Flor do Sertão escrita por Wellie


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores! Venho aqui, nesta oneshot, mostrar-lhes um pouco do meu Sertão, em um romance bem leve. Também é uma songfic, e os trechos aleatórios no decorrer da estória são da música "Xote dos Milagres" do grupo Falamansa.
Boa leitura ^-^



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Flor do Sertão

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~Wellie~

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A avistou de longe. Dentre as lamparinas acesas, barracas e pessoas perambulantes, o vestido rodado e azul dela se distinguia. Estava linda; os longos cabelos castanhos presos em um coque desengonçado, alguns fios levemente ondulados escapando e pequeninas flores emaranhando-se a eles. Uma flor maior era prendida do lado esquerdo das madeixas, bem próxima à orelha, lhe dando um ar de nítida naturalidade.

Estava mesmo linda; a sandália delicada era rasteira de um tom neutro e as correias trabalhadas em capim-dourado, um belíssimo enfeite desse mesmo material adornava seu dedão do pé, indo de encontro aos menores para seguir um caminho entrelaçado, semelhante a cobras se enroscando, até parar no calcanhar e, magicamente, formava-se ali um pequeno laço dourado.

O vestido lhe caía como uma luva e a deixava ainda mais linda — se é que isso era algo realmente possível. O tecido era de um azul ternamente claro e contrastava com a pele morena parcialmente exposta pouco acima da altura do peito, devido ao decote, este que também acentuava ainda mais o tamanho mediano de seus seios. Um majestoso contorno era feito ao redor da cintura fina da menina com uma fita de cetim dourada e então o vestido descia desprendendo-se delicadamente e, de forma gradativa, se expandia até estar completamente aberto em uma costura godê, roçando suas pontas espaçosas na pele um pouco abaixo do joelho e balançando no movimento das rajadas de vento.

Com toda a certeza do mundo, ela era a mais bonita da festa, pelo menos aos seus olhos. Sim, ela era. E apesar de tão nova — na faixa dos 20 anos—, podia se ver naquela garota um corpo de mulher; morena e alta, era uma divina cabocla.

Ele a observava naquele instante como nunca o tinha feito antes. Já havia muito olhado para ela, sim, mas agora era diferente... Ele a analisava e gravava em sua mente cada mínimo detalhe do comportamento daquela mulher. Era algo surpreendente o jeito como ela agia, sempre sorrindo para todos. Ela era como uma espécie de imã para crianças e parecia realmente gostar daquilo, de ver-se rodeada por aqueles pequenos seres.

Olhou-a com atenção enquanto ela abaixava-se para levar ao colo um daqueles pirralhos que, àquelas alturas, coçava os olhos com os punhos fechados e já não podia mais controlar os insistentes bocejos, sem contar as pálpebras que mal podiam sustentar-se abertas, tudo isso só demonstrava o quão sonolento o menino estava. Ela lhe afagou os cabelos escuros e o deitou sobre seu peito, embalando o pequeno garoto em seus braços. O menino prontamente envolveu suas pequeninas mãos ao redor do pescoço da mulher e pôs-se a dormir um sono suave, se aconchegando cada vez mais ao corpo esguio.

Em pouquíssimos segundos, ele — o observador — viu quando, tentando esticar-se, a mão da criança chocou-se contra os cabelos da mulher, justamente próximo à orelha, fazendo com que a belíssima flor que a enfeitava fosse direto ao chão. A garota aparentemente percebeu que não teria como apanha-la de volta, então apenas deixou-a rolar solta no solo (fato que lhe retirou algumas pétalas) e sorriu. Sim, apesar de perder a flor, ela sorriu e ele não soube bem o porquê de aquilo incomodá-lo tanto, sua vontade era de ir até ela, apanhar a flor caída e coloca-la novamente nos cabelos da garota, lhe mostrando como aquele simples arranjo a deixava bonita, tão bonita quanto a própria flor, mas não o fez, não era suficientemente corajoso para tanto, por isso contentou-se somente em observá-la de longe.

E os momentos se passaram, ela continuava a embalar o pequeno em seus braços, completamente alheia às investidas dos homens ao seu redor, enquanto ele observava tudo muito de longe, com uma vontade crescente de tira-la de perto daqueles malditos pervertidos, mas, como lhe era demasiado comum, não teve coragem o bastante... Era a hora de mudar esse cenário.

Esgueirou-se pela multidão, sem perder a morena de vista por um segundo sequer, até se aproximar de uma barraca cercada de bêbados. Era o lugar certo.

Havia bancos próximos ao balcão e muitos homens residiam ali, debruçados sobres os banquinhos. Pendeu para um lugar vazio na extensão do tampo de madeira logo à frente, observando o dono do estabelecimento correr um pano de prato rabugento por aquela superfície. Vendo esse simples ato, algo dentro de si revirou-se, veio logo à boca de seu estômago uma sensação terrível de náusea. Seria mesmo uma boa ideia? Foi o que se perguntou, ao passo que observava o bêbado do seu lado. Este soluçava forte e insistentemente, enquanto tentava, sem qualquer sucesso, proferir algumas poucas palavras, no entanto, nada saía de sua boca além de ruídos incompreensíveis.

Viu o mesmo erguer para o alto um litro de aguardente, oferecendo sua bebida para todos os outros, inclusive para ele. Naquele momento, ele cogitou seriamente a possibilidade de dar meia volta e abrir caminho para longe dali. Valeria mesmo a pena juntar-se àqueles pobres bêbados? Descer ao mesmo nível de um ser embriagado miserável? E, nesta mesma onda de pensamento, ele soube que aqueles homens amontoados em frente ao balcão de um botequim boçal eram ainda melhores que ele. Sim, eram. Os homens ali ao menos tinham coragem de assumir a sua embriaguez, enquanto ele sequer a tinha em quantidade suficiente para aproximar-se de uma garota. Que tipo de homem ele era, afinal? Ele era mesmo um pobre miserável...

Em um relance de bravura impulsiva, tomou abruptamente a garrafa de cachaça da mão do bêbado, e virou-a sem cerimônias em sua boca. As primeiras doses desceram queimando a garganta, deixando-a atravancada. O gosto era amargo e ao mesmo tempo forte e quente, não saberia explicar muito bem o efeito da bebida, mas era ao menos algo intenso. Muito, muito intenso.

As doses seguintes recaíram como água sobre o seu esôfago, o gosto já não lhe parecia tão ruim e poderia até mesmo dizer que eram boas as sensações que a bebida lhe causava. Refletiu sobre isso, até que o bêbado retomasse a garrafa de suas mãos, parecia simpático e lançava em sua direção um sorriso amarelo e sem dentes. O homem ao lado despejou a cachaça em sua própria boca e depois voltou a oferecê-la. Desta vez, ele não aceitou. Decidiu que era melhor ter uma bebida apenas para si, por isso, com um simples levantar de dedos, convocou o dono daquele lugar a vir até ele. Em pouquíssimos segundos, o homem voltava com um litro em mãos, e então o jogou sobre o balcão até que lhe alcançasse. Ali, naquele vidro, não continha apenas o liquido transparente de elevado teor alcoólico, mas também sua saída para tamanha covardia.

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Um pouco cambaleante, ele se esquivou dentre a multidão, tentando encontrá-la novamente, mas a cachaça já começava a atrapalhar os seus sentidos. Não havia tomado o litro todo — obviamente que não. A cachaça não era para embriagá-lo ao ponto de cair no chão, não, era apenas para o deixar minimamente desnorteado, e ele tinha certeza que chegara ao ponto certo.

Até que não havia sido algo tão mal juntar-se aqueles homens, eles eram bêbados simpáticos e o haviam feito companhia. No fim, ele os premiara com mais da metade do litro de aguardente, e então todos os embriagados fizeram um animado coro em agradecimento, ainda que até agora não tivesse entendido muito bem o que todos disseram juntos — embora suspeitasse muito que fora algo como um 'gardecido’ vagamente puxado.

Aos poucos o vestido azul dela entrava em sua zona de visão. Primeiro era apenas um ponto borrado muito distante, mas, conforme chacoalhava a própria cabeça para retomar parte dos sentidos visuais, o ponto ia tomando forma, ao mesmo tempo que ele se aproximava furtivamente.

Surpreendeu-se quando percebeu que voltara para o mesmo lugar de onde a observara desde o princípio. Ela ainda mantinha o pequeno menino sob seus cuidados, até aparecer entre a nuvem de gente uma mulher que o tomou de seus braços com um sorriso nos lábios, denotando gratidão. Deveria ser a mãe do garoto. Ela prontamente o entregou, também sorrindo, e, logo que a mulher sumiu mais uma vez entre a multidão, ela vasculhou todo o chão em busca de algo.

A flor.

Ele percebeu mesmo de longe que ela a queria de volta e parecia singelamente preocupada enquanto buscava a flor em meio a papeis e copos descartáveis. Um pouco mais ao centro, onde casais dançavam animados, ela por fim encontrou a flor rolando no chão. Sorriu para o solo enquanto abaixava-se para recolher o arranjo. E, ao subir a visão, seus olhos se encontraram aos dele.

Ele viu quando ela sorriu minimamente e uma cor um pouco mais avermelhada tomava conta de suas bochechas. Ela era deveras adorável... Teve mais certeza disso quando o locutor, sobre o palco, anunciava uma especial dança de casais, e ela, totalmente desatenta e atrapalhada, tentava esquivar-se do monte de casais que se aproximavam, jogando-a cada vez mais para o centro da quadra.

Era a hora certa de agir. Ele aproximou-se um pouco receoso, tentando busca-la dentre a multidão que parecia cobri-la cada vez mais. E, de repente, a preocupação o tomou por completo, afinal, de nada valeria toda a bebida se não pudesse encontrar a morena agora... Varreu os olhos por todo o "salão" à procura do vestido azul, mas nada lhe era sequer semelhante. E, quando estava prestes a desistir, sentiu algo colidir contra seu peito. Era ela.

Levando em conta que era relativamente mais baixa, a testa dela chocou-se justamente ao seu pescoço, a batida foi tão forte que ela foi ricocheteada para trás e, mais uma vez, sua belíssima flor foi ao chão. Ele sentiu-se imensamente estúpido neste momento. No fim, a bebida só atrapalhara tudo, tendo em vista que ele mesmo quase despencou quando tentou apanhar a flor caída. Teve que ser ajudado... pela moça. O quão vergonhoso isso poderia ser? Se levantou, o orgulho ferido e as bochechas levemente rosadas, apoiando-se no ombro dela. Deus! Era mesmo vergonhoso. Muito, muito vergonhoso.

— Patrão — ela chamou baixinho, evitando o olhar diretamente nos olhos — O senhor tomou... algo? — questionou temerosa, mas o sotaque doce e caipira sobressaía em sua voz. Ela era mesmo tão adorável... em todos os sentidos. E ele nem sequer notou quando um sorriso involuntário surgiu em seu rosto diante desta conclusão.

— Tomei — ele, enfim, se dava conta de seu próprio estado. Percebeu tardiamente que havia sido mesmo muito idiota quando achara que tudo daria certo se bebesse. Agora ele via que nada nunca funcionaria, ela era boa demais para ele... — Desculpe... eu... eu não quis tombar contigo. — E já se preparava para dar meia volta. Bem, talvez não fosse uma má ideia voltar a beber com seus recentes companheiros de botequim; eles eram amigáveis. E ele já estava bêbado mesmo, que diferença faria se tomasse mais algumas até cair no chão?

E então ele congelou. Ei, ela havia lhe segurado? Sim, era incontestável o leve aperto que a mão pequena e delicada fazia em seu braço.

Um xote lento já se fazia ouvir e casais rodopiavam ao redor de ambos. Parceiros colados um ao outro dançavam animadamente forró.

Ele virou-se para fita-la. Naquele instante, ela prendia, com uma mão, a flor de pétalas amassadas novamente em seu cabelo, enquanto a outra pressionava a pele um pouco acima do cotovelo dele. Ela lhe sorriu fracamente, e aos poucos mexia os pés e quadris no ritmo do xote. O movimento dela era tão lento e gracioso que, por um momento, ele quis apenas observá-la dançar, mas então lhe caiu a ficha que ela tentava o chamar para a dança, ainda prendendo o seu braço. Só Deus poderia saber como aquilo o fez feliz...

Ele então tomou coragem e a agarrou pela cintura, inocentemente grudando-se a ela. Tentou, sem sucesso, deixar de reparar como o corpo dela encaixava-se perfeitamente ao seu, mas isso já tornava-se algo impossível, pois era também com perfeição que as pernas torneadas dela se emaranhavam às suas, perfeição também se mostrava com a pequena mão dela se perdendo dentro da sua grande palma, e perfeição também era estritamente evidente em seu braço que rodeava por completo a cintura fina destacada pela fita dourada, porém o mais perfeito era mesmo o modo como a cabeça dela estava indiscutivelmente à altura certa de seu ombro, e encostava-se ali com ainda mais perfeição. Aos poucos, o coque se desfazia com o breve roçar de seus cabelos no ombro dele, acompanhando o ritmo quase que lento da música.

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Veja só, você é a única que não me dá valor

Então por que será que este valor é o que eu ainda quero ter?

Tenho tudo nas mãos, mas não tenho nada

Então melhor ter nada e lutar pelo que eu quiser.

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Ele a sentiu sorrir contra a pele de seu pescoço, e depois levantar o rosto para fitá-lo, ainda sorrindo. E, pela primeira vez, ele não se sentiu envergonhado, apenas sorriu de volta para ela, deitando a cabeça da garota novamente em seu ombro.

— Flor do meu Sertão — ele murmurou ao pé do ouvido e gargalhou baixinho ao senti-la estremecer sob seu toque.

— Pa-patrão — ela gaguejou, tomada por constrangimento, mas ele não permitiu que ela continuasse. Levou aos lábios dela o dedo indicador da mão que anteriormente a segurava.

— Shiii — ele chiou em um sussurro — Não me chame assim. Não aqui, não agora...

Ela assentiu, visivelmente envergonhada com aquela situação, mais precisamente com o dedo que ainda se encontrava sobre os seus lábios. Ele tratou logo de tirá-lo de lá.

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Porém não é pecado se eu falar de amor

Se eu canto sentimento seja ele qual for

Me leva onde eu quero ir

Se quiser também pode vir

Escuta o meu coração

Que bate no compasso da zabumba de paixão.

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— O senhor realmente bebeu. — Aquilo não era uma pergunta, ela sabia que ele havia tomado umas, talvez devido ao cheiro forte da aguardente... Bem, ela parecia não se importar, então, ele apenas seguiu em frente, apertando ela ainda mais contra seu corpo.

Os movimentos eram cautelosos e precisos, ao mesmo tempo que cheios de avidez. Apesar de ser uma dança ativa, o forró lento do xote lhes proporcionava certo prazer.

Não soube dizer quando foi o momento exato em que apercebeu-se que tinha liberdade suficiente para beijá-la. Não foi direto aos lábios, não, isso seria rápido demais. Começou beijando levemente a base do pescoço dela, teve que se inclinar para o fazer, mas constatou que valera a pena sentir a pele quente dela em contato com seus lábios. Ela amoleceu em seus braços, mas não o afastou, aquilo lhe deixou com um pé atrás. Ela aceitaria ser beijada por qualquer um?

— Senhor, pare com isso — a morena murmurou baixinho, com a voz quase falhando — O senhor está bêbado.

Ele não se importou em parar os movimentos. Apenas queria ver o quão longe ela o permitiria chegar. Sabia bem que era algo errado medir alguém daquela forma, mas queria ter absoluta certeza de que ela era mesmo como se mostrava ser, se era a mulher certa com quem pretendia se casar.

Ele continuou a traçar um caminho de beijos desde a clavícula até estar bem próximo da boca. Sentindo os pelos dela e os seus próprios se eriçarem.

— Senhor, por favor, pare — ela implorou, o empurrando de leve para longe, tentando afastá-lo — Não brinque assim com os meus sentimentos! — a voz se exaltou um tanto. E, quando ele levantou os olhos para fita-la, viu a mais linda das imagens. Ela tinha as maçãs do rosto avermelhadas, as sobrancelhas arqueadas denotando toda a sua surpresa e constrangimento. Os olhos marejavam e uma lágrima só rolava do canto de seu olho esquerdo. O coque havia se desfeito por completo e os cabelos castanhos caiam soltos como cascata sobre as costas até parar em seu quadril. A flor continuava lá. Oh, Deus! Ela tinha sentimentos por ele? Era quase impossível acreditar, mas... mas ela mesmo dissera... Então poderia ser...?

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[...] Que esse xote faz milagre acontecer.

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— Não faça mais isso! — Ela gritou chamando a atenção do público ao redor — Por que fez isso comigo? Eu nunca te fiz mal algum... En-então, por que está brincando comigo assim? — Ela já não mais gritava, apenas chorava baixinho, de uma maneira que expressava nada mais que aflição.

Ele era dono de tudo aquilo, sendo assim, apenas um olhar de sua parte bastou para que todos fingissem que não viam aquela cena. A banda continuava a tocar, os casais continuavam a dançar, como se nada estivesse acontecendo.

Ele não mais suportou vê-la chorar daquela maneira, a tomou nos braços e a aconchegou, enquanto ela tentava inutilmente soltar-se. Prendeu em seus braços os cabelos soltos dela junto da cintura. Encontrou o caminho certo de sua boca e plantou os lábios lá. Era menina pura, entretanto, lhe proporcionava a mais doce sensação de pecado.  

Ele colou os seus corpos, de um jeito descomedido, quase esmagando os seios dela. Pouco a pouco, ela parou de se debater contra ele, e até mesmo passou a corresponder o beijo. Induziu os lábios entreabertos da garota, e surpreendeu-se ainda mais quando ela os abriu por completo, lhe dando total acesso a sua boca. Ele não esperou mais que dois segundos antes de introduzir sua língua lá dentro, e então ambas dançaram juntas no mesmo ritmo que os casais ao redor, se enroscando deliberadamente.

Era mesmo bom sentir os lábios quentes e úmidos da menina pressionados aos seus totalmente gélidos... Aproveitou aquilo o máximo que pôde, até que o ar lhes fizesse falta. Ele não queria soltá-la, não, não queria. Ainda um pouco apreensivo, ele encerrou o beijo com alguns poucos e nervosos selinhos no canto da boca dela.

E quando a soltou, notou o quanto a moça aparentava estar firmemente constrangida. Com um olhar perdido, vagando em busca de um ponto fixo — para ser mais precisa, um ponto qualquer, desde que não fosse o homem apertando-lhe a cintura —, ela parecia refletir sobre o acontecimento.

Ele não se deixou intimidar; não poderia nunca permitir sentir algo assim — ainda que longinquamente próximo ao medo — depois de tudo que passara. Ele deveria ser confiante, mas, apesar de ter quase toda a certeza de que ela havia correspondido ao beijo, não pôde deixar de notar o incômodo sentimento de culpa (e também de ansiedade) habitando todo o seu ser.

A morena, enfim, se deu conta de que era hora de encará-lo, no entanto, o fez de maneira tímida, baixando os olhos para fitar as sandálias irremediavelmente douradas. Ela abriu a boca várias e várias vezes, mas som algum pronunciava, e, como em um ciclo vicioso, ela voltava a pressionar os lábios em uma linha reta e passava a mirar, mais uma vez, seus delicados pés.

Em determinado momento, o homem se viu inquieto com tudo aquilo, já nem mesmo suportava toda aquela tensão entre eles, e, ele sabia bem, dita cuja era tão presente e palpável no ar, que poderia facilmente ser cortada com uma faca.

Com os dedos indicador e médio, ele ergueu o rosto dela para o alto, de modo a olha-la bem nos olhos, e, sem qualquer receio, disparou:

— Seja minha mulher. — não era uma pergunta, tampouco uma ordem, era apenas uma balança esporádica pesando igualmente as duas possibilidades.

Os olhos dela arregalaram-se gradativamente, conforme processava as palavras, e, em poucos segundos, eles estavam quase do mesmo tamanho de pratos (se levada em conta a hipérbole). Ela ficara mesmo surpresa com aquela declaração e também... constrangida, diga-se de passagem. As maçãs do rosto tomaram para si outra vez o tom de escarlate e a sua face, antes morena, agora assemelhava-se muito a uma placa de "PARE" recém pintada.

Bem, talvez ele devesse refazer a pergunta, afinal, depois de quase um minuto, percebera que aquilo não havia soado muito bem... (se é que compreendem). Pigarreou alto para chamar a atenção da moça novamente para si, já que ela se ocupava, naquele instante, apenas em fitar o chão com tamanha intensidade, que, se continuasse com aquilo, criaria grandes buracos ali.

— Seja minha esposa. — dessa vez ela o olhou incrédula, como se não acreditasse no que ele acabava de dizer. — Se case comigo. Construa uma família comigo. Envelheça ao meu lado... não importa! Apenas permaneça junto de mim... — murmurou esta última parte enquanto enterrava o próprio rosto na curva do pescoço dela. E a abraçou forte, subindo e descendo as mãos grandes pelas costas da moça.

Ele sentiu o medo apontar em seu peito quando ela continuou estática e sequer correspondia ao abraço. Era tudo uma questão de segundos para que ela o afastasse para longe, depois de um sonoro "não" proferido pela mesma; ele já se preparava para isso quando a sentiu rodear os braços finos em sua cintura, lágrimas escorriam por seu ombro, até chegar à base das suas costas. Os soluços da menina eram altos e persistentes, mas ela nada falava, somente continuava a se agarrar a ele como se dependesse daquele gesto para sobreviver.

Não era surpresa alguma que todos estivessem os observando, aquela era apenas a plateia que presenciaria o que viria a seguir.

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Ê pra surdo ouvir, pra cego ver
Que este xote faz milagre acontecer

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— Si-sim. — ela proferiu em meio aos soluços, e não parecia estar nem um pouco certa de sua voz, se esta, de fato, havia saído — Sim! — ela gritou, fitando o céu estrelado, com um sorriso enorme iluminando seu rosto.

E ele, ainda um pouco incerto de suas atitudes, ergueu a mulher para o alto, prendendo-a pela cintura. A girou dentre o céu noturno, enquanto gargalhava como um completo louco — e talvez ele fosse mesmo, mas era um louco apaixonado —, ela também riu junto e até mesmo abriu os braços para sentir o vento enquanto era girada no ar.

Era possível ouvir gritos incentivadores e assovios das pessoas ao redor, os mais românticos suspiravam; todos, absolutamente todos, observavam a cena do casal apaixonado.

E quando ele pôs ela de volta no chão, roubou-lhe um beijo carinhoso e murmurou para que apenas ela ouvisse:

— Quando será nosso casamento, minha Flor?

— Assim que pedir a minha mão aos meu pais, ora. — ela prontamente respondeu, com os brilhantes olhos expectantes e a face enrubescida. Ele apenas riu baixinho do constrangimento da moça. Ela era mesmo tão adorável e delicada quanto uma Flor... mais ainda, tão rara e bonita quanto uma Flor do Sertão.

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[...] Que esse xote faz milagre acontecer.

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"E diz que ela é tudo em tua vida, que é a Flor do teu Sertão. Certamente que és, mas, percebe? Teu sorriso para ela é como um colibri, então, o que seria da linda Flor se tu não existisses?"

 

 


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Notas finais do capítulo

E, então, o que acharam de um romance sertanejo? Deixe sua opinião nas reviews, o coração desta reles autora agradece...
Obrigada por ler e até a próxima!