A Lagarta escrita por Vatrushka


Capítulo 9
Memórias - Parte 2




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Dois anos se passaram. Os aprendizes já estavam quase encerrando seus estudos, e Martin estava muito adoecido.

A doença de Martin havia sido descoberta de surpresa. Num dia, ele ensinava normalmente, no outro, tossia sangue e não conseguia sair da cama sem ajuda.

Ghunter trouxera todos os curandeiros de renome, da Floresta e fora dela. Lana gastou gigantesca parte de suas economias com livros que tratavam a respeito de doenças raras, e analisou todos eles noites à fio.

De qualquer forma, descobriram a doença. Se tratava de uma anomalia genética rara que se desenvolvia silenciosamente nos órgãos internos, e quando o dano chegava até certo ponto, não tinha mais cura.

Quando ouviram isso dos primeiros curandeiros, Ghunter e Lana não quiseram acreditar. Continuaram procurando por uma forma de burlar a natureza incessantemente.

Mas depois de um tempo, a verdade era inegável. Ghunter foi o primeiro a aceitá-la. Martin iria morrer em algumas semanas.

Em uma das noites que Lana passava em claro, revirando páginas furiosamente, Ghunter chegou por trás de forma silenciosa e a observou.

"Ah, Ghunter, que bom que chegou." Comentou Lana, ao perceber sua presença. Os dois deram uma breve pausa nas provocações por causa de Martin. Nunca haviam trabalhado tão bem juntos. "Este livro que encomendei acabou de chegar. Ele apresenta alguns exemplares de plantas raras, que podem ajudar na cura do mestre." 

Ghunter engoliu a saliva, triste. "Lana..."  Murmurou.

"Você vai ver!" Afirmou a Lagarta, tentando se convencer. "Essa Floresta é grande demais para não ter uma solução. Eu sou vou ter que conversar com aquele alquimista e..." 

"Lana." Chamou, aproximando-se.

"O mestre vai ficar orgulhoso quando curar! Aí vamos finalmente viajar, todos juntos, para os Grandes Salões! Ele sempre sonhou em ir pra lá, depois que nos formássemos... E então...!"

"Lana!" Interrompeu Ghunter. Sentia sua garganta fechar e seu nariz ferver.

A moça parou de falar. Lentamente, se apoiou no encosto da cadeira e fechou seus livros. Com os ombros murchos, olhou para os próprios dedos: feridos de tanto tê-los usado nos últimos dias.

Após alguns segundos de silêncio, Lana soluçou. E de novo. E de novo. Começou a chorar violentamente. Triste, derrotada e sem esperanças, enterrou o rosto nas mãos.

Lacrimejando, Ghunter a abraçou. Lana não tinha mais energias para impedir. Estava fraca demais. 

"O mestre..." Tentava dizer, em meio de fungadas. "Ele sempre me tratou como uma filha...! Eu não quero que ele vá... Eu não aguento..." 

Ghunter a abraçou mais forte, tentando se controlar. "Eu sei." Sussurrava. "Eu sei."

Os dias pareciam se arrastar de forma silenciosa. Convencidos que que não haveria outra solução, os dois aprendizes dedicaram-se a estar presentes nos últimos dias de Martin. Faziam as melhores refeições, tentavam buscar os melhores assuntos, e o mais importante - se esforçavam para sempre estarem juntos.

No dia em que Martin apresentou uma piora e parecia estar no ápice de sua dor, eles se ajoelharam. Cada um segurava uma mão do mestre, um de cada lado da cama.

"Meus aprendizes..." Sussurrava Martin, com lágrimas nos olhos. "Creio que minha hora chegou."

Ambos sentiram o ar ficar preso na garganta. Nada responderam, apenas tentavam controlar o choro.

"Lana..." Disse o homem, acariciando seu rosto. Lana beijou a palma de sua mão. "Eu me lembro do dia em que veio para essa casa. Uma garotinha teimosa, inteligente, responsável... Você sempre pareceu uma pequena adulta." 

Lana sorriu.

"E linda... Linda, linda, linda! Não ache suspeito porque sou eu que digo, Lana, você sempre foi a minha menininha!" Ela apertou sua mão mais forte. "Se não achar que estou abusando, querida, eu queria lhe fazer um último pedido..."

"Eu sei." Ela sussurrou. "Os camponeses."

"Cuide deles por mim."

O olhar do mestre se voltou para Ghunter.

"Oh, meu rapaz... Estou tão orgulhoso de você." Todo o esforço que Ghunter estava fazendo para segurar as lágrimas se provara em vão. "Você passou por muita coisa nessa vida, meu garoto... Tentei estes anos todos provar que você merece ser acreditado. Você merece se amado. Você merece tudo...! Por favor, rapaz, quando eu me for...

Não desacredite." 

Ghunter assentiu repetidamente, em prantos. Martin tossiu por uma última vez e, apertando a mão dos dois, disse:

"As pessoas da aldeia... Elas estavam erradas." Ele sorriu radiante, dentre as lágrimas. "Eu tive uma família. E vocês foram os melhores filhos que eu jamais poderia pedir." 

Não aguentando ver a vida se esvair dos olhos de Martin, Lana enterrou sua cabeça em seu peito.

Um mês depois, ainda abatida, a Lagarta assinou o contrato da herança. Por mais que no testamento os aprendizes estivessem com parcelas iguais dos bens de Martin, Ghunter se recusou em herdar qualquer coisa que fosse.

"Pode ficar com tudo, Lana." Foi o que disse. "Vai precisar mais do que eu." 

Lana não sabia ao certo o que faria agora. Prometera cuidar das Flores, e por isso não abandonaria aquela aldeia. Mas como ajudaria a comunidade? Uma biblioteca era uma ideia promissora, mas ainda lhe parecia tão distante...

Carl e seus irmãos lhe visitavam todos os dias, trazendo chá, bolos e biscoitos. Ficara extremamente agradecida, uma vez que tentava fugir do luto a todo custo.

Quanto a Ghunter, não sabia dizer. Ele parecia mais misterioso que o normal. Naquele dia, recebeu a notícia de que ele partiria com um grupo de pessoas que, no ponto de vista de Lana, não eram tão confiáveis assim.

Mas desta vez, a Lagarta não cobriu-lhe de sermões. Estava cansada. E por mais que acreditasse que Ghunter deveria ter um mínimo de consideração pela memória de Martin e ficar... Não podia culpá-lo. Era um espírito livre, oras.

Não se luta com a própria natureza. E ele sabia se cuidar.

"Tem certeza de que não quer ir conosco?" Sugeriu o Gato.

"Absoluta." Confirmou Lana.

Não sabiam exatamente como iriam se despedir. Com um abraço? Um aceno? Com um chute? Não sabia mais como definir a relação dos dois.

Por isso, nada mais fizeram. Ghunter subiu na carroça e eles se encararam, até que seu bando saísse de vista.


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Notas finais do capítulo

Se eu shippo os dois? TalveÓBVIO



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