Laura escrita por Hikari Ouji


Capítulo 1
Laura [Capítulo Único]




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 Ele a observava.

Laura sorria. Estava junto do cara mais bonito do colégio. Dançavam ao som de uma música lenta selecionada por algum professor oitentista que aproveitava o momento para lembrar-se de sua própria época de formando. Coroados rei e a rainha da noite, eram observados com admiração e inveja por muitas pessoas. Ela usava um vestido curto cor nude puxando levemente para o dourado feito de poliéster, tule e renda. Uma das criações de Dave & Johnny. A cada passo a saia rodada em renda exibia suas belas e longas pernas. Seus brincos reluziam as luzes multicoloridas e as refletiam em diferentes direções. Seu rosto no ombro do rapaz exibia um sorriso de satisfação marcado com batom vermelho. Juntos era o casal mais bonito da festa. Enquanto isso, outro rapaz a observava do canto do salão. Seguindo os movimentos de suas pernas, sua silhueta, até sua nuca. Desejando-a cada vez mais.

Quando por fim aquela música foi substituída por uma mais dançante e as pessoas se juntaram ao casal na pista de dança, ele quase a perdeu de vista. No meio da multidão de adolescentes excitados, pôde ver por segundos quando sua amada foi apalpada pelo namorado. A mão boba do rapaz entrou por debaixo do vestido e tocou-lhe as nádegas. Ele gostou, mas ela pareceu aborrecer-se, pois o deixou sozinho sendo logo cercado por seus amigos do clube de futebol. Ela continuou seu caminho, abrindo espaço por entre os adolescentes e indo em direção de seu telespectador. Ele sentiu o coração disparar quando seus olhos se cruzaram por um segundo, mas se conformou que poderia ter sido somente um acaso. De onde estava, sabia que ninguém o via, ou então o ignorava, mas ao contrário, ele via a todos. Cada passo mais próximo era uma batida mais forte no coração, mas como já era de se esperar ela o ignorou indo direto para o banheiro feminino, deixando o rastro de seu perfume floral para trás. Mas isso não o faria desistir.

— Por que me ignora? – perguntou assim que ela saiu do banheiro, assustando-a.

— Que susto! Já te disse para me deixar em paz! – disse evitando olhá-lo.

— Laura, por favor, me dê uma chance!

— Suma da minha vida! – gritou chamando a atenção de quem estava por perto. Logo o namorado e seus amigos os cercaram. Como esperado ela o abraçou assustada.

— Mas você não toma vergonha na cara, né seu desgraçado! Cai fora! – disse empurrando-o contra a parede e fazendo-o cair no chão com dor nas costas.

Com a ameaça o rapaz até pensou em revidar, mas ali não era o lugar propício. Não com uma gangue de brutamontes como guarda costas e dezenas de testemunhas. Então fez o sensato: levantou-se, limpou a calça suja de poeira e se afastou por entre as pessoas. Sem antes, claro, lançar seu olhar mais furioso e receber em dobro de quem o observava.

 

Passava da meia noite quando o casal voltava para casa. De mãos dadas, andavam pelas ruas vazias do bairro tendo somente a luz da lua cercada de milhares de estrelas, que resolveram aparecer depois de uma breve chuva horas antes. Em certo ponto, onde a luz era pouca, ele a abraçou e a prensou contra a parede para então beijá-la apaixonadamente. Enquanto suas mãos desciam por entre o espaço da parede e suas costas parando poucos centímetros abaixo da cintura. Foi quando notaram que não estavam totalmente a sós. O rapaz de antes estava de volta, observando a tudo a alguns metros de distância. Sua respiração podia ser vista quando a fumaça do cigarro que tragava era solta na brisa leve da madrugada. Laura sentiu quando o namorado a largou e partiu para cima do rapaz. Na verdade sentiu até pena, pois sabia que ele não iria reagir contra o jogador de futebol, já que era um rapaz calmo que nutria um amor que ela não era recíproco da parte dela. Alguns passos, meia dúzia de xingamentos boca a fora, passos se afastando e um som de soco foi ouvido na esquina. Laura se assustou e correu para fazer o namorado deixar o pobre rapaz em paz. Quando se aproximou o viu de pé no meio da rua, logo o abraçou, mas se surpreendeu ao perceber que quem estava no chão não era quem ela pensava. Era seu namorado. O rapaz que ela não amava, virou-se para abraça-la. Respingos de sangue pousavam na bochecha e acima do olho direito. Ela sentiu quando as mãos sujas de sangue apertaram-lhe as suas ao mesmo tempo em que uma lágrima escorreu de seus olhos.

— Laura... Perdão, eu não queria fazer isso. Mas não tive escolha – tentou justificar-se ofegante.

—P-por quê? – gaguejou  olhando de um rapaz á outro.

— É por que te amo! Sempre te amei! Não consigo te ver com esse perdedor! Você merece alguém como eu… alguém que possa te proteger…

— Mas ele faz isso...

— Alguém que nunca iria te trair! – gritou.

Laura calou-se. No fundo ela suspeitava, mas foi por ele que se apaixonou e ele havia mudado muito no último ano.

— Laura... Me escute – disse apertando-lhe as mãos sem nem perceber – Vamos embora.

— Não! Eu não te amo!  – ela berrou – Olha o que você fez! – disse soltando-lhe as mãos agora também ensanguentadas e ajoelhando ao lado do namorado.

— Acorda amor, levanta! – chorava enquanto sacudia o jovem no chão.

 - Ele não responderá, Laura.

 

 

 

Laura corria.

Sua visão estava turva devido às lágrimas e seus pés, agora descalços, doíam a cada pedra irregular que pisava. Atrás dela podiam-se ouvir os galhos de árvores se partindo e o farfalhar dos arbustos que na imensidão da floresta parecia vir de todos os lugares.

— Laura... Oh Laura! – gritava ele enquanto a seguia. Seguia o rastro floral de seu perfume no ar e o rastro de suas pegadas na grama brilhante e salpicada de gotas de água da chuva.

Em certo ponto, Laura parou para recuperar o fôlego e limpar a mão ainda suja em um tronco caído cheio de musgo úmido. Ainda soluçando se assustou quando viu olhos brilharem num morro mais acima e sumir na escuridão fazendo barulho por entre os arbustos, mas logo se revelou serem raposas correndo por entre as árvores. Na escuridão da floresta qualquer barulho poderia fazer qualquer pessoa se assustar. Até os choramingos ultrassonares dos morcegos que voavam em diferentes direções era assustador. Laura só queria fugir, queria chegar em casa e se esconder. Queria apagar a última hora da cabeça. Assim que se levantou para voltar a caminhar em direção a alguém que a salvasse, se assustou quando uma mão a agarrou firme pelo braço. Era ele. Tinha lhe encontrado.

— Oh Laura! Graças a Deus te encontrei! Vamos – disse abraçando-a.

— Me larga seu psicótico! Socorro! – gritou em desespero.

— Laura, meu amor. É tudo um engano. Não diga isso.

— Me larga! – gritou empurrando-o com todas as forças que tinha, fazendo-o escorregar no musgo e bater de costas numa árvore, ouvindo um grito de dor em seguida.

Uma mancha de sangue brotou por debaixo da camisa do rapaz e rapidamente aumentou de tamanho. Ela não viu e nem ele, mas metade do que antes era uma flecha estava cravada há meses no tronco daquela árvore e foi o suficiente para perfurar-lhe a pele. A dor era latente e ela viu nisso uma oportunidade de fugir, mas ele a agarrou pelo braço suplicando ajuda. Laura negou em resposta, e na tentativa de se soltar acabou por escorregar no musgo e lama. Ele ainda a segurou pela mão, mas ela preferia a morte a ele. E assim sumiu barranco abaixo.

 

A dor do seu ferimento era nada comparada a dor que sentiu quando a encontrou. Laura rolou metros abaixo pelo barranco. Seu rosto arranhado olhava o céu estrelado e seu batom vermelho se misturou a cor do próprio sangue. Seus cabelos negros estavam desalinhados e cobertos de folhas e musgo. Perdera um brinco, mas sua ainda era linda. Ele ajoelhou-se ao lado dela enquanto lágrimas jorravam de seus olhos agora de tons avermelhados. A floresta se calou para ouvir seu lamento e grito de dor. A lua sumiu por entre nuvens, levando consigo as estrelas. Os morcegos e raposas abrigaram-se em suas tocas e copas de árvores. Deitado ao seu lado ele lamentou pelo ocorrido. Confessou inúmeras vezes seus sentimentos e amaldiçoou a si próprio por ser tão tolo. Mas já era tarde de mais.

 

Ele sabia tudo sobre ela. Sua cor favorita, comida favorita, ator e cantor favoritos. Mas ele nunca foi seu favorito. Mesmo assim nunca desistiu dela. Sabia que ela sonhava em ser veterinária, que adorava animais, que seu sonho de infância era ter um cavalo selvagem. Ela nunca realizaria seu sonho, mas ele iria tentar realizar esse último pedido.

Mesmo cansado, ferido e com o coração em pedaços ele reúne forças, para ignorar a dor e pegá-la nos braços. Com grande esforço pousou sua cabeça entre o ombro e seu pescoço e carregou-a como se estivesse em sono profundo. Carregou-a por entre a escuridão, as árvores e os animais da floresta, ignorando a dor e o tempo. Somente a pousou no chão quando chegou a uma colina no alto da floresta. Com o auxílio de um pedaço de tronco, cavou com todas as forças o buraco mais profundo que havia feito em seus dezenove anos.  Quando terminou, ajoelhou-se ao lado de Laura e beijou-a. Era a primeira e última vez que faria tal ato. Suas lágrimas caíram no rosto frio que agora era iluminado pelas primeiras luzes do amanhecer. Ela seria linda eternamente. Com todo o cuidado do mundo, repousou-a no fundo do buraco.  Em seu peito colocou pequenas flores vermelhas como seu batom. Ainda com lágrimas rolando pelo rosto, empurrou a terra buraco adentro enquanto repetia dezenas de vezes o quanto a amava e o quanto se arrependia.

— Viu lá Laura – disse quando terminou de enterrá-la, sentando-se ao lado do túmulo improvisado enquanto observava a paisagem – Daqui você verá os cavalos da fazenda que você tanto amava – sorriu – Você nunca será incomodada aqui.

 

E assim foi. Mesmo morando em outro lugar ele nunca se esqueceu daquele dia há mais de dezoito anos. Nos dias e anos que se seguiram, a polícia e a família de Laura fizeram uma vasta busca por ela, mas nunca a encontraram. Somente seus sapatos sujos de terra foram encontrados, depois que ela os deixou para trás como uma Cinderela ao ver a meia noite chegar. Somente ele sabia onde o corpo de Laura repousava. Embora fosse apontado como suspeito, nunca tiveram provas o suficiente para acusá-lo do que as pessoas chamavam de assassinato. Ele preferia chamar de incidente.

 

Com o tempo, muita gente se mudou, muitos morreram e poucos daquela época ainda viviam na região, mas ele anualmente voltava à cidade. Nos primeiros anos era possível chegar á colina, mas com o passar do tempo o local se tornou quase inacessível.  Mas lá de baixo, da fazenda, era possível ver a grande árvore com flores vermelhas que nasceu no lugar. E toda a vez que a olhava, lembrava-se de sua amada.

— Papai! Papai! – gritou uma menininha que o puxava pelo jeans da perna – Posso andar de cavalinho?

A principio ele nem a escutou, mas depois de mais uma insistente puxada na perna, ele foi tirado de seus pensamentos.

— Papai, por que está olhando para lá? – disse apontando para a árvore vermelha que estranhamente não balançava ao vento.

— Tá vendo aquela árvore de flores vermelhas? – disse ele vendo a garotinha acenar positivamente a cabeça - Ali mora uma linda garota.

— É mesmo? Podemos visitá-la?

— Hoje não, minha filha. Ela está dormindo.

Ele sorriu e segurou as lágrimas enquanto via o sol se pôr por detrás da colina, lançando raios alaranjados em diversas direções do céu que começava a anoitecer. Mais uma vez, assim como todas as outras às vezes, lamentou por aquele dia. Ele nunca a esqueceria. Ele sempre a amaria.

Laura, Oh Laura eu te amo...— sussurrou ao vento.

Então ele respirou fundo, passou as costas das mãos nos olhos e pegou a garotinha no colo, para em seguida beija-la no topo de seus cabelos escuros e dizer:

— Vamos Laura...  Está ficando frio.

 

 

(^_^)/

FIM

~by Hikari-Ouji


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