Estrela da Manhã escrita por Luna MM


Capítulo 2
Chuva de Outono


Notas iniciais do capítulo

"A velha torre da igreja e o muro do jardim
Ficam negros com a chuva de outono,
E ventos lúgubres pressagiam assim
A escuridão sendo invocada de seu sono"
— Emily Brontë, "The Old Church Tower"



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Clary suspirou dramaticamente, pelo o que parecia ser a milésima vez. Encostada em um canto da parede da enfermaria do Instituto, ela cruzou os braços e apertou os lábios, frustrada. Ela havia perdido a conta de há quantas horas estava ali, esperando e esperando por uma solução que caísse magicamente do céu. Desde a noite passada, quando tudo havia acontecido, ela tentava se agarrar em alguma parte de si mesma que ainda acreditasse que existia uma maneira de consertar as coisas, de reverter todo aquele caos. Mas, embora ela não conseguisse admitir em voz alta, suas esperanças estavam chegando ao fim.

 – Precisamos procurar pelos Irmãos do Silêncio de novo – Isabelle anunciou, perto dela, enquanto andava de um lado para o outro com as mãos na cintura. – Deve haver alguma coisa que eles ainda não tenham tentado.

Isabelle parecia tão arrasada quanto Clary, ela notou. Seu cabelo e roupas estavam amassadas, o que sugeria que ela havia tentado dormir, e seus olhos escuros injetados de alguns pontos vermelhos, o que confirmava que ela não havia obtido sucesso. Alec não parecia nada melhor; jogado em uma poltrona da enfermaria, com olheiras embaixo dos olhos azuis e uns bons cinco quilos a menos, ele parecia estar carregando todo o fardo do mundo nos ombros. E, embora Clary também se sentisse destruída com o que estava acontecendo, sabia que Alec estava sofrendo ao dobro.

Clary desviou o olhar, disposta a encarar a lâmpada acesa no teto, focando seu olhar na luz branca até seus olhos lacrimejarem. A enfermaria do Instituto era confortavelmente espaçosa, lotada de camas aqui e ali, perfeitamente arrumadas com lençóis bem-passados e escrivaninhas simples ao lado de cada uma. Somente uma cama estava ocupada e toda vez que Clary se atrevia a olhar o paciente deitado nela, seu coração partia em pedaços.

Na noite passada, eles haviam recebido um alerta de que demônios estavam à solta em uma festa no Brooklyn. Clary, Jace, Isabelle e Alec saíram para detê-los, assim como o dever os obrigava, mas ao chegar lá, algo dera muito errado. Os demônios estavam em um grande número e em grupos separados por uma pista de dança enorme, ocupada por mundanos preocupados demais em curtir a vida para saírem da frente e deixarem os Caçadores de Sombras trabalharem. Sendo assim, Isabelle e Clary foram lidar com um grupo, enquanto Alec e Jace foram para o outro. Infelizmente, se separarem foi o pior erro que cometeram naquela noite.

Não demorou muito para Isabelle e Clary acabarem com os demônios pequenos, trabalhando juntas, então as duas acabaram indo procurar Jace e Alec para ver se precisavam de ajuda. E precisavam mesmo.

Clary ainda sentia arrepios ao lembrar-se da cena. Junto de Izzy, ela chegara em um cômodo pequeno, que mais se parecia com um depósito do salão de festas, e se deparara com cinco Demônios Maiores atacando Alec e Jace de uma vez só. O chão estava escorregadio com sangue e icor de demônio e, antes mesmo que ela ou Isabelle conseguissem chegar a eles, tudo acontecera num breve instante. Dois Demônios Maiores perceberam a presença de novos Caçadores de Sombras no local e atacaram Isabelle e Clary, mantendo-as ocupadas ainda na entrada do cômodo. Jace se mantinha concentrado na briga com um demônio, habilidoso e talentoso como sempre, mas algo o fez subitamente virar a cabeça para ver como Alec estava se saindo, algo que Clary nunca entenderia, provavelmente por ser coisa de parabatai. E então, Jace viu o que estava prestes a acontecer.

 – Alec, cuidado! – Jace havia gritado ao se virar para o parabatai, que lutava com um demônio, sem perceber que outro se aproximava dele por trás, as garras em posição de ataque.

Jace rugiu e deu um chute em seu demônio, empurrando-o para longe na tentativa de ficar livre e ajudar Alec, atirando uma lâmina serafim em direção dele em seguida, mas não se virando para se certificar de que a lâmina havia atingido o alvo. E não havia.

Assim que ele chegou perto o suficiente de um dos demônios que lutava com Alec, uma boca enorme afundou os dentes afiados e venenosos no ombro de Jace, vindo por trás. Jace gritou e se jogou no chão do outro lado, a mão pressionando o ferimento. Clary e Isabelle finalmente tinham se livrado dos próprios demônios e correram para ajudar Alec e, só então, Clary conseguiu ver Jace. Com a ferida no ombro jorrando veneno de demônio, ele começara a tremer e suar, gemendo de dor. Havia muito sangue no chão, ensopando a roupa dele. Ela correra até ele, procurando por uma estela no cinto, mas não havia mais nada a ser feito. A última coisa que Jace disse antes de desmaiar foi o nome de Clary.

 – Irmão Enoch foi procurar informações em Londres, pelo o que eu ouvi – Alec respondeu, despertando a atenção de Clary para a realidade. A voz dele soava tão fraca quanto sua aparência. – E mamãe está na biblioteca desde então, tentando encontrar alguma coisa que seja útil naqueles livros velhos.

 – Se ao menos Magnus estivesse aqui... – Isabelle começou, mas ao ver a expressão de Alec, se interrompeu. Lançando um olhar de desculpas, ela disse: – Sinto muito, Alec, não pensei antes de falar.

Alec dispensou as desculpas com um aceno, mas Clary sabia que ele estava sofrendo por dentro. Já fazia quase um mês que Magnus havia sido convocado por seu pai, seja ele quem fosse, e desde então ninguém tivera notícias do paradeiro do feiticeiro. Nem mesmo Alec. E para piorar a situação, seu parabatai estava com a vida por um fio por tentar salvá-lo.

No fundo de sua mente, Clary buscou a lembrança de Jace dizendo a ela, quando ela havia chegado no Instituto, que Alec nunca tinha realmente matado um demônio, pois sempre estava preocupado em cuidar de Isabelle e Jace. Apesar de nunca ter sido muito próxima de Alec, Clary sentiu vontade de colocar a mão em seu ombro e dizer que estava tudo bem, embora não estivesse. Ela não conseguia nem ao menos imaginar como ele devia estar se sentindo; seria como se tirassem Jace e Simon dela ao mesmo tempo e não houvesse nada que ela pudesse fazer.

 – Não podemos tentar entrar em contato com algum outro feiticeiro? – Clary perguntou, finalmente se desencostando da parede. Devagar, ela andou até a cama de Jace.

 – Eu tentei, – Isabelle respondeu de imediato e Clary percebeu que ela realmente não esteve ali a manhã inteira – mas todos disseram a mesma coisa. Ninguém entende direito o porquê de Jace não estar conseguindo se recuperar como deveria, então a única solução que eles conhecem é o uso da magia negra.

Clary se aproximou da cabeceira da cama e olhou para Jace. A pele dele havia ficado tão pálida que ela podia facilmente enxergar as veias em seu rosto, que mantinha um pano úmido sob a testa na tentativa de conter a febre que nunca parecia passar. Em seu peito nu, a ferida no ombro piorava cada vez mais, adquirindo tons de roxo avermelhado na pele bronzeada. Aflita, ela desviou o olhar para a cicatriz em forma de estrela branca ao lado do ferimento, a mesma cicatriz que ela também tinha. A marca que provava que os dois haviam sido tocados pelo Anjo.

 – Devemos tentar a magia negra então – Clary respondeu, observando Jace, inconsciente. A única coisa que mostrava que ele ainda estava vivo era o movimento fraco do peito dele, subindo e descendo no ritmo da respiração.

 – Eu concordo – Isabelle disse, determinada. Em seguida, suspirou, exausta. – Mas nenhum feiticeiro se atreve a usar magia negra, não importa o quanto nós paguemos. Procurei por todos na região e eles me disseram que o preço a ser pago é sempre alto demais para arriscar.

Clary passou a mão pelos cabelos, os fios grossos pela sujeira acumulada, e respirou fundo. Tudo aquilo ainda parecia um pesadelo que estava durando tempo demais.

 – Há outra coisa – Isabelle falou, de repente levantando a cabeça. Mas não parecia muito animada. – Eu ainda tenho contato com o Povo das Fadas por causa de, vocês sabem, meu breve relacionamento com Meliorn no passado, não que isso seja muito relevante. Mas, eu ouvi que a única pessoa que sabe e não tem medo de usar magia negra é a Rainha Seelie, embora eu não ache que ela possa nos ajudar.

 – Não, ela não pode – Alec discordou, sem rodeios. – Clary fez um acordo com a Rainha Seelie com aqueles anéis mágicos e ela nos enganou, como sempre querendo estar no controle de tudo e de todos. Não podemos confiar nela.

 – Alec está certo – Clary murmurou, cansada. – Ela não deve ser a única pessoa para nós recorrermos numa situação como essa. Precisamos procurar mais, mas depressa.

Alec e Isabelle assentiram, encerrando o assunto. Um silêncio tomou conta da enfermaria. Clary voltou a olhar para Jace e, sentando-se na ponta da cama, ela tocou a mão dele. Entrelaçou os dedos, a mão dela tão pequena em cima da dele, e fechou os olhos com força. Por favor, Jace, ela pensou. Aperte a minha mão e saberei que não devo me preocupar. Saberei que você voltará para mim.

Ela abriu os olhos. Nada aconteceu. O corpo quente dele continuava imóvel, exceto pelos pulmões que ainda faziam o peito se movimentar. Isabelle se aproximou e colocou a mão sob o ombro dela, dando apoio, e Clary percebeu que tinha falado em voz alta.

Naquele momento, ela queria deitar ao lado dele, fechar os olhos e esperar pacientemente pelo o que ele decidisse. Se Jace ainda quisesse viver, Clary estaria ao lado dele. Mas se a vida dele chegasse ao fim, ela queria acompanhá-lo para seja qual fosse o destino deles.

Mas Jace não merecia isso, ela sabia disso. Não merecia ficar deitado numa cama, esperando que a sua salvação caísse magicamente dos céus, como se isso fosse possível. Não merecia que ela ficasse ali, melancólica, como se já estivesse em um velório. Sentindo-se subitamente irritada consigo mesma, Clary se levantou num ímpeto.

 – Preciso tomar um ar – anunciou, indo em direção à porta.

Isabelle e Alec pareceram acordar de um transe e trocaram um olhar.

 – Eu vou procurar por mais alguma coisa que possa ajudar. Alec ficará aqui, caso Jace precise – Isabelle avisou, fazendo um aceno com a cabeça. Mas a expressão em seu rosto confessava que ela não acreditava que Jace iria acordar tão facilmente. – Nos encontramos aqui mais tarde.

Clary concordou e saiu, deixando Isabelle trocando mais algumas palavras com Alec para trás. Desceu no elevador e apressou o passo pelos corredores do Instituto, torcendo para que não encontrasse ninguém. Só o Anjo podia saber como estava a cabeça dela com tudo aquilo acontecendo.

Assim que Clary saiu pela porta do Instituto, ela parou e ergueu a cabeça para o céu, fechando os olhos e deixando que o vento batesse em seu rosto. Ela precisava mesmo tomar um ar, fora daquele clima horrível da enfermaria. Precisava olhar para qualquer outra coisa que não fosse Jace parecendo estar morto em cima de uma cama. E então, puxando a jaqueta contra si para se aquecer, Clary virou a esquina e caminhou para a cidade, sem olhar para trás para ver uma sombra escura com cabelos tão brancos como a neve a seguindo de perto.


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Notas finais do capítulo

Olá ❤
Sei que disse que só iria postar amanhã, mas eu provavelmente não terei tempo algum amanhã de sentar com calma e revisar tudo direitinho. E como eu já adiantei boa parte do próximo capítulo, decidi liberar logo esse pra vocês, hahaha. (E sim, sou a mesma pessoa que demorava meses pra atualizar a outra fanfic. People change!)
Enfim, espero que tenham gostado! Por favor, deixem comentários dizendo o que acharam, isso significa muito pra mim ❤
O próximo sairá mais ou menos na quarta ou na quinta-feira da semana que vem, quem sabe antes, posso sempre surpreender vocês, hahaha. Beijos e se cuidem ❤



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