Sensorial escrita por dubstepbard


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

As músicas que serviram de inspiração pra mim estão nessa playlist do YouTube, recomendo que você ouça enquanto lê (se curtir música eletrônica):
https://www.youtube.com/playlist?list=PLDjFKVpmXA5w5AnP6IZSn5pcbaxvU3ch9



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Seu primeiro contato foi através do som. A batida da música preenchia seus ouvidos e sua cabeça. Os agudos chamavam sua atenção: eram ousados, rasgados, insistentes. O ritmo era hipnotizante, intenso o bastante para desligá-lo do mundo mas manter seu foco no presente.

 

A linha do baixo era forte. Provocante. Completa.

 

A sequência de notas que o levaram àquele clube desconhecido era muito conhecida por ele. Sabia de cor, poderia recitá-la instantaneamente. De trás pra frente. Sem errar. De novo e de novo e de novo. Ainda assim, ficou surpreso quando chegou ao clube de fato, clube este que já estava cheio de gente. Muita gente de bom humor, alguns mais alcoolizados que outros, alguns menos empolgados do que ele.

 

Bom, ele estava realmente empolgado e não conseguia parar de sorrir.

 

Foi cumprimentado por meia dúzia de vozes animadas e elogios excessivamente altos. Não sabia se eram sinceros ou não.

 

Decidiu que eram.

 

Acomodou-se e deixou o burburinho tomar conta de seus pensamentos, esvaziando sua mente enquanto a pista começava a ferver de gente.

 

As luzes foram diminuindo até apagarem, dando lugar a flashes de luz e projeções nas paredes nuas. Estava começando.

 

Ouvia vozes, ouvia gritos, ouvia a introdução lenta e suave crescendo vigorosamente. Ouvia seu coração batendo forte em seus ouvidos. Ouvia a multidão inspirando em uníssono antes de não ouvir mais nada.

 

Silêncio.

 

E então, o drop.

 

—--

 

Já não tinha mais noção do tempo, seus sentidos inebriados pelo excesso de estímulos do clube. O cheiro de álcool e suor tomava o ambiente, os corpos exalando hormônios, perfumes e calor.

 

Era algo que ele quase achava agradável. Quase.

 

O fim do set foi marcado com um fade out muito pretensioso que deixou suas orelhas zunindo.

 

“Wow.”

 

A adrenalina finalmente abaixou. O aroma adocicado de frutas tropicais invadiu suas narinas sem cerimônia, e ele viu-se obrigado a pedir um drink no bar para matar sua sede.

 

Ouviu seu nome sendo chamado no meio da multidão e virou-se rapidamente. O dono da voz, e do clube, era, vejam só que coincidência, um de seus ex-colegas de escola com quem ele havia perdido contato ao longo dos anos. Em questão de minutos, ele estava com uma fitinha no braço. Uma fitinha valiosa que garantia acesso à área VIP.

Aquele era seu dia de sorte.

 

Lá era possível relaxar, sentar-se e até mesmo respirar propriamente. O ar condicionado gélido fazia suas narinas arderem toda vez que ele inalava, mas a mudança de ares era muito bem-vinda.

 

A porta do backstage se abriu e dela saiu o DJ que estivera no palco há alguns minutos, falando no celular com alguém que, pelo tom de voz que estava usando, não estava sendo gentil.

 

Ou sendo gentil demais.

 

“Não, olha, eu não preciso de carona. Já comi. Aham. Estou sóbrio. Não vou demorar, logo menos eu volto. Pode ficar tranquilo Yamaguchi, eu sei do show de amanhã e não vou fazer nada estúpido hoje. Não vou estar de ressaca.”

 

Kuroo sorriu e seu coração parou por uma fração de segundo.

 

Não. Acredito. Nisso.

 

—--

 

Olhou ao redor para verificar o tamanho de sua sorte.

 

Lá estava ele, na área VIP de um bar que nunca havia visitado antes, cercado de pessoas bonitas e, sem dúvida alguma, mais ricas do que ele. Podia ver os relógios e joias caras, roupas de grife e a qualidade superior das bebidas. Isso sem contar com a presença de um de seus DJs favoritos ali, na mesma sala que ele.

 

O DJ era tão alto quanto ele, e seu cabelo loiro aparecia por baixo do boné. Ainda usava seus headphones no pescoço, e, assim que desligou o telefone, recolocou os óculos.

 

Kuroo não conseguiu conter uma risada, o que fez com que o DJ em questão virasse para ele e torcesse o nariz.

 

“O que é?”

 

“Não imaginava que você usava óculos.”

 

Recebeu um olhar de curiosidade e uma sobrancelha arqueada.

 

“Quem é você? Um fã?”

 

Também era possível ver a irritação em sua voz.

 

“É, pode-se dizer que sim, afinal, eu vim para ver você.”

 

Não conseguia distinguir se o DJ estava corado ou se eram apenas as luzes do local que estavam deixando-o vermelho.

 

Decidiu que estava corado.

 

Kuroo observava os movimentos do DJ atentamente, demorando o olhar nos gestos demasiadamente graciosos - e lentos - que o outro fazia enquanto sentava-se no sofá logo a sua frente.

 

Ele cruzou as pernas e em seguida cruzou os braços, relaxando o corpo contra o estofado e olhando diretamente para Kuroo por cima de seus óculos quadrados.

 

Kuroo, por sua vez, estava sendo muito cuidadoso para não devorá-lo com os olhos. Não era a pessoa mais bonita que ele já tinha visto. Não era nem a pessoa mais bonita daquela sala. Mas tinha alguma coisa… alguma coisa que atraía sua atenção total e ele nao conseguia desviar o olhar. Não que o DJ parecesse se incomodar.

 

Na verdade, ele estava encarando de volta.

 

“Um fã. Uau.” sua voz saiu desdenhosa e monótona, quase uma provocação. “Quer um autógrafo?”

 

Kuroo via sua chance de ter uma conversa normal com o DJ indo embora a cada instante de sua hesitação.

 

“Pra falar a verdade, eu queria conversar um pouco com você sobre sua música, aproveitando que estamos aqui.”

 

Nunca tinha visto um sorriso sarcástico sumir tão rapidamente.

 

“É sério isso?” o DJ, cujo nome ainda era um mistério para ele, arregalou os olhos e o fitou, incrédulo.

 

“Por que eu mentiria pra você? Nós não nos conhecemos, você é um cara que faz umas músicas que eu curto e eu sou um cara curioso. Não vejo motivos pra tanto espanto.”

 

Agora, o DJ o avaliava dos pés a cabeça, sorvendo cada detalhe de seu visual. Desde seu tênis de cano alto, passando pela calça-jeans-quase-justa-demais (mas que o deixava com belas pernas, ele tinha que admitir), sua jaqueta displicentemente jogada no assento do sofá e a camiseta preta simples que usava por baixo.

 

Demorou-se um pouco mais avaliando seu cabelo e parecia genuinamente curioso.

 

“É um caso perdido, ele não me obedece de jeito nenhum.”

 

“Como vou discutir música com um cara que não consegue domar o próprio cabelo?”

 

“Não preciso ter o cabelo impecável para saber apreciar boa música.”

 

“Você tem um ponto. Você devia tentar usar bonés.”

 

Como que para demonstrar, o DJ tirou o seu e o arremessou para cima de Kuroo. Os dois riram enquanto Kuroo colocava o boné em sua cabeça com a aba para trás.

 

“E aí, como estou?”

 

“Ficou entre ‘bem melhor’ e ‘parecendo um babaca’. Eu gostei.”

 

Kuroo agradeceu as luzes intermitentes por esconderem sua reação natural: corar.

 

O DJ fez um sinal para o garçom, que logo apareceu com dois drinques. Inclinando-se para frente, ele empurrou um dos copos até Kuroo, mas não voltou a se encostar no sofá.

 

“Esse é por minha conta. Espero que goste de saquê com morangos.”

 

Kuroo pegou o copo que lhe fora oferecido e inspirou o aroma doce dos morangos. Não conseguia sentir o cheiro de álcool, apesar de saber que ele estava lá. Viu seu novo conhecido bebericar o drinque, repousá-lo na mesa de vidro que os separava e entrelaçar os dedos na frente do rosto, tudo isso sem tirar os olhos dele.

 

Aquele era mesmo seu dia de sorte.

 

—--

 

Só pararam de conversar quando o gosto dos morangos e das bebidas já não passava de um fantasma de sabor em suas línguas. Kuroo não conseguia parar de rir e o rapaz a sua frente, que agora ele conhecia como Tsukishima Kei, não conseguia mais fingir que estava irritado.

 

“Kuroo, não é tão engraçado assim…” ele disse, as palavras meio arrastadas, enquanto tentava desesperadamente combater o próprio riso.

 

“Como não?! A música mais romântica, que todo mundo acha o máximo e que está no topo das baladas é, na verdade, uma música sobre o seu gato.”

 

“Eu gosto muito do meu gato…”

 

Kuroo gargalhava com vontade e dessa vez parecia que Tsukishima estava ficando realmente bravo.

 

“Escuta, você veio no meu show e pulou na música que eu fiz pro meu gato e agora ta rindo da minha cara.” ele apontou o dedo acusatoriamente para Kuroo, que parou de rir e arregalou os olhos. “Mas ei, você pagou pra ouvir a música sobre o meu gato, pense nisso. Você que sai perdendo.” Tsukishima deu de ombros e tomou mais um gole de seu quarto - ou seria quinto? - drinque.

 

“Jamais! Nunca fiquei tão feliz de pagar pra ouvir um hit romântico sobre um gato, afinal, não teria conhecido você se fosse de outro jeito.” Kuroo não conseguiu segurar o sorriso que se formou em seus lábios ao ver a reação do outro, que quase engasgou com a bebida.

 

“Muito sedutor, você. Quase suspeito. Tem certeza que você não é um stalker?”

 

“Eu sou um cara gentil, Kei.”

 

Tsukishima riu e colocou mais um copo vazio na mesa.

 

“Certo, certo.” disse ele, enquanto se levantava meio cambaleante. “Já volto.”

 

A cabeça de Kuroo girava, sua língua estava intoxicada com o sabor do morango e ele não conseguia sentir seu próprio rosto.

 

—--

 

Kuroo definitivamente precisava ir ao banheiro, mas tinha dúvidas sobre sua condição de realizar tal façanha. Não seria nada legal cair no breve percurso entre o sofá e seu objetivo.

 

Mas ele precisava muito ir ao banheiro.

 

Suspirou e decidiu ir de uma vez.

 

Conseguiu chegar são e salvo (e um pouco cambaleante). Fez o que precisava fazer e estava lavando o rosto quando ouviu uma voz de dentro de umas cabines.

 

“Yamaguchi, eu estou bem. Não precisa mandar- não, não! Todo mundo menos a Saeko.” a voz de Tsukishima saía da cabine mais próxima da janela, em tom de reclamação. “Eu consigo chegar em casa sozinho e… Não. Eu não esqueci dos compromissos de amanhã. Ugh. Ta bom. Pode ser. Ta, já ouvi.” Um suspiro. “Vou arrumar as coisas, vai dar o tempo certinho. Ta. Tchau.”

Tsukishima saiu da cabine e Kuroo estava olhando para ele no espelho, com a cara ainda molhada.

 

“Você tem um namorado bem atencioso, Kei.”

 

“Não é meu namorado, é meu melhor amigo e, por acaso, também é meu empresário. Ele lida com a parte burocrática enquanto eu ‘faço a mágica acontecer’.” Tsukishima fez um sinal de aspas exageradas no ar, acompanhado de uma careta. Kuroo riu. “De vez em quando ele dá uma de mãe também, mas eu entendo ele. Se não fosse por ele, minha carreira nem existiria, então…” deu de ombros, tirou os óculos e pôs-se a lavar as mãos na pia do lado de onde Kuroo estava encostado.

 

Kuroo podia sentir o calor que emanava do corpo do outro, ainda que não estivessem se tocando. Era muito fácil, parecia fácil demais, na verdade. Bastava levantar um pouco o braço e....

 

“Kuroo? Você ta passando mal?”

 

Saindo do transe, ele viu que Tsukishima estava agora com o tronco curvado e as mãos em concha, olhando para ele.

 

“Não, eu to ótimo.”

 

Tsukishima lavou o rosto e sacudiu as mãos para tirar o excesso de água. Seu rosto pingava, e no segundo seguinte ele estava secando o rosto com a camisa.

 

Oh.

 

Talvez agora Kuroo fosse começar a passar mal, mas por outros motivos.

 

Aquele pareceu ser o momento ideal para inspecionar o estado do teto e realizar uma cuidadosa varredura, escaneando cada centímetro. Kuroo olhou de relance para o espelho e viu Tsukishima colocando os óculos.

 

Também viu algo que pareceu um sorriso malicioso.

 

Certo de que estava vermelho (“Culpa da bebida...”), resolveu voltar a encarar o teto.

 

“Ah, Kuroo.”

 

Reagindo à voz de Tsukishima, Kuroo virou a cabeça para descobrir que tudo o que era refletido no espelho estava bem mais próximo do que parecia. No caso dele, quase colado.

 

Ainda sorrindo daquele jeito convencido, Tsukishima pousou uma das mãos no ombro de Kuroo enquanto a outra passava perto - perto demais - de sua orelha para pegar a aba do boné que ainda estava em sua cabeça.

 

Claro, o boné.

 

Depois de tirá-lo, porém, Tsukishima não recuou um centímetro sequer, pressionando-o contra a pia.

 

Kuroo tinha certeza absoluta que nunca mais teria sorte em nada na vida.

 

Sorriu.

 

“Então… você já pegou tudo o que precisa?”

 

As vezes ele não conseguia ficar quieto. Ganhou um sorriso idêntico ao seu.

 

“Talvez...”

 

Kuroo abriu a boca mas não teve tempo de responder, porém, pois nessa hora o celular de Tsukishima tocou e ele franziu o cenho ao ver quem era.

 

“É a Saeko, ela veio me buscar. Merda. Não arrumei minhas coisas.”

 

“Foi mal.”

 

Tsukishima apenas olhou para ele, com a testa ainda franzida, e atendeu. “Oi. Ai. Não precisa gritar. Eu já vou descer, me dá 5 minutinhos. Juro. Eu to bem. Não, não precisa. Eu consigo levar tudo. Sim. Ok.” desligou o celular. “Desculpa por isso, preciso correr se não quiser ser esfolado vivo.”

 

Ele saiu do banheiro e desapareceu no backstage, deixando um Kuroo ligeiramente desnorteado para trás.

 

Poucos instantes depois, Tsukishima voltou ao lounge carregando uma mala com seus pertences e estava dirigindo-se para a saída. Parou, parecendo lembrar de algo e acenou para Kuroo ir até ele.

 

Não que Kuroo estivesse realmente pensando em deixar ele ir embora desse jeito.

 

“Esqueceu de algo, Kei?”

 

“Eu… ahm… Não costumo fazer essas coisas.”

 

“Devo ficar lisonjeado então?”

 

“Talvez.”

 

“Quando vou te ver de novo.”

 

“Na sexta, obviamente.”

 

“Oh? Você está me convidando para um encontro?”

 

“Não.”

 

“Então o que?”

 

“Eu vou tocar aqui na sexta. Apareça por aí pra gente conversar mais sobre meu gato e seu cabelo rebelde.”

 

Colocou o boné de volta na cabeça de Kuroo.

 

“Ei, achei que queria ele de volta.”

 

“Não, fica melhor em você. E você não pode sair com esse cabelo na rua, vai assustar as pessoas.”

 

“Como você é cruel, Kei.”

 

“Você não sabe de nada.”

 

“Descubro na sexta, então?”

 

“Na sexta.”


Kuroo nunca estivera tão ansioso por uma sexta-feira antes.


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Notas finais do capítulo

Esse AU fugiu do meu controle. :P
Espero que tenham gostado! Críticas e sugestões são sempre benvindas (ugh nova gramática).



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