Expresso escrita por moonabel


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

O capítulo que eu mais me diverti escrevendo até agora ♥ Espero que gostem!



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Olhei-o, com o cenho franzido de vergonha. Colocando as mãos nos bolsos, esperei  ele falar. Ele retribuiu, abrindo a boca devagar como se quisesse falar algo. Ficou um tempo assim, como se estivesse congelado. Então nos encaramos, num silêncio extremamente barulhento para mim. Acabei me perdendo no labirinto que são as feições dele, finalmente podendo olhá-lo com o rosto reto. Seus lábios secos e orelhas avermelhadas tinham um charme indescritível.

— Então...  O que faz aqui? -  Ele continuou  após a pausa.

— Estou atrasado – respondi automaticamente, sem mostrar nenhuma expressão.

— Se vai para o trabalho, pego o mesmo ônibus que você.

Tentei me lembrar de algum número de taxi para eu ligar rapidamente. Mas  então, me dei conta ao apalpar meus bolsos, que eu não tinha dinheiro.

— Desculpe, mas vou ter que ir a pé – falei meio atordoado, dando alguns passos curtos para trás – Saí na pressa, tô sem grana.

— Não tem... – ele falou com os olhos atentos à outra coisa que se movia na rua – Vem!

Richard então puxou meu braço com aquelas mãos enormes e eu fui apenas incapaz de demonstrar qualquer reação. Sorria, me arrastando com pressa conforme levantava o outro braço para fazer sinal ao ônibus amarelado que passava. Ele entrou, me levando junto, e tirou a carteira do bolso. Entregou  para o cobrador uma nota de dez, um pouco ofegante. Quando meu cérebro voltou a funcionar, logo protestei, balançando o braço que ele ainda segurava:

Ei! Mas o que você está fazendo?

O moreno soltou-me e voltou a sorrir, dessa vez para mim. Sorriu abertamente, sem nenhum pudor como uma criança. Estava se divertindo com aquilo. Pagou nossas passagens  para o cobrador e passou pela catraca, me esperando encostado na janela. O ônibus não estava lotado, então rapidamente o segui, fazendo uma careta confusa.  Perguntei-lhe o por que estava fazendo aquilo, e ele me respondeu:

— Você estava atrasado, ué.

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Tentei me encolher o máximo possível contra os olhares que eram lançados sob nós dois.  Não sei se olhavam para a beleza dele ou para minha cara de morto, ou para os dois.  Só sei que me incomodava. Estávamos os dois em pé, parados em frente a porta de saída, mais pro final do corredor do ônibus.

Estava quase na metade do trajeto que eu deveria percorrer e a vontade de saltar pela janela estava maior que minha paciência, que infelizmente, é bem durável. O meu celular não parava de vibrar, mas eu não estava nem um pouco a fim de responder as mensagens de ódio da minha chefe. Apertei os dedos contra a barra de ferro de apoio, olhando de relance para Richard, totalmente distraído, encarando a paisagem. Me sentia dividido entre emoções de estar feliz e ansioso perto dele. Eu nunca sabia quando puxar assunto quando olhá-lo, quando... ao menos tentar "seduzi-lo’’... Droga, não é essa a palavra certa. Eu posso confessar que sou uma pessoa extremamente reservada, meu amor por ele não se passa de uma paixão de contos de fadas.  Mesmo com as diferenças, dificuldades e o vilão que sempre separa o casal, no final, ele se apaixonaria por mim e casaríamos. Dei um sorrisinho curto ao me imaginar vestido de Cinderela.

Fechei os olhos reagindo à imensa dor de cabeça, e acabei por deixar o tempo passar. Só voltei à realidade quando senti o perfume dele próximo a mim, me chamando:

— Gabriel?

Nunca gostei tanto de ouvir meu nome.

Me dei conta que o ônibus estava parado, e que aquele era meu ponto. Num sobressalto,tentei dizer-lhe um tchau digno, porém só cuspi umas meias palavras.

 Ele porém, de alguma forma, entendeu, sorrindo novamente com carinho.  Respondeu-me dizendo que me encontraria comigo mais tarde, no horário habitual. Eu pulei no ponto, andando o mais rápido que pude até o Ruby’s café, como gritava os letreiros verdes neon.

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O resto do dia se passou em branco como de costume, e eu simplesmente não aguentava mais o barulho do caixa. Ruby no caixa reclamando. O  barulho da máquina. Do ar condicionado... o barulho do sininho da porta de entrada que quase coincide com o bip do relógio marcando 6:00 Hrs. Minha cabeça me matava, latejando como se a estivessem martelando por dentro, mas reuni o resto das minhas forças para dar-lhe um imenso sorriso.

— O de sempre? – perguntei-lhe.

Fez que sim com a cabeça,  e eu o servi, de trás do balcão que me deixava numa distância dele que eu conseguia me manter calmo. Ele então tomou o conteúdo em pequenos goles, abrindo o jornal e lendo-o levianamente, passando as páginas sem maior aprofundamento. Eu aproveitei para conversar um pouco com Maura pelo celular sobre uma série nova qualquer que ela teria começado. Mandei um "já volto" quando ouvi alguém chamar meu nome. Olhei para a frente, para encontrar-me com os olhos dele. Recolhi a louça suja, e enquanto eu passava um pano com álcool no balcão, ele me perguntou:

— O que você pensa sobre amor platônico?

Engasguei.

Fiz uma careta, e ele então continuou:

— Hoje na aula, meus alunos trouxeram um tópico, fiquei pensando nisso  - revirou os olhos, inclinando o corpo na bancada – O amor ...retratado na prosa romântica, na maioria das vezes, é tão impossível.

Ele me olhou, esperando um comentário, que eu obviamente não fiz, e continuou:

— Lemos um livro onde a mulher se apaixona por um cara. Que gosta de outra. Aí, a primeira fica ajudando o casal a ficar junto, por que quer ver o cara que ama feliz, mesmo que não fosse com ela. No final, acredita que ela se mata quando ele morre?! – ele falou um pouco irritado, gesticulando – Aí me perguntaram, por que o romance esconde tanto os verdadeiros sentimentos das pessoas? Seres humanos são egoístas, eu jamais conseguiria sofrer só pra ver alguém que eu amo feliz. O que... você acha?

Balancei a cabeça, me aproximando dele:

— Qual a graça de escrever sobre coisas que sentimos diariamente? – Perguntei-lhe, hipoteticamente.

— Qual a graça de viver uma fantasia, sem enxergar seus limites? Até onde você suporta um amor platônico? – replicou, não tão hipoteticamente assim.

Senti um leve aperto no peito, e não lhe respondi mais. A conversa não se estendeu muito, já que logo já iriam dar sete e meia da noite.

Ele se levantou, abrindo a carteira. Colocou uma nota sobre a madeira, que eu empurrei de volta, fazendo um bico.

— É de graça – eu disse-lhe, sem olhá-lo nos olhos.

Ele riu, e acenou com a mão ao sair.

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Voltei a limpar a mesa ao ver minha chefe se dirigir à entrada para fechar a porta, e me deparei com um guardanapo que eu esqueci de tirar. Um pouco antes de jogar no lixo, vi... algo anotado no verso. Um número de telefone.

" Para quando estiver entediado ’’, lia-se embaixo com uma letra bagunçada.

Suspirei, aquele longo e sonoro suspiro que se vê em filmes.


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Notas finais do capítulo

inspirado pela minha aula de literatura ;v



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