Life, Shit Life. escrita por Athens Princess


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Mil anos sem postar, eeeeeeeeeh. Bloqueio criativo da nisso. Misturado à necessidade de estudar e à preguiça, fiquei esses meses aí sem postar. Mas, tá aí, o quarto capítulo, meio parado mas beleza. Divirtam-se.



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Estava sentada no balanço do meu quintal. Meus pés não alcançavam o chão. Meus olhos, embaçados de lágrimas, virados na direção na rua. Tinha acabado de brigar com meu pai, de novo. Meu rosto ardia. Mais um tapa que provavelmente deixaria marcas no dia seguinte. 

Me concentrei em parar de chorar. Sequei as lágrimas. Sabia que minha irmã estaria assustada. Deveria ir para o quarto dela, consolá-la. Ela era pequena demais para entender algo assim, e eu também era. Mas, de certa forma, via como meu dever, protegê-la. 

Entrei escondida, em silêncio. Meu pai estava encostado na parede, de costas pra mim. Estava fedendo a bebida, como sempre. Ao parar perto da porta do quarto da minha irmã, logo ouvi seu choro. Morávamos em uma casa grande e velha, as paredes não isolavam bem o som. Bati na porta três vezes com um espaçamento de três segundos entre uma batida e outra, como havíamos combinado. Depois, entrei. 

Conversamos por um bom tempo, eu fazia meu papel de irmã mais velha, até o choro se transformar em riso. Estava tudo alegre novamente, naquele fim de tarde de sábado. Estava. Meu pai subiu correndo e gritando de raiva. Seu grunhido se misturou ao berro apavorado de minha irmã, que saiu correndo. Ele me agarrou pelo cabelo longo, e gritou palavrões impossíveis de entender. Por que sempre tinha que acabar tão mal? Não tinha que ser assim. Poderíamos ser uma família, mesmo sem a mamãe. Queria que ele entendesse, mas não conseguia falar enquanto chorava. 

—_________________________________________________

O despertador me acordou. Meus olhos, fixos no ventilador de teto. Minha cabeça doía, mas isso já era habitual. Desliguei, o barulho tornava a dor pior. 06:00 da manhã. Me levantei, fui ao banheiro. Tomei um banho e me vesti. Era meu primeiro dia de aula numa escola americana. Acabei colocando calça jeans preta, sapatilha vermelha, uma camisa listrada em preto e branco, e deixando meu cabelo solto. 

Fui até a cozinha, para preparar o café. Luna ainda gemia no sofá. Soltou um palavrão quando acendi a luz da sala. Peguei o pó no armário, coloquei a água pra esquentar, coloquei cinco colheres de café no coador, e comecei a arrumar a mesa com pão, alguns queijos, bolo e suco. 

Não demorou muito para Charlotte aparecer também. Usava all-star azul, short jeans e uma camisa branca com ombros caídos. Os cachos cor de chocolate desciam até seu peito, soltos. Sorriu pra mim, e me deu bom-dia. Retribuí com um aceno de cabeça. Era raro vê-la de bom humor de manhã. 

Ouvi Luna bater a porta do banheiro, e soltei um longo suspiro, enquanto colocava a água no coador. O cheiro forte de café se espalhou por ali. 

— Vai ser difícil lidar com ela... — Comentei. Eu era muito paciente, mas não era fácil lidar com a birra dela.

— Eu sei. — Charlotte também suspirou. 

Ela saiu do banheiro pouco tempo depois, e entrou na cozinha, com cara fechada. Sem falar conosco, encheu um copo de suco e tomou tudo de uma vez. Pegou um pão, e deu uma mordida. Vestia jeans com rasgos, all-star branco, e uma camiseta de Nirvana. O cabelo, estava um pouco desbotado. Não pro verde, mas pra um azul próximo do cinza. Era bonito, de certa forma. 

Depois do café, fui para o banheiro escovar os dentes antes, já que as duas ainda tinham que arrumar a bolsa. Não demorou muito para estarmos todas prontas, e sairmos para ir até a escola. Eu estava imaginando que iríamos a pé, mas um Camaro claramente usado parou perto da calçada. Charlie se mostrou com um sorriso travesso ao abaixar o vidro. 

— Não sou Uber, mas acho que posso levar vocês. Com conforto, acho.

Não pude evitar dar um leve sorriso. Entramos nós três, eu no banco da frente. Luna, pareceu satisfeita com alguma coisa pela primeira vez no dia. Ele colocou alguma música de pop rock bem animada e alegre no celular, e foi tagarelando o caminho inteiro. Típico. Eu, só conseguia pensar no meu pesadelo. 

Fazia tempo que só conseguia pensar no meu passado. Minha infância, especificamente. As brigas constantes, os problemas com meu pai... Afastei esse pensamento quando Charlie parou no estacionamento da escola. Me perguntava se ele tinha falado algo comigo durante o trajeto, seria uma pena perder uma oportunidade de falar com ele. Era sempre divertido e enriquecedor.

Saímos do carro, o lugar estava cheio de adolescente. Em sua maioria, brancos. Aquilo pareceu incomodar Charlotte um pouco. Ela tinha traços latinos, então provavelmente poderia ser alvo de brincadeiras bobas. Óbvio, ela não ligaria pra isso, mas só a hipótese me deixou mal. 

— Mas que droga é essa? Hogwarts? 

Luna não poderia perder a oportunidade de fazer uma reclamação, óbvio. Ao olhar para o prédio velho, ela fez cara feia. Essa mania de reclamar, deixava qualquer um mal. Não que eu não gostasse dela, mas era uma pessoa complicada. 

— Ah, eu gostaria de poder estudar em Hogwarts. Seria legal se esse colégio ensinasse bruxaria, como no livro. 

Óbvio, Charlie não deixaria passar. Ele deu um risinho, e Luna bufou. Não sei se ele não percebeu que era uma reclamação, ou se apenas quis quebrar o clima ruim que ficava depois que ela falava algo assim. Acreditava mais na segunda opção. 

Entramos na escola. O interior parecia saído de algum seriado, com armários azuis e vermelhos, corredores cheios de pessoas de estilos completamente diferentes formando grupinhos bem definidos. Me perguntei se nós seríamos os "geeks". 

Faltava algum tempo para a aula começar. Charlie queria olhar todas as atividades possíveis naquela escola. Aparentemente, tinha um jornal da escola, uma banda, um time de vôlei, um de natação, um grupo de xadrez, clube de debates políticos, clube de música, clube de literatura, etc. 

— Quem quer fazer parte do clube de debates políticos? 

Luna simulou uma professora representante do clube, o divulgando. Charlotte riu, eu apenas dei um pequeno sorriso. É, eu me interessava por política, mas entendia o quão ridículo isso poderia parecer. 

— Seria legal participar desse também, embora eu goste mais de algo como um clube de basquete. — Charlie deu de ombros.

 

Charlie gostava de tudo, de certa forma era surpreendente. Eu preferia o clube de literatura. Esperava que pudesse escrever redações por ali também. Parecia bom. Não demorou muito para bater o sinal, e todos irem para suas salas. Charlie era um ano mais velho, então ficamos em salas diferentes. 

Fiquei na terceira carteira do lado da janela, como de costume. Charlotte sentou atrás de mim, e Luna logo atrás. Pouco tempo depois, um garoto alto de cabelo platinado sentou no meu lado. Ele estava vestido mais ou menos como Luna, e de cara fechada. Parei de reparar nele em pouco tempo, e abri o livro de inglês, que era a primeira aula, mas Charlotte decidiu que seria uma boa ideia falar com ele. 

— Hey! Me chamo Charlotte. Elas são Lucy e Luna. Tudo bem? Como se chama? — Ela deu um sorriso do tamanho do mundo, como de costume. O garoto, por sua vez, ficou um pouco surpreso.

— Me chamo Hégulos...— Ele não teve tempo de terminar de falar. O professor entrou na sala. 

— Bom dia...— Ele colocou um livro grosso na mesa. — Me chamo Isaac, sou seu professor de inglês... Vocês podem gostar ou não de mim, mas vão ter que me aguentar pelos próximos três anos, então sugiro que gostem. 

Ele se apoiou no quadro. Para um homem da idade dele, que parecia estar próximo dos 50, ele tinha bastante energia. Parecia ser um bom professor. A aula foi rápida. Não era difícil de entender. Ele falava de literatura clássica. Algumas pessoas deviam achar um saco, mas eu gostava.

A próxima aula era física. Um professor jovem, devia ter uns 28 anos. Claro, isso não o tornava mais legal. Sempre de cara fechada, a aula foi difícil de encarar, mesmo eu gostando da matéria.  As próximas aulas foram história, duas de biologia e no fim outra aula de inglês. 

Bem, a aula estava acabando, eu ia sair da sala com Luna e Charlotte, mas uma coordenadora do colégio me chamou. 

— Com licença, senhorita Dellazari, há algo errado com sua documentação... Pode me acompanhar? — Charlotte olhou pra mim em tom de dúvida, e fiz sinal para ela irem. Depois, segui a mulher. Antes de ir, tive tempo de ver Hégulos, o garoto que conheci antes, acenar pra mim. Acenei de volta, e a segui. 

Não eram problemas grandes, na verdade. Ela queria uma assinatura dos meus pais, mas logo expliquei a situação, e ela se desculpou e me deixou ir. Bem, minha mãe estava morta, e meu pai... Bem, ele estava em uma situação complicada. 

Quando saí da escola, já não tinha quase ninguém por ali. Teria que ir a pé, já que Charlie deu carona para as duas. Bem, não era problema. Poucos quarteirões depois da escola, fui parada por um grupinho de três garotos visivelmente mal intencionados. Eu era rápida, poderia correr, mas acabei sendo segurada pelo mais forte. Eles pediram minha bolsa, e quando expliquei que só tinha livros nela, eles surtaram. 

Um deles, ameaçou de me dar um soco, mas tão rápido quanto a ação começou, ela terminou. Um braço forte apareceu praticamente do nada, puxou o garoto e lhe deu um soco na cara. O que estava logo na minha frente puxou um canivete. Eu conhecia algumas técnicas, então consegui paralisar seu braço, pegar a faca e o derrubar. O terceiro, fugiu. O garoto que me ajudou, que depois percebi que era Hégulos, o chutou, e os dois ficaram gemendo no chão. 

— Vem, eu te acompanho até em casa. 

Ele disse, limpando um pequeno machucado que a briga causou em sua testa. Eu estava surpresa, óbvio, mas ainda tive tempo de pensar que não queria ficar com a faca. Entreguei para ele, e ele guardou no bolso. 

— Você tá bem? — Ele me perguntou. Isso me deixou ainda mais surpresa. 

— Estou... Obrigada. Te devo uma. 

Ele deu um sorriso de canto. Aparentemente, não ia falar mais nada. É, eu perdi uma boa oportunidade de ficar calada, mas senti a necessidade de puxar assunto com ele. 

— Sabe, isso foi perigoso... Algo ruim poderia ter acontecido, um deles tinha um canivete. Você poderia acabar em um hospital por minha causa, foi desnecessário. 

— Não esquenta. Eu te ajudei porque quis. 

— Mesmo assim, eu...

— Hey. Não esquenta, okay? 

Ele fechou a cara. Provavelmente, não gostava de lição de moral. Me perguntava se ele seria tão difícil de lidar quanto Luna. 

— Desculpe. Podemos tomar um café qualquer dia, então? — Talvez estivesse exagerando, mas agora insistiria em falar com ele, de qualquer jeito. 

— É, não sei. 

Pouco tempo depois, estávamos em frente ao lugar onde morava. 

— Bem, eu fico aqui... Se quiser entrar, eu posso fazer um curativo...

— Não. Valeu. Tchau. 

— Okay... Obrigada, de novo. 

Ele foi embora logo em seguida. Fazia tempo que não me sentia tão constrangida, ou culpada por receber a ajuda de alguém. Não que eu estivesse desconfortável, mas a presença dele era intimidadora. É, isso. Me sentia intimidada. Era esse o sentimento, do qual nem sequer me lembrava mais. Talvez por eu ter ficado impotente, ou talvez a própria presença dele fosse intimidadora. Achei estranho desde a escola, mesmo. 

Enquanto pensava nisso, fui até meu quarto no piloto automático. Se alguém falou comigo, não ouvi. Apenas me joguei na minha cama, e fiquei pensando sobre cada detalhe do dia, desde o pesadelo até minha breve conversa com Hégulos. Tenho vontade de conhecê-lo melhor, certamente. 

— Ah... Eu devia ter pedido o número dele... 

Lembrei a mim mesma, baixinho. De qualquer forma, ia vê-lo amanhã mesmo, então não fazia muita diferença. O que restou do dia foi monótono, então continuei apenas falando com Charlie sobre os planos dele para o resto do ano. Recebi notícias da minha irmã sobre como o tratamento da minha tia ia bem. Ela já conseguia mandar em todos normalmente, o que era um bom sinal. 

Ao ver que já estava tarde, fechei o notebook e fui dormir, me preparando para mais uma noite de pesadelos e mais uma manhã de dores de cabeça, no dia seguinte. 


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