Lealdade sem Fronteiras #1 escrita por Nath Schnee


Capítulo 14
Capítulo 14 - Versus Pichu


Notas iniciais do capítulo

"É uma sensação estranha não lembrar tudo o que sente que deveria. É como abrir um diário que você escreveu durante anos, mas as datas são tão distantes e distintas que nada faz sentido, como se grande parte das páginas tivessem sido arrancadas e sem elas você não pudesse descobrir quem você é. As pessoas até tentam te ajudar a reescrever o que havia antes, mas nada parece ser real como deveria parecer. São lacunas incompletas e impossíveis de se preencher." — Mei.

"A verdade é que eu ainda não acreditava totalmente nela. Por mais que sua história tivesse uma pitada de sentido, o resto não tinha nenhum. Tudo ainda indicava que minhas teorias iniciais estavam corretas. Olhos que mudam de cor? Conversar com Pokémon? Entender Telepatia? Ela era sim um Pokémon, e eu precisava falar com Scott o quanto antes!" — Dan.



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Meiko “H”. Ketchum

Depois de vários minutos em silêncio, encarando o bilhete e o ovo, ouvi Dan dizer que era melhor voltarmos ao acampamento. Eu estava tão entorpecida que não sabia nem mesmo o que fazer com aquele ovo. Spyke concordou com Dan quando ele disse que eu deveria ficar com ele, já que o bilhete fora deixado junto. Apenas Rex discordou, dizendo que podia ser qualquer humano que colocara aquilo ali e que era perigoso pegar para mim.

Eu não conseguia acreditar em nada que qualquer um deles me dissesse. Era como se eu simplesmente estivesse em transe. Só havia uma coisa em minha mente todo o caminho de volta, com Dan apoiado em mim, eu segurando a incubadora com o ovo e os Pokémon nos seguindo.

Meu pai está vivo?

Dan foi à frente depois de um tempo, dizendo que ele se explicaria para Scott. Eu havia pedido para ele não contar aquilo para ninguém. Dan aceitou tranquilamente manter segredo.

Rex e Spyke me pararam. Quando Squirtle, que seguia Dan, sumiu, eles olharam para mim.

Como você está? — Spyke parecia preocupado. Sua voz soou compreensiva.

Rex já não parecia tão calmo assim.

Era melhor ter deixado isso lá! — ele latia com fervor, como se fosse uma bronca ou uma ordem. — Você não concorda, Spyke?

Não. — Spyke disse com seriedade, encarando Rex. Era incrível como ambos eram opostos em momentos assim. — O bilhete foi claro. Ela deve cuidar desse ovo. Tem que levá-lo na jornada.

O bilhete é falso! — Rex insistiu. — É impossível que Henry tenha deixado lá. Vocês sabem que é.

Difícil não quer dizer impossível. — Spyke continuava calmo, mas seu tom parecia mais impaciente.

Por isso mesmo. Não é difícil, é realmente impossível! Ele entrou na Floresta de Viridian há treze anos. Vocês sabem que a essa altura…

Rex. — Spyke advertiu. Não queria que ele continuasse a frase.

O Growlithe não parou.

—... ele está morto! — terminou como se sequer tivesse sido interrompido. O Shinx apenas o encarou com reprovação.

Eu sabia por que. Porque eu estava ouvindo tudo. Aquele era o tipo de conversa que nunca tínhamos: a probabilidade do meu pai estar vivo.

Todo mundo sabia que era praticamente nula, mas nunca conversavam sobre aquilo na minha frente.

Spyke olhou para mim preocupado. Rex parecia estressado, mas assustado com o que tinha dito. Eu apenas suspirei.

— Não importa. Eu não vou deixar esse ovo sozinho. Sendo ele enviado pelo… pelo meu pai ou não. — olhei para ambos, mostrando com um simples olhar que não tinha ligado para o que acabara de acontecer — Ainda é um ovo, ainda há um bebê aqui dentro. E pelo aspecto do ovo, não é dos Pidgeot. — eu disse, mencionando como o ovo era. Ele não era marrom como a maioria dos ovos de Pidgey. Era mais laranja, sequer parecia a cor de qualquer Pokémon que eu conhecia. — Eu não posso deixá-lo ao relento. Ele não vai sobreviver.

Andei mais alguns metros e finalmente cheguei ao acampamento.

— Ainda bem que ela te encontrou. — quase exclamou. — Você podia ficar com ferimentos graves por causa daqueles Pidgeot selvagens. — Scott disse, andando de um lado, pegando tudo para ajudá-lo com os ferimentos. Por cima do ombro de Scott, Dan deu um sorriso e piscou para mim.

Entendi o recado. Ele não havia contado. E sorri também. Eu gostava muito como os olhos dele pareciam alegres quando ele sorria daquele jeito.

Aproveitando a distração de Scott, coloquei a incubadora do ovo na minha mochila. Não queria perguntas sobre aquilo. Na verdade… não tinha certeza se conseguiria ao menos entender o que havia acontecido.

Entrei na minha barraca do acampamento e tirei do bolso o bilhete que havia encontrado, dobrado exatamente como eu havia pegado, encarando-o. Eu ainda não conseguia saber como reagir àquilo. Como eu reagiria antes de tudo? E agora, como deveria agir?

Dobrei e coloquei no menor bolso da minha mochila. Sentia que se continuasse com aquilo na cabeça ficaria louca logo.

Fossem lá quais fossem os motivos do meu pai, ele queria estar onde estava.

Depois de alguns minutos, Dan já estava melhor, descansando, e Scott estava cansado de tanto cuidar dos ferimentos dele. Eu estava quieta, me concentrando em qualquer coisa para afastar o ocorrido da minha mente. Naquele momento, estava observando o comportamento de Squirtle. Era comum os Pokémon terem seu próprio modo de lidar com Viridian. Spyke ficava curioso. Ele havia conhecido meu pai, era o mais velho de toda a minha equipe, por mais que sendo apenas um Shinx. Dizia quase não se lembrar de Henry, mas eu podia ver o quanto ele esperava que aquelas fossem sim provas de que ele estava vivo.

Rex murmurava para si mesmo, andando de um lado para outro e às vezes rosnando para a floresta. Mas eu sabia a verdade. Era apenas pelo que aconteceu na caverna do ovo. Rex gostava daquele lugar, apenas estava desconfiado.

Mas Squirtle parecia sentir medo, muito. Parecia até ter algo próximo a uma crise de choro sempre que olhava mata a dentro.

Eu estava bastante distraída. Não percebi Scott e Dan conversando.

— Por que a polícia foi atrás dela? A Líder de Ginásio Aria não tinha dito que ela só estava sob vigilância? — levei um momento para perceber que era sobre mim.

Fui para a porta da minha barraca, que estava pertinho da deles. A de Dan, ao lado direito da minha e a de Scott a minha frente.

— E eu estava. — eu disse exasperada, sentando em cima da ponta do meu saco de dormir, com as pernas cruzadas quase que em posição de lótus, na porta da minha barraca. Dan e Scott estavam iguais, mas bem mais deitados de que sentados. — Mas eles acham que sou culpada da morte de uma garota na Floresta de Viridian.

— Eu vi o corpo… — Dan murmurou e estremeceu. — Foi você? — Dan fez uma pergunta típica de alguém como ele.

— É claro que não, Dan! — eu me senti indignada com a pergunta dele.

Squirtle abraçou a perna dele. Ele parecia com medo, seus olhos até demonstravam uma enorme melancolia, ainda maior que a que vi quando encarava a floresta de Viridian. Eu estranhei, mas fiquei quieta. Dan insistiu. Ele estava agindo como todos agiam na minha presença, desconfiando da minha palavra.

— Sem querer ofender, Mei… Mas você é acusada de terrorismo há dois anos e ainda não há uma única prova de que você não fez nada de errado. Na verdade, todos os vídeos gravados indicam que você é uma assassina a sangue frio. Eu já vi você destruindo o que podia ser a diversão de um humano pra soltar aqueles Pokémon. Como posso ter certeza de que você nunca teve a intenção de machucar ninguém? E se àquela hora, na frente do ginásio, quando fingiu me atacar, você não estava brincando? — quanto mais Young falava, mais ele parecia se encolher com medo, como se sua coragem de perguntar também trouxesse o medo de mim.

Por um longo momento o encarei, procurando algum motivo para eu permanecer fazendo a jornada com ele. Queria pelo menos um motivo pelo qual eu comecei.

— Ninguém nunca acredita em mim porque nem mesmo tenta me ouvir. — eu sentia a raiva chegando, mas mantive-a sob controle ao respirar fundo. Depois de um momento, consegui me convencer que Dan simplesmente era um inocente quanto ao assunto. — Adianta alguma coisa eu procurar por provas para me ajudar?

— É uma boa hora para você tentar. — dessa vez não foi Dan quem falou. Eu olhei para Scott, que não parecia estar com sua expressão sorridente e tranquila de sempre. Ele estava sério e determinado.

Eu olhei para o meu companheiro de jornada de novo. Ele deu de ombros como se dissesse "Vou tentar ouvir".

Olhei para Rex, que havia chegado com Spyke ao meu lado havia alguns minutos. Ele me encarou de volta com seu costumeiro olhar de "Não confie neles". Enquanto Spyke já estava mais como "Não custa tentar".

Eu olhei para Dan.

— Você sabe que este assunto não me é agradável de falar em voz alta. — esperei que ele entendesse. Eu não estava falando de Mewtwo. Eu estava falando da minha capacidade de falar com Pokémon.

Dan ficou um bom tempo me encarando até sua expressão revelar entendimento.

— Ah… — foi tudo o que disse.

— Eu prometo, eu não contarei para ninguém, seja o que for. — insistiu Otero, quase que implorando.

Fechei meus olhos por um momento. Estava sentindo como se estivesse prestes a tirar a roupa e fazer um passeio pelas principais avenidas de Kalos, a região mais populosa do mundo.

— Eu juro — abri meus olhos — que se você ou Dan disserem isso para alguém, eu me torno a assassina que todo mundo tanto teme e faço vocês se arrependerem por estarem neste mundo. — olhei para cada um deles. Os dois chegaram a se encolher com o tanto que eu estava fulminando-os com o olhar.

Ambos levantaram as mãos em rendição e ficaram quietos.

Eu tomei fôlego, e talvez um pouco de coragem, para contar. Eu tirei meu capuz e peguei Rex e Spyke do chão. Queria sentir que eles estavam o mais próximo de mim possível. Era horrível aquela sensação de que tanto Dan quanto Scott sairiam correndo ou me julgariam quando eu terminasse.

— Por favor, não pergunte, Scott, mas já deixarei claro. — encarei-o. — Eu sou capaz de entender os Pokémon. Entender o que dizem. E conforme eu for lhe contando, você vai entender o motivo. Que é algo que nem Dan sabe. — dessa vez olhei para ele.

Fiz uma pausa, sem saber começar.

— Primeiramente… talvez eu não seja capaz de contar tudo em detalhes. — novamente tive que fazer uma pausa por não saber continuar. — O que Mewtwo fez comigo… Causou algo que minha mãe descobriu com um médico ser Amnésia Dissociativa por causa do meu Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Eu não consigo lembrar quase nada relacionado ao tempo que passei com ele, tamanho foi o trauma. Pelo menos, não lembrava nada até ir com Dan para a Caverna de Cerulean. Por causa daquele lugar eu acabei lembrando boa parte do que passei na caverna. O resto é apenas um vazio. Uma lacuna. — olhei para ele, que pareceu chocado entendendo. Percebendo que eu tinha aquelas memórias por causa dele. — Mas mesmo assim, vou tentar fazer um esforço.

"Quando criança, de acordo com o que meus Pokémon contam, eu sempre fui bastante ligada aos Pokémon. Eu era a única que podia entender o que Magi, na época ainda uma Abra, e Loow, na época um Slowpoke, falavam por Telepatia."

Eu fiz uma pausa. Como se estivesse em uma aula, Dan tinha levantado uma mão.

— O que foi? — eu disse.

— Como assim só você? Eu já ouvi a Telepatia do meu Ralts. — ergueu uma sobrancelha.

— Ralts ainda é uma criança, mas não é um bebê. Vocês acham que qualquer pessoa pode entender a Telepatia. Pelo menos isso os Pokémon conseguem fazer na nossa língua. Mas não é exatamente assim. É preciso uma boa convivência com humanos para ter essa capacidade. Muitos Pokémon Psíquicos são soltos na natureza pelos humanos pensarem que não servem nem para fazer Telepatia. Abra e Slowpoke haviam acabado de nascer do ovo, mal sabiam fazer Telepatia e eu já conseguia saber o que estavam falando. — Dan assentiu, entendendo, e Scott ouvia tudo com atenção. — Isso era legal, eu amava a conexão que tinha com eles. Só que, infelizmente, foi essa capacidade que atraiu Mewtwo até mim.

"Eu estava voltando para casa da escola junto com Rex, Spyke como sempre estava em casa com minha mãe, quando tudo aconteceu. Magi sempre ficava na escola, e aquele dia não foi diferente. Nós sempre voltamos sozinhos, era um caminho fácil da cidade da minha escola, Violet, e minha casa, em Cherrygrove. E também havia policiais no início, meio e fim das rotas por vias de segurança, porque era um lugar conhecido por estudantes passarem. Exceto aquele dia. Eles não estavam lá. Na hora, nós nem percebemos. Estávamos empolgados conversando trivialidades e..."

Eu franzi o cenho. Não conseguia lembrar. Nem do que Rex me contou, nem da minha própria memória. Mordi meus lábios, sem saber como dizer que havia esquecido.

— E… — insisti, mas não adiantava. Minha memória era como um caminho luminoso e então... O fim. Um abismo escuro, onde o outro lado era muito distante tanto no tempo quanto no espaço, uma lacuna que não era preenchida nem pelo que me contavam.

Rex começou a falar algo baixo. Tanto Scott quanto Dan o encaravam com estranhamento, afinal, por que ele tanto fazia aqueles barulhos? Mas eu entendia, e estava agradecida. Respirei fundo e traduzi o que ele disse.

— Eu ouvi alguma coisa. Disse para Rex esperar e fui caminhando para a grama alta. Ele veio atrás de mim, preocupado. Eu estava com uma expressão estranha, como se atraída por alguma coisa entre as árvores. Ele seguiu farejando o ar, mas foi exatamente quando sentiu o cheiro de alguma coisa que foi atacado. Jogado contra uma árvore do outro lado da rota com tanta força que ele ficou zonzo. Sentia todo o corpo doendo. Tentou levantar, tentou entender o que houve, porém só viu vultos. Reconheceu-me, preocupada, indo até ele, o chamando. Ele me viu parando, meus olhos revirando e eu caindo desmaiada.

"Logo atrás de mim, obviamente o culpado por aquilo acontecer, estava ele. Bípede, com uma longa cauda roxa, corpo de um lilás pálido. Seus olhos deveriam ser roxos, mas um deles parecia cego, branco, cruzado por uma cicatriz feia. Ele parecia mais um monstro de verdade do que um Pokémon. Estendeu a mão, ou pata, como quiserem chamar, de três dedos na direção do Rex. Rex só lembra-se de sentir mais dor e desmaiar".

Eu estava prestes a dizer que precisaria pular para a parte que eu lembrava, da caverna, quando uma luz vermelha saiu do meu cinto de Poké-Bolas e seguiu até o chão ao meu lado, assumindo logo uma forma um pouco maior que eu.

— Ma… Alakazam? — disse Dan.

Eu também não entendi. Magi olhou para mim e depois para os meninos. Seus olhos brilharam levemente azulados e ela iniciou uma Telepatia. Demorei a entender o que estava acontecendo e, quando entendi, me surpreendi ao perceber que meus Pokémon, mesmo não gostando nunca tocar no assunto, queriam contar o que havia acontecido comigo.

Quando Meiko foi resgatada, ela não conversava com ninguém. Não contava o que havia acontecido e nem parecia reconhecer os próprios Pokémon. O único momento que ela se lembrava do que havia acontecido era quando estava dormindo. Eu sei tudo o que aconteceu depois que ela foi sequestrada. Parte por ver em seus sonhos, e a outra parte por aproveitar o descanso da mente dela para buscar em suas memórias.

Eu fiquei quieta, ouvindo. Eu não sabia daquela parte. Apenas me lembrava vagamente de acordar chorando, com medo do que sonhei, mas nunca sabia O QUE tinha sonhado. Muito menos que Magi havia entrado na minha mente. Talvez seu poder vindo de seu QI de 5.000 a ajudasse a não deixar rastros.

Ela acordou longe dali. Era uma floresta ou bosque, é difícil dizer, com uma enorme torre destruída pelo tempo e pelo fogo, como se ameaçasse cair por cima de Meiko, ela estando do lado de fora ou não. Tem muita coisa que ela apenas sonhou, como alucinações entre as colunas instáveis, mas Mewtwo estava ali. Isso era o mais real na mente dela. Ele fez Telepatia. Contou que estava à procura de uma pessoa, mas não sabia se comunicar por Telepatia com todos os humanos. A única pessoa capaz de ouvi-lo era ela. E ela querendo ou não, teria que ajudá-lo.

Sem conseguir evitar, eu estremeci. Eu não me lembrava daquela parte, mas lembrava bem de eu não ter escolha. Aquilo me perseguiu por todo o tempo com ele.

Mewtwo queria usá-la como meio de comunicação com os humanos para encontrar seu criador. Queria saber o porquê de nascer, qual era seu objetivo no mundo. Sabia que não havia nascido normalmente, assim como sabia que havia perdido a memória. Ele não se lembrava de nada, apenas de acordar naquele lugar se perguntando quem era. Queria saber tudo, até de onde viera aquela cicatriz. E queria descobrir com os humanos sua origem. A primeira vez que descobriu o mais próximo do que deveria ser seu nome foi quando Mei falou que ele era um Mewtwo. Que havia lendas sobre ele. Mas como poderia ter certeza de que era o original? Tudo poderia ser fácil: Usar Mei como tradutora para falar com todos os humanos possíveis e encontrar quem o criara. Exceto por um pequeno detalhe que surgiu poucas horas depois de ele falar com ela. Mewtwo não tinha prática nas habilidades suficiente para aguentar tanto tempo usando comunicação mental. Ele ficou cansado rápido. Era um esforço muito grande para ele. Ele queria falar com Meiko de alguma outra forma, não tão cansativa, mais natural. Foi quando ele começou a demonstrar agressividade.

Eu encarava o chão àquela altura. Imóvel, inexpressiva. Magi olhou para mim. Eu apenas ignorei. Ela continuou falando.

Mewtwo queria, mesmo que à força, fazer Mei aprender a se comunicar com ele. Com todos os Pokémon. Mantinha-a na floresta desde o primeiro raio de sol até a lua estar no meio do céu. Ele só permitia que ela fizesse o que precisava, dormir, comer, porque ele mesmo precisava também. De primeira, Meiko chorava muito. Insistia que queria voltar para casa, não queria ter que obedecer ele, simplesmente não queria estar ali com ele. Chorar, rir ou simplesmente sentir vergonha quando falava com humanos, só resultava em mais castigos.

Spyke me lambeu junto com Rex para tentar me fazer rir, mas eu não estava conseguindo. Acariciei atrás da orelha dos dois, mas nada afastava da minha mente tudo o que Magi me fazia lembrar. Antes de tudo, mesmo que eu não lembre, eu tenho certeza de uma coisa. Eu era diferente do que sou hoje. Não poder chorar também se tornou não poder sorrir depois de um tempo. E isso mudou quem sou. Os momentos que eu choraria... Eu não choro. Os momentos que eu riria… também são extremamente raros. Dan me disse que eu chorei na Caverna de Cerulean. Mas o único motivo era que eu estava lembrando quando fui levada para lá. E não tinha pesadelo pior do que reviver tudo o que aconteceu ali. Mas era difícil viver com um sorriso no rosto com tantos fantasmas do seu passado doendo como cicatrizes antigas.

E era difícil também lidar com a falta desses fantasmas, com a falta de memória.

— Como assim castigo? — Scott perguntou. Parecia receoso, como se soubesse a resposta e não quisesse que fosse aquela.

Eu resolvi responder. Minha voz soou diferente, sem qualquer emoção. Automática como se fosse um assunto qualquer. Não os piores dias da minha vida.

— Qualquer desobediência ou demonstração de emoção, chorar ou sorrir, resultava nos meus castigos. Ataques Psíquicos. E dependendo de quanto tempo eu estava com ele, até ataques de outros tipos, sem deixar de serem fortes. De início, Onda Psíquica e Confusão. Depois, conforme ele crescia nas batalhas... — coloquei Spyke e Rex no chão. Resolvi tirar a blusa fina de cor marrom que usava. O casaco que eu havia usado para ajudar Dan sempre esteve amarrado na minha cintura, enquanto por baixo da blusa marrom eu usava uma regata. Não tirei por estar com calor, mas para mostrar o motivo de usá-la mesmo em climas quentes.

Eu mal tinha tirado quando ouvi Scott e Dan perdendo o fôlego. Olhei para a regata branca que eu usava por baixo, mas não era ela que havia assustado eles. Não tinha a ver com minha roupa.

Tinha a ver com minha pele.

Não era apenas Mewtwo que tinha cicatrizes. Eu também tinha. Muitas, espalhadas por todo o meu corpo, deixando-o com uma aparência que eu detestava revelar. Eram tão variadas — cortes, queimaduras, e outras simplesmente indistinguíveis — que era difícil saber quanto tempo tinha cada uma.

— Corte Psíquico se tornou o principal ataque dele. — completei. — Além dos outros ataques. Mas esse era o pior. Não deixava marcas apenas físicas.

Depois de um longo momento me encarando, os meninos desviaram o olhar, como se fosse doloroso sequer imaginar tudo o que aconteceu comigo. Magi continuou contando. Eu sentei de volta onde estava, encarando a blusa em minhas mãos.

Passou-se um mês e meio e Meiko não havia aprendido a falar com os Pokémon ainda. Nem entendia quando Mewtwo falava na língua dele. As autoridades começaram a desconfiar de um movimento estranho na área onde ele ficava e ele resolveu mudar de lugar. Havia alguns dias que ele pretendia mudar para o lugar que Mei disse ouvir lendas sobre um Mewtwo. E ele o fez. Não que tenha dado sorte ao chegar à Caverna de Cerulean. Não havia nada lá. Mesmo assim, ele se habituou ao lugar, preferiu estar afastado daquele jeito à tão próximo como no Bosque de Ilex.

Mewtwo levou Mei para a maior floresta mais próxima que encontrou, Floresta de Viridian. Por alguma razão, só lá ela conseguiu progresso em aprender e depois de algumas semanas, conseguia entender bastante. Talvez porque ela se sentia confortável perto do lugar onde nasceu.

A partir dali eu já sabia o que havia acontecido. Magi olhou para mim e eu assenti com um quase sorriso, agradecendo pela ajuda. Voltei a olhar para eles.

— Por ter ido para a Cerulean Cave recentemente, eu consigo lembrar esta parte. — fechei meus olhos. Quase podia ver Mewtwo através das minhas pálpebras, com aquela expressão agressiva e seu olho cego vazio, mas expressando a mesma coisa. — Quando eu finalmente aprendi a falar com Pokémon, Mewtwo começou a me levar para toda cidade possível para descobrir algo sobre si mesmo, me fazendo perguntar aos moradores, aos Pokémon, a todos se eles sabiam de alguma coisa. Não adiantava de nada. Ele continuava sendo desconhecido para si mesmo e quanto mais passava o tempo, com mais raiva ficava.

"Logo, tínhamos parado de procurar apenas em Kanto e fomos para Johto. Nada. Só aconteceu de certo momento, em Olivine, eu acho, acontecer alguma coisa com o braço esquerdo do Mewtwo. Ele sentia dor e tinha tremores estranhos. Mas não durou muito tempo, logo saímos daquele lugar e depois de um tempo parou. Fomos indo pelas regiões. Kalos, onde Mewtwo se estressou tanto com uma das pessoas que destruiu a casa. Alola, onde, em um acesso de raiva, destruiu um hospital. Sinnoh, quando a mídia finalmente percebeu que a gente existia e começou a revelar meu rosto para todo o mundo, e por fim Unova."

"A essa altura, vocês já devem pensar que Mewtwo destruiu as duas cidades apenas em outro momento de raiva. Mas a raiva dele nunca era exatamente desmotivada. Em Kalos, eu pedi ajuda na casa que ele destruiu. Em Alola, ele havia me ferido muito e me deixado em um beco vazio até me encontrarem e levarem para esse hospital. Tentaram me proteger. Mewtwo matou a todos."

"Em algum lugar entre Kalos e Alola, ele começou algo novo. Sempre que tinha tempo, se forçava a usar seus poderes Psíquicos para tentar controlar meu corpo. De primeiro momento, apenas usava Telecinese, me fazendo andar por aí apenas como teste. Mas logo conseguiu ampliar sua Telepatia para controlar até mesmo meus pensamentos. Não que ele tivesse conseguido. Sempre que ele tentava… Eu lutava com todas as minhas forças para não permitir que ele conseguisse. Mas eu já estava havia tanto tempo com ele… dez meses, pelo menos. Mewtwo conseguia me deixar exausta não só fisicamente, como emocionalmente e psicologicamente também. Ele conseguia, com a Telepatia, criar ilusões na minha mente. Fazia-me alucinar com Rex, Spyke, Magi… Todos os três me resgatando, às vezes até com a minha mãe. Nas ilusões, me ajudavam a escapar e logo depois me atacavam. Se transformando em Mewtwo e dizendo que eu nunca escaparia de lá. Nem em meus sonhos. Sempre que ele fazia aquilo, minha sensação era que eu preferia a dor física a aquela. Eu estava tão cansada de tudo que mesmo quando eu acordava a noite, Mewtwo estava dormindo e eu tinha uma rara chance de escapar, eu apenas ficava na caverna. Não sentia que o mundo iria me trazer coisa melhor do que aquilo."

Eu abaixei o olhar, em silêncio por um longo momento. Não tinha coragem de ver suas expressões.

— O último continente foi Unova. Nós continuamos perguntando a todas as pessoas se alguém tinha conhecimento de algum laboratório ou mesmo um cientista que pudesse tê-lo criado. Depois de quase um ano, nós tivemos esperança. Um homem de Castelia resolveu nos responder. Dizer o que sabia sobre clonagem de Pokémon, disse que Mewtwo era um clone. Disse-nos que ouviu dizer que havia um laboratório escondido sob certo ponto do oceano. Até nos deu um mapa. Eu nunca vi Mewtwo tão animado. Ele fez questão de conseguir uma máscara para eu usar quando mergulhasse com ele. E nós fomos. Encontramos enormes dutos estranhos que atravessavam a parte que estava marcada no mapa. Eu estranhei, tentei avisar Mewtwo, mas ele quase me afogou quando percebeu que eu estava atrapalhando. Mewtwo queria entrar de qualquer jeito, então destruiu o canal.

"Porém... Ele não entrou. Coisas saíram. A água se tornou escura de tanto lixo e sujeira que se misturou naquela hora. Eu nadei rápido para a superfície, mas não consegui escapar sem sair completamente encharcada de esgoto. Mewtwo também não. Aquele dia mal tinha começado e ele nos levou de volta para a caverna."

"Eu estava tomando banho na praia da caverna, tirando tudo de nojento de mim, mas eu podia ouvi-lo irritado, atacando o lugar. Na hora, eu apenas mergulhei no mar e encarei o vazio de uma água quase sem Pokémon aquático. 'Por que os humanos são tão cruéis?', eu me perguntei mentalmente na hora. 'Não só criam um Pokémon e o largam por conta própria como também fazem isso, enganam quando ele só quer encontrar sua própria origem'. 'Eu não sou uma criança para eles? Eles não percebem como estou sofrendo com Mewtwo? Não percebem o quanto eu preciso de ajuda?'. Eu quase me deixei afogar aquele dia."

"Quando voltei para a caverna, lembro de encontrar Mewtwo transtornado. Eu apenas sentei no chão, encarando-o com até mesmo complacência. 'Eu tenho uma idéia de como você pode se vingar dele', eu me lembro de ter dito. Mewtwo olhou para mim com outros olhos, como se de repente realmente me considerasse útil. Eu apenas o encarei de volta e contei o que eu tinha em mente. E isso envolvia permitir que ele controlasse minha mente. Eu não tinha mais fé alguma na humanidade, e estaria, pela primeira vez, disposta a ajudar Mewtwo em tudo. Mas eu não teria coragem de fazer metade do que fiz aquele dia sem que ele me controlasse."

Eu parei, quieta. Encarava o chão estática, sem conseguir afastar as imagens da minha cabeça. Mas eu precisava continuar. Aquela parte… mesmo que dolorosa, era necessária para que entendessem.

— Quando voltamos a Castelia, já era noite. Foi sorte não ter muita gente na rua. Nós, ou ele, depende se no conceito de vocês aquela era eu, procuramos pelo homem que nos enganara. O plano era Mewtwo criar ilusões onde eu estava ferida por conta dele, procurar por um coração naquele buraco negro no peito do homem. Se não tivesse, nós procuraríamos qualquer humano e atacaríamos ambos dizendo ser culpa dele. Queríamos que pelo menos ele demonstrasse arrependimento. Forçado a isso ou não. Mas não o encontramos. Então começamos aquilo que marcou tanto a história de Unova. E a minha vida. Completamente irritados, nós estávamos cansados daquela cidade. Cansados daquelas pessoas. Começamos a tirar todas as pessoas de Castelia e a levá-las para a Área Central da cidade. Juntamos todas lá e… — encarei minhas mãos, estremecendo. Eu quase podia ver sangue nelas novamente.

Um profundo silêncio de instalou no lugar. Parecia que quanto mais eu, ou meus Pokémon, falava para eles, maior de tornava o peso sobre meus ombros. Logo, eu me sentia como se carregasse o mundo nas costas.

Não fui eu quem quebrou o silêncio. Nem Dan. Foi o garoto que morara no continente que eu fizera aquele horror.

— Vocês dois começaram a matar um a um no Castelia Plaza… e mesmo aqueles que se esconderam em casa não tiveram chance. Mewtwo destruiu toda a cidade. Até atacou você algumas vezes enquanto fazia aquilo. Mas você continuava levantando, como se aquilo não fizesse nem um arranhão em você. Como se fosse… — ele hesitou. Mas eu sabia o que viria a seguir. Estava pronta para ouvir de novo. Ele olhou para mim, eu assenti, permitindo que continuasse. — Como se fosse um monstro, não uma humana, e estivesse realmente determinada a exterminar a humanidade.

Pisquei com força para afastar as imagens, mas só piorava.

— Mewtwo estava com tanta raiva que não me enxergava mais na frente dele. — eu expliquei. — Eu sentia dor, muita, mas ele apenas continuava em frente. Logo, meu corpo também. Nós chegamos a atravessar todo o caminho até a outra cidade, Nimbasa. Àquela altura, o continente já estava em alerta. Quando chegamos à cidade, conseguimos destruir 1/3 antes do exército nos alcançar. Eles pensaram em mandar os melhores Treinadores, mas temiam que eu fosse capaz de controlar aqueles Pokémon também. O que era irônico, pois o Pokémon estava me controlando. Mewtwo e o exército ainda lutaram bastante, destruindo mais um pouco da cidade como consequência. Quando a luta acabou e Mewtwo recuou comigo, incapaz de continuar lutando, metade daquela cidade se tornara tão devastada quanto Castelia. Mewtwo voltou para a caverna junto comigo. Quando me soltou do controle dele… — hesitei. — Eu não sei. Eu não me lembro. Não porque minha mente bloqueou, mas porque eu estava tão ferida com tudo aquilo que eu estava quase morta. E Mewtwo também.

Eu olhei para Rex. Ele assentiu. Entendeu o que eu queria dizer. Depois de um momento, ele começou a falar e, logo em seguida, antes que eu traduzisse, Magi começou a falar com eles por Telepatia, traduzindo no meu lugar.

Enquanto tudo acontecia, alguns meses depois de Mei ser sequestrada, Rex saiu em busca de ajuda. Junto com Spyke. Os dois correram por longas distâncias até chegar a um lugar que diziam haver um lendário. Os dois fizeram todo o possível para encontrá-lo, enquanto eu ficava com a mãe de Mei, que não conseguiria ficar sozinha com tudo aquilo acontecendo. Os dois, quando conseguiram contato com o lendário, quando conseguiram pedir ajuda, já haviam passado tanto tempo fora de casa que nem perceberam tudo o que aconteceu com ela. Coincidentemente, o lendário Teleportou os dois até a caverna no dia seguinte do ocorrido em Unova. Meiko ainda não havia acordado, Mewtwo ainda estava tão ferido que não conseguiu vencer o lendário. Ainda assim, enquanto lutavam, Rex e Spyke tentaram acordar Mei. Ela acordou apenas por alguns segundos, dizendo que não acreditava que estavam ali, que eles nunca existiram, e que era para Mewtwo parar com suas ilusões, pois ela não acreditaria mais que tinha tido amigos algum momento. Nem adiantava tentar falar com ela. Era realmente como se o mundo dela agora se resumisse em sua vida ali. Mesmo assim, eles conseguiram distrair Mewtwo enquanto o lendário Teleportava Mei para casa e logo depois eles.

— Espera um minuto. — a voz de Dan quase não saiu. Ele estava confuso, mas também tão sem reação a tudo o que estávamos contando que ainda estava tentando tirar a expressão pasma do rosto. — Eu entendi tudo isso da lealdade dos Pokémon com ela. Mas como assim ela disse que não tinha amigos?

— Nem eu me lembro disso. — admiti. Era verdade. Tudo o que passava na minha mente era minha imaginação seguindo a descrição dos fatos. Nada parecia realmente ter acontecido. Mas não deixava de ser verdade. — É de se esperar. Mewtwo brincou tanto com minha mente, mexeu tanto com a imagem de quem eu gostava e com minhas memórias, que para mim minha única vida era aquela. Na caverna com ele. Quando eu acordei de verdade, em casa, eu não lembrava nada. Literalmente nada. Não sabia que aquela era minha mãe, não sabia quem era Rex. E não soube também quem era Mewtwo. Todas as memórias associadas a ele ou às ilusões que ele fez sumiram da minha mente, desapareceram. Seria bom, se eu não tivesse me esquecido de todos que eram importantes pra mim também. Se minha mãe e meus Pokémon resolvessem não me contar sobre alguém, eu não saberia até hoje. Tudo o que sei sobre grande parte da minha vida não é baseado no que eu lembro, mas no que eu ouvi deles.

Eles assentiram, entendendo. Depois de longos minutos naquele silêncio constrangedor, Scott abriu a boca para falar, mas Dan o impediu antes que começasse.

— Eu, pela primeira vez, acredito de verdade na sua versão de ter sido sequestrada. — admitiu. — Eu nunca encontrei lógica para um Pokémon sequestrar um humano. Mas agora eu entendo. — ele disse e eu dei de ombros. Já sabia o tempo inteiro que ele achava que eu era uma mentirosa.

— Mei. Uma dúvida. Mesmo que sua capacidade de falar com Pokémon tenha sido, digamos, adquirida, como surgiu a de entender a Telepatia? — Scott perguntou.

Eu dei de ombros de novo. Era uma ótima pergunta.

— Eu não sei. Talvez eu só tivesse mais paciência com eles. — dei de ombros. — Vou descansar um pouco. — levantei, segurando Spyke e Rex no colo. Ainda dormiam pesado. Eu não estava cansada. Na verdade, só queria ficar um pouco sozinha com meus Pokémon. Coloquei-os dois em cima da minha blusa em um canto da barraca, arrumei meu saco de dormir ali dentro e entrei. Como era meio grande, para duas pessoas, Magi ficou lá dentro também, fora da Poké-Ball. Eu fechei o zíper que era a entrada e olhei para ela. Mas eu não tinha nada a dizer. Deitei e fechei meus olhos. Não conseguia dormir, mas fiquei ali um longo tempo.



 

P.O.V: Dan Young

Mesmo depois de horas, eu ainda pensava no assunto, sobre tudo o que aconteceu com Mei. Eu ainda estremecia em lembrar como o corpo dela era. Aquilo me lembrava das mãos do meu pai. Sendo um minerador antes do trabalho atual, ele havia feito muita coisa e dado muito duro, até tinha uma cicatriz atravessando os ombros para prova aquilo. Mas ele ainda parecia ter menos cicatrizes que Mei. O corpo dela era simplesmente repleto, como se todos os seus membros tivessem sido perfurados por vários cacos de vidro e ainda estivesse se recuperando. Chegava até além daquilo. Eu simplesmente não conseguia entender a origem de algumas das cicatrizes, e não conseguia afastar da mente o fato de realmente sentir medo de descobrir como elas surgiram. Não era como as mãos do meu pai, não demonstrava trabalho duro. Aquilo parecia…

Eu não queria pensar no assunto, mas…

Parecia resultado de uma tortura.

— Você acha que ela está bem? — Ouvi a voz de Scott e percebi que eu não era o único distraído. — Ela parece mais distante.

Não era impressão dele. Meiko entrou na barraca depois daquela conversa e só apareceu depois de horas, nos ajudando a fazer o almoço. Ela comeu conosco, deu ração aos Pokémon e depois sumiu de novo. Não estava conversando direito, e eu já estava acostumado com aquilo. Não era a primeira vez. Ela ficava assim sempre que algo acontecia e ela se lembrava do Mewtwo. Aconteceu quando visitamos a Caverna de Cerulean.

Mas dessa vez, ela realmente parecia ter um bom motivo.

Eu dei de ombros.

— Ela tem esses momentos.

— Acha que devemos falar com ela? — ele perguntou. Parecia realmente incomodado com a situação. — Eu fico preocupado com ela, sabe? Deve ser muita coisa para aguentar.

— Ela sempre se fecha. Só não quer falar no assunto.

— Ela deveria. — ele insistiu. — Ela vem carregando isso faz tanto tempo que já deve fazer mal a ela.

Eu estava perdendo a paciência. Tentei não fechar as mãos.

— Cada um tem um fardo que consegue carregar. Ela não é diferente.

Scott continuou tentando argumentar, teimoso, mas eu não dei atenção. Estava vendo as informações de Squirtle. Para ser um bom Treinador Pokémon, eu precisava ter ótimos Pokémon. Assim como uma pessoa do exército precisava de ótimas armas. E eu não podia deixar de lado coisas importantes como característica próprias da espécie, Natureza e Habilidade.

Squirtle, o Pokémon Mini Tartaruga, é o Pokémon Inicial Aquático de Kanto. Quando nasce, seu casco ainda é mole e endurece de acordo com sua idade. Serve de proteção quando ameaçado, pois entra para se defender e até mesmo atacar. Porém, a casca de Squirtle não é apenas usada para proteção. A forma arredondada da concha e os sulcos em sua superfície ajudam a minimizar a resistência na água, permitindo que este Pokémon nade a altas velocidades. A Natureza deste Pokémon é "Frouxo", isto aumenta sua defesa física, porém diminui sua defesa contra ataques que exige distância. Seu nível é 21.

— Diminui sua defesa especial, hein? — eu disse, distraído. Estava olhando a base média de status da espécie dele. — Apesar de que ela não é tão baixa assim.

— Você é amigo dela. — Scott ainda não tinha calado a boca. — É seu dever ajudar.

Será que ele não percebia que eu estava prestes a lhe dar um soco?

Squirtle puxou minha mochila, abrindo e pegando uma caixa de remédio para Pokémon.

— Squir. — ele disse, empurrando alguma coisa no meu cinto.

Olhei e entendi. Squirtle estava empurrando a Poké-Ball de Pichu, e eu entendi o recado.

Eu precisava seguir, duas vezes ao dia, o que a Enfermeira Joy havia me dito para fazer. Curar Pichu no Centro Pokémon não foi tão suficiente, eu precisava trocar os curativos dele, e era o que estava prestes a fazer naquela hora. Ou tentar fazer, pelo menos. Quando o soltei, Pichu tentou ao máximo fugir, não parava quieto, me dava pequenos choques e ainda conseguiu mordeu meu dedão.

— Pichu! Eu quero ajudar! — tentei puxar meu polegar, mas ele apertou mais. Levantei minha mão e ele ficou pendurado junto. — Pichu! — ele tentou me dar outro choque, mas por ainda estar um pouco machucado, não teve muita força. Eu senti um choque leve, mas não me afetou. Na verdade, só pareceu afetar minha Poké-Dex, que começou a dizer, com sua voz eletrônica, as características dele também.

Este Pokémon é nível 10.

Segurei Pichu com cuidado e tentei fazê-lo largar meu dedo. Ele fez uma careta, como se sentindo dor, e me soltou. Eu o segurei, mas estava fazendo o possível para que ele não sentisse dor no processo. Por que sentira?

Pichu, o Pokémon Mini Rato, ainda não possui controle para armazenar sua eletricidade. Pode acabar descarregando energia sem querer quando surpreendido, eletrocutando a si mesmo no processo.

— Hã, valeu, Poké-Dex, entendi o recado. Ele se machucou sozinho. — Pichu voltou a se debater. — Qual é, eu não sou seu inimigo!

Squirtle, que estava quieto em um canto, começou a se aproximar. Parecia querer ajudar, mas assim que segurou Pichu e pareceu conversar com ele, o corpo do pequeno começou a brilhar com eletricidade de novo e dessa vez ele realmente conseguiu nos atacar com uma Trovoada de Choques.

Eu acabei soltando Pichu. Ele pulou para longe e correu floresta adentro, mesmo cambaleando. Enquanto eu tentava me recuperar, Scott se aproximou. Eu não sabia há quanto tempo ele tinha parado de falar, mas não parecia ter ficado triste por eu ignorar. Simplesmente demonstrou me entender.

— Você está bem, moço? — ele estendeu a mão e eu aceitei. Ele me puxou para cima. Eu esfreguei meu dedo. — Seu Pichu parece ter medo de você.

— Acha que ele vai voltar? — eu perguntei, lembrando de todos os casos que os Pokémon fugiram de seus Treinadores. Não me era algo muito agradável. Houve um caso onde o Pokémon se fortaleceu sozinho e matou o Treinador.

Uma voz se juntou à conversa antes que ele respondesse.

— Não. — Meiko disse, saindo da sua barraca. — Em que direção ele foi?

Eu a encarei confuso. Ela estava ouvindo tudo o tempo todo? Toda a conversa?

Scott não pareceu ligar e apontou para onde Pichu fora. Mei, sem dizer mais nada, entrou na floresta.

— Mei, é perigoso! — eu tentei ir até ela, mas ela sequer olhou para mim, apenas seguindo em frente. Eu suspirei e levei meu dedo à minha boca. Ainda estava doendo.

— Quanto tempo acha que devemos dar a ela? — Scott perguntou, percebendo que não adiantava ir atrás.

Eu dei de ombros.

— Trinta minutos? — perguntei, tentando soar inteligível chupando o dedo.

Ele assentiu e colocou mais lenha na fogueira. Depois de vários minutos, pelo menos vinte, ele de repente ergueu o olhar com uma expressão curiosa.

— Como ela consegue mudar de lente tão rápido? — ele parecia animado com a curiosidade.

— Lente? — eu franzi o cenho.

— É! Primeiro, os olhos dela estavam rosa, quando a resgatei. Houve um momento que ela estava falando sobre tudo e os olhos ficaram roxos, e rosa de novo. E desde que voltaram, estão um azul tão claro que parecem o céu.

Balancei a cabeça.

— Não é lente. — ele notou mais rápido que eu. Será que eu demoro a notar detalhes? Ou ele era muito detalhista?

— Não tem como me convencer que é impressão minha. Tem sim alguma coisa errada com os olhos dela. — ele me encarava nos olhos. Eu estremeci. Sentia que ele estava tentando tirar aquilo da minha cabeça com um simples olhar. Um olhar que não era tão simples.

— Ok, ok! — eu suspirei e ele esperou. — Ela nasceu assim, pelo que me contou. A cada movimento de Pokémon que ela leva, os olhos mudam. Rosa, Telepatia da Alakazam, Roxo, lambida do Growlithe e do Shinx, Azul, ataques dos Pidgeot.

— Isso é estranho. — Scott admitiu e ficou quieto.

— Eu sei, mas nasci assim, não posso fazer nada. — Mei simplesmente apareceu do nada atravessando o mato até a clareira. Pichu estava correndo de um ombro a outro, brincando com seu cabelo e pulando no seu capuz, que ela não estava usando, como se nada tivesse acontecido. Parecia se divertir na presença dela.

— Pichu! — levantei e fui até ela.

Pichu me encarou, com sua expressão alegre, talvez um sorriso, desaparecendo. Depois olhou para ela. Mei assentiu para ele e ainda piscou. Ela tentava manter a expressão tranquila para ele, mas eu podia ver que estava extremamente séria.

Peguei Pichu e cuidei dos ferimentos dele. Mei estava andando de um lado a outro, inquieta.

— Está tudo bem, moça? — Scott perguntou.

Mei nos encarou de novo. Seu olhar quase me faz estremecer. Ela parecia a tão famosa assassina com aquele olhar azul tão frio.

— Pichu estava em cima de uma árvore. Ele me viu e, ao contrário de me afastar, implorou para eu subir lá. Eu fiz isso e percebi. — ela olhou para ele. Parecia agradecida, mesmo com tamanha preocupação no rosto. — Chamaram o exército. Estão em todas as entradas da Floresta de Viridian e não duvido que estejam na entrada das outras cidades também. Não dá para voar. Até ganharmos altitude, eles já têm nos localizado.

Scott e eu ficamos um longo tempo em silêncio. Olhei para ele.

— O que faremos?

— Eu tenho um plano. — sua expressão era sombria. Mal parecia ter convencido um Pichu a voltar para o seu treinador pouco antes.

— Qual seria? — Scott perguntou.

— Simples. — ela respondeu. Mei parecia determinada. — Eu vou me entregar.

Mesmo sendo suicídio.


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Notas finais do capítulo

Primeiro capítulo do ano com ponto de vista duplo! Isso mesmo! Além de uma grande revelação que aposto que todos esperavam: Que diabos Mewtwo aprontou com a Mei?
Deixem aí suas reações nos reviews, adoraria ver o que tenho causado aos meus leitores ♥
(Só não me matem)
Enfim, amo vocês e os vejo na próxima! Até mais! E feliz 2018!



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