Interlúdio escrita por Lua


Capítulo 8
Epílogo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/674008/chapter/8

Abro os olhos em um susto. Minha cabeça dói, como se eu tivesse ido pra cama as 01:00 da manhã e acordado às 05:00. Estou na cabine do banheiro do prédio em que trabalho, mas não me lembro de ter vindo parar aqui. O sono foi pesado, sem sonho, a última coisa que me recordo é de ter pedido a Silvia que me passasse o relatório do mês, então fui para a minha sala. Saio da cabine e meu rosto no espelho é lamentável. A maquiagem borrou um pouco, e tento reparar com lenço umedecido. Uma mulher mais baixa que eu, do setor financeiro, entra com uma pequena nécessaire vermelha.

— Dia puxado, né? – Ela comenta, olhando-se no espelho.

— Nem me fale. É quarta feira, e eu já estou com a ressaca de domingo!

— Então, pelo menos, a noite não foi ruim. – Ela diz, e nós duas rimos.

— Pode me emprestar um rímel? – Eu pergunto.

Ela procura na bolsinha, enquanto eu finalizo o batom. Quando termino, eu a agradeço e vou embora. Ainda tenho algumas horas até o final do meu expediente, que termina às 17:00, mas, pelo visto, vou ter que fazer hora extra.

As 17:53, desço até a cozinha, que já está quase fechando.

— Oi, ainda tem um cafezinho aí, pra mim? – Eu digo, enquanto entro de mansinho.

— Sorte a sua! – Responde Ana, com um sorriso largo. — Naquela garrafa verde ainda tem.

— Foi você quem fez, Ana?

— Foi sim!

— Ô beleza! – Meu elogio a atinge da maneira que esperava. Agora ela está limpando as coisas com certo orgulho. Ana sempre foi convencida de que faz o melhor café, e eu adoro inflá-la o ego.

Sento e converso um pouco com ela, enquanto junta suas bolsas para ir embora. Me levanto, a tempo de ver Rogério passar pela porta.

— Catarina, ainda bem que te encontrei! Será que você pode, por favor, me enviar aquele e-mail do Ramos? Por favor! Eu sei que já está de saída, mas preciso dele hoje.

— Tá, eu respondo. – Ainda assimilando as informações.

Rogério está ofegante. Claramente ansioso e um pouco agitado.

— Me deixa só subir até o meu escritório. – Falo e ando na direção dele, que, por sinal, faz a mesma coisa, em minha direção. Então, nós dois nos esbarramos, derramando o restante de café na minha blusa branca, de botões. Ele desculpa-se, frustrado por ter prorrogado ainda mais o tempo de espera. Ana vem em nossa direção com um pano para ajudar, mas o estrago já está feito. Em outro tempo, eu iria surtar por causa da blusa, mas, hoje, nem ligo.

— Tudo bem. Conserto isso em casa.

Subo para meu escritório e ligo o computador. São 18:05. Abro a caixa de e-mails e encaminho a Rogério que ele quer.

— Prontinho! – Digo, e ele agradece, se retirando. Desligo o computador e, no caminho da saída, paro para responder a uma mensagem.

Me encontra no bar da Iza mesmo?

Marcos! Me esqueci completamente. Um desanimo cresce dentro de mim. O bar da Iza é na direção oposta à minha casa, teria que dirigir quase todo o caminho de volta depois, e minha blusa boa está manchada de café. Eu poderia pegar uma outra blusa no carro, e ir, mas não estou mesmo com vontade. Me sinto um pouco culpada por desmarcar encima da hora, por um motivo tão bobo, principalmente por ser Marcos, um rapaz tão gentil. Ele daria um ótimo amigo. Depois de hoje, talvez eu marque alguma coisa para recompensar. Digito uma desculpa qualquer; eu só quero chegar em casa, rápido.

São 18:18. Adoro quando vejo “horas iguais”. Tem alguém pensando em mim, neste exato momento. Quem poderá ser? Meus pensamentos interrompem-se com meu nome sendo dito.

— Catarina! – Grita o porteiro, seu João.

Seguro o riso. Mas é claro que é o seu João que está pensando em mim! Ele é um senhor de 60 anos, negro, calvo. Viúvo há 10 anos, ele mesmo disse, quando fiquei até mais tarde aqui na empresa, porque queria evitar de chegar e encontrar meu pai me esperando na porta de casa. O turno do seu João começa às 18:40, normalmente.

— Ainda bem que cheguei mais cedo hoje, tô precisando de uma ajudinha! – Ele diz, com um sorriso.

— E o que é, seu João? – Eu respondo, tentando parecer prestativa.

— Tô querendo enviar uma mensagem pro meu neto, mas não consigo fazer essa coisa gravar a minha voz. Não sou muito bom com a escrita, cê sabe.

— Deixa eu olhar aqui pro senhor, seu João.

Pego o celular, um Samsung simples, e abro o aplicativo do whatsapp.

— Põe aqui no seu neto pra mim, fazendo favor.

Ele vai até a foto de um menino, com a aparência de uns 12 anos e seleciona a janela.

— E a família, tá bem? – Eu pergunto.

— Tá sim. Tá sim, graças a Deus. Nessas ferias minha, vamos viajar lá pra minha roça. 

— Então tá bom demais, uai! – Eu falo com um sorriso e continuo. — Aqui, tá vendo esse botão? Com um microfone pequeno?

— Tô sim.

— O senhor tem que apertar e segurar, aí falar. Depois é só soltar. Testa, pra ver.

Ele pega o celular e faz como eu o ensinei.

— Ô, Diego. Aqui é o seu avô. Vou trabalhar de noite hoje, depois eu te chamo pra gente se falar.

Quando o aplicativo faz o som de "enviado", um sorriso se abre no rosto dele.

— Obrigada, Catarina!

— De nada, seu João.

— Depois você vai lá na roça também. É gostoso um tanto!

— Pode deixar que vou sim. – Digo e me despeço, depois de prometer que iria à roça. Seu João é do tipo que poderia te contar vinte casos diferentes por dia, se você deixasse. Adora falar. Imagino se ele se sente sozinho. Caminho para a escada que me leva até a porta.

  Olho no relógio, se o transito estiver livre, chego em casa a tempo de assistir, pelo menos, três episódios de Game of Thrones antes de ir para cama. Na verdade, é provável que eu assista bem mais que três; faz tempo que não assisto nem um. Desço as escadas do escritório.

— Catarina. – Uma voz chama, em um tom consternado e percebo que Seu João me seguiu  até o pátio. Eu me viro. — Toma cuidado, viu, fia?

Fico encarando este velho senhor, me acenando. Então, olho para baixo. Minha blusa branca machada de café. Meu par de sapatos azul marinho. O som do alarme do carro de Rogério sendo destravado, atrás de mim. Viro a cabeça em direção ao meu carro, pode soar como loucura, mas ele parece guardar um segredo. Torno o olhar para Seu Jõao. As rugas em seus olhos e sorriso. Tenho uma sensação descomunal de dájà vu. Meu coração acelera. Respiro fundo. É só uma impressão.

— Sempre, seu João! Até mais.

Atravesso o pátio. São 18:23. Pego as chaves do meu uno prata e dirijo em direção ao km 180, com uma sensação de alívio por poder, finalmente, ir embora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Interlúdio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.