei não deu muita importância ao assunto. E, depois do vexame naquele programa, ele acabou deixando o filho participar dos Combates, numa demonstração de “patriotismo”. Ele ainda estava um pouco relutante, receoso em perder o único herdeiro do trono. Acredito que ele cedeu por pura pressão.

Eu fui chamada para dar uma entrevista no programa também, mas meu agente (sim, agora eu tinha um e minha ficha ainda não caiu) achou melhor não expor a minha imagem. Ele e várias pessoas estranhas passaram a frequentar a minha casa nos últimos dias. Uma equipe para cuidar da minha beleza, saúde, porte físico, imagem, treinamento... Estavam bastante animados com a ideia de uma garota na Liga, pois não se podia fazer muita coisa com os homens (maquiar, por exemplo). Só deram alguns retoques no meu cabelo e disseram que o corte estava bom, pois passava a impressão de força e valentia.

Assim, quase um mês depois do dia em que conheci Elena, me levaram a um centro de treinamento onde os guerreiros ficariam confinados até o grande dia do Combate. Aquela seria a primeira vez que eu veria os outros rapazes pessoalmente. Se eu estava nervosa? Imagina... Só estava prestes a saltar da janela daquele trem em movimento.

De fora, o Centro parecia uma base militar. Altos muros com arame farpado, construções retangulares e achatadas, como caixas de cereal, torres de vigia... Tudo tinha uma insípida cor cinzenta. Fui guiada até o prédio principal, onde um homem me aguardava. Era o mesmo jurado barbudo daquele dia.

— Karenina, certo? — Me cumprimentou, quando me aproximei.

— Sim.

— Sou Hann — Ele estendeu a mão e eu a apertei. — Quando eu tinha um pouco mais do que a sua idade, trouxe a vitória para Bellatorum, lutando como arqueiro.

— Prazer em conhece-lo, Hann — Esbocei um sorriso.

— Eu vi o que você fez naquela sala, garota — Apontou o dedo para o meu peito. — E enxergo bastante potencial em você.

Senti-me surpresa e honrada por um dos maiores arqueiros de Bellatorum achar aquilo de mim.

— Honre a cor do seu cabelo, menina — Ele brincou. — E mostre para todos que ele não simboliza algo ruim, e sim poder.

***

Hann fez um tour comigo pelo complexo. Me mostrou salas de treinamento em conjunto, salas de treinamento individual, sala de musculação, de tiro ao alvo, de simulações, de jogos e uma que eu especialmente adorei: o refeitório. Não vi nenhum dos outros selecionados no trajeto. Por fim, ele me mostrou o meu quarto e disse para estar pronta para o jantar às sete.

O cômodo era bem simples, todo branco, composto somente por uma cama, uma bancada debaixo da janela e um armário. Uma porta no lado esquerdo dava, provavelmente, para o banheiro. Não contive a curiosidade e fui logo xeretar o armário. Estava cheio de roupas iguais, cinzas. Puxei uma delas e percebi que era uma espécie de traje de proteção. Na parte debaixo estava um par de coturnos pretos que, por sorte, eram do meu número. Não sei como eles conseguiram isso, mas tudo naquele armário, até as roupas de baixo que estavam numa gaveta (o que torna o fato ainda mais vergonhoso) era exatamente do meu tamanho.

Tomei um banho relaxante, me troquei e tentei achar o refeitório sem me perder. Como era de se esperar, eu me perdi, indo parar na sala de armas. Como eu podia imaginar que por trás daquelas portas duplas não estava o refeitório, e sim a maior coleção de artefatos de batalha que já vi na minha vida?

Escudos com o brasão de Bellatorum e estandartes de batalha adornavam as paredes. Nas paredes, em estantes, prateleiras e mesas estavam espadas de todos os tamanhos, lanças, adagas, marchados e várias outras coisas afiadas que sequer sei o nome. Armaduras completas estavam montadas ao lado da porta e um grande candelabro pendia no centro da sala. Também havia pilhas de botas, proteções de couro para pernas, luvas metálicas para punhos e braços. Um cheiro de metal, couro e aço dominava o local.

Uma coleção em especial atraiu minha atenção. Minha boca abriu-se no formato de um “o” enquanto eu me aproximava para analisar de perto a enorme variedade do melhores arcos de Bellatorum. Deslizei os dedos pelos cabos de madeira, sentindo sua textura. Haviam desde arcos pequenos até armas tão altas quanto eu.

— É uma coleção incrível, né? — Uma voz masculina interrompeu meus devaneios, me fazendo dar um pulo de surpresa.

Me virei imediatamente e me deparei com o Príncipe Lucca. Era impressionante como até o traje de proteção tornava-se uma veste elegante nele.

— Alteza — cumprimentei-o, curvando-me.

— Ah, por favor — Ele revirou os olhos. — Só Lucca.

Ele parecia até um garoto normal, relaxado, com as mãos nos bolsos.

— Ok, Só Lucca — brinquei.

Consegui arrancar-lhe um pequeno sorriso.

— E você deve ser a famosa Karenina.

Agora foi a minha vez de rir.

— De famosa, não tenho nada — Baixei o olhar para o chão.

— Não é isso que os noticiários dizem — retrucou. — Se bem que... É mais bonita pessoalmente, sem aquele elmo cobrindo o rosto.

Era impressão minha ou o príncipe estava dando em cima de mim? Ele poderia elogiar o meu modo de luta, ou minha coragem, mas de todas as coisas do mundo, o que eu menos esperava era que ele reparasse na minha aparência.

— Hã... Acho que está na hora do jantar — Mudei de assunto.

— Ah, claro — Ele deu uma tapa na testa, como se tivesse esquecido de algo. — Quer que eu te acompanhe até o refeitório?

— Claro.

E então, Sua Alteza Real o Príncipe Lucca Di Azzi acompanhou-me pelos corredores vazios do Centro de Treinamento da Liga, e eu não sabia qual das situações era mais inimaginável e difícil de assimilar.

***

Os dias que se seguiram foram meio estranhos. Fora Lucca, os outros rapazes me tratavam com indiferença, como se o fato de eu ser mulher fosse uma simples falha no julgamento da Liga, algo deslocado, que não deveria estar ali. Yoseph me olhava como se eu fosse uma mosca insignificante, Caleb me enxergava como a mosca insignificante que caiu na sopa que ele ansiava tanto comer e pelo olhar de Chris, ele torcia para ser um mata-moscas e me esmagar com seus punhos enormes. Resumindo: eu não era bem-vinda.

As tentativas de Lucca para me integrar ao grupo, principalmente nas sessões de treinamento em equipe, eram suprimidas pelas piadinhas machistas daqueles três babacas. Hann se esforçava para me fazer evoluir a cada dia, com foco especial nos meus pontos fracos. Aprendi quando e como usar uma imensa variedade de flechas.

Não tínhamos qualquer notícia do mundo lá fora, a não ser o muito pouco que os nossos técnicos nos contavam. De vez em quando, algum fotógrafo aparecia, tirava umas fotos “espontâneas” de nós e ia embora.

Eu tentava manter sempre uma expressão confiante e me fazer de “durona”, mas perdi as contas de quantas noites passei chorando, com o rosto enterrado no travesseiro. Eu tinha saudades de casa. De vez em quando, batia uma vontade insana de largar tudo para o ar e desistir. Porém, eu me lembrava de todas as pessoas que estavam torcendo por mim, de todas as garotinhas que inspirei pelo país a fora, que viram pela primeira vez uma integrante do sexo feminino em um lugar “de destaque”. Me lembrava da minha família também, principalmente de Henry, que eu podia imaginar vibrando de alegria a cada nova notícia que saía. Josh e meu pai também, que no início foram contra, mas eu sabia que no fundo estavam morrendo de orgulho.

Entretanto, o que mais me fortalecia era lembrar de todas as críticas que recebi. De todos que riram de mim e me julgaram incapaz, e dos milhares com esse mesmo pensamento que eu tinha certeza que eram numerosos. Isso alimentava minha raiva e meu orgulho, me fazia aguentar as piadinhas machistas e sempre dar o meu melhor para provar para esses idiotas que eles estavam errados. Que uma garota pode muito bem trazer orgulho para o nosso país. Para mim, não existia a frase “se nós ganharmos os Combates”. No meu vocabulário, se depender de mim, “nós vamos ganhar os Combates”.

— Como vocês sabem, falta menos de um mês para o grande Combate — Um homem baixinho, cujo nome era difícil demais para eu pronunciar, iniciou seu discurso.

Ele era ridiculamente pequeno e portava um bigode ridiculamente grande, tornando-o semelhante a um rato. Seu olhar era afiado e seus passos eram meticulosamente calculados, enquanto ele andava de um lado para o outro na nossa frente.

Estávamos reunidos no salão de treinamento em equipe, numa formação de fila. Esse salão era um dos meus preferidos do complexo. Sacos de couro cheios de flechas balançavam nos ganchos, bonecos para treino de luta altamente reforçados estavam enfileirados do lado esquerdo, além de uns equipamentos estranhos de madeira com engrenagens e outros instrumentos mais complexos que sequer sei o nome.

— Eu estive observando-os esses dias e pude notar que ainda há uma certa “rivalidade” — O homem prosseguiu, demorando o olhar em Chris. — E isso não pode existir. Vocês não são adversários. São uma equipe. Não é cada um por si aqui, é “um por todos e todos por um”.

Sua entonação de discurso era forte, parecia entrar pelos meus ouvidos e ser absorvida por cada músculo do meu corpo. Eu seria capaz de me jogar da janela se ele me mandasse fazer isso.

— Enquanto cada um dos maricas estava ocupado em se mostrar e intimidar uns aos outros, o povo de Proelium está confiante, treinando seus guerreiros para o que eles julgam ser a melhor batalha de todas. Eles acham que tem uma vantagem, pois nosso time está “desfalcado” por uma mulher. E estão especialmente ansiosos em matar o único herdeiro do trono de nosso reino.

O homem olhou para mim e para Lucca enquanto dizia isso. Senti meus dentes trincarem e minhas mãos apertarem-se em punhos, de puro ódio.

— Vamos ensiná-los da pior forma que não se pode subestimar os guerreiros bellatorianos. Pensem em pedras preciosas. São muito bonitas e valiosas individualmente, todos nós sabemos. Mas, se as unirmos numa única peça, como um colar... O valor e a beleza tornam-se inestimáveis. Vocês quatro são como joias. E eu irei lapidá-los.

— Que bela comparação — Caleb cochichou para Chris ao meu lado, cheio de sarcasmo. Foi alto o suficiente para que eu pudesse ouvir.

E, para a infelicidade dele, o instrutor ouviu também. Aconteceu tudo muito rápido. Num piscar de olhos, o baixinho havia sacado uma faca sabe-se lá de onde e pressionou contra o pescoço de Caleb, longe apenas o suficiente para não cortar sua garganta.

Caleb paralisou-se no lugar e todo o sangue sumiu da sua face. A sala estava completamente silenciosa. Todos os guerreiros prenderam a respiração.

— Mais um comentário tolo e eu arranco fora o seu olho — O homem sibilou. — Acha que tapa-olhos estão na moda, meu querido diamante?

O mais jovem esforçou-se para balançar a cabeça negativamente, sem que a lâmina cortasse seu pomo-de-adão. Seus olhos escuros estavam arregalados sob as grossas sobrancelhas. O instrutor guardou a faca e afastou-se, com um sorriso malicioso estampado no rosto.

— E o aviso serve para os demais — Cruzou os braços na frente do corpo. — Muito bem, vamos prosseguir. Formem duplas.

Os próximos dias passaram-se como um borrão. A rotina era basicamente a mesma: treinar, treinar, exercitar o corpo, treinar, comer, treinar, aulas de estratégia, treinar, comer de novo, treinar, dormir e treinar mais um pouco. Com o passar do tempo, o atrito entre os membros foi diminuindo e chegamos ao mais próximo que pode-se chamar de uma equipe. Os rapazes esgotaram as piadas machistas, visto que eu os ignorava ou ameaçava cravar uma flecha na testa de cada um.

A aproximação iminente da competição causou uma onda de ansiedade no Campo de Treinamento. Todos estavam com os nervos à flor da pele. Todos estavam mais quietos (exceto Yoseph, que já é calado por natureza), resmungos e gritos soltavam-se com facilidade das aulas de treinamento em equipe e o risco de facas voarem na hora do refeitório era tremendamente alto.

Me impressionava como Lucca estava reagindo a tudo aquilo. Ele era calmo, disposto a ajudar e dar instruções em qualquer ocasião, e não perdia o senso de humor. Era como se estivesse a vida inteira preparado para ir a um campo de morte.

Finalmente o grande dia chegou. As equipes de beleza retornaram e nos fizeram de bonecos novamente. Arrancaram pelos de cada centímetro do meu corpo, me envolveram em óleos e cremes, fizeram tratamentos especiais no meu cabelo e unhas. Era um pensamento como “se vou morrer, pelo menos morrerei linda”. Nos vestiram em trajes especiais com armaduras leves e versáteis, além de um tecido forte, caso haja frio. Ninguém sabia quais circunstâncias teríamos que enfrentar no campo.

A espera era absurdamente inquietante. Meus colegas de equipe lançavam olhares significativos e solidários uns aos outros, como se soubessem que este poderia ser o último dia em que estaríamos vivos. Fomos levados ao local de combate numa das carruagens especiais do Rei, passando por um enorme corredor de espectadores aglomerados dos dois lados da estrada. As pessoas gritavam nossos nomes, eufóricas. Vi até alguns cartazes. O que me impressionou foi o grande número de cartazes com meu nome e frases estimulantes, como “A nossa guerreira” ou “Quando te disserem que luta como uma garota, orgulhe-se”.

O trajeto poderia ter durado meia hora ou mil anos. Eu estava meio alheia, tentando acalmar a ansiedade. Estalei as juntas de cada um dos meus dedos e teria roído as unhas, se as manicures não tivessem as deixado tão curtas. Suor frio escorria na minha nuca, apesar do clima agradável que estava fazendo. A pele pálida de Yoseph assumiu um tom meio amarelado, contrastando com seus cabelos cor de areia e seus olhos caídos, como poços de água esverdeada. Chris manteve as sobrancelhas franzidas, tentando permanecer forte, mas eu podia notar seu constante tique nervoso de passar a mão pelo cabelo baixo, de corte militar. Caleb estava com a sua carranca habitual. Lucca estava sentado à janela, observando e acenando para as pessoas lá fora.

Não notei como era o prédio do Campo por fora e só percebi que havíamos chegado quando a carruagem parou num ambiente escuro. Fomos levados para um lugar mais iluminado, forçamos sorrisos para últimas fotos e tivemos direito a gravar um recado para a família. Também encontramos nossos instrutores uma última vez. Hann me fez um gesto positivo com o polegar, antes de dois seguranças nos conduzirem à um compartimento no subsolo.

Nos mandaram ficar parados sobre uma espécie de placa circular. Eu nunca fui claustrofóbica, mas senti como se um punho se fechasse no meu peito e expulsasse todo o ar dos meus pulmões. O contador começou a anunciar o tempo em estalos agudos. A sala pareceu encolher e o teto cair sobre a minha cabeça. Eu estava me controlando para não entrar em completo desespero.

No meio desse conflito interno, uma mão deslizou para dentro da minha e a segurou firmeza. Foi como um calmante instantâneo que estabilizou meus batimentos cardíacos. O teto se abriu, inundando o cômodo com luz.


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Notas finais do capítulo

Novamente, se houver algum erro, avisem-me, por favor!
Digam o que acharam e até o próximo



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