O Lado Obscuro do Amor escrita por Laura Ashley Redbird


Capítulo 1
Parte 1




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Diante de mim a porta continuava fechada, os resquícios do som da campainha ecoavam pela casa, minha respiração era curta e meu coração batia acelerado pela ansiedade que o término da minha espera causara, mas mesmo assim minha mão ainda hesitava na fechadura.

Com uma última longa respiração juntei coragem, e em um gesto rápido praticamente escancarei a porta. Assim como na tarde anterior meus olhos não acreditavam no que eu via. Ele estava ali. Mas não podia ser ele. Mas ERA ele. Sob o cabelo castanho claro, eu podia perceber que os olhos esverdeados estavam tão inquietos quanto eu mesma me encontrava.

A cena do nosso encontro de algumas horas atrás se repetiu com nós dois ali, sem saber o que dizer um ao outro, apenas se encarando com tamanha incredulidade. Em uma fração de segundos nós dois descongelamos simultaneamente e eu me joguei nos braços dele enquanto ele me segurava.

—Eu pensei que você estava morta. – Ele sussurrou no meu ouvido.

 

—Bonita a vista aqui, não?

Olhei com uma sobrancelha erguida para o garoto que apareceu ao meu lado de repente, se apoiando na grade do deque. Parecia só outra pessoa qualquer, uma das muitas que vinham ali para assistir o pôr do sol.

—Depende do modo que você a interpreta. – Respondi e desviei meu olhar de volta para a paisagem.

De relance podia ver o olhar confuso, porém curioso do garoto, e sorri comigo mesma pelo pequeno triunfo.

—Para mim parece um sol se pondo... Como isso não poderia ser bonito? Por um acaso você tem poderes especiais que fazem você ver um alienígena distante ou algo assim?

—Não. – olhei direto para ele e pude ver a surpresa nos seus olhos, provavelmente esperava que eu risse da piada – Como eu disse tudo se trata do ponto de vista, a interpretação. O que para você parece um pôr do sol para mim pode parecer um olho ensanguentado de um alienígena...

Tirei meus braços da grade e me virei para ir. Antes que pudesse dar três passos a mão apareceu na minha frente.

—Daniel McKennitt.

Apertei a mão dele.

—Loreena Whitehall.

 

Do outro lado do sofá ele segurava uma taça de vinho, quase cheia em contraste com a minha que não continha um quinto do liquido de dez minutos antes.

—Então, Sarah — ele fez uma pausa óbvia, para dar ênfase na voz debochada – como vai a vida?

—Ótima Travis.

—Você não me engana Lori. – o tom da sua voz passou a ser sério.

Eu sabia que a minha expressão continuava a mesma tranquila, mas ao som do meu antigo apelido, que ele mesmo havia me dado, meu coração apertou e mais uma vez faltou ar nos meus pulmões.

—Você me conhece Daniel, a vida simplesmente gosta de me ferrar – tomei mais um gole do meu vinho, fazendo de tudo para evitar contato visual – Mas para você até que deu bem certo. Há quanto tempo você está casado com Alana?

—Casados, faz quase um ano – ele respondeu.

Cerrei meus olhos para ele e me arrumei no sofá, colocando uma das minhas pernas por baixo da outra.

—Ela sabe? Que você trocou seu nome? Que não é Travis?

— Não. Mas não estamos juntos há nem três anos. Lori, o que aconteceu há dezesseis anos, quando aque...

—Para. – fechei meus olhos – Daniel, eu passei todos esses anos tentando esquecer. Muito aconteceu desde então, dá para falar de outras coisas, certo?

 

Do outro lado do deque Daniel estava no bar e eu o observava através das lentes escuras.

—Ele é uma boa pessoa sabe?

Revirei os olhos por baixo dos óculos de sol.

—Aham.

—Sério Loreena. Meu irmão pode se achar um pouco...

Levantei os óculos e olhei com as sobrancelhas levantadas para Will, que também tentava se bronzear na cadeira ao lado.

—Tá bom, ele se acha muito, mas Daniel realmente se importa com você.

Coloquei os óculos de volta.

—Você tem o quê? Vinte e dois, vinte e três anos? – ele assentiu – Então me conte como é ter dezenove.

—Só sei que eu já o vi com muitas outras garotas, mas não tratava nenhuma das outras, nem sequer olhava para elas do jeito que ele trata e olha para você. E não tem nada a ver com você ser dois anos mais nova.

Mordi meu lábio enquanto Daniel virava de costas para o bar e vinha em nossa direção equilibrando três copos nas mãos. Ele passou pela piscina, onde várias outras pessoas também tomavam banho de sol e sorriu para mim.

—E vai me dizer que você não se divertiu nas últimas duas semanas?

Suspirei me sentindo culpada de certa forma. Sim, eu me divertira muito, até demais nas últimas duas semanas, e era exatamente isso que eu mais temia. O que aconteceria quando o navio chegasse à Nova Iorque? Eles seguiriam o caminho deles e eu iria entrar para o American Ballet. Eu sabia desde sempre o quanto aquilo exigiria de mim, não teria tempo para mais nada, nunca tive muito mesmo. Nunca quis. Ainda não quero. Disse para mim, mas nem na minha mente as palavras soaram completamente convincentes.

Só me dei conta da presença de Daniel na minha frente quando a sua sombra me fez sentir a falta do sol na minha pele.

—Meu Deus Lori, Ainda bem que você ta pegando uma corzinha. O nível de melanina no seu sistema é tão baixo que dá pra ver você reluzindo do outro lado do deque.

Levantei os óculos de novo, peguei minha coca-cola e tomei um longo gole. Logo peguei também a dose de vodka da mão dele e derramei boa parte do liquido no meu próprio copo, o reenchendo.

—Disse o estudante de medicina que dá vodka pra uma menor de idade...

Sem deixar de rir Daniel quase arrancou a dose de vodka da minha mão.

—O que a sua mãe diria se visse você agora?

—Nós dois sabemos que isso não vai acontecer, porque ela deve estar no cassino do navio.

—Se cuida Daniel – comentou Will rindo no meu lado – a garota sabe o que dizer.

Dobrei as minhas pernas e assim que Daniel se sentou na beira da cadeira de praia as coloquei no colo dele, jogando meus chinelos para o lado.

—Ela já tem dezessete, Will. E falta o quê? Dois meses para você fazer dezoito, Lori?

—Oito meses.

—OITO MESES?

—Aham – abaixei os óculos escuros outra vez e tomei outro longo e lento gole da minha coca-cola batizada de vodka.

 

Daniel andava na frente da estande de livros e CDs da minha sala, o olhar atento em cada título ou nome de cantor que a estante continha.

—Por que não tem nada em francês aqui?

Dei um suspiro, seria uma longa história explicar tudo.

—Ninguém sabe que eu nasci na França. Pra falar a verdade, ninguém faz a menor ideia nem que eu sei falar francês. Então prefiro não arriscar, não guardar nenhuma evidência.

Ele parou e virou o olhar para mim, a expressão confusa.

—Não pude deixar de perceber que você perdeu o sotaque britânico, mas como você simplesmente corta todas as relações com a primeira língua que aprendeu? Não é um pouco angustiante, não poder falá-la?

—Eu leio algumas notícias online e escuto um pouco de música no youtube. Tem essa cantora nova, Indila, que eu gosto bastante, mas eu não posso arriscar sair falando francês pelo meio de Nova Iorque.

—Você parou de dançar.

—Não tive exatamente a oportunidade de fazer aulas depois que cheguei aqui. Até pensei em recomeçar depois que comecei a trabalhar. Ainda penso de vez enquanto. Mas não é o melhor jeito de manter uma identidade falsa, mantendo suas maiores características antigas. – dei de ombros - Então, você terminou a faculdade? É Dr. McKennitt agora? Ou você também trocou o sobrenome?

Ele voltou para o sofá e sentou-se, dessa vez um pouco mais perto de mim do que antes.

—Sim, terminei a faculdade, trabalho na emergência do Centro Médico Langone NY agora. E não, eu não troquei o sobrenome. Percebi que você também trocou de nome. Mas sério, Sarah? O nome da minha mãe?

Tomei o restante do liquido da minha taça. Levantei as duas mãos, uma na qual a taça ainda estava, na altura do meu rosto como quem se rende.

—Em minha defesa eu não escolhi o nome.

—Ah tá. Até parece que foi por acaso, Detetive Hathaway.

Droga. Fechei os olhos apertados, colocando minha mão livre levemente sobre eles e espremi o nariz em uma careta.

—Você escutou Joanna me chamar assim mais cedo, não foi?

Ele não riu como eu esperava, mas quando eu abri os olhos seu olhar era o mesmo sério e profundo do inesperado encontro daquela tarde.

—Foi.

Depois do que pareceu uma eternidade quebrei o contato visual, encarando as minhas unhas compridas e forçando um pequeno sorriso.

—O que foi Daniel? Parece que viu um fantasma.

Senti a mão dele no meu queixo, redirecionando meu olhar para ele.

—Nem brinque com isso Loreena. É só que você era tão expressiva, tão espontânea. E agora está tão fria, parece que cada movimento seu é controlado, premeditado. – ele sorriu – Aquela careta me fez lembrar a garota que você costumava ser. E passar os últimos dezesseis anos pensando que ela estava morta foi a pior coisa que já me aconteceu.

—Então você não tem ideia do quão sortudo é. – tirei a mão dele do meu rosto, a colocando entre nós sem nunca deixar de segurá-la – Eu falei sério quando disse que não escolhi o nome. Um pouco depois de fazer dezenove fui presa, mas como as minhas digitais eram as de uma garota que deveria estar morta eu não tinha identidade. Então esse capitão de uma delegacia de homicídios me ajudou. Essa outra garota, a Sarah de verdade, tinha acabado de morrer e não tinha família, então tudo o que ele fez foi mudar o status dela para viva e colocar a minha foto no perfil dela. Entrei para a polícia para colocar as minhas digitais no perfil dela e apagar do meu, mas acabei dando uma boa detetive.

O silêncio pairou entre nós por vários instantes enquanto eu olhava para ele, esperando alguma reação.

—Você roubou a identidade da garota? Sou só eu, ou isso realmente é meio que ilegal?

Aproximei-me um pouco mais dele no sofá, estávamos a um palmo um do outro.

—Eu não tive escolha, Daniel. – olhei nos olhos dele, sabendo que toda a guarda que eu tão cuidadosamente mantivera havia ido embora, e todos os meus sentimentos estavam à mostra – Você tinha sua mãe aqui, uma família, uma casa. Eu não tinha nada nem ninguém, eu nem se quer conhecia a cidade... Eu fiz o que precisei para sobreviver.

Olhando nos olhos dele eu vi que ele entendia, mesmo depois de todo esse tempo separados e sabendo só uma fração do que eu passei na minha vida para chegar aqui ele ainda estava disposto a lutar por mim, assim como eu sempre lutaria pela possibilidade de ter uma vida ao lado dele.

Em um gesto mais rápido que meu cérebro podia acompanhar Daniel me puxou, extinguindo os poucos centímetros que restavam entre nós. Uma mão estava na minha cintura e a outra ainda segurava a minha mão. Nossos lábios só se tocaram. Não passou de um selinho de alguns segundos, mas aquele toque era como acordar de um pesadelo, era ter consciência de que a vida que eu achara ter perdido há mais de uma década atrás ainda era uma possibilidade. E enquanto ainda houvesse uma possibilidade eu lutaria com garras e dentes.


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