Caçadores do amanhã escrita por AYuri


Capítulo 16
Mais um fantasma, mais um dia de trabalho


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde, boa noite.

Capítulo... semi-extra? pseudo-extra? sei lá... como já diz o título, temos aqui mais uma caçada clássica de fantasma... Não sei dizer se está legal ou não... me falem se odiaram (ai eu prometo que paro com esses extras de merda ;))
Demorou mais do que o previsto, como de costume, mas enfim, boa leitura e deixem cmentariozinhs ples ^^

*Atenção: perigo de piada ruim no capítulo... Vocês foram avisados ein!



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Um caminhão de mudanças estacionou na frente de uma casa de paredes brancas e telhas vermelhas. Alguns funcionários começaram a carregar móveis e caixas para dentro desta, preparando a residência para a nova família que chegava à cidade. Logo o jardim estaria florido e brinquedos estariam jogados pelo gramado. Em pouco tempo, o som de joelhos engatinhando pelo chão e risadas banguelas encheriam a casa de alegria. 

O casal observava a nova moradia com orgulho de tudo que conquistaram, felizes pela linda família que estavam construindo. E o fruto de todo o caminho que percorreram juntos estava dormindo nos braços da mulher. Enrolado num cobertor, o bebê suspirava fundo e às vezes fazia que ia acordar e abrir o berreiro, mas se aconchegava nos braços da mãe e voltava a cochilar. 

A mulher tinha um olhar serene, sentia o braço do marido acariciando suas costas e sorriu simplesmente pelo fato de estar com o homem que tanto amava. Permitiu-se vagar pelas memórias que tinha daquela cidade. Há muito tempo havia deixado sua terra natal, mas nunca se esqueceu das lembranças, boas e más, de sua infância e adolescência que tivera ali. Agora que havia dado a luz, retornara para cidadezinha pacata para que o pequeno pudesse crescer perto dos avós, seus pais, que ainda moravam lá.

O dia foi cansativo, muitas caixas foram abertas e fraldas trocadas. Ainda havia muito o que fazer, mas já conseguiam ver a casa se transformando num verdadeiro lar. Ao entardecer, o cansaço pesou sobre os ombros do casal, afinal passaram o dia inteiro desencaixotando objetos e enchendo mamadeiras. O pequenino já dormia de barriga cheia no berço, parecia ter gostado do seu novo quarto. A mulher deixou o filho descansar e foi para o cômodo ao lado com o intuito de colocar os lençóis na cama de casal para uma noite de sono bem-merecido, entretanto, ao ligar o interruptor da luz, viu a lâmpada piscar de modo estranho. 

A luminosidade ficou oscilando por um tempo até que, num estalo, apagou-se permanentemente. A mulher bufou, mal chegara na casa e já estavam com problemas na fiação? Resolveu consultar o marido que ficou no andar de baixo terminando de arrumar mais algumas coisas da mudança. 

Desceu as escadas cobrindo os ombros ao sentir um frio incomum. Ao chegar na sala viu que as luzes também piscavam lá de modo frenético, o que dificultava sua visão. Ouviu o som estranho de tosses, como se alguém estivesse engasgando. Logo percebeu que o som vinha de seu marido, que estava caído no chão de costas no meio da bagunça da mudança. Rapidamente correu até ele e virou seu corpo. A visão foi terrível, ele se contorcia com os olhos esbugalhados e haviam marcas escuras em volta de seu pescoço. Ele esperneava tentando buscar o ar com enorme dificuldade e ela tentou desesperadamente ajudá-lo, mas não sabia o que fazer. 

Em pouco tempo o homem parou sem vida. Com a respiração ofegante e algumas lágrimas confusas escorrendo pelo queixo, ela levantou a cabeça estranhando que as luzes tinham voltado ao normal. Havia uma janela e, nela, a sombra sinistra de uma pessoa observava-a. A mulher gritou de horror, as lâmpadas se apagaram subitamente e, no andar de cima, o choro do bebê rompeu o silêncio da noite. 

—--x---x---

 

Thomas desviava a atenção do notebook à prima de minuto em minuto. Esta estava deitada na cama, de pernas pro ar e o celular em mãos enquanto soltava alguns risinhos. 

— Melanie, o que você está fazendo? - perguntou com dificuldade em se concentrar na pesquisa que fazia na internet. 

— Mandando mensagens de texto - ela respondeu simplesmente sem desviar os olhos do celular. 

— ... Pra mim? - ele indagou ao sentir o bolso de sua calça vibrar. 

 

Por que o Batman fez o seguro para o batmóvel?

Porque ele tem medo de que Robin

 

Tom leu a mensagem e não demonstrou expressão alguma. 

— Por que você está me enviando piadas ruins por mensagem de texto? 

— Primeiro, não é uma piada ruim... "Robin" - disse a palavra e riu sozinha - Segundo, EU TÔ ENTEDIADA!

Desde o desastre no feitiço de Missouri, estiveram parados no mesmo motel por uma semana inteira, sem casos para trabalhar ou pistas sobre os Winchesters para seguir. Thomas passou a maior parte desse tempo lendo o diário do avô ou na internet na esperança de encontrar um novo feitiço de comunicação que pudesse funcionar melhor que o último.

Enquanto isso, Mel o ajudou por um tempo, mas logo desistiu e se limitou a assisti-lo trabalhar. Não estavam mais tendo os pesadelos com Sam e Dean, nem mesmo Tom estava mais sonhando com o pai. Era como se a comunicação entre eles havia sido barrada e, desse modo, era compreensível o pressuposto de que feitiço algum funcionaria. Ela tentou convencer o primo a tentar algo diferente, mas não tinha nem ideia do quê. Além disso, se aquela era a única chance que tinham de tentar falar com Sam novamente, Thomas o faria e Mel não tinha argumentos para contrariá-lo. 

— Podíamos passar naquele bar legal da esquina - Melanie sugeriu tentando afastar o aborrecimento. 

— Não é nem meio-dia ainda e você já quer encher a cara?

— Então vamos procurar um restaurante bacana para almoçar. Eu não sei você, mas eu já estou farta de pizza. 

— Hum... - resmungou sem interesse. 

— Ou podemos pedir comida chinesa... Ou mexicana, será que eles fazem entrega de tacos? - disse pensativa. 

— Não estou com fome...

— Bom, nós poderíamos...

— Melanie, será que você não consegue para de pensar no seu estômago por um segundo?! EU ESTOU OCUPADO! - ele a interrompeu elevando o tom da voz. 

Mel se assustou com o grito súbito e abaixou a cabeça. Ficou um segundo remoendo a bronca de Tom numa mistura de ódio e... tristeza. Thomas nunca tinha falado daquele jeito com ela, com ninguém. Pegou um casaco e se levantou cochichando algo como "Quer saber? Vou naquele bar da esquina mesmo". 

Ela já estava prestes a sair, mas foi impedida por uma mão que segurou seu pulso antes que pudesse alcançar a maçaneta da porta. Virou-se dando de cara com olhos verdes escuros. 

— Desculpa - ele disse passado as mãos no rosto envergonhado - Eu não deveria ter falado daquele jeito - Mel soltou um sorriso de canto ao ouvir o pedido de desculpa.

— ...Tudo bem, acho que eu merecia - ela soltou um suspiro - Eu deveria estar te ajudando em vez de irritando. 

— Você não me irrita - ele deixou escapar um riso tímido. 

— Não precisa mentir não. Eu sei que sou chata pra cacete!

— Talvez um pouco... Mas não seria a minha priminha chata preferida se não me irritasse de vez em quando - esfregou a cabeça dela bagunçado seus cabelos de modo infantil, o que tirou risos de Mel. 

— Mas eu sou sua única prima...

Thomas ia responder algo, mas foi interrompido pelo alto som de seu estômago roncando. Ambos trocaram olhares e caíram na gargalhada. 

— Ok, acho que eu devo aceitar aquela sua proposta sobre o almoço. 

— Eu voto por comida mexicana! 

— Sério? Eu prefiro chinesa. 

— Vamos brigar sobre isso também? Por que nós continuamos discutindo sobre tudo?

— Ah, deve ser amor! - disse com uma voz dramaticamente debochada e Mel revirou os olhos sorrindo. 

 

 

—--x---x---

 

As lágrimas corriam livres pela sua face. Já há algum tempo havia se acostumado ao ponto de que elas não a incomodavam mais. Fazia horas que estava naquela salinha da delegacia. HORAS. E cada segundo era uma eternidade de angústia. Algum policial havia levado para ela o almoço, um hambúrguer que não teve coragem de tocar imaginando que não conseguiria engoli-lo sem vomitar. 

Ouviu alguns passos e vozes se aproximando vagarosamente da porta. 

— Tem certeza disso?

— Você mesma disse que eu estava precisando desestressar. 

— E, com isso, eu quero dizer "tirar férias em Las Vegas" - a outra voz riu. 

— Um caso para trabalhar e a pança cheia com uma bela refeição chinesa é tudo o que eu preciso para desestressar!

— Comida chinesa... Por que você sempre ganha no pedra-papel-tesoura?

A porta abriu dando passagem aos donos das vozes. Dois jovens, um rapaz e uma moça, ambos usando roupas formais. Olhando bem de perto notava-se que eram bastante novos, mas as vestimentas davam-lhe alguma autoridade. 

— Eu quero ver o meu bebê! Onde ele está?! - a mulher implorou antes mesmo que os jovens pudessem se apresentar. 

— Sra. Kyle, não há com o que se preocupar. Seu filho está sob o cuidado dos avós, seus pais - Thomas tentou acalmá-la, pois claramente nenhum policial havia se dado ao trabalho de explicar à mulher o que estava acontecendo. 

— Por que não me deixam sair desse maldito lugar? - questionou enxugando as lágrimas. 

— Por favor, entenda que o seu marido foi assassinado - Tom tentou dizer sem assustá-la, mas era inevitável - E a senhora era a única no local...

— Meu Deus, acham mesmo que eu seria capaz de matar meu próprio marido?! 

— Não mais - Mel interrompeu a mulher antes que esta caísse aos prantos - Viemos trazer boas notícias. A autópsia foi feita e as análises confirmam que o assassino era muito forte e de mãos bem grandes, provavelmente um homem. Dada a sua estatura, a senhora foi descartada como suspeita, logo poderá sair daqui e ver seu filho. 

— Graças a Deus! - a mulher suspirou aliviada. 

— Mas antes precisamos que nos conte o que aconteceu na noite passada. Cada detalhe é muito importante para que peguemos o verdadeiro culpado. 

— Claro, hm... Era de madrugada quando aconteceu - ela fez uma pausa tentando lembrar - As luzes começaram a piscar de um jeito estranho e estava muito frio - os primos trocaram olhares ao ouvirem aquilo - A casa é nova, deve ter algum problema na fiação. 

— A senhora sentiu algum cheiro estranho? Como enxofre?

— Cheiro? Não. Mas eu vi uma pessoa. Não deu para reconhecer o rosto, mas era um homem e estava olhando diretamente para mim! - se horrorizou ao lembrar. 

— Nós iremos dar uma olhada na casa, ver se não há nada de estranho. Enquanto isso, seria bom se a senhora pudesse ficar com seus pais por um tempo - Mel aconselhou e ela balançou a cabeça em positivo. 

— Podemos lhe dar uma carona até lá se quiser - Tom ofereceu vendo que a mulher ainda estava bastante abatida - E se qualquer coisa acontecer, você pode nos ligar - entregou-lhe um papel com o número do celular. 

A sra. Kyle aceitou a oferta de bom grado. Os meninos a deixaram na porta da casa de seus pais e tomaram rumo à casa supostamente assombrada. A polícia já havia se retirado do local alegando não terem encontrado nenhuma pista sobre o assassino, o que era perfeito para Tom e Mel investigarem o caso do ponto de vista sobrenatural sem serem importunados. 

— Achou alguma coisa? - Tom perguntou à prima, que andava de um lado ao outro com o detector EMF nas mãos. 

— A leitura está oscilando, mas o que quer que seja, não é forte o suficiente pra ser de um espírito ou poltergeist. 

— O terreno tem um histórico normal e a casa é recém-construída - Thomas lembrou - E se não for um espírito? Talvez o homem tenha sido assassinado por uma pessoa. 

— Dentro de uma casa trancada sem sinais de arrombamento? E o que explicaria as luzes piscando e a queda da temperatura?

— Certo... - ele voltou a matutar tentando decifrar o caso - Talvez os assuntos inacabados do fantasma eram com o marido da Sra. Kyle. Com ele morto, o espírito resolveu descansar em paz? - disse com uma careta duvidando da própria suposição. 

— Não faz muito sentido, o cara era novo na cidade, não tinha inimigos... Argh, e eu achando que era só um caso simples de casa mal-assombrada - coçou a cabeça frustrada. 

Ambos ficaram quietos por um tempo, cada um com seus pensamentos e suposições não tão conclusivas sobre o caso. 

— É uma casa muito bonita - Thomas quebrou o silêncio mudando o assunto ao não chegar a uma resolução para seus problemas - Seria o lar perfeito para uma grande família... 

— Sim... - Mel respondeu imaginando crianças pestinhas correndo pela casa e sorriu com a imagem. 

— Alguma vez você já quis isso? Sabe, casar, ter filhos, cortar a grama do quintal... Ter uma vida normal - perguntou distraído, mas o mesmo tempo curioso em ouvir a resposta.

— Hm... Sim... Quando eu tinha uns cinco anos eu sonhava em casar com um príncipe e nós moraríamos num castelo de sorvete com bacon - ambos riram - E você? 

— Claro que sim... Bom, pelo menos antes de virar caçador.

Calaram-se por algum tempo. Mel arriscou olhar para o primo e o encontrou com o semblante meio triste. Conseguia imaginar facilmente uma cena dele ao lado de uma mulher bonita e brincando com pequenas mini versões de Thomas. Riu com a imagem. Ele seria um ótimo pai algum dia...

— Você ainda pode - Mel acabou pensando alto e Tom a encarou - Quando tudo isso acabar, quando encontrarmos Sam, você pode se aposentar disso tudo e ter uma vida normal. 

— Se eu parasse, você também pararia?

Mel o olhou e franziu o cenho tentando desvendar as intenções do primo com aquela pergunta. 

— Parar e fazer o que? Virar comediante de stand up

— Aí você pode vir morar comigo e minhas futuras três filhas. 

— Seria uma versão bem interessante de Três é Demais, mas ainda precisaríamos de um tio Jesse - riram juntos. 

— Você seria bem vinda na minha casa - Tom disse num tom de confissão.

— Eu não...

Melanie foi interrompida pelo celular tocando. Pegou o objeto do bolso, atendeu-o e o afastou da orelha imediatamente ao receber berros inesperados. 

— Wow, calma o que... Sra. Kyle?

Os dois se levantaram alarmados com a ligação. A mulher do outro lado da linha tentava dizer algo com dificuldade. 

— Ok, escuta, vá até a cozinha e pegue sal. Desenhe um circulo no chão e coloque todos da casa dentro dele. Não me pergunte o porquê. Já estamos a caminho. 

Mel finalizou a ligação já andando em direção ao Impala estacionado na frente da casa e explicou rapidamente ao primo o que estava acontecendo. 

— Luzes piscando e ela viu o mesmo homem da noite anterior pela janela. Eu não acho que seja a casa quem está sendo assombrada!

—--x---x---

 

Estava na janela olhando a silhueta sinistra que parecia a encarar de volta parada do outro lado da rua. Desligou o celular e correu para a cozinha já sentindo lágrimas molharem sua face. Jogou o sal no chão de modo desajeitado com as mãos trêmulas. Seu coração batia tão rápido quanto as luzes acendiam e apagavam freneticamente. 

Seus pais entraram no recinto assustados com a bagunça. A sra. Kyle ignorou as perguntas e os mandou entrar no círculo mal desenhado no chão, eles soltaram algumas indagações, mas ela apenas repetiu o comando aos berros e saiu da sala sem paciência para explicar. Nem ela mesma sabia o porquê de estar fazendo aquelas coisas sem sentido, mas não tinha ideia do que mais fazer senão seguir as ordens que a agente lhe passara por telefone e esperar pela ajuda dos profissionais, se é que aqueles adolescentes poderiam realmente a ajudar. 

No caminho para o quarto, passou pela mesma janela em que estava parada segundos atrás e arriscou olhar através dela mais uma vez. Para sua surpresa, o homem suspeito havia desaparecido! Não sabia se deveria se sentir aliviada ou mais nervosa com aquilo. Correu pelo corredor sentindo as mãos suarem e entrou no quarto encontrando seu bebê tranquilo em uma cama improvisada no chão, uma visão que lhe deu um certo conforto. Pegou-o no colo e apoiou sua cabeça sobre seu peitoral, que subia e descia rapidamente devido a respiração pesada. 

Sentia um alivio muito maior agora que tinha o filho em seus braços. Pensou por um momento que dessa vez poderia proteger sua família, mas esse segundo durou pouco. Ao levantar para correr ao encontro de seus pais se deparou com um homem barrando sua passagem. Ele era alto, careca e tinha uma gosma escura que escorria pelo seu nariz e orelhas, logo reconheceu-o como o desconhecido que a encarava minutos atrás, o mesmo que estava presente na noite do assassinato de seu marido!

Automaticamente ela deu um passo atrás sentindo o ar faltar-lhe nos pulmões. O homem deu um passo à frente e ela um outro para trás até que foi encurralada pela parede. Encobriu o bebê em seu colo com as mãos numa tentativa de protegê-lo e este abriu o berreiro ao ser demasiadamente apertado pelos braços da mãe. Ela não sabia o que fazer diante da monstruosidade, nem mesmo conseguiu sustentar o próprio peso com as pernas bambas, o que a fez se encolher no chão tremendo de pavor. As luzes ainda piscavam e, com dificuldade, ela pôde ver os lábios do homem se moverem e sua voz soou surpreendentemente suave:

 

Estas alegrias violentas têm fins violentos, 
falecendo no triunfo, como fogo e pólvora,
que num beijo se consomem.

 

Ao terminar a fala, ele estendeu a mão na direção do pequeno e a mulher gritou. Sua voz saiu aguda e desesperada rasgando a garganta. Subitamente, seu socorro foi atendido com um chute que derrubou a porta do quarto. Melanie puxou o gatilho da espingarda que tinha em mãos acertando o peitoral do inimigo com uma rajada de sal grosso. Ao ser atingido, uma forma branca saiu do homem, como se estivesse sendo expulsa daquele corpo e ele caiu desacordado no chão. 

Estavam a salvo por enquanto.

 

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[Melanie's POV]

Após muito sacrifício, eu e Tommy conseguimos fazer a família se acalmar. Custou muito tirar a Sra. Kyle do quarto, já que esta estava praticamente paralisada depois do ocorrido. Foi necessário que Tommy  ajudasse-a a andar e eu carreguei o bebê no colo tentando fazê-lo parar de se espernear. Os pais da mulher nos bombardearam com perguntas e eu mandei-os calar a boca, recebendo em troca algumas carrancas. O homem que atacara a sra. Kyle ainda estava desacordado no quarto, logo teríamos que dar um jeito nele também. Resumindo: estava tudo um caos e nós tínhamos que dar um jeito na situação. 

Estávamos na sala e fizemos questão de arrumar um copo com água e açúcar para cada um, o que parece ter realmente os acalmado. O bebê havia parado de chorar e já estava quase pegando no sono enquanto eu balançava os braços ninando-o. Tommy estava me olhando com aquela cara abestada que ele faz às vezes, então eu mandei-o fazer algo mais útil e dar um jeito no coitado do homem desmaiado em quem eu atirei o sal mais cedo. 

— Tem certeza que consegue tomar conta das coisas aqui? - ele me perguntou. 

— Sim - respondi com pouco caso. Normalmente eu preferiria deixar para Tommy a parte da explicação sobre o sobrenatural aos pobres civis, pois não tenho muita paciência pra essas coisas, mas tinha um serzinho muito acomodado em meus braços e fiquei com dó de tirá-lo do conforto - Se eu sair daqui, esse coisinha vai acordar e voltar a chorar. 

Tommy concordou com um sorriso de canto, deu um tapinha carinhoso na minha cabeça como se eu fosse um cachorro (odeio quando ele faz isso) e saiu dizendo para eu ter paciência com os velhos. 

— Espere, o que ele vai fazer com aquele homem? Não é ele o assassino?! - o pai da sra. Kyle questionou ainda meio nervoso. 

— Ele é tão inocente quanto qualquer um aqui - expliquei com a voz amena para não acordar o bebê - Não sabia o que estava fazendo, estava possuído. Viram aquela gosma escura? Aquilo é plasma de fantasma, um bem forte por sinal. 

— Possuído? - ele parecia ainda duvidar de mim. 

— Quem é você? Falando de fantasmas assim... - a esposa do velho parecia um pouco mais calma que o marido. 

— Meu nome é Melanie Winchester e aquele que saiu daqui agora a pouco é meu primo, Thomas. Nós somos caçadores, acabar com seres sobrenaturais como fantasmas é nosso trabalho. 

— Então vocês não são do governo? 

— ... Não. Mas estamos aqui para ajudar, acredite. 

— Como espera que acreditemos em vocês? - o velho duvidou. 

— Essa garota salvou a vida da sua filha e neto - A sra. Kyle se pronunciou pela primeira vez ainda que com a voz um pouco trêmula do trauma - O mínimo que podemos fazer é ouvi-la - o senhor ficou quieto (chupa, velho). 

— Escutamos um som de tiro. Vocês conseguiram matar esse... fantasma? - A senhora mudou o assunto curiosa. 

— Não. Eu o acertei com um tiro de sal, o que expulsou o espírito do corpo possuído, mas ele ainda está por aí - respondi. 

A sra. Kyle passou as mãos pelo rosto nervosa ao receber a notícia de que ainda não estavam totalmente seguros. Pelo menos, já pareciam ter aceitado o fato de fantasmas existirem, o que tornará muito mais fácil protegê-los. 

— Veja, eu e o meu primo faremos o possível para manter você e sua família a salvo. O espírito foi expulso de um corpo possuído, portanto está enfraquecido por enquanto. Nós iremos dar um jeito de proteger a casa, assim vocês estarão seguros aqui dentro. Mas precisamos eliminar esse fantasma e, para isso é, preciso que saibamos quem ele é - olhei para a mulher - Ele estava atrás de você, sra. Kyle, tem alguma ideia de quem pode ser?

A mulher respirou fundo e pareceu se perder em memórias. 

— ... Ele me disse algo: "Estas alegrias violentas têm fins violentos, falecendo no triunfo, como fogo e pólvora, que num beijo se consomem" - ela lembrou. 

— É uma música do John Lennon? - perguntei tentando lembrar de alguma letra que falasse isso. 

— É Shakespeare. Romeu e Julieta... Eu sei quem é o fantasma - pronunciou respirando fundo antes de falar - Robert Mackenzie. 

— Nunca gostei desse menino - o velho bufou com a lembrança. 

— Quem é Robert Mackenzie? - questionei ainda confusa. 

— Quando eu ainda morava nessa cidade, por volta dos 16 anos, tive esse namorado, Rob. Nós nos conhecemos na aula de teatro da escola, éramos os protagonistas de uma peça. 

— Deixa eu adivinhar, Romeu e Julieta? 

— Sim, foi quando começamos a sair. Rob adorava teatro, ele era uma pessoa extremamente romântica e amava essas histórias - ela mantinha o olhar baixo enquanto falava - Nós tivemos o típico namoro clichê de ensino médio, cheio de melosidades, caminhadas de mãos dadas e planejamentos sobre um longo futuro juntos. Era uma relação muito ingênua, mas eu o amava e ele também me amava, dizíamos que ele era o meu RM (Romeu Montesquieu)... - Senti uma leve ânsia de vômito só de imaginar esse namorico - Bom, nós ensaiávamos para a peça, então passávamos muito tempo juntos. A atuação dele no palco era incrível, ele estava muito animado em ser o protagonista, mas... - ela soltou um suspiro antes de continuar - Mas, essa peça parecia estar consumindo-o de modo que, fora do palco, ele era exatamente o mesmo: eu não estava mais namorando Robert e sim um Romeu obsessivo. Ele chegou até a dizer que morreria por mim e isso começou a me assustar! Foi aí que eu comecei a cogitar terminar o namoro, mas faltavam poucos dias para a peça e eu não queria estragar tudo abalando-o emocionalmente assim de repente, então acabei por decidir esperar o grande dia passar - ela soltou um suspiro com dificuldade em continuar. 

— O que aconteceu? - tentei incentivá-la a continuar e ela levantou os olhos marejados. 

— Um pouco antes da estréia houve um acidente de carro e ele... A peça acabou sendo cancelada - ela fungou tentando conter as lágrimas - A morte dele me abalou muito, eu não queria mais aquele namoro, mas isso não mudava o fato de que eu o amei. Não consegui suportar aquela situação e criei alguma desculpa para ir morar fora da cidade, fiz faculdade, casei...

— Mas agora você voltou e isso parece ter despertado o espírito dele... - pensei em voz alta enquanto a mulher enxugava as lágrimas - Eu preciso saber onde ele foi enterrado. 

— Ele foi cremado - ela respondeu e eu me retorci na cadeira. 

Merda. 

—--x---x---

 

[Thomas' POV]

— Demorou - reclamei ao ver Melanie correndo em minha direção. 

— O bebê da sra. Kyle acordou quando eu tentei colocá-lo para na cama e só parou de chorar quando eu comecei a cantar Starway to Heaven - ela explicou se espreguiçando - E sim, eu tive que cantar a música inteira duas vezes! 

— Eu realmente não esperava por isso - pensei comigo. 

— Esperava o que?

— Que você fosse tão boa com crianças - sorri ao lembrar da cena de Mel com o bebê no colo - Sabe, não faz muito o seu estilo.

— É mais fácil lidar com elas do que com adultos - ela respondeu simplesmente e mudou de assunto - O que você fez com aquele homem?

— Deixei-o num bar e paguei para o dono dizer que ele desmaiou bêbado e passou a noite ali. 

— Boa ideia - ela disse arqueando as sobrancelhas - Eu expliquei tudo à família e coloquei os saquinhos de feitiço para proteger a casa. Eles estarão a salvo por enquanto, mas não podemos deixá-los trancados lá pra sempre. 

— Aquela história que você me contou da sra. Kyle... É por isso que viemos aqui? - disse olhando para o edifício na nossa frente. 

Melanie tinha me ligado mais cedo e explicado tudo, pediu para que eu a encontrasse na frente daquele colégio e eu acabei esperando do outro lado da rua encostado no Impala por um bom tempo. 

— Sim, é onde eles se conheceram. Mais especificamente no auditório da escola - ela prendeu o cabelo num rabo de cavalo alto - Esse tal de Robert foi cremado, o que deixa tudo mais difícil... Talvez encontremos alguma pista aqui que nos ajude a acabar com esse fantasma. 

Eu concordei e andamos juntos em direção ao colégio. Já estava escurecendo e os pátios estavam vazios. A maioria das salas já tinham as luzes apagadas, com exceção de uma grande porta aberta de onde alguma luzes amarelas saíam. Notei que tinha esquecido o paletó e a gravata no carro, que tirei devido ao calor; Melanie também estava sem o blaser que normalmente usa quando nos passamos por agentes do FBI... Espero que o disfarce ainda funcione, pois sem esses figurinos, parecemos apenas adolescentes normais. 

Ia falar algo sobre isso com Mel, mas fui interrompido por alguns berros agressivos ao entrarmos por aquela porta. Os gritos vinham de uma mulher em pé no palco furiosa com um pobre rapaz que cuidava da iluminação. 

— Que porra de luz amarela é essa?! Você tá achando que isso aqui é algum tipo de show dos bananas de pijamas por um acaso?! Isso aqui é Shakespeare! - a professora berrava raivosa batendo os pés no palco - E vocês quem são? - ela se dirigiu a nós dois com um tom ainda raivoso - Veja bem, estamos a poucos dias da estréia e não temos um Romeu nem uma iluminação descente— enfatizou olhando para o menino encolhido que cuidava das luzes - Então é melhor vocês não perderem o meu tempo!

Já estava tirando meu distintivo de agente federal falso do bolso pra ver se ganhava um pouco mais de respeito daquela maluca, mas Mel segurou o meu braço. 

— Somos alunos - ela pronunciou e eu fiquei sem entender - Ouvimos falar da peça e ele quer tentar o papel de Romeu - como?

— Eu o nã—AI! - fui silenciado por um pisão no pé. 

— Vocês são do grupo de teatro? - a mulher desceu do palco e perguntou interessada. 

— Somos novos aqui - Mel continuou mentindo e eu senti um certo receio de onde aquilo iria me levar - Thomas aqui ficou biruta ao saber que vocês iriam encenar um clássico - biruta? Nunca ouvi tanta lorota numa frase só. 

Acho que fiz uma careta, pois Mel me lançou um olhar ameaçador sugerindo que se eu estragasse a mentira dela, as coisas não acabariam bem pra mim. É bizarro o jeito que essa garota consegue parecer um anjo segurando um bebê num segundo e no outro vira o satanás em pessoa! Forcei-me a dar um sorriso amarelo e concordar com o que ela dizia. 

— Ok, você está dentro então! - a professora exclamou sorridente. 

— Sério? - perguntei incrédulo - Quer dizer, eu não precisaria fazer um teste ou algo do tipo para ficar com o papel principal? - tentei discretamente me livrar daquela enrascada. 

— Veja, você é bonito e eu, desesperada - ela disse como se isso não soasse estranho - Então, apareça aqui amanhã antes da aula para já começar a treinar as falas - ela deu um tapinha no meu ombro e saiu provavelmente para berrar um pouco mais com o menino da iluminação. 

Fiquei alguns segundos digerindo o fato de que eu agora era o Romeu numa peça de escola - whadafuk?. Olhei para Mel com muito ódio no coração e encontrei-a com um enorme sorriso no rosto.

Sim, esse é o verdadeiro sorriso do capeta. 


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Notas finais do capítulo

Referências:: Kyle de Selina Kyle :3 (Gotham), Full House no coração, Stairway to Heaven (LedZ ♥), Bananas de pijamas :/, o bom e velho Romeu e Julieta... e, não sei se pode ser contado como referência, mas eu estava ouvindo True Love da P!nk quando escrevi a briguinha de Tom e Mel no começo do cap :)

Prometo que a continuação vai vir logo logo
Me perdoem se estiver chatinho, já já começa a ficar mais emocionante blz
Não me matem naum -_-"

Bjuss :D



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