Isso pode ser aproveitado no meu artigo, pensou Yuki, ao ver a quantidade de desenhos colados nas paredes da casa do seu entrevistado. Shuichi Shindou, um jovem modelo por quem as meninas eram loucas e sobre quem estava escrevendo seu primeiro artigo realmente importante. Claro que não lhe agradava nem um pouco estar se rebaixando ao nível de escrever fofoquinha de famosos, muito menos do ambiente desorganizado que era a casa do rapaz, mas como ainda estava começando a fazer seu nome no meio jornalístico, tinha que se contentar. Contudo, era experiente e não seria difícil fazer Shuichi abrir a boca e soltar algum furo; era só fazê-lo acreditar que realmente se importava com as bobagens que ele teria a dizer.

-você desenhou a lápis?- perguntou Yuki, perdido entre palhetas e pinceis de todos os tamanhos e espessuras.

-há algum mérito se eu responder sua pergunta?-respondeu Shuichi, rudemente.

-não se trata de mérito- respondeu Yuki, contendo-se para não esbofetear o garoto. Afinal, ele acabaria processando-o, o que não seria nada bom para a sua carreira.-você desenhava muito quando era pequeno?

-acho que sim.- disse, sem sequer fingir que estava prestando atenção.- isto é uma entrevista para que revista?

-se chama “Splash”. Você conhece, né?- ele quase completou, “essas revistas inúteis de adolescentes que não tem um mínimo de preocupação social ou cunho político. Por sinal, só trabalho nela por que esse tipo ridículo de expressão literária, embora seja mero desperdício de papel, é o tipo mais popular de leitura encontrada no mercado, por falar justamente as baboseiras que todo mundo quer ouvir”.-hoje as ilustrações dos famosos são a ultima moda.

-meus desenhos são diferentes dos seus.- Shuichi respondeu entredentes, sentando-se num banco alto e encarando Yuki. Este, por sua vez já estava pensando em como forjar as provas da própria insanidade mental que usaria no julgamento, depois que enfiasse uma faca na barriga de Shuichi e depois a girasse. Talvez se fingisse ter transtorno de múltipla personalidade o júri acreditasse...-para mim, divertido é trabalhar como modelo.

Yuki virou o rosto, para contemplar os desenhos, sem agüentar mais ver a expressão arrogante do rosto de Shuichi.

-na verdade... os seus são os melhores que vi até agora- reconheceu, em parte por estar tentando manter a postura de homem maduro que não se deixa abalar pelas frescuras de um adolescente que acha que o mundo rira em torno do próprio umbigo, e também por que viu uma aquarela com um bem-te-vi pousado sobre uma bota vermelha que estava realmente boa.

Foi quando uma quadro lhe chamou a atenção. Uma criança agachada, contemplando o mar. A própria pintura já era mais bonita que as demais, mas aquela tela ocupava um lugar de destaque na sala de estar bagunçada de Shuichi, de tal maneira que parecia ser o único objeto realmente importante para ele.

-fale-me deste quadro. O menino e o mar.- pediu, num tom que esperou que parecesse profissional e não revelasse sua curiosidade. Afinal, mesmo que a tela fosse bonita, o que fazia dela algo tão especial?

-pensa em escrever sobre ele?- perguntou Shuichi, levantando-se e cruzando os braços.- então era melhor ter explicado isso de cara. Não é estranho explicar isso e aquilo de um desenho? Isso é uma resposta bem lógica.

-mas estão não se poderiam fazer os artigos. Você é diferente...

-como compreenderá, não é problema meu.

-certo. Então, vai satisfazer minha curiosidade?

-você é diferente, hein?-o rapaz sorriu pela primeira vez.- esse quadro é... aquele pelo qual eu tenho mais carinho. É como se fosse uma lembrança.

-compreendo- disse Yuki, se obrigando a retribuir o sorriso.- é o que eu mais gosto.

-você é o primeiro que diz isso. Todos os demais fazem perguntas imbecis. Como: “qual seu prato favorito”, “qual sua cor favorita”...- ele disse, aproximando-se de Yuki, com as mãos nos bolsos da calça.- seu nome... poderia dizê-lo de novo?

-te dei meu cartão de visita agora a pouco.

Shuichi virou-se, fazendo algumas mechas cor de rosa se agitarem delicadamente em torno de sua cabeça, e foi até a mesa pegar o cartão, sentando-se novamente no banco.

-diz, “Sr. Eiri”. Como se lê seu primeiro nome?

-Yuki. Eiri Yuki.- ou Bond. James Bond, se preferir, garoto burro que não sabe nem ler um kanji!