Dragões Dourados escrita por Gwen Sweetlux


Capítulo 4
Capítulo 4 – O refúgio da lua




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Como estipulado, Selene passou a fazer seus treinamentos junto aos demais. Contudo, mesmo após a punição sofrida, alguns soldados ainda tentavam sabota-la, fazendo de tudo para livrar-se dela.

Para Selene, este passou a ser o combustível para bater mais forte, correr um quilômetro a mais, concentrar-se ao ponto de não ouvir o próprio coração. Não deixaria que nada a impedisse, ainda mais seres tão desprezíveis que, em um momento crítico para humanidade como o que passavam, estavam mais preocupados em segregar pessoas pelo seu sexo. Eles se aproveitavam dos combates corpo a corpo para ferir Selene o quanto era possível. Por diversos dias, Shiryu precisou interromper as batalhas por má conduta dos adversários da garota. Porém, com o tempo ela pedia ao Mestre que não parasse mais.

Aquele era um daqueles dias. Ela enfrentaria um dos seus agressores, chamado Dimitri. Selene ainda se recordava de suas mãos asquerosas sobre ela, rasgando sua túnica e de seu olhar que, apesar de ser azul, carregava uma malícia sem tamanho. O rapaz se aquecia num canto oposto ao dela no pequeno ringue improvisado para os treinos. Olhava para ela como um predador. Selene sustentou suas miradas com um sorriso irônico. Queria muito bater nele. Não queria derrota-lo, nem combater. Queria bater, fazê-lo subjugar-se à posição de indefeso, como fizera com ela.

— Selene. – a familiar e afetuosa voz sussurrou perto dela. Shiryu.

— Sim, Mestre. – ela virou-se para ele. Estava vestindo seus habituais trajes chineses cor de lavanda, os cabelos presos num alto rabo de cavalo. Tinha subido as mangas da camisa, mostrando as ataduras que recobriam os antebraços.

— Sei o que motiva sua luta hoje. Não permitirei que combata assim. – ele falou baixo, mas olhava firme para a pupila.

— Como não poderei lutar? Já sou vista como mais fraca, Shiryu! Deseja que eu vá embora? Seria mais honesto tê-lo feito quando me encontrou naquele dia. – Selene estava devastada.

— Selene, desde que... nossos Cosmos se ligaram, consigo sentir cada pensamento seu. Mesmo que tente não ouvir, sentir... É como se fosse parte de mim agora. Então, sei que deseja vingança contra Dimitri. Irá lutar com ódio e isso não fará bem a ninguém. Já o puni no dia de sua transgressão. Se subir naquele ringue, que seja como uma futura Amazona que sabe que será. Não como um dos rebaixados. Não permitiria que uma alma bela como a sua fosse maculada agindo assim. Consegue compreender? – ele discretamente pegou sua mão e apertou de leve. Ninguém conseguiu ver, mas Selene sentiu profundamente.

Assim como Shiryu, ela também sentia os pensamentos dele. Sabia que suas palavras vinham diretamente do coração do Dragão.

— Tem razão. Refrearei meu espírito. Mas, deixe-me lutar. Conhece meus motivos agora. – Selene queria mostrar ao Mestre que poderia controlar suas emoções e concentrar seu Cosmo para fazer o que fosse preciso.

— Vá. Tome cuidado. – Shiryu disse, olhando para os lados, cuidando que ouvissem sua conversa. Eles trocaram um último olhar, antes que Selene subisse ao ringue, enlaçando seus punhos e antebraços com ataduras brancas.

Dimitri a aguardava, saltitando, com um sorriso largo e lascivo no rosto. Selene o encarou, mas sentia pena. Podia ver que a agredir era a única maneira que ele encontrara de distrair-se e lidar com as feridas deixadas nele com a Guerra. E, alguns segundos atrás, ela estava disposta a fazer o mesmo. Todos ali necessitavam mesmo de Shiryu.

Com o toque do sino que indicava o início da luta, ambos se posicionaram. Dimitri tentou atingir seu abdômen com golpes baixos, mas Selene juntou os cotovelos e golpeou suas costas. Ele perdeu o ar e foi ao chão, arfando. Durante a queda, não protegeu o rosto e rasgou os lábios, além de impactar os dentes contra o ringue. Ele virou a barriga para cima, tentando gritar de dor, mas como não tinha ar, só produzia sons guturais estranhos. Shiryu começou a contar, sentando de onde estava a contagem para que se levantasse antes de ser declarado derrotado. O Dragão não podia deixar de exibir um discreto sorriso no rosto.

Com a contagem em oito, Dimitri cambaleou e conseguiu ficar em pé. Estava furioso e apontou um dedo para Selene, indicando que buscaria vingar-se pelo que sofrera. Selene ignorou qualquer manifestação, dele ou da plateia que os assistia, claramente torcendo a favor de seu adversário. Concentrou-se em buscar o ponto fraco do adversário. Olhando para Dimitri, viu que ele caíra sobre o braço direito com seu último golpe. Mesmo tentando manter a guarda, seu lado direito estava vulnerável. O sino soou novamente.

Selene começou a rodeá-lo pelo ringue, o que deixou o rapaz confuso. Esperava que, ela estando em vantagem, viria com um ataque pesado contra ele. Depois de analisar e achar a posição ideal, Selene ergueu um dos punhos para golpear o rosto de Dimitri. Ele desviou soltando uma gargalhada. Foi então que ela aproveitou para socar suas costelas do lado direito. Selene era rápida e concentrou seu Cosmo nos punhos, que começaram a emanar uma aura esverdeada. Os socos tornaram-se quase invisíveis devido à sua rapidez.

Por fim, ela fez um movimento com ambos os braços. Shiryu levantou de sua cadeira de mediador. Estaria Selene preparando um... Cólera do Dragão? Impossível, ninguém havia ensinado o golpe a ela. Foi então que se lembrou. Seus Cosmos estavam de alguma forma ligados. Tudo o que conhecia também era sabido por Selene.

Rozan Sho Ryu Ha! (Cólera do dragão)! – a garota gritou e seu punho golpeou Dimitri lançando-o metros adiante.

— Ajudem a pega-lo! – gritou Shiryu, ainda alarmado com que acabara de presenciar.

Antes que caísse para a morte certa, os homens alcançaram e ampararam Dimitri. Estava desacordado e muito ferido.

— Levem-no para a enfermaria. Irei em seguida. Selene, comigo. – e o Cavaleiro saiu do acampamento a passos largos e pesados.

— Shiryu, Mestre, eu... – Selene gaguejava, nem ela mesma entendia o que havia acontecido. Porque dera aquele golpe, como pudera fazê-lo e se fez, não temia poder ter matado alguém com tamanha imprudência?

Shiryu continuava a andar sem dizer nada. Selene percebeu que iam para o chalé de Dohko. Certamente, ele iria repreendê-la, mas queria causar constrangimentos.

Chegando lá, o Cavaleiro abriu a porta para que ela entrasse. Na sala de estar, que também servia para as refeições, indicou uma cadeira para que sua pupila sentasse.

— Não entendo. – começou.

— Me perdoe, por favor. Não tinha intenção, sabia quais eram meus pensamentos ao subir para a luta... – a garota engatou uma série de explicações e justificativas, mas Shiryu tinha o olhar distante e perdido.

— Estou diante de situações muito além de meu conhecimento. Estão acontecendo coisas que jamais vi, ou ouvi falar em parte alguma, mesmo da parte do Mestre Ancião. – ele a interrompeu.

— O que fiz foi um crime? Traí o código dos Cavaleiros de Atena? – Selene estava aflita e a ausência de esclarecimentos, mesmo que em forma de repreensões, a faziam ficar ainda mais desesperada.

— Não, Selene. O culpado de qualquer irregularidade sou eu. Não tenho capacidade de entender como liguei meu Cosmo a você e, menos ainda, de saber como executou um golpe que treinei anos para fazer, sem ao menos ter uma constelação protetora. Tudo isso não faz nenhum sentido.

Ambos ficaram sentados em silêncio, os sons dos grilos e aves noturnas eram tudo o que se podia ouvir na casa do Mestre. Quebrando o silêncio, Selene falou, constrangida:

— Shiryu, posso me retirar? Acho que não chegaremos a nenhuma conclusão esta noite.

— Tem razão. Desculpe-me tê-la mantido aqui. Descanse, foi um longo dia.

***

Shiryu novamente lutava contra a insônia. Fazia muito calor, mesmo para o clima montanhoso. Não havia brisa, o ambiente parecia querer sufoca-lo. Decidiu então caminhar um pouco para desanuviar os pensamentos.

Subia um pequeno monte ladeado por Sakuras que criavam uma trilha rosada com sua queda de flores. O perfume era acentuado pelo calor que as fazia emanar sua essência ainda mais intensamente.

Olhando para o céu limpo, Shiryu viu a lua que estava cheia e prateada. Apesar de insone, aquela era uma belíssima noite. Ele sempre aprendera a apreciar a beleza da natureza e a paz que poderia fornecer. Crescer em meio a uma das maiores maravilhas do mundo, Rozan, certamente havia ajudado bastante.

Porém, uma silhueta se movimentava frente à lua, no cume da colina. Parecia estar dançando ou executando movimentos de dança, o Cavaleiro não conseguia discernir. Seu Cosmo, no entanto, sentia cada movimento e antecipava qual o sucederia. Selene, pensou.

Selene dançava desde criança. Era comum que a pequena passasse saltitando passos de ballet ou movimentos livres por toda a casa da família. Por vezes, tirava seu pai para acompanha-la, ou jogava flores para a mãe enquanto ria e se mostrava para ela. A dança era uma de suas poucas memórias felizes que restavam. Naquele momento em que lhe faltavam respostas e até mesmo saber quem era, dançar era o único meio de acessar uma parte sua que ainda lhe parecia familiar.

Ela ficava na ponta dos pés e deixava os finos braços se moverem ao seu redor, enquanto o corpo os seguia numa sinfonia sem música. Tinha os olhos fechados e só queria poder libertar a parte ainda bela de sua alma. Aquela que não precisava de lutas ou batalhas, aquela cuja alegria era estar com seus parentes e amigos, que espalhava bondade por onde passava e que não tinha que sofrer abusos físicos ou lembrar-se de corpos dilacerados por uma Guerra.

Quando ela estendeu os braços, equilibrando-se em uma das pernas, sentiu um sopro de ar passar por seu rosto e, em seguida, uma mão tocou a sua. Não estava segurando-a apenas, estava acompanhando seu movimento. Ela abriu os olhos e encontrou os olhos afetuosos de Shiryu, verdes e escuros como as folhagens que os cercavam. Ele a tomou nos braços e girou. Depois, com uma das mãos em sua cintura e a outra em sua palma, começou uma valsa silenciosa. Cada um sabia qual seria o próximo passo. Seria uma apresentação perfeita, caso houvesse plateia. Contudo, Selene e Shiryu não ansiavam pela compania de mais ninguém. Tudo estava perfeito.

Não sabiam quanto tempo passaram dançando, mas em determinado, Shiryu ergueu Selene alguns centímetros acima de sua cabeça, segurando os lados de sua delicada cintura. Ele a desceu de volta ao solo, seus rostos se tocando lentamente. Quando os lábios dela chegaram a altura dos seus, roçaram de leve. Não foi um beijo, nenhum deles ousaria fazer isso. Os pés de Selene pousaram o chão e ela fez uma reverência agradecendo ao companheiro de dança.

  Shiryu estava sem fôlego. Selene estava tonta. Eles tomaram alguns passos de distância e se encararam sob o céu noturno. A lua lançando nuances prateadas ao cabelo claro de Selene. Ela parecia um anjo com a iluminação lunar refletindo em sua pele sedosa. Como uma Amazona poderia ter tamanha bravura e ainda ser tão doce e delicada? Da mesma forma, Shiryu tinha os músculos acentuados pelo jogo de luz e sombra que a noite lançava sobre ele. O peitoral subia e descia com a respiração irregular.

— Selene... – começou, sem saber ao certo o que diria.

— Preciso ir. Obrigada por ter me acompanhado. – ela respondeu, afobada, pegando de volta suas sapatilhas e o casaco fino que vestia antes de chegar à colina.

— Não vá. Fique comigo. – ele pegou sua mão. Já sentindo seu toque tão familiar como se tocasse a própria pele.

Selene parou por alguns instantes, o olhar indo de suas mãos dadas para os olhos de Shiryu.

— Não posso. – lamentou, soltando sua mão e mirando o chão.

— Por que? – quis saber o Dragão, chegando mais próximo e tomando o queixo da moça em sua mão. Selene era bem mais baixa que ele, então precisava erguer bem o pescoço e levantar um pouco os pés para que seus olhos ficassem na altura.

— Ela. Shunrei. Não posso fazer isso. As pinturas dela estão por toda a parte. Sei que dedicou toda sua vida a você, Shiryu. Todos sabem que suas preces o salvaram em diversos momentos durante as batalhas. Nem ao menos procuram por seu paradeiro e vim até aqui para buscar minha própria jornada de Amazona. Não procuro por... seja lá o que aconteceu aqui. Perdoe-me. – ela tinha os olhos marejados, era evidente que proferir aquelas palavras era difícil para Selene.

— Tem razão. Talvez por estar tão atarefado e pela noite inquieta, meu julgamento tenha sido confundido. Peço perdão por tê-la desonrado e a Shunrei com meu comportamento. Boa noite. – Shiryu virou-se bruscamente e começou a descer a colina.

— Shiryu, não me desonrou. – ela começou, mas ele já tinha partido.

Selene contemplou a lua. Estava suada e por isso, começava a sentir um pouco de frio. Abraçando o pequeno corpo, ela contemplou o astro do qual seu nome tinha origem. Selene era a deusa lunar na mitologia grega, que dirigia sua carruagem pelos céus. Irmã do sol. Amada pelo sol.


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