O garoto que desenhava sonhos escrita por moonabel


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

romance hétero, novidade! xD
boa leitura ♥



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    Eu não tenho nada contra viagens de formatura. Só odeio ser obrigada a ir.

 A diretora tinha  mesmo que ficar chamando os nomes dos alunos naquele microfone ensurdecedor pra todo mundo ouvir, parece que é uma necessidade. Como se eu ligasse se fulano já estava na escola, francamente.  Afundei minhas costas na poltrona do ônibus que cheirava a mofo, soltando um longo suspiro. Ergui minha mão com preguiça quando ouvi meu nome, entediada e com todos os tipos de sentimentos negativos em relação àquela viagem idiota.

   Todos os colégios da rede se juntaram, levando todos para uma chácara longe de tudo e todos. Aparentemente chegaram a conclusão que ir à praia ou à outro país era muito modinha, então escolheram uma opção mais barata. Desliguei meu Ipod e me virei para conversar, me distrair um pouco. Uma amiga sentou-se ao meu lado, e ela não parava de falar.

''Nossa, os meninos da unidade II são Deuses gregos'' eu a imitava, zombando de seus olhos que brilhavam ao avistar os rapazes passando. Ela me deu um tapinha, rindo.

O céu estava limpo, mas nem mesmo a interminável e linda plantação de eucaliptos iria me animar.

    Minha maior habilidade é dormir. Quando me dei conta, o ônibus já estava estacionado, e as meninas me cutucavam para me acordar. Descemos e nos dirigimos ao quarto, que era dividido com outras cinco garotas.

4 dias. Disse a mim mesma. 4 dias. Organizei minhas roupas no armário, cantarolando.

Todos pareceram se entediar rápido dentro do quarto, então passaram a maior parte do tempo lá fora, fazendo algo de útil. Cada estudante poderia fazer o que bem entender dentro dos padrões éticos constantemente quebrados, então eu meio que andava por aí explorando, sem muito rumo. Gostava de andar sozinha.

Além da casa principal, jardins e árvores cercavam as construções, então as sombras e áreas de descanso eram confortáveis. A piscina e os campos de futebol estavam superlotados, assim como qualquer área de lazer. Assim, o único lugar que sobrou foi um gazebo localizado mais ao norte, depois de uma plantação de macieiras. Dirigi-me até lá, observando cada galho da paisagem. Para minha surpresa, já havia alguém ali. Sentado de costas para mim, uma figura esbelta rabiscava um caderninho apoiado na mesa, concentrada.

— O-oi?

O rosto do rapaz se virou para mim, enquanto escondia com pressa o caderno no bolso do casaco. Seu rosto assumiu uma expressão bizarra.  Como se mini pessoas em seu cérebro tivessem soado o alarme ''ALERTA GAROTAS ALERTA GAROTAS, RECUAR''.

Ele era por inteiro comprido, seu rosto fino se encaixava perfeitamente com os cabelos até a nuca.

—Posso me sentar aqui? - me aproximei, segurando a risada.

Por sua vez, ele simplesmente balançou a cabeça, se levantou e saiu andando. Nossa. Acompanhei-o com os olhos, parecia um cachorrinho fugindo com o rabo entre as pernas. Não sei se eu achava fofo ou estranho, mas senti meu coração apertar.

    Stay me chamou até a sala de estar para ouvir os pronunciamentos dos monitores, falando sobre como se seguiria o dia. Eu, porém, estava ocupada procurando o rapaz de outrora. ‘’Festa'' - blá  blá blá - ''usem camisinha'' - Cadê ele?

Saí do ambiente, fingindo que ir ao banheiro. Lá ele de novo, desenhando com os braços encolhidos.  Na surdina, pude ver suas mãos trabalhando.

— Você desenha bem - meu queixo não levantava. Cruzei os braços, apoiando-me na coluna coberta de plantas.

Ele deu um pulo. Se virou:

— Não - friamente respondeu, como se tivesse feito pequenos cortes de papel no meu coração.

Ficamos um tempo em silêncio se encarando, até que novamente a parede invisível em volta dele se ergueu, me deixando sozinha no gazebo.

Algo dentro de mim se encheu, algo como uma indignação. O que eu fiz pra ele? Eu odeio ser ignorada. Odeio muitas coisas, mas ser desprezada me deixa irritada. Voltei para a sala, indo jogar algo com meus amigos.

    Naquela noite, decidiram fazer uma fogueira do lado da piscina. Segurando um copo com refrigerante (pelo menos foi o que me disseram que tinha dentro) sentei-me no chão, de pernas cruzadas. 

Estava cansada de fazer vários nada o dia todo, então eu apenas sentia vontade de ficar sozinha. Ouvi Stacey comentando com as meninas que elas iriam na piscina (num ato de rebeldia sem causa) no meio da noite. Eu neguei a oferta, revirando os olhos. Era só uma desculpa pra sair andando de bikini em plenos 15º graus Celsius por aí, desfilando. Não, obrigada. 

 Soltei meus cabelos que seguiam pelas costas, na maioria das vezes preso em um alto rabo-de-cavalo. Olhei em volta, analisando os grupinhos tão distintos, e ao mesmo tempo tão repetitivos. As seguidoras de Regina George, os jogadores de futebol, os viciados em celular, os nerds ... e eu.  Não muito longe de mim, certa pessoa cutucava o marshmalllow com os dedos, pensativo. Levantei-me e me Aproximei, decidida. Eu não estava apaixonada, apenas extremamente intrigada. 

Seus olhos nublados são tão lindos.

Pensei, roendo a unha antes de me aproximar dele.

Esse seu jeito despojado é uma graça.

Pensei, sentindo o cheiro de fumaça.

— Você não fala? - perguntei.

Ele me olhou, balançando a cabeça:

— Falo.

— O que tem contra mim? Por que assim, eu juro que tô tentando puxar papo - encolhi os braços. 

Estávamos sentados um ao lado do outro, um pouco mais afastados do resto das pessoas. Tentando ignorar o frio, puxei a manga do meu casaco até a palma da mão. Dei uma jogadinha de ombros e balancei os cabelos, ao perceber que ele me olhava. Me olhava de cabeça baixa, como alguém que luta contra um desejo. Sorri. Discretamente? Nem tanto.

— E-eu ... só não falo muito perto de estranhos  - Depois da curta pausa ele se explicou, juntando as mãos, nervoso.

Retruquei:

— Não sou estranha. Você sabe meu nome?

— Não - ele deu um sorriso de lado que me deixou confusa. Desviou o rosto.

— Então descubra — inclinei-me, deixando nossos rostos próximos. Eu falei baixo, quase que como um sussurro. Ele tremeu até os pés com o toque, arregalando o olho - Te dou até amanhã, vou cobrar hein?

Ele concordou, apertando os lábios.

 O toque de recolher soou por toda a chácara, com uma voz explicando que deveríamos ir dormir cedo. Por que amanhã tinha... basquete? Nem lembro.

— Vê se tenta falar comigo amanhã, não me ignora. - minha voz soou quase que rígida.

— Posso tentar - ele emitiu uma risada rouca.

Ergui meu dedinho:

— Me promete?

Ele demorou alguns segundos apenas observando minha mão.

— Posso tentar - repetiu, unindo nossos dedos numa promessa.

    Completei minha xícara de plástico com café forte, descansando-a numa bandeja. O refeitório estava cheio, porém ironicamente quieto. Todos pareciam ter acabado de voltar de uma noitada, quase desabando em cima dos ovos com bacon no prato. Servi-me fazendo uma careta, sem muita vontade de ingerir frituras logo de manhã.

— Eu perguntei para um colega da sua escola ontem - uma voz baixa me chamou. Virei-me, com uma sobrancelha arqueada.

Ele vestia um moletom surrado escuro, e seu cabelo continuava bagunçado.

— Eu só sinto lhe informar que o sono me fez esquecer a resposta.

— Pelo menos você falou comigo, é um belo progresso - sorri, dirigindo-me à mesa onde eu sentaria  - Você vem?

 

É claro que foi a primeira e última vez. Um silêncio mortal cresceu entre nós. Seus lábios abriam apenas para comer, e seus olhos não possuíam coragem de encontrar os meus.  

Desisti. Passei o resto do dia e toda noite com minhas amigas, sendo obrigada a escutar sobre como o professor de Ed. física ficava gostoso com uma legging apertada. Garotas me surpreendem. Quando não estão ocupadas reclamando da unha que quebrou, estão fofocando. 

Logo após, fui meio que obrigada à ir numa festinha.

Era no salão embaixo do refeitório, era quase que um subsolo, mas tinha uma longa janela de vidro que dava vista pro lago,iluminado pela luz da lua. Suas paredes eram brancas, e o chão todo de madeira. Parecia festa de velho, onde a playlist toda era tipo, Britney Spears. Dica: se for dar uma festa na escola, nunca deixe seus professores escolherem a trilha sonora.

Mas parece que ninguém ligou muito, já que estavam todos... bêbados. Eu parecia ser a única pessoa no salão que se contorcia ao ter que ouvir o refrão de Toxic. Stacey pulava de um lado pro outro, me abraçando/gritando na minha orelha. Todos dançavam, todos falavam alto. Minha cabeça me matava, decidi andar até o bar e pedir água. O barman me olhou com uma cara de ué, franzindo o cenho ao pegar o saco de gelo na geladeira, servindo o copo esverdeado. Me perguntou, me olhando de cima a baixo:

— Não quer Vodka,moça?

Não posso ser a única que não gosta de vodka. Convenhamos, ainda não consigo superar o fato de ter numa festa promovida pela colégio um open bar. Qual o sentido disso? Assine aqui queridos pais e responsáveis, iremos cuidar dos seus filhos com menos de dezoito anos dando-lhes bebidas de graça. Irão se divertir a beça! 

 Neguei a oferta e tomei minha água com um único gole, logo me distanciando do bar. Vasculhei o salão iluminado por luzes que se alternavam entre verde, azul e vermelho, procurando pessoas normais. Quer dizer, sóbrias.

É obvio né? Lá ele estava, apoiado na parede.

Conversava com meia duzia de pessoas, que não pareciam ligar muito para ele. Apenas o encarei, sem saber o que fazer.

Ele então me viu, arregalando os olhos ao encontrar com os meus. 

Justo quando fiz um movimento para me aproximar, ele saiu em disparada para sei lá aonde, perdendo-se de mim na multidão de jovens dançando ao som de...

Oops, I did it again.

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    Os dias se passaram, e nossos encontros que já eram mínimos se acabaram, assim como minha vontade de insistir.

Era de manhã, os pássaros anunciavam alegremente outro dia merda pela frente.

— Que se foda - concluí a breve história para Stacey, que apenas me encarava, atenta, com aqueles enormes olhos verdes esbugalhados. Ela arrumou os cabelos , encostando- se no armário. Concluiu:

— Você provavelmente nunca mais o verá na vida, bem feito para ele.

— Ele é da unidade Sul, fica longe mesmo - não pude conter uma expressão desapontada - Nos meus cálculos, dá uns 3 ônibus da minha casa.

— Ele é um pé no saco. Mas não podemos negar que é um gatinho.

Ela sorriu, revirando os olhos. Dei de ombros, suspirando. Separamos nossas raquetes para o jogo da tarde e saímos do quarto.

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    Não sei o que pesava mais. Meu peso na consciência ou minha mala. Eu me arrastei devagar pela calçada até chegar no salão principal, onde deixaríamos nossas malas para o embarque. O tempo passou incrivelmente rápido, tenho que engolir minha repulsa de antes. Foi divertido. 

Porém, um sentimento se instalou dentro de mim, como uma espinha que aparece bem quando você precisa tirar foto do RG. Um trabalho mal acabado, um sentimento de uma certa angústia.

   Esperei nos chamarem, junto com Stacey sentada na grama. Ela não parava de tagarelar, mas eu não lhe dei ouvidos. Minha mente estava ocupada numa eterna indecisão.

Levantei num pulo:

— Eu já volto - falei de cabeça baixa, correndo até onde meu coração me levava.

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— Eu sabia— falei no meio de arfadas, me apoiando na mesa.

Ele me olhou, com uma expressão inalterada.

— Preciso falar com você... – bufei retomando a postura.

O moreno se levantou, colocou a mochila nas costas e andou até mim.

— Eu nunca mais vou te ver. Mas tenho que tirar isso de mim. Eu meio que me apaixonei por você  -  concluí, me afogando em seus olhos azuis.

Óbvio que ele não iria falar nada. Óbvio que eu estava parecendo ridícula.

Escondi o rosto com as mãos.

Murmurei:

— Desculpa , eu não poderia esperar outra coisa de você. Que tola, ainda bem que você vai esquecer-se de tudo isso, sua sort-

Fui interrompida:

Riley!

Ele segurou meu pulso, com o olhar fixo no meu. Meu coração parecia querer sair pela boca. Várias pessoas pronunciam meu nome, todos os dias. Mas aquela hora foi especial.

— Obrigado por... não desistir de mim. Eu sou um idiota... Tolo, retardado, inútil, lerdo e você é ... linda.

Continuei calada, com a mente em branco.

— Para ter boas lembranças de mim - ele se curvou.

Seus lábios eram doces e macios, seu beijo era calmo. Ficamos um tempo ali, dançando para uma música sem melodia, beijando um romance que se dissolveria com um tempo. Senti seu perfume, ele passou a mão pela minha cintura, depois pelos cabelos... e por mim descansou seus dedos na minha bochecha, deixando-me ofegante ao dissolver o beijo. Nos olhamos, como se milhões de palavras estivessem sido proferidas em segundos. Ele me abraçou, com seus braços enormes me envolvendo.

— Obrigado. Não quero que se lembre de mim como o babaca do acampamento que não me lhe deu bola. 

Desfez o abraço, sorrindo para mim.


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