Finalmente te encontrei escrita por Kaya Holychild


Capítulo 1
Encontrando o final feliz




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Você me balançou no ar duas, três, quatro vezes, até que eu não precisasse mais e pudesse voar com minhas próprias asas. Sarou os meus machucados, cuidou de mim e bagunçou o meu cabelo quando estava entediado. Olhou nos meus olhos com os seus brilhando e prometeu que seria pra sempre.

Como qualquer outro clichê, nos conhecemos na escola e foi ali que tudo começou. O diferente era que a gente tentava, desde sempre. Eu fui a infeliz encarregada de dar fim nas primeiras tentativas. E era com um arrependimento enorme que eu te observava partir outra vez, pra tentar ser feliz.

E você era. E tem noção do quanto aquilo doía? Ver você achando que finalmente poderia pertencer a outro alguém? Nós sabemos desde sempre, ou ao menos eu sei, agora, que fora assim eternamente: no livro do Destino, você estava escrito pra ser meu. E eu... Pra ser do mundo.

Eu fui egoísta, mas quem nunca foi? Tive minhas experiências, me arrependi e cresci com elas, tive as boas e aprendi a finalmente valorizá-las. Mas justamente no topo da montanha-russa ou na primeira lambida do sorvete de creme que eu se lembrava de você. E ela descia, e o doce perdia o sabor.

Seu sorriso fácil estava lá, enterrado no meu passado sempre, pra me atormentar. Como a teimosa que sempre fiz questão de ser, gostava de sempre reviver nossas tardes tentando entender como funcionava o toca-discos do seu pai, ou nos atracando em vez de decorar logo o roteiro de Romeu e Julieta.

Dói, sim, pensar que você já passou por tudo isso. Não por uma possessividade egoísta e infantil, e sim pela simples ideia do sofrimento. Imaginar seus olhos, sempre tão brilhantes – ao menos quando está comigo – desviando-se para o chão com mágoa me parte o coração.

Então, em uma tarde qualquer, levantei do sofá e lá deixei mais um dos meus velhos romances bobos que adorava. Naquele momento, Gabriel García Marquez me deu o mais valioso conselho ao dizer, em Viver para contar: “A vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.”

Vesti aquela blusa com o símbolo cujo só você sabia decifrá-lo, aquela legging preta muito gasta que eu adorava e uma sapatilha qualquer. Os cabelos, como sempre, soltos, naquela confusão de fios tão indecisos quanto a própria dona e o rosto muito cansado de se esconder atrás de maquiagens.

Peguei o primeiro ônibus que parecia levar na sua direção e fui. Sem malas, sem bagagem: havia deixado qualquer rastro de peso na consciência pra trás. Sua mãe sorriu, surpresa e hesitante, ao me ver depois de tantos anos de volta ao seu batente.

Ofereceu-me um chá, que recusei. Esperei três horas até que você chegasse... Com outra. Um pouco bêbado e com aquela garota que em nada parecia comigo à tiracolo, me perguntou o que eu queria. Sim, acredite, não tinha nada a ver com dever de casa. Eu menti.

Fui embora chorando em todas as partes do caminho desde que seu rosto sumiu do meu campo de visão. Escrevi mais um texto qualquer no meu bloco de notas e comi a última barrinha de cereal que tinha na bolsa. Foi tão difícil engolir quanto aceitar que eu tinha sido substituída.

O chacoalhar do velho ônibus em nada se assemelhava às batidas frenéticas do meu coração, que nem batia mais, só apanhava. E foi naqueles trinta minutos que mais pareceram três horas que revivi toda a nossa história. Desde as fraldas até mochilas sem rodinhas e primeiras recuperações na escola.

Não cabia mais a mim. Queria mais que tudo poder voltar correndo pro seu quarto e tirar você de lá, te chamar de meu e entregar tudo o que eu tinha: um emaranhado de pensamentos e sentimentos por vezes confusos, mas que foram feitos para um único e insistente garoto nerd, incrível, sensível e com o mesmo gosto musical que eu.

Que me completava.

É claro, nada disso aconteceu.

Cheguei em casa e convivi com o fato de que meu quarto não tinha porta para bater e não ouvir as reclamações de mamãe. O fone de ouvido tinha se perdido em algum canto do local. Havia gasto todo o estoque de chocolate semana passada.

Esperei. Muito. Sofri. Horrores. Acontece que eu não tinha percebido que a vida, por mais que pareça injusta, surpreende a gente com lapsos de reciprocidade. Sabe aquela flor que você não arrancou ou a caneta que emprestou naquela aula horrível de matemática?

Recebi o maior dos meus presentes quando finalmente estava pronta. Tive mais três namorados que apresentei à família, me formei e consegui uma casa simples, mas linda, na parte mais tranquila da cidade. Adotei um cachorro e fui ao meu primeiro, segundo e terceiro show.

E foi no meu consultório de psicologia, às sete e cinquenta, que esperei meu segundo paciente do dia entrar. Minhas mãos tremiam por nada e a garganta estava seca quando um homem barbudo e fechado em seu próprio mundo sentou-se no divã. Perguntei: como foi seu dia? E você imediatamente respondeu Uma droga.

Conversamos uma hora e meia sem conseguir olhar nos olhos um do outro. Para agir com sinceridade, não sei se teria te reconhecido. O olhar estava mais fundo e o corpo mais magro do que me lembrava. Mas foi no momento da despedida, em que a chave do carro caiu do bolso da calça, que você levantou seus olhos e a gente se viu.

Você voltou na semana seguinte. E na outra também. E foi entre uma conversa e outra que nos beijamos pela milionésima, mas que, depois de tantos anos, parecia ser a primeira vez. E não adianta me olhar assim, reprovador. Eu precisava contar nossa história!

Desculpa, padre, se te ofendi em algum momento. Desculpa, Esther, se não pude te contar porque andava tão estranha naqueles dias. Desculpa, Ana, por fazer com que você sofresse com essa história também. E desculpa, você, que tá aí lendo esse texto e ainda tá sofrendo pra se encontrar de vez também.

Tá esperando o quê? Vai a-go-ra se amar muito, baixar aquela música que morre de vergonha de admitir que gosta, abraçar quem você tem vontade há muito tempo e ser feliz. Não perde tempo, é a sua felicidade. Aliás, a gente sempre pode dar um empurrãozinho. Enquanto isso, beijo meu marido e com muita saudade escrevo o The End.


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Notas finais do capítulo

Seria pedir demais saber sua opinião sobre a história? :3



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