Era de manhã a praça da cidade estava quase deserta. Havia pessoas dentro das lojas e algumas andavam sem rumo por lá. Uma menina de cabelos vermelhos foi até o meio da praça, perto da fonte. Tirou um violino e respirou fundo. Tocou sem medo. As pessoas olhavam estranhando. Aquilo não era normal em uma cidade onde o próprio entretenimento era algo que não existia entre o povo.

Mesmo assim a menina continuava tocando confiante seu violino. Sentiu uma mão em seu ombro e parou de repente. Olhou para traz.

— Kayo. — Disse a menina de maria-chiquinha lançando um sorriso a ela.

— Yori. — Sorriu de volta e abraçou-a.

Yori era uma menina calma. Raramente as coisas afetavam seu humor. Diferente de Kayo, que se estressava muito com coisas pequenas.

— Você saiu cedo hoje. — Tirou alguns amendoins do bolso para alimentar os pássaros que ficavam sempre pela praça.

— Desculpe Yori. Eu achei que talvez ganharia algum dinheiro tocando meu violino por aqui. Precisamos disso.

— Não acho que precisamos tanto assim de dinheiro. — Balança o saquinho de amendoins — Olha. Temos amendoins.

Éramos duas meninas que vieram de uma cidade pequena para uma grande cidade na França. Em busca de realizar nosso sonho.

— Yori. Nós estamos devendo dois meses de aluguel do apartamento. Não temos dinheiro nem para comprar comida!

— E se você pedisse... — Kayo interrompe.

— Não vou pedir dinheiro para o meu pai. Nem pensar! — Abaixa a cabeça.

— Tudo bem. — Ela colocou novamente a mão sobre meu ombro.

Andamos por alguns minutos até o prédio de nosso apartamento. Era em uma rua não muito segura, mas ultimamente era o que dava para pagar. Entramos. Subimos as escadas, o elevador não funcionava. Yori se sentou no sofá enquanto Kayo colocava seu violino em cima da bancada.

— Você acha mesmo que isso vai dar certo Kayo?

Não. Ela não achava. Já fazia um mês e elas não achavam forma de conseguir dinheiro. Yori continuou:

— Você sabe que sou sua amiga desde pequena. Acompanhei-te nessa idéia por que meu sonho também é música. Mas você pensou nisso direito?

— Queria poder te dar uma certeza. Mas não posso por enquanto. Vou arrumar dinheiro para nós de qualquer maneira. — Kayo caminhou até o sofá sentando-se ao lado de Yori e tocou sua mão. Yori sorriu, mas logo sua feição mudou para pior.

— Acho que devemos voltar e desistir disso tudo. Temos 16 anos. Não há muito que possamos fazer.

Larguei sua mão na hora. Afastei-me um pouco dela.

— Como é? Você quer desistir, é isso Yori?

— Kayo. Você não entende. Seremos despejadas se não pagarmos o aluguel.

Planejamos muito quando éramos crianças. Iríamos tocar juntas em um palco com muita gente na platéia. Era nosso sonho. Meu pai olharia da platéia orgulhoso. Mas essa realidade não era bem o que esperávamos.

Eu tentava não pensar nisso. Mas era difícil. Meus olhos estavam se enchendo de lágrimas. Peguei meu violino e sai correndo escada a baixo.

— Kayo! Espera! — Disse Yori correndo até a porta e parando, pois viu que não conseguiria me alcançar.

Corri rápido até fora do apartamento. Corri pelas ruas até chegar novamente á praça. Para minha surpresa havia um menino no outro canto da praça. Ele tocava seu violão. Ninguém presta atenção nele, mas mesmo assim ele continuava.

Caminhei até ele. Coloquei a mão no bolso direito da minha saia e peguei uma moeda de pouco valor. Ele olhou para mim, fechou e abriu os olhos, em seguida sorriu. Joguei a moeda no chapéu que estava à frente dele. Então ele parou.

— Você também toca? — Apoiou o violão no ombro e apontou para a caixa onde estava meu violino.

Concordei com a cabeça.

— Que tal um dueto? Pode ser um theme? — Ele sorriu.

Poderia ser uma boa. Um conjunto de instrumentos talvez chamasse a atenção das pessoas.

— Acho que tudo bem. — Sorri de volta.

Peguei meu violino e posicionei. Ele começou tocando diferentes as notas do violão. Em seguida fez sinal para que eu começasse. Lentamente comecei a tocar. As pessoas começaram a olhar e as que andavam se aproximavam para olhar mais de perto. Estava nervosa, mas não parei de tocar. Fechei os olhos e toquei sem me preocupar.

Pessoas jogavam moedas no chapéu do moço que estava me acompanhando com seu violão. Em seguida começaram a jogar notas de mais valor.

Abri os olhos e lá atrás de algumas pessoas estava Yori. Olhando-me e sorrindo com as mãos juntas. Senti-me tão feliz naquele momento.

Terminamos de tocar e recebemos um monte de palmas. As pessoas haviam realmente gostado. E isso era ótimo. Agradecemos a todos e Yori veio correndo e me abraçou.

— Foi incrível Kayo! Vocês tocaram em harmonia. — Ela estava animada.

Olhei para o moço do violão que contava o dinheiro do chapéu.

— Você não me disse seu nome.

— Me chamo Hiro. — Sorriu e entregou uma parte do dinheiro para mim. — Obrigado pelo dueto.

Peguei o dinheiro um pouco surpresa.

— Obrigado. Sou Kayo. — Falei e ele concordou com a cabeça. — E essa é Yori.

— É um prazer conhecê-las. Mas agora tenho que ir — Colocou o chapéu na cabeça, pegou seu violão e caminhou para fora da praça. Corri atrás dele.

— Um dia tocaremos junto de novo? — Falei e sorri.

— Ah. Claro! — Ele sorriu de volta.

Conseguimos algum dinheiro que daria para comprar pão e mais algumas coisas de marcas baratas para comer. Passamos pelo mercado e fomos para casa.

— Kayo. Desculpe ter falado aquilo para você. Eu não vou desistir. — Ela segurou no meu braço.

— Não se preocupe Yori. Eu sei disso. Eu também não vou desistir tão fácil. — Passei a mão pela mão dela.

Ela sorriu e me deu um beijo na bochecha. Sorri para ela.