Caçadores do amanhã escrita por AYuri


Capítulo 9
Apenas uma love story pt1


Notas iniciais do capítulo

Look who's back
Back again ú.ú



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Já entardecia e a temperatura havia diminuído consideravelmente. O dia inteiro esteve nublado, o que trazia uma sensação cansada principalmente para quem havia passado boa parte das últimas horas dentro de um carro (mesmo que fosse o carro mais incrível do mundo). 

Thomas estava no volante e Melanie jogada no banco ao lado.  O ambiente era tomado apenas pelo doce ronronar do Impala e pelo aparelho de som tocando "Nothing else matters" num volume baixo. Tom pensou que Mel já havia caído no sono há algum tempo, mas ao olhar para o lado encontrou os grandes olhos castanhos abertos e perdidos na  paisagem. 

— Tudo bem? - Tom perguntou fazendo com que Mel desviasse seus olhos para ele - Você sempre faz essa cara de maluca quando pensa demais. O que foi?

— Desculpa - pediu e Tom estranhou - Krissy estava certa, eu quase matei a nós dois entrando naquela floresta daquele jeito. 

— Ei, estamos vivos não estamos?

— Não é só isso. Além de nos salvar, Krissy teve que te ensinar a atirar - ela balançou a cabeça como se estivesse desapontada consigo mesma - Eu já deveria ter te ensinado tudo isso. 

— Não é culpa sua. 

— Não, é meu dever. Eu fiz com que você entrasse nessa coisa de caçador e agora você precisa saber como viver essa vida. Eu prometo me redimir e te ensinar tudo, desde lutar com criaturas mágicas até falsificar identidades e cartões de crédito. 

— Então, você vai me ensinar a parte ilegal da coisa. 

— Vou te ensinar o necessário para sobreviver lá fora - falou séria - Ser caçador não é tão bonito quanto parece. É claro, tem-se o lado heróico da coisa, mas não é sempre assim. Nem sempre podemos salvar todos. 

Mel terminou a frase com um suspiro de inquietação ou talvez de alivio por dizer tudo o que passava pela sua cabeça. Thomas não soube o que responder e limitou-se em ficar atento à estrada. 

Melanie aumentou o volume da música e voltou a perder-se na paisagem que passava pela janela. 

 

—--x---x---

 

A manhã estava úmida e nublada, havia chovido na noite anterior e as calçadas ainda estavam tomadas por poças de água. Thomas aproveitava o ar fresco entrando em seus pulmões. Concentrava-se na sensação de cada músculo realizando o movimento repetido da corrida e na música tocando alto nos fones de ouvido. Era como um ritual terapêutico, se Mel tomava longos banhos para esquecer dos problemas, Tom corria. Correr era a única coisa que conseguiu manter do seu cotidiano monótono de antes e isso fazia com que ele relaxasse, limpasse a mente de tudo o que acontecia ao seu redor. Não odiava a vida que tinha agora com Mel, muito pelo contrário, adorava ter a prima por perto e todos os mistérios de ser caçador eram empolgantes, entretanto sentia um pouco de falta da simplicidade que tinha em Jericho. 

Apesar de tudo, se lhe perguntassem o porquê de sair para correr todos os dias tão cedo, provavelmente responderia que se trata de um hábito ou que tinha que "manter a forma" - mentiria. 

Diminuiu o passo ao virar a esquina do pequeno hotel em que estavam hospedados. Haviam chegado na cidade ontem e ainda tinham muito caminho pela frete até Winsconsin, mas precisaram reabastecer tanto Baby quanto suas próprias energias, então pararam na cidadezinha de Nebraska para passar a noite. 

Tom girou a maçaneta da porta e adentrou o quarto encontrando Mel em um estado semi-acordado, mas ao se aproximar ela pareceu despertar completamente. 

— Esse cheiro é bacon?! - ficou animada de repente e Tom riu. 

— Bom dia pra você também!

— Você não respondeu a minha pergunta. 

— É, comprei nosso café da manhã no caminho de volta - disse colocando a sacola que carregava, em cima da mesa. 

— Foi correr? - Mel perguntou distraída, já abrindo o pacote. 

— Sim - respondeu igualmente distraído - Vou tomar um banho, pode comer sem mim. 

— ...Claro - disse já com uma fatia de bacon enchendo a boca - Não trouxe café?

— Putz, esqueci completamente. Podemos comprar no caminho do hospital - disse já entrando no banheiro. 

— Hospital? Marcou consulta no ginecologista?

— Ha ha ha, muito engraçado - apontou para o jornal que deixou na mesa junto aos lanches - Olhe a primeira página.

— "Hospital Terror" - leu - Wtf esse título? Prédio antigo, mortes inexplicáveis, blablabla... Acha que pode ser um caso?

Aos poucos, Tom estava se adaptando àquele estilo de vida, comidas de fastfood, hotéis baratos, dias e mais dias de estrada... E o mais importante, conseguia pensar como caçador, afinal o que não passavam de notícias trágicas no jornal, agora eram casos sobrenaturais aos olhos esverdeados. Ele havia passado os últimos dias encafifado no diário do avô e Mel estava cumprindo a promessa de torná-lo um exímio caçador fazendo-o praticar tiro e luta sempre que podiam. 

— Poltergeist, talvez. Vamos lá dar uma olhada. 

— Tem certeza? Pensei que estava com pressa pra chegar em Winsconsin - disse Mel enquanto mastigava o lanche. 

Certamente Tom estava se coçando de ansiedade para encontrar o tal Garth, ele poderia ter as respostas que vieram procurando esse tempo todo! Por outro lado, o possível e provável caso chamou-lhe a atenção. Como simplesmente dar as costas para uma coisa dessas sabendo que eles eram dois dos poucos intitulados caçadores que podiam cuidar da situação? Salvar vidas! Não podia ignorar isso e estranhou que Mel não sentia o mesmo, não era do ímpeto dela desistir fácil assim de um caso. 

— Não foi você que disse que eu tinha que aprender a viver essa vida? Salvar pessoas e caçar coisas, o negócio da família ou algo assim - disse numa voz dramaticamente debochada e Mel encolheu os ombros derrotada pelas próprias palavras.

— Que mal faz um ou dois dias de atraso, né? - consolou-se e roubou uma fatia de bacon da porção de Tom sem que ele notasse. 

 

—--x---x---

 

[Tom's POV]

 

Adentramos o ambiente branquíssimo. Mel estava usando um blaser e tinha o cabelos presos em um coque não habitual. Já eu, estava com um terno barato e uma maldita gravata que coçava o pescoço. 

— Tem certeza que isso vai funcionar? - questionei tentando me ajeitar naquele traje horroroso. 

— Cale a boca e relaxe - respondeu com pouco caso. 

— Isso não vai funcionar, Mel. Sério, nós estamos parecendo crianças brincando de FBI. 

Esse era o plano, fingir sermos agentes federais e conseguir respostas para o que estava acontecendo. O problema é que trata-se de dois adolescentes de 18 e 20 anos! Quem daria credibilidade em dois agentes mirins? Eu até já cheguei a mentir bêbado a minha idade para mulheres que encontrava no bar (o que funcionava muito bem, obrigada), mas Melanie tem uma cara de 12 anos difícil de convencer. 

— É tudo uma questão de atitude. Fique quieto e assista. - disse e tomou a frente abordando uma moça no balcão de informações - Com licença, doutora. Agente especial Carter e agente especial Jarvis - apresentou nossos nomes falsos e mostramos nossos distintivos falsificados - Viemos investigar os casos estranhos que vêm ocorrendo neste hospital. 

— Vocês não são um pouco jovens para serem do FBI?

Engoli seco com a pergunta. Fomos pegos. Meu Deus, ela vai chamar a polícia. Fu-déu! 

Boa sorte, papai, espero que consiga se salvar sozinho e depois venha pagar a minha fiança!

A mulher olhava para mim e Mel ainda analisando-nos como se tentasse decifrar a nossa idade. Tentei parecer calmo, mas tudo o que saiu foi um sorriso nervoso. 

— Somos meio que prodígios - Mel respondeu simplesmente. "Meio que", riria internamente com aquilo se não estivesse suando frio. 

— Meu nome é Karen Thompkins, prazer em conhece-los - disse a mulher cumprimentando-nos com um aperto de mão. 

Ela acreditou? ...Simples assim? Mel me olhou com uma cara de "eu te disse" e eu não pude discordar. 

— Então, doutora Thompkins, o que pode nos dizer sobre os ocorridos? - perguntei. 

— Por favor, pode me chamar de Karen - disse num sorriso gentil - Bom, faz mais ou menos um mês desde o primeiro falecido e, depois deste, mais uma morte semelhante. Entretanto, foi a terceira vítima que realmente chamou a atenção da imprensa - suspirou. 

— O que aconteceu?

— Um paciente antigo cometeu suicídio em um dos nossos quartos.

— Suicídio por aqui é algo tão incomum assim? - estranhou Mel de modo um tanto quanto insensível. 

— Não foi o fato de ele ter se suicidado e sim o modo com que ele o fez. Estava coberto de hematomas e tinha a maioria dos ossos quebrados.

— Ele foi agredido?

— Não... - fez uma pausa, provavelmente pensando que não iríamos acreditar no que falaria a seguir - Ele quebrou os próprios ossos, bateu a cabeça na parede com tanta força que causou uma fratura no crânio - engoliu seco ao lembrar - Era um paciente conhecido aqui, sofria de uma doença que causava-lhe fortes dores e era tratado com morfina por vezes... Agora eu lhes pergunto, agentes, o que leva um homem que sofria tanto a cometer suicídio do modo mais doloroso possível? Eu mesma não acreditaria ser possível se não tivesse visto com meus próprios olhos os vídeos de segurança!

Era uma situação realmente intrigante. Também acredito que ninguém seria capaz de se matar de forma tão brutal, a não ser, é claro, se houvesse algo sobrenatural acontecendo por ali. Era óbvio que Mel pensava o mesmo que eu. 

— Com certeza é o tipo de coisa que é preciso ver para crer. Teria como eu dar uma olhada nesses vídeos? - perguntou Mel. 

A doutora assentiu e foi falar com um segurança mais afastado. 

— O que acha que pode ser? Possessão por um espírito? Ou demônio? - perguntei baixo para que apenas Mel ouvisse. 

— Talvez, e talvez estejam aqui por nossa causa - mordeu o beiço nervosa - Se for isso mesmo, temos que dar um jeito nisso! Eu vou dar uma olhada nessas câmeras de segurança e você vasculha o quarto, se for mesmo um demônio vai encontrar enxofre pra todo lado. 

Concordei com o plano e a médica voltou. Mel explicou rapidamente o que queria ver nos vídeos, ainda pediu para que a doutora me levasse até o quarto e ela aceitou de bom grado. 

Seguimos por caminho diferentes. Caminhei ao lado de Karen pelos corredores em direção a escada que dava acesso ao segundo andar do prédio. 

— Você sabe de alguma coisa sobre as outras vítimas? - perguntei enquanto andávamos. 

— Bom, uma delas era apenas um garoto. Vinha aqui regularmente e eu o conhecia muito bem, pois era neto de uma das minhas pacientes - sua expressão se tornou triste - Aconteceu logo depois do falecimento da avó, foi uma longa luta contra o câncer, mas não havia nada mais a ser feito. Ele já sabia, eu mesma contei e conversei com ele a respeito sabe? 

— A morte dele não poderia ter sido causada pelo falecimento da avó? Ele pode ter entrado em choque com a notícia ou algo assim. 

— Não, eu mesma vinha fazendo um trabalho psicológico com ele, preparando-o para o momento final. É claro que foi um impacto muito grande, mas nada tão grave a esse ponto. 

Eu sabia do que ela estava falando, o médico que tratou da minha mãe teve a mesma conversa comigo, dizia como seguir em frente e tudo mais. Entretanto, nada anula o sofrimento de perder alguém que se ama para uma doença dessas...

— Era um bom menino, educado e saudável. Até onde eu sei nunca teve nenhum problema de saúde grave e nunca chegou perto de um cigarro, mesmo assim foi como se seus pulmões tivessem simplesmente desistido de funcionar...

Vi a tristeza estampada em seu rosto com a lembrança. Karen parecia ser uma pessoa bastante sentimental para quem trabalha em um setor que trata doença terminais. Era bastante nova também, deveria ter por volta dos trinta anos, tinha olhos azuis penetrantes e a fita rosa presa em seus cabelos curtos e escuros davam um ar ainda mais jovial. Era muito bonita. Demos mais alguns passos em silêncio até que ela voltou a falar:

— A outra vítima era uma mulher, não tenho muitos detalhes, só sei que foi encontrada em condições semelhantes ao primeiro... Sabe, fico feliz que o FBI esteja investigando isso. Esses dois casos acabaram sendo deixados de lado devido ao terceiro, todos os holofotes ficaram sobre o suicida, sem falar nessas histórias bobas criadas pela mídia. 

— Você não acredita em fantasmas? - perguntei brincando, mas tinha um fundo sério. E pensar que ainda haviam pessoas que são como eu era, que não fazem ideia das coisas que existem na escuridão!  

Entretanto ela apenas me olhou com aqueles olhos azuis e soltou um suspiro. 

— Eu sou médica e acredito na ciência, mas ninguém conseguiu determinar a causa das mortes e se uma simpatia maluca ou reza fizer com que essas mortes cessem, eu faço com o maior prazer! Tudo o que eu quero é que essas mortes inexplicáveis parem. 

— Não se preocupe, nós vamos descobrir o que está causando tudo isso e, caso necessário, faremos justiça à essas mortes - falei honestamente. Eu não vou desistir até que o caso seja resolvido.

Ela retribuiu com um sorriso aliviado e abriu a porta de um dos quartos. 

— Nós já fizemos a limpeza, então não sei se vai encontrar muita coisa, mas pode ficar a vontade.  

Agradeci com a cabeça e ela foi chamada no corredor, pediu licença e saiu. Aproveitei da ausência dela e liguei o detector de EMF, olhei o parapeito da janela, as frestas dos armários e debaixo do colchão. Vasculhei o quarto todo procurando enxofre, plasma de fantasma ou saquinho de feitiçaria. 

Nada. Foi o que eu achei: NADA. 

Depois de uns trinta minutos, sentei-me na cama derrotado. Estava tudo impecável, sem pistas! Soltei um longo suspiro enquanto trabalhava a memória adquirida em meus estudos para tentar supor que ser poderia ter causado aquelas mortes. Basicamente senti-me um inútil ao não chegar à conclusão alguma. Por alguns segundos voltei à sexta série, olhando para o teto durante a prova de matemática, como se a resposta fosse cair do céu... E de certa forma caiu. Espremi os olhos ao encontrar uma pequena marca azulada no teto próximo à janela. Bazinga!

Tirei o celular do bolso e usei a câmera para dar zoom na imagem. Tratava-se de quatro letras estranhas, talvez parte de algum ritual. Tirei a foto e tratei de ir procurar Mel para mostrar-lhe a minha descoberta. 

Abri a porta animado e, falando no capeta, dei de cara com a própria.

— Não é um demônio! - exclamamos em uníssono. 

— Como você sabe?

— Sem enxofre, mas achei isto - respondi mostrando a foto que tirei - Sabe o que é?

— ... Não, mas vamos voltar pra o hotel e pesquisar. Ah, e você PRECISA ver isso aqui! - disse mostrando um pendrive. 

Agora sim Melanie parecia estar se interessando mais pelo caso. Andamos rápido pelo corredor com pressa para checar as evidências encontradas. Descemos um único andar de elevador (porque o sedentarismo de Mel não permite o uso das escadas) e ao passar pelo hall de entrada, avistei Karen conversando com um colega de trabalho. Pensei em falar com ela, agradecer pela ajuda e tals, mas a conversa parecia ser séria, então resolvi ficar quieto. 

Estávamos quase na porta quando uma mão tocou de leve um dos meus ombros. Virei-me e, para minha surpresa, encontrei dois penetrantes olhos celestiais. 

— Já está de saída, agente? - perguntou Karen. 

— Ah sim, mas não vamos muito longe... Estamos hospedados num hotel aqui perto. 

— ... Então, vão ficar nas redondezas por um tempo, certo?

— Até resolvermos o caso, eu suponho - um brilho pareceu reluzir em seu olhar, mas pode ter sido apenas a minha imaginação...

— Encontrou o que estava procurando? Precisa de mais alguma coisa?

— Conseguimos algumas pistas, vamos dar uma olhada e daremos notícias caso encontrarmos algo - respondeu Mel um tanto quanto ríspida. Acho que se sentiu excluída, já que Karen dirigia as perguntas só para mim. 

— Aqui, caso acontecer alguma coisa ou se você lembrar de algo importante, ligue nesse número - eu disse lhe entregando um papel e sorri para tentar amenizar a agressividade de Mel. 

— Espero vê-lo em breve então - disse com um sorriso gentil e os olhos pousados sobre mim. 

Não pude evitar sorrir de volta. Melanie revirou os olhos e saiu bufando. Pedi desculpas meio sem jeito e me despedi. 

 

—--x---x---

 

[Narrador POV]

 

Entraram no quarto e Melanie dirigiu-se direto ao notebook jogado em cima da cama e injetou o pendrive. Em poucos segundos o vídeo começou a rodar mostrando o quarto em que Tom estava poucos minutos atrás. 

Havia um homem sentado sobre a cama de lençóis brancos do hospital e parecia perdido em pensamentos. A janela do quarto estava aberta e o ele olhou em sua direção por algum tempo. Passaram-se mais alguns minutos nesse estado, até que se levantou pegando um copo de água e bebeu o conteúdo. 

— Era para isso ser interessante? - perguntou Thomas aborrecido com a monotonia do vídeo. 

— Shiu! Presta atenção - advertiu Mel e Tom voltou o olhar para a tela. 

O homem permaneceu parado por mais alguns minutos. 

Aos poucos algo começou a acontecer e Thomas franziu o cenho aproximando-se da tela para ver melhor a imagem monocromática. O homem começou a fazer alguns movimentos estranhos e, como num espasmo muscular, chutou a quina da cama. Tom fez uma careta só de imaginar a dor, mas, para sua surpresa, o homem não teve reação. Ficou algum tempo quieto encarando o fio de sangue que escorria do mindinho. Permaneceu imóvel por mais alguns segundos e subitamente explodiu uma longa gargalhada histérica. 

O som do riso macabro logo deu lugar ao barulho de pancadas. O homem jogava o corpo contra as paredes e móveis com uma força enorme capaz de quebrar seus ossos! Mancava indo de um lado ao outro do quarto. Chegou a um ponto em que as penas não conseguiam sustentar seu corpo e caiu num baque surdo escorado na parede. Deu uma forte cabeçada nos tijolos pintados de branco. Repetiu o movimento cada vez mais feroz. Seu rosto foi tomado por sangue que escorria do ferimento de forma que as únicas coisas que se viam eram os olhos esbugalhados e o sorriso curvado mergulhados na vermelhidão de sua face. 

Caiu morto alguns minutos depois. 

Thomas engoliu seco ao término do vídeo. Seria possível uma coisa tão horrível como aquela? Sentiu-se num verdadeiro filme de terror, daqueles bem baratos, mas saber que aquilo era real fez com que um calafrio subisse por sua espinha. 

— Então... O que acha? - perguntou Mel interrompendo os pensamentos do primo. 

— O que poderia fazer algo tão terrível como isso?! 

— Não tenho certeza, mas veja isso aqui - ela voltou ao início do vídeo e ampliou a cena - O copo de água da cabeceira está completamente vazio, mas se você olhar com cuidado... - ela colocou o vídeo para tocar novamente e pausou onde queria - Depois ele bebe um copo CHEIO. Como isso é possível??

— Espera, passa essa parte de novo, mas por frame - Mel seguiu o comando do primo - Aí, pare. O que é isso?

A imagem congelada mostrava o homem já com o copo cheio na mão e uma estranha luz perto da janela que estava observando. 

— Ok. Isso é estranho. Definitivamente tinha alguma coisa lá e ele estava vendo isso... mas o troço não pode ser visto pelas câmeras?

— E essa coisa deve ter dado a "água" para o cara. Mas que tipo de monstro sai envenenando pessoas desse jeito?

— Não sei... - fez uma pausa pensativa - Vamos ver o que você encontrou no hospital, além de uma certa doutorazinha, é claro.

Thomas jogou o celular com a foto e Mel pegou-o no ar. 

— O que quer dizer com isso?

— Ah não me venha com essa - disse Mel digitando no computador enquanto conversavam - Sério, o flerte de criancinha de vocês dois estava me deu mais náuseas do que o vídeo. 

— Nós não estávamos... Flertando...

— Uhum sei sei - disse pouco convencida - Então, "supondo" que você estivesse dando em cima dela, eu arriscaria dizer que está usando a aproximação errada. Você está agindo muito... Tommy. 

— Como assim? 

— Ah, você sabe, o "modo Tommy", o modo "oi, eu sou uma pessoa normal, que tal nós sairmos-casarmos-termos uma vida estável com 3filhos&1papagaio?" 

— Como eu deveria agir então? - perguntou meio risonho com a última resposta. 

— Deveria usar o "modo caçador", ou seja, o modo "amor-de-uma-noite". 

— Você sabe que eu não sou esse tipo de cara. 

— Eu sei que você é um caçador agora e nada mais adequado do que agir do modo caçador - fez uma pausa e olhou a expressão de interrogação de Tom - Olha, eu só estou dizendo que uma relação de verdade não vai dar certo, não enquanto estiver caçando. Tá aí uma grande diferença entre as histórias de heróis e as de caçadores: no final, o caçador nunca fica com a garota - disse séria. 

— Nah, você está sendo muito dramática. 

— Ei, é a sua vida. Eu não estou dizendo que ela não parece ser legal ou que você não deveria sair com ela, só estou dando um conselho de caçador para caçador: não se apegue muito. 

— Aww, parece que alguém aqui nunca conseguiu ter o príncipe que merece - Thomas disse fazendo um biquinho e, consequentemente, uma voz debochada, o que resultou em um soco em seu ombro. 

— Cala a boca! Eu não preciso de príncipe algum, gosto do modo caçador. O mais longo relacionamento que tive durou duas semanas, nunca precisei me preocupar com traição, ciúmes ou melosidades. Sou mais feliz assim - terminou com um sorriso orgulhoso. 

Thomas ia responder ao comentário, mas foi interrompido pelo som do celular tocando. Ele pegou-o de Mel e atendeu. Melanie pôde ouvir um "oi, Karen" sendo dito. 

— E falando no diabo... - falou consigo mesma. 

 

—--x---x---

 

 

— Então, como eu estou?

— Como um idiota - Mel respondeu sem tirar os olhos da tela do notebook. 

— Você poderia pelo menos olhar para mim - reclamou e ela mirou-o por um segundo. 

— Parece um idiota de gravata. 

— Por que você está tão brava comigo? - bufou. 

— Por que você tem um encontro e eu não? Isso não é justo, a única coisa que eu vou pegar essa noite vai ser o sr Google!

— Não é como se eu não fosse trabalhar também. Karen disse que conseguiu mais algumas informações sobre uma das vítimas e por isso quer se encontrar comigo. 

Melanie suspirou derrotada. Ambos sabiam que não era só por causa das informações que Tom concordou com o encontro (if you know what I mean), mas estas seriam de grande importância para resolverem o caso do hospital. 

— Ok ok. Quer a minha opinião honesta? - ela analisou Tom de cima a baixo. Ele estava todo arrumadinho, com uma camisa social azul e até gravata - Tira essa camisa dentro das calças, você tem o que? 60 anos? Dobre as mangas e, por favor, queime essa gravata de $1. Agora desabotoe os dois primeiros botões da gola, mas não ouse tocar no terceiro. 

Tom seguiu as instruções a risco e se sentiu até mais confortável daquele jeito. 

— Está bom assim? - perguntou meio acanhado. 

— É, agora está um idiota bonitinho. 

— O que eu acabei de ouvir foi um elogio? - perguntou meio brincalhão enquanto colocava os sapatos. 

— Provavelmente o único que vai receber de mim a vida toda. Agora podemos focar no caso? Eu pesquisei um pouco e as letras que você encontrou no quarto do suicida são gregas e dizem "lethe" - pronunciou a palavra com certa dificuldade. 

— Então estamos lidando com um ser da mitologia grega, talvez?

— Com certeza é da mitologia grega, mas o problema é que não se trata de um ser, especificamente.

— Como assim?

— "Na mitologia grega, Lethe é um dos rios situados no domínio de Hades. Aqueles que bebessem ou até mesmo tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento" - leu. 

— Mas isso não faz sentido, as pessoas não estão esquecendo coisas, elas estão morrendo! E o mais importante, como se mata um rio?

— Como eu disse antes, minha noite com o Google vai ser BEM longa - disse voltando à tela do note - Olha só, parece que alguém já está esperando um certo idiota - mostrou uma imagem de Karen na frente do hospital. 

— Como você fez isso?

— Hackeei o sistema de segurança do hospital. 

— Ok, é melhor eu ir então - disse pegando as chaves do Impala - Não me espere acordada. 

— Você não manda em mim - cantarolou em resposta e ouviu-o sair. 

—--x---x---

 

[Thomas' POV]

 

Ao som de xingamentos provenientes de um bigodudo ranzinza, saímos correndo aos risos do restaurante pomposo. Karen me puxava com a mão guiando o caminho, já que a minha visão estava embaçada com lágrimas incontroláveis. Ao chegar em um ponto da rua em que era impossível o homem acertar-nos com alguma panela que arremessasse, paramos para recuperar o fôlego e tentar controlar as gargalhadas. 

Tinha levado Karen para um restaurante chique da cidade, lustres brilhosos, comida sofisticada e música clássica lentíssima, em outras palavras, o lugar MAIS CHATO DA CIDADE. Posso dizer que a minha acompanhante compartilhava da mesma opinião e acabamos sendo expulsos do restaurante exatamente numa tentativa de animar o clima. O motivo foi até que compreensível, afinal acabávamos de criar a maior guerra de caroços de azeitona da história, o que não deixou o gerente lá muito feliz. Começou com uma brincadeira inocente entre eu e Karen, até que aprimoramos os lançamentos com uma tecnologia extremamente sofisticada também conhecida como catapulta de colher. Acidentalmente uma semente foi parar na mesa ao lado, foi aí que a baderna começou. Não sei bem explicar como aconteceu, mas em poucos minutos não eram apenas azeitonas, havia todos os tipos de comida voando de um lado ao outro do salão. Ao fim do combate (quando a comida acabou) o restaurante estava irreconhecível: restos de comida pelo chão, purê de batata preso nas paredes e tenho quase certeza de que vi um ovo frito colado no teto! Enfim, nem preciso dizer que o gerente ficou enfurecido e nos expulsou aos berros, soltando palavrões em italiano. 

Karen imitava o gorducho do gerente fazendo um sotaque sofrido que me fazia rir mais ainda. Custou um longo tempo até que conseguíssemos cessar os risos. 

— E agora? - perguntei enxugando as lágrimas de meu rosto - Pior encontro de todos, né. 

— Você está brincado! Melhor encontro de todos! Vamos, não quero que acabe tão cedo, tem um lugar aqui perto que você vai gostar - disse me puxando pela mão. 

Adentramos em um pequeno bar no fim da rua. O chão era de uma madeira rústica, ouvia-se um rock clássico das antigas tocando ao fundo e a iluminação fraca das poucas lâmpadas era complementada por luzinhas de natal esquecidas ali desde dezembro. Era um ambiente totalmente oposto ao restaurante que estávamos e trazia um ar muito mais aconchegante. 

— Lucy, dois especiais da casa e duas cervejas, por favor - pediu Karen para a mulher do outro lado do balcão. 

O local estava praticamente vazio e pudemos escolher uma mesa no centro que dava uma visão privilegiada tanto dos leds coloridos quanto da redonda lua que iluminava a noite. 

— Então, sobre os casos do hospital... - começou a contar (havia até esquecido disso) - Sabe aquela segunda vítima? Eu falei com alguns colegas e descobri que ela estava lá há pouco tempo e já estava pra receber alta. Era uma mulher, por volta dos vinte e cinco anos, havia sofrido um acidente doméstico, caiu da escada ou algo assim. 

— Bom, até aí não tem nada em comum com as outras vítimas, certo? - ela balançou a cabeça. 

— Ela estava grávida e perdeu o bebê no acidente. Ficou completamente arrasada. 

A tal Lucy veio até a nossa mesa e deixou dois hambúrgueres e duas cervejas, segundo o pedido, e saiu sorridente. 

— Causa da morte? - perguntei. 

— Não se sabe ao certo, foi semelhante ao garoto que te contei. Encontraram-na simplesmente morta. Essas pessoas estava sofrendo de diferentes maneiras, elas não mereciam isso. 

— Não se preocupe, nós vamos descobrir o que está acontecendo. Melanie, minha parceira, já está trabalhando nas pistas que encontramos. 

— E tudo bem você estar aqui agora? - perguntou meio sem jeito - Eu não quero atrapalhar, além disso... Melanie não parece gostar muito de mim. 

— Não, você está sendo de grande ajuda! E a Mel é assim mesmo, não é de se apegar muito à primeira vista. 

— Eu não a culparia... Acho que ela tem uma queda por você - Quase engasguei com o lanche. 

— Não, não, não. Nós somos praticamente irmãos - disse a mais pura verdade - Eu te vi conversando com um médico hoje... Vocês pareciam ser bem próximos também..

— O que é isso? Sessão ciúmes? - riu - Dr. Oswald é só um amigo, está passando por problemas sérios com a filha adolescente e pediu alguns conselhos, como se eu soubesse lidar com esse tipo de coisa. 

Voltamos a comer  e falamos sobre outras aleatoriedades. Quando terminamos, a mulher veio recolher os pratos. 

— Pode por na minha conta, Lucy - disse Karen e eu já ia me manifestar, mas fui interrompido pela mulher. 

— Hoje fica por conta da casa - falou e os olhos de Karen brilharam - Tudo para minha cliente favorita. 

— Você vem muito aqui? - perguntei distraído olhando ao redor. 

— Se ela vem muito aqui? Essa garota me proibiu de tirar as luzes de natal, acha que manda por aqui - disse Lucy e saiu rindo consigo mesma. 

— Eu gosto das luzinhas - Karen fazendo bico. 

— Eu também gosto - comentei enquanto admirava os pisca-pisca refletido em seus olhos azuis. 

Ao notar que eu a estava encarando, Karen corou imediatamente de um jeito muito fofo. Não consegui desviar a atenção dela e instintivamente depositei meus lábios sobre os dela. Ela se assustou, mas logo se acomodou e passou os dedos pela minha nuca fazendo com que um arrepio gostoso subisse pelas minhas costas. De alguma forma, tudo pareceu mágico naquele momento. As luzes piscando, o cheiro de álcool do bar, a ponta da minha camisa suja de purê de batata da briga do restaurante; não sei como explicar, mas tudo estava perfeitamente perfeito para tornar aquele momento o mais incrível possível. Ou simplesmente era a garota perfeita quem fazia tudo aquilo ser real. 


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Notas finais do capítulo

Pois é, gentalha, eu volteeeei. Não me matem! Eu juro que tentei voltar mais cedo, mas não deu, sério, que inferno é essa rotina de cursinho. Enfim, não vou ficar aqui reclamando da minha vidinha.
Acabei fazendo revisão de ndinsk, enton pd ser que com certeza e grande probabilidade haja muitos erros de port e talz...
Essa era uma pequena historieta que já estava martelando na minha cabeça oca faz um tempo. Achei que o Tom estava meio apagado na história e fiz esse extra pra ele :)

— Pera, quatro meses sem postar e você me volta com um EXTRA?! *pegando tochas e uma multidão enfurecida pra colocar essa mina na fogueira*

Pelamordedeus não me queimem ainda! Leiam a segunda parte e me digam o q acharam.

— Ainda por cima, fez uma segunda parte pra essa merda?! *pegando machados e aquele garfo gigante queeunaoseionome*

Hehehe
Tchauuu