Lana encarava o teto sem piscar. Óbvio que não conseguiria dormir.

Olhou para o lado: Luce a abraçava, em um sono turbulento, como se a Lagarta fosse um último resquício de segurança. E de fato era.

Luce nem havia pedido para dormirem juntas. Apenas tacou-se na cama Lana, enroscou-se e ali ficou até parar de chorar. Exatamente como ela fazia quando ainda eram crianças.

Antes, haviam combinado de fugir para os Grandes Salões - que como o próprio nome explica, era um estabelecimento que tinha portais para os mais diferentes tipos de mundos conhecidos.

Entretanto, antes de ir para a parada final, Lana e seus amigos combinaram que seria uma boa ideia uma pausa para descanso na casa de Giullian.

E foi para lá que se teletransportaram depois do episódio do Casamento Vermelho.

E ali estava Lana, no quarto que Giullian oferecera, dando cafuné em Luce enquanto se perguntava se algum dia de sua vida conseguiria dormir em paz de novo.

Não existiam mais lágrimas para chorar. Estava exausta de se sentir triste. Queria que aquilo apenas parasse.

As preocupações ainda lhe alarmavam. O que iria acontecer quando descobrissem os líderes da revolução mortos? O Rei esfaqueado, a Rainha decapitada?

Como reagiriam, sabendo que a Lagarta estava por trás de tudo isso?

O corpo de Carl. O deixara para trás. Nem um velório poderia organizar...

Não. Não podia mais pensar nisso. Em nada disso. Dali a exatamente um dia, iriam para outra dimensão. Lana estava disposta a deixar tudo - o que fora, o que sentira, o que fizera - para trás.

Junto com o País das Maravilhas.

—

O dia amanheceu. O café da manhã foi silencioso. O único comentário foi o de Ghunter:

"Alan está com a Duquesa. A Corte está em uma situação delicada agora, vão nos encontrar assim que possível."

Apenas assentiram.

Pouco tempo depois, todos começaram a organizar seus bens e a montar em seus cavalos, marchando em direção aos Grandes Salões.

Durante a viagem, nenhum dos quatro falou nada. Giullian olhava para Luce, tentando buscar em sua memória histórias que pudessem a confortar de alguma forma.

Luce encarava o chão, com os pensamentos voando longe.

Ghunter parecia tentado a fazer uma brincadeira com as olheiras de Lana, mas achou melhor não fazer nada.

Lana sentiu-se tentada a provocar Ghunter, perguntar-lhe qual era exatamente o motivo de ele ainda estar ali, mas não queria tocar neste assunto. Não depois do que vira em suas memórias.

Será que contaria a ele que havia as visto, algum dia...? Talvez.

Chegaram aos Grandes Salões incrivelmente rápido. A entrada nada mais era que uma porta isolada no meio da paisagem.

Ghunter bateu nela.

Um homem classudo e elegante, com o nariz levemente empinado, recebeu-os.

"Sim?"

"Muniz." Cumprimentou Lana. "Por favor, nos deixe passar."

O homem arregalou os olhos surpresos. "Vocês vão todos viajar? Juntos? Não me convidaram porquê?"

Deixou que entrassem, risonho. Muniz era o recepcionista para os viajantes de outros mundos. Lewis, em seu livro, o transfigurara em uma Maçaneta.

A porta se fechou e todos se viram em um Salão colossal de paredes amarronzadas, assustadoramente vazio. Em homenagem à obra do livro, esculpiram no centro do Salão uma estátua gigante no formato de uma mesa.

"Oh." Deixou escapar Lana. "Não sabia que tinham feito isso."

Muniz gargalhou, empenhando-se como um guia turístico. "Quisemos encenar a cena do livro o máximo possível! Quando Alice chega de um tamanho maior, e bebe o frasco em cima de uma mesa para diminuir e entrar no País das Maravilhas... Bom, fizemos a mesa!"

Giullian deu um sorriso fraco. "Boa referência."

Continuaram percorrendo pela sala. Nela haviam muitas portas, cada uma diferente da outra. Umas muito grandes, outras muito pequenas, com fechaduras dos mais variados tipos.

Martin contara tantas histórias sobre aquele lugar...

"Então..." Retomou Muniz. "Para onde querem ir?"

Todos olharam para Lana.

"Queremos ir para o mundo de Lewis."

A início a expressão de Muniz se iluminou, mas logo escureceu.

"O que é?" Perguntou Ghunter, apreensivo.

"O tempo passa diferente para cada dimensão, minha querida."

Lana sentiu um gosto muito ruim na boca. "A... Diferença do tempo de lá pro tempo daqui... Quanto é...?"

Muniz deu a notícia, triste. "É complicado explicar... Não existe lógica nesse tipo de coisa, você sabe. De vez em quando aqui é para mais e lá para menos, e vice-versa... Mas no momento... Lá eles estão... Alguns... Séculos na nossa frente, querida. Lewis, a este ponto, já pereceu."

Todos se entreolharam, desanimados. Lewis havia lucrado boas histórias para todos ali presentes.

E agora, oficialmente, estavam sem para onde ir.

"Quer saber?" Provocou Ghunter, aventureiro. "Iremos para esse mundo de todo o jeito."

Giullian ergueu uma sobrancelha, secretamente animando. "É mesmo?"

"Sim." Confirmou. "A gente se vira. Certo, Lana?"

Lana olhou para Luce antes de responder.

"Qualquer lugar longe daqui." Respondeu a Lebre, desinteressada.

Lana suspirou. "Chegamos longe demais para voltar agora." Confirmou a Lagarta, suspirando. "Vamos, sim."

'Sobreviveremos de alguma forma.' Acrescentou em pensamento.

Muniz sorriu, radiante. "Ótimo! Vou preparar o portal para vocês. Só alguns avisos..."

"Lá não tem magia e temos de parecer os mais céticos possíveis. Sim, sim, Lewis me avisou da última vez." Interrompeu Lana, prevendo o que ele iria falar.

"Bom... Vai passar a ter magia no momento em que pisarem lá, não?" Respondeu Muniz, aos pinotes. "Só queria comentar que ouvi rumores... A história de Lewis virou um grande clássico da literatura mundial. É reconhecida até hoje, séculos depois."

Todos ergueram as sobrancelhas. Nada mau.

"Alan vai ficar bem." Murmurou Luce. "Se lá o tempo passa mais rápido, quando voltarmos, quase nada vai ter mudado."

Lana rezou para que assim fosse. Seria muito inconveniente se, nesse meio tempo, a ordem dos tempos se invertesse e o País das Maravilhas envelhecesse mais rápido...

Foram encaminhados para uma porta de metal. Muniz abraçou-os, despedindo-se de todos.

"Sabe... Vocês podem voltar sempre que quiserem."

Os quatro fizeram careta. "Não acho que vá acontecer tão cedo, Maçaneta."