Jaspes e Jades escrita por Ikarus


Capítulo 6
Capítulo 6 — Colegial




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O Colégio Mundial H era conhecido por ser uma iniciativa pioneira que estimulava a vinda de alunos de variadas etnias, credos e nacionalidades de todo o mundo. Com exceção da diversidade entre os alunos, o Colégio era como qualquer outro. Os mesmos tipos de panelinha, as mesmas preocupações, as mesmas rotinas… Nada muito diferente dos demais colégios.

As manhãs eram sempre tranquilas nos corredores, não fosse por alguns desordeiros. Gilbert Beilschmidt era bolsista, filho de um dos diretores do colégio, mas era um completo encrenqueiro. Deus sabia lá como seu pai mantinha a bolsa de estudos de seu filho mais velho (em contraste com o mais novo, Ludwig).

Gilbert tinha notas medianas, mas dormia em muitas aulas; isso quando não decidia matá-las todas no terraço do prédio principal ou pichando as portas dos banheiros. Estava no terceiro ano do Ensino Médio e mal sabia o que queria fazer da vida. Era bom em esportes, mas sendo famoso por arranjar confusão, fora expulso dos clubes de futebol, futsal, handebol, vôlei e basquete, podendo ficar apenas no clube de boxe e no de jogos eletrônicos.

Era o encrenqueiro da turma, dificilmente se dava bem com os outros alunos. Alguns poucos amigos ainda tinham dificuldades em conviver com o albino, mas era um bom cara lá dentro. Mas seu maior problema era o russo Ivan Brakinsky, seu primo austríaco Roderich Edelstein e a húngara Erzsébet Héderváry. A última costumava ser sua melhor amiga de infância, mas a adolescência afetara os dois de maneiras diferentes. Ela deixou de ser aquela menina estabanada para fazer Direito. Desde o 6º ou 7º ano, largara tudo para começar a dedicar-se aos estudos (para o desespero de Gilbert, que só queria brincar). Os dois estranharam-se e partiram por caminhos diferentes. Ele conheceu o espanhol António Hernandez Carriedo e o francês Francis Bonnefoy. Ela começou a namorar Roderich e desde então evitavam o albino e suas pegadinhas de mal gosto.

Mas naquela manhã, alguém havia pregado uma peça no temido Beilschmidt.

— Quem arrombou o meu armário?! — O grito ecoou pelos corredores enquanto o aluno desesperado procurava por algum suspeito.

— Não é como se você fosse usar seu material pra assistir alguma aula hoje — brincou António.

— Tóni, mon chéri não piore as coisas — Francis parou a brincadeira — Talvez você tivesse se esquecido de trancar o armário, Gil. Acontece.

— E considerando a quantidade de gente que não vai com a sua cara, não me surpreende que tenham decidido se vingar

— António, vai se danar! — O albino gritou, erguendo o punho contra o espanhol.

— Ai, ai, não me bate!                          

— Ei, sem bater, Gil!

— Eu sempre tranco essa porcaria de armário!

— Calma. Vamos procurar.

— Procurar pelo colégio inteiro? Você é louco? Essa porra é grande pra caralho!

— É só um monte de cadernos, Gil. Eles não vão a lugar nenhum.

— É uma questão de honra, Fran. Ninguém me zoa e sai ileso.

— A gente procura assim que as aulas de hoje terminarem. Termos a tarde inteira.

Os três amigos tiveram de se despedir por causa do sinal, que ordenava que todos os alunos entrassem em suas respectivas salas. Gilbert praticamente chutou a porta de sua sala, dirigiu-se à sua cadeira e encolheu-se lá.

Era aula de Matemática. Já sabia de tudo aquilo e achou que poderia aproveitar a aula para tirar um cochilo. Ledo engano. Uma bolinha de papel acertara sua orelha com uma certa força. Irritado, procurou pelo culpado, de cabeça ainda baixa. Do seu lado direito, o polonês Feliks ria.

— Bicha.

— Erzsi quem pediu pra eu te acordar, seu mané — respondeu o loiro, apontando para a garota que sentava à sua direita.

Erzsébet gesticulava, perguntando-lhe se ele estava bem. Ele bufou em resposta, mostrou seu dedo do meio a ela e voltou a enfiar sua cara no meio de um livro. Outra bolinha. Gilbert ergueu a cabeça novamente e balançou a cabeça agressivamente em um “não”. Ela perguntou o porquê. “Arrombaram o meu armário, ” disse, apenas movimentando os lábios. “Tinha coisa importante nos meus cadernos”.

“Me fala depois no intervalo. ”

— O que tinha de importante naqueles cadernos? — Perguntou ela, sinceramente preocupada com o bem-estar do colega.

— Não interessa. Dependendo, depois eu te mostro.

Pelo tom na voz dele, realmente era algo importante. Sim, ele estava sendo grosso. Não, ele não merecia a ajuda dela. Mas negá-la a ele com certeza a faria ficar de consciência pesada, ainda mais porque eles já foram melhores amigos.

— Tá, eu te ajudo.

— Não precisa.

— Eu vou te ajudar e depois cê me conta o que tem de tão importante nos cadernos.

— … Tá, tá.

Fim das aulas do dia. Almoçaram os dois juntos, em silêncio. Era a primeira vez em quase cinco anos que se aturavam por mais de cinco minutos.

Ela não mudara quase nada. O mesmo rosto redondo, o mesmo cabelo ondulado e castanho. Os mesmos olhos de um verde tão intensa quanto sua dona. Teimosa, mas de bom coração. Tinha notas altas, fazia parte do clube de natação e do de futsal.

— O que tá olhando? — E então ele percebeu que a encarava há alguns longos segundos já.

— Nada.

Indelicado como sempre. Ele também não mudara nada desde que pararam de se conversar. O mesmo jeito infantil de analisar as pessoas, como se elas não pudessem perceber que ele estava as encarando.

— Mas enfim, indo ao que interessa… Você tem alguma pista?

— Se eu tivesse, já teria achado o culpado.

— Credo, não precisa ser grosso.

— Eu tô irritado, é só isso.

 — É, mas não adianta jogar tudo isso em mim. Por mais que pareça, não tenho nada a ver com isso. E se você parasse de tratar as pessoas como lixo, talvez você tivesse mais amigos do que tem hoje.

— … Foi mal.

Tá, essa era nova pra ela. Desde quando Gilbert, orgulhoso como era, se desculpava para os outros? Céus, ele estava bem ruim por causa daqueles malditos cadernos.

— Respira. A gente vai achar o culpado. Te prometo isso.

Andaram pelo prédio inteiro. Perguntaram pela biblioteca, pela quadra, pelos pátios, pelos portões… Nada. E também nem sinal daqueles dois, Francis e António.

Mas ao longo desse bate-perna, puseram o papo de cinco anos em dia: Falaram sobre o dia em que Erzsébet teve de se mudar para outro bairro por causa do emprego dos pais, no dia em que Gilbert conheceu seus amigos num jogo de futebol. Lembraram-se de bons momentos de suas infâncias, como adoravam brincar de pega-pega depois da aula, ou como adoravam atormentar as outras crianças juntos. Eram inseparáveis, mas o que mudara?

Subiam as escadas em direção ao último lugar em que não procuraram: o terraço do prédio principal. E lá estavam os benditos livros.

— Acho que deixaram aqui só pra darem um susto em você.

— Na verdade… — Gilbert titubeou — Eu escondi os livros aqui.

— Por quê? — Erzsébet perguntou, um tom de indignação alterando sua voz.

Ele recuou, perdido.

— Eu precisava de alguma desculpa para conversar com você. Escuta: Todo esse tempo… Desde criança eu gostava– gosto de você — o alemão ergueu a cabeça novamente, tomando ar e estufando o peito — Sempre gostei. Mas a gente se separou e eu nunca mais tive coragem de olhar pra você novamente. Ainda mais porque tava namorando o primo Rode. O primo Rode que é tão melhor que eu. Ninguém gosta do perdedor. Ninguém gosta do encrenqueiro–

De repente, um abraço. Os braços dela enlaçavam-se nas costas dele, apertando-o contra o corpo dela.

— Eu gosto — a voz saiu abafada contra o peito do albino, que sorriu — Eu gosto do encrenqueiro, do cara engraçado, do menino que adorava me fazer rir quando tudo o que eu queria era chorar e me isolar do mundo. Você era meio raio de sol. Meu melhor amigo. E eu não quero que se esqueça disso.

— Eu quero mais.

A mão dele aninhou-se contra a bochecha dela, virando seu rosto para encarar o dele. Estava linda. Sempre fora. Seus dedos desceram para o queixo da húngara, puxando-a para ele. Seus lábios tocaram-se, tímidos. Os braços dela desataram-se para reformarem o nó sobre a nuca de Gilbert, aprofundando o beijo. A outra mão dele descansava sobre a cintura dela.

As bocas separaram-se, buscando ar.

— Assim está bom? — Ela perguntou, corada.

Ele apenas riu. Era a única resposta que ele conseguia dar. E a única da qual ela precisava.

— O que tinha naqueles malditos cadernos?

— Uns rascunhos de poesia e alguns planos infalíveis pra te trazer pra cá.

— E deram certo, Cebolinha?

— Você sabe que eu sou melhor improvisando.


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