Unknowns escrita por Serena


Capítulo 1
New Beginning




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/673748/chapter/1

A caneta esferográfica de Madame Fetcher produz um som irritante que ecoa por toda a sala de interrogatório. Meu sangue ferve enquanto seus olhos amarelados pesam sobre as minhas costas. Ela abre um triunfante sorriso assim que começo a falar sobre o meu passado, que mantive em silêncio por muito tempo. Os meus lábios se desgrudam como se eu não falasse há anos, talvez porque isso seja a mais pura verdade.

— Minha irmã e eu tínhamos todo o conforto necessário quando morávamos com os nossos pais — começo, de cabeça baixa. As algemas reforçadas que entornam as minhas mãos vibram à medida que meu coração acelera. — Dois tiros. Dois tiros ensurdecedores foram necessários para que fosse destruído tudo o que conhecíamos. De repente, nossos pais estavam mortos sobre o gramado. Por que eu sobrevivi? Por que eu e minha irmã tivemos que sobreviver àquilo e assistir a tudo?

— O que acha que aconteceu, Sr., hum... — Ela dá uma olhada rápida no relatório e volta a falar. Prefiro ser chamado pelo meu nome, Hugh, mas não estou em condições de corrigi-la. — Skeyholm?

Dou de ombros e logo ela entende que não sei. Sinto uma lágrima morna escapar do meu olho, mas ignoro. Finalmente tomo coragem de olhar nos olhos de Fetcher e me arrependo instantaneamente. Consigo ver sua alma, irritada, pétrea como uma muralha. Ela não deve abordar muitos sentimentos em seu coração, o que apenas estimula seu olhar fuzilador. 

— Continue, sim? — diz ela, em meiguice. Ela não muda de expressão, apenas me olha como se sua vida dependesse disso. Não gosto dessa sensação.

— Tudo bem — continuo, quase em um sussurro. Estou rouco e ofegante, porque são muitas lágrimas. — Para não sermos pegos pelo serviço social, resolvemos aceitar a rua como um lar. Éramos apenas eu e minha irmã contra o mundo. Não tínhamos família para cuidar de nós. Passamos a viver na miséria... foi a partir daí que começamos a roubar.

“Era tanta fome. Eu não conseguia pensar em outra coisa. Quando via as vitrines das lojas de conveniência, me sentia tentado a pegá-las para mim. E minha irmã mais velha, Anna, também”

— Foram perseguidos — interrompe Fetcher. — Não foram?

— Sim — respondo. — Foi aí que coisas estranhas começaram a acontecer comigo.

Ela se endireita na cadeira.

— Que... que tipo de coisas estranhas? — pergunta ela, indiferente.

— Você sabe bem, Madame Fetcher. Assim que nós... que nós começamos a ser perseguidos, tudo se tornou assustador... — Permito que mais algumas lágrimas escapem dos meus olhos. Desta vez saem quase ácidas. — Eu... ela...

Estou em pânico. Manter meus sentimentos em equilíbrio está se tornando uma tarefa complicada ao viver esta parte da minha vida outra vez. Ela me olha e se aproxima do vidro que nos separa. Seus olhos amarelos brilham de maneira ameaçadora.

— Ainda está em condições de me contar?

— Estou — minto. — Estou sim.

Vejo um sorriso soberbo se formar no canto de seu lábio. Algo entre satisfação e malícia. Descubro aos poucos que a detesto. Depois de um longo suspiro de recomposição, sou capaz de voltar a falar.

— Depois de assaltarmos uma loja de conveniência próxima do Obelisco Espacial, em Seattle, fomos perseguidos de verdade. Seattle estava infestada pelas forças policiais e não sabíamos mais para onde ir. Foi a partir daí que, quase fora da civilização, encontramos uma ponte. Debaixo dela, conhecemos um casal de miseráveis. Eles nos apresentaram umas coisas bem legais que chamavam de baseados, mas...

— Mas...? — Fetcher se inclina para mais perto do vidro.

— Nos encontraram — suspiro. Meus olhos ardem, mas não são mais as lágrimas. Estou quente e tenho certeza que não estou febril. — E, como se não bastasse, minha irmã resistiu aos policiais. Ela resistiu, droga! Eles... eles... os malditos meteram uma merda de uma bala em sua cabeça!

Estou gritando.

— E, depois disso — Abaixo o tom de voz ao notar que Fetcher abaixou a mão, provavelmente para preparar a arma. —, eu não via mais nada. Não que eu tenha apagado ou coisa do tipo, mas... eu enlouqueci. Meu desejo de feri-los foi crescendo tão rápido que, quando miraram suas armas em mim, foram... desintegrados.

 — Desintegrados? — Fetcher levanta suas sobrancelhas, confusa.

— Não sei como explicar, juro. Senti algo crescendo no meu peito. Algo que foi caminhando junto da raiva e da tristeza. Poder. Eu senti poder quando aquela bala matou a minha irmã. Não foi a sua morte que me deu poder, longe disso. Foi a situação a qual fui colocado. De alguma forma eu fiquei invencível.

Ela me encara. Seus lábios levemente se comprimem. Sinto meu coração acelerar um pouco. Silêncio. Isso tudo está me consumindo, como chamas fazem com um pedaço de papel.

— Incrível — murmura ela.

— O que disse?

— Em toda a minha existência — começa. — eu só vi uma pessoa com dons como os seus. Seu nome era Donna White.

Estreito os meus olhos. Ela está chamando a maldição que me consome de dom? Ela acha a minha situação incrível? Ela está me comparando a uma mulher que provavelmente está na mesma situação? Isso não é incrível! Não é! Minha irmã está morta e isso tudo é culpa minha.

— Agora, Skeyholm — Ela quebra o silêncio. — Você será transportado para o Complexo Seringa.

— Que diabos é isso? Um tipo de prisão?

— Informações confidenciais — diz Fetcher. — Posso apenas dizer que é uma versão reduzida da Área 51.

— E onde fica?

— Você faz perguntas demais, garoto.

Fetcher aperta um botão no painel de controle e, com um pouco de poeira se agitando, o vidro que nos separa sobe. As algemas esféricas que me prendem se conectam quase instantaneamente por uma força magnética.

Sigo Fetcher pelos corredores, encarando cada um dos monitores pendidos às paredes. Vejo jovens próximos de minha idade, trancafiados por claustrofóbicos cubículos de um metal que não consigo identificar. É negro.

— O que é esse metal das paredes? — pergunto, apontando para os monitores.

— É o elemento 117, oras. Descobrimos há algumas semanas em uma expedição espacial. Estava em um enorme asteroide. Ele é inerte a grande parte dos danos e só pode ser moldado pelo cem absoluto — diz. Cem absoluto? Ela percebe a minha confusão e continua. — O termo que utilizamos para um feixe que simula o calor extremo.

— E isso não é perigoso?

— Garoto, esqueça toda a tecnologia que conhece — ela diz.

Fetcher tem um ar de importância e competência quando fala. Algo que pode facilmente ser confundido com indiferença — talvez ela não seja tão detestável quanto parece. Ela tem poder e tem que usá-lo com sensatez. É necessário que ela aja assim mesmo.

Assim que saímos do complexo, um helicóptero nos espera. Nele, está tatuado um logotipo de DCI. Assim que Fetcher nota a minha confusão, mais uma vez, ela me explica.

— Departamento de Ciências Incógnitas.

— Nunca ouvi falar.

— É o que preferimos.

E desaparecemos pelas nuvens.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[revisado: 25/09/16]



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Unknowns" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.