Alma Noturna escrita por Sama


Capítulo 8
Tipo Irmão - 6




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O despertador toca, riscando meus tímpanos com um som agudo e irritante. Rolo na cama, e engasgo ao sentir algo quente ao meu lado.

— Andy? - gaguejo, mas não. É só o meu notebook, fervendo. Por que ele deixou isso aqui?

Por que ele estava mexendo no meu notebook?

Desço o punho com força sobre o meu celular, e o barulho irritante do despertador para. Me levanto, visto o uniforme do colégio e pego minha mochila. Geralmente, Andy me levava para a escola, mas, agora que ele está fazendo faculdade, não terá mais tempo para ficar comigo.

Caminho lentamente até a escola, com o estômago roncando.

Sinto o cheiro salgado de pão de queijo vindo de uma padaria, e minha barriga resmunga mais alto. Solto um suspiro, entrando, e compro um para matar a fome durante o caminho. Chego ao colégio e não me surpreendo ao me ver atrasada, diante de um pátio quase vazio. Olho minha sala no mural, então caminho até lá, terminando o pão de queijo.

Bato na porta e ouço um "Entre" abafado. Obedeço, encontrando nosso novo professor de matemática. Meu corpo se contrai quando o vejo, e sinto o frio me invadir.

Um demônio.

Ele estreita os olhos para mim, me analisando de cima a baixo.

— Não vai se sentar, senhorita? - diz, enfim. Aperto a alça da mochila entre meus dedos, então sigo para uma das únicas carteiras vazias, no canto da sala. A aula começa, entediante, com apresentações e discursos, o que se repete na segunda, quando mudo de sala, e terceira, e quarta...

Na quinta aula, educação física, depois de me trocar no vestiário, o professor nos coloca frente à frente com o outro nono ano, e perco o fôlego ao ver Jeff conversando com um dos alunos da sua classe.

— Muito bem, alunos! - o professor berra - Que tal se conhecerem melhor com um jogo de basquete amigável? - solto a respiração.

Basquete? Certo. Não é tão ruim para um primeiro dia de aula.

— Quem são os representantes? - um cara alto (supostamente novo aluno, pois não me lembro de tê-lo visto ano passado) da minha sala se apressa para o meio da quadra, assim como outro cara da outra sala. A bola vem para o nosso lado, e cambaleio para trás quando toneladas de garotos vão atrás dela. Vejo o vulto laranja da bola passando perto da cesta oponente, mas o professor não apita para indicar um ponto.

O jogo todo, fico na defesa, como sempre. Alguns toques de bola, alguns passes certos, outros errados, placar empatado.

Liberados, seguimos para os vestiários, mas sou interceptada por braços me envolvendo.

— E aí, baby? - a voz de Jeff acalma meu pânico inicial, e me permito uma risada.

— Você me assustou. - me viro para ele.

— Uma pena que os vestiários sejam separados, não acha? - rio, focando em seus cabelos loiros claros.

À luz do dia, posso compreender melhor seu rosto. Lábios finos, mas não demais. Rosto anguloso, mas bonito. Olhos caramelo intensos, delineados por cortinas de cílios curvos e claros.

— Admirando a minha beleza? - debocha, esfregando o nariz no meu - Está perdendo o tempo, quando o espelho pode te mostrar algo tão mais belo. - sinto meu rosto corar.

— Você está bem íntimo, pra alguém que me conheceu ontem à noite. - digo, arrumando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— E você está gostando. - ele pressiona a boca na minha, mas recua antes que eu possa afastar meus lábios, pedindo que sua língua entrasse em minha boca - Vá se trocar. Te vejo depois da escola. - ele dá um tapa em minha bunda, então se afasta, indo falar com um de seus amigos.

As segundas parecem um pouquinho menos horríveis agora.

[...]

Saio do banheiro com uma toalha enrolada na cabeça e outra no corpo, então vou até o meu guarda roupa.

O que posso vestir?

Aliás, o que ele gostaria que eu vestisse?

Deslizo os dedos sobre um vestido azul marinho, mas não. É curto demais. Repito o movimento para um de cor verde água, mas esse já usei várias vezes e está meio acabado. Puxo um vestido rosa, e meu estômago revira só de pensar em usá-lo. Odeio rosa com todas as minhas forças, mas, hoje, dá pra aguentar...

O vestido é de alças finas, cintura alta delineada com um cinto preto e saia até os joelhos, tudo em um tom rosa claro. Visto uma meia calça, sapatilhas pretas e faço um coque simples, me sentindo mais enjoada ainda.

Pareço uma garotinha inocente!

Pego minha bolsa sobre a cama e me viro para sair do quarto, soltando um grito ao encontrar Andy bloqueando a porta.

— Meu Deus... - sussurro - Pare de entrar assim aqui! - ele ignora o que eu disse, me analisando.

— Que roupa é essa? - resmunga, parecendo enojado.

— A minha, oras. - retruco.

— Então você compra um vestido super sexy pra sair comigo e vai com essa burqa sair com ele? - sinto meu rosto esquentar.

— Eu não comprar aquilo pra sair com você. - rosno - E qual o problema de eu me vestir assim?

— Acho que ele estava mais interessado nas suas pernas. Vai se decepcionar ao saber que você as cobriu. - perco o fôlego, cogitando a opção por um milésimo de segundo.

— Não! - exclamo, mais alto do que pretendia - Pare de me encher! Qual é o seu problema?

— Eu não quero você saindo com estranhos! - ele exclama - Eu não... Não... - sua voz falha, e suas mãos escorregam pelo seu rosto. Franzo o cenho, completamente confusa com sua reação - Eu perdi meus pais, meus primos, meus tutores... Se eu perder você também... Eu não... Eu não aguentaria... - gagueja, caindo sentado na cama.

— O que você quer dizer com me perder? - sussurro. Ele perde o chão, e, por um instante, seus olhos ficam embaçados. Logo, recuperam o foco.

— Ele pode querer fazer coisas com você. Não transar, mas te machucar. - ele gagueja - E se ele acabar sendo mesmo um estuprador e tentar te abusar? E se ele conseguir e resolver te descartar depois disso? Eu não posso ficar sozinho, Claire. A urgência em sua voz me surpreende. Desde quando Andy se tornou tão sensível?

— Andy, não pense assim...

— Vocês só se viram uma vez e você ainda estava bêbada! - ele exclama.

— Isso não significa nada. - me sento ao lado dele, pegando sua mão - Se ele começar a agir estranho, eu juro que deixo você torturar ele até a morte do jeito que quiser, tá bem? - ele me olha, o lago azul em seus olhos ainda profundos em tristeza e cansaço.

Às vezes esqueço o quanto Andy se esforça. Além de trabalhar quase toda noite em dias úteis da semana para manter não só a ele, como também a mim, sai em missões que o esgotam por completo.

— Tudo bem. - diz, forçando um sorriso.

— Que tal começarmos aqueles rituais iniciáticos que você me falou depois do meu encontro? - digo, puxando seu queixo para que ele fixe seus olhos, ainda meio sem foco, nos meus.

— Pode ser. - ele diz, respirando fundo e elevando o olhar para o teto - Tenho que trabalhar sério hoje à noite... Mas na quarta, podemos sair para matar juntos. Eu arrumo um demônio bem especial... Na 4-5-7, caso queira torturá-los. - sorrio.

— Você é o máximo. - dou um soco de leve em seu abdômen.

— Não entendo como você pode gostar de torturar eles, mas não de matá-los... - reviro os olhos.

— Ai, nem começa. - digo, apesar de estar rindo e tenho um leve sobressalto quando alguém toca a campainha.

— Quer que eu atenda? - Andy faz menção de se levantar.

— Nem pense. - sigo até a sala, então abro a porta, encontrando Jeff, vestido em calças jeans e uma regata laranja de um time de basquete, que deixa evidente seus braços musculosos, mas nem tanto quanto os de Andy.

— Oi. - digo, arrumando uma mecha de cabelo que escapou do coque.

— Oi. - ele sorri, beijando minha bochecha, então tira, detrás das costas, um buquê de margaridas.

— Ah... Obrigada, mas... Eu sou alérgica... - ele arqueia as sobrancelhas.

— A flores ou especificamente margaridas? - rio.

— Margaridas e algumas orquídeas. - ele sorri.

— Ótimo. - arqueio as sobrancelhas quando ele tira outro buquê detrás das costas, dessa vez, de tulipas brancas.

— Ai, meu Deus! - rio - Vai me dizer que tem mais um aí? - ele nega com a cabeça, rindo.

— Só tenho duas mãos. - debocha, me entregando as tulipas. De repente, seu olhar se distrai para trás de mim, e ele se esquece de que estava prestes a jogar as margaridas no jardim, parando com o braço levantado.

— Você é o Jeffrey? - a voz de Andy atrás de mim me faz congelar.

— Andy? - me viro de modo que possa ver e falar com os dois.

— Hum... Sou. - Jeff diz, soltando as margaridas - E você é...?

— Andy.

— O irmão que me ligou desesperado ontem. - o rosto de Jeff clareia quando digo isso, e ele volta a sorrir.

— Ah. - ele ri - Fique tranquilo, não vou abusar da sua irmãzinha, okay? - diz, dando um soco leve em meu braço. Andy suspira, e sei que está se controlando ao máximo para não agarrar o pescoço de Jeff.

— Bem, é melhor irmos. - digo, querendo sair logo. Andy me entrega minha bolsa, e beijo seu rosto - Nos vemos mais tarde. - Jeff me oferece o braço, e enrosco o meu ao dele.

Logo que entramos no carro, ele diz:

— Você não me disse que ele morava com você. - solto um suspiro, observando Andy se afastar à medida que o carro toma velocidade.

— Ele não mora. Só passa grande parte do tempo aqui. Fazemos tudo juntos... Comemos, estudávamos, até o ano passado, trabalhamos...

— Com o que? - mordo o lábio, prendendo o cinto.

— É um segredo... - digo.

— Certo. Quando estivermos namorando, você poderá me contar. - arqueio as sobrancelhas, rindo.

— Oi? - ele sorri, sem tirar os olhos da estrada.

— Você entendeu.

[...]

Logo após o teatro, começamos a caminhar por aí, e peço para que ele se sente comigo num banco de uma praça qualquer. Apesar do frio cortante que ainda faz, ele aceita ficar comigo aqui fora.

— Sério mesmo que você não tá com frio? Tipo, com esse vestido e tal? - ele pergunta, apertando o casaco em volta do corpo.

— Não... Eu geralmente não sinto frio. - dou de ombros - Parece que Deus foi um pouco mais piedoso comigo.

— Ainda não entendo... Mas tudo bem. - ele me puxa mais para perto - Podemos sair amanhã de novo? - pergunta, de repente.

— Hum... Não sei... Que tal dar chance para outros caras saírem comigo? - debocho.

— Ah, nem pensar. - ele puxa meu rosto, colando os lábios aos meus. Outra vez, me sinto frustrada quando ele se afasta antes que eu force minha língua em sua boca - Eu estava pensando em algo mais simples... Que tal você ir lá em casa? - quase engasgo com a proposta.

— Mas a gente mal se conhece! - ele ri.

— Nunca ouviu falar em amor à primeira vista? - sussurra, e meu rosto cora - Minha mãe vai gostar de conhecer você. Meu pai... - ele ri - Provavelmente vai te amar. Sempre levei garotas cheias de frescura pra casa... "Ai, vai com calma! Vai borrar minha maquiagem!" - ele imita, oitavando a voz, e rio.

— Você... É virgem? - vejo que a pergunta o pega de surpresa.

— Não, sou Aquariano. - reviro os olhos.

— Tô falando sério...

— Sim. - diz, um pouco mais baixo - É vergonhoso um cara de dezessete anos ainda ser virgem? - rio, encostando a cabeça em seu ombro.

— Só se uma garota com dezessete anos ainda ser virgem também for vergonhoso. - digo, entrelaçando meus dedos aos dele, que estão congelados.

— Você? Virgem? - ele ri - Também, com um irmão desses... - franzo o cenho, me afastando um pouco.

— Como assim?

— Bem... Dá pra ver que ele e a academia são bons amigos... E aquelas cicatrizes...

— Eu também tenho cicatrizes. Todos temos. - digo, e ele fixa os olhos em mim, então sorri.

— Estou dizendo que ele é do tipo irmão ciumento que fica o tempo todo na cola da irmã. Sabe, possessivo. - olho para baixo, onde nossos pés se tocam.

— Ah. - é tudo o que digo.

— Gostaria de saber como você conseguiu convencer ele a te deixar usar aquele vestido ontem... Tipo, uou. Aquilo era tipo uma placa em néon dizendo "Vamos transar!". - sinto meu rosto corar, e não tenho coragem de olhar pra ele - E, tipo, agora você vem e me surpreende com esse vestido... Isso é, cara! - ele ri.

Acho que ele estava mais interessado nas suas pernas. Vai se decepcionar ao saber que você as cobriu.

Engulo em seco, olhando para os meus joelhos, juntos.

—Ei, você tá me ouvindo? - Jeff pergunta, pressionando meus dedos.

— Uhum... - resmungo, me sentindo um tanto tola.

— Claire? O que foi? - ele levanta meu rosto delicadamente, seus dedos gelados tocando meu queixo.

— Nada. - forço um sorriso, mas ele continua com o olhar preocupado.

— Foi o que eu disse? Sobre o vestido? Eu só estava brincando, não quis dizer mesmo aquilo. - ele desliza os dedos até a minha nuca - Não achei que você fosse se importar... Você parecia tão confiante ontem...

— Eu não estava pedindo pra transar. - digo, e continuo, antes que ele possa dizer algo - Acho melhor você me levar pra casa. Ainda tenho um compromisso com meu irmão. - ele concorda com a cabeça, então me leva para o carro. Quando ele para o carro em frente à minha casa, tento abrir a porta, mas está trancada, e, por um instante, me desespero.

Ele puxa meu rosto delicadamente, me fazendo olhar em seus olhos, então me beija. Nenhum de nós tenta forçar a língua na boca do outro, e logo ele desde os lábios pelo meu pescoço. Fecho os olhos, sentindo a mão dele pressionar minha nuca, me puxando mais para perto. Ele morde minha pele levemente, o que me faz perder o fôlego.

— Me desculpe por hoje. - sussurra, com os lábios roçando minha orelha, então morde meu lóbulo. Aperto o tecido do meu vestido entre os dedos, reprimindo um gemido. Com delicadeza, ele desliza a alça direita do meu vestido pelo ombro, deixando uma trilha de beijos pelo mesmo. Abro os olhos lentamente, vendo-o inclinado sobre o freio de mão, que separa nossos assentos. As janelas estão embaçadas, e o carro se movimenta suavemente quando ele se ajoelha, tentando ficar mais próximo de mim.

Sua mão livre escorrega até a minha cintura, me puxando de forma que eu deslize no banco. Agarro a beirada macia do assento quando ele me dá chupões até onde meu sutiã permite. Os dedos dele, agora quentes e firmes, escorregam da minha cintura para a minha coxa, levantando lentamente meu vestido.

Seu polegar desliza pela parte interna da minha coxa, perto demais da minha virilha, e não consigo evitar um gemido baixo quando seus dedos viajam entre minhas pernas, me tocando sobre o tecido fino da calcinha.

De repente, meu celular toca. Recebo uma dose de adrenalina, e meu coração começa a bater infinitamente mais rápido. Jeff se afasta, passando a mão pelo cabelo, que, apesar do frio, está grudado em sua testa e nuca com suor, assim como o meu.

Arrumo o vestido, sentindo meu rosto queimando, e puxo o celular da bolsa.

No visor, o nome de Andy.

— Alô? - digo, ainda sem fôlego.

— Claire? Hum... Você já tá em casa? - diz.

— Já, eu... Eu já vou entrar. - sussurro.

— Tá... Eu, hum, chego aí daqui a pouco.

— Tudo bem. - desligo o celular, apertando-o entre os dedos até os nós ficarem brancos.

— Seu irmão? - Jeff pergunta, batucando os dedos no volante nervosamente.

— Sim. - digo, sem olhar para ele - Obrigada por me trazer aqui. Te vejo amanhã. - dessa vez, a porta abre. Desço do carro e sigo para a varanda rapidamente. Uma vez dentro de casa, solto o ar que prendia, deslizando as costas pela porta até me sentar no chão. Fico um pouco assim, até perceber uma sombra ao meu lado. Levanto o olhar, franzindo o cenho.

Andy?

Olho-o duas, três vezes, não conseguindo crer que está ali, em frente à janela, com o celular na mão. Meu cérebro, apesar do recente choque, trabalha rápido. Logo sinto meu rosto queimar, mas não por vergonha.

Por ódio.

— Você fez aquilo de propósito! - berro, me levantando, cambaleante - Você estava olhando! Você ligou pra nos atrapalhar! - ele fixa os olhos nos meus, o azul em seu olhar impassível, como um mar calmo.

— Sim.

 


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Notas finais do capítulo

Pah!



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