Aljha Rhara: Return to Zero - Livro 5 escrita por Hakushiro Lenusya Hawken


Capítulo 12
Rainbow In The Dark




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Quinta – 13:00

Singel estava entre dois cães negros enormes, que rosnavam violentamente para o alvo. Luke já havia aprendido todas as habilidades possíveis e agora estava testando. Ele foi o único que se recusou a treinar com uma perpétua, mas também fazia sentido. Ilys havia permitido que ele treinasse com quem treinou.

Os cães saltaram sobre Luke e foram incinerados com um ataque novo que muito parecia um chicote de chamas que amarraram os animais e os cortaram em dois. Ela recuou alguns passos e não invocou mais nenhum inimigo para o garoto, satisfeita com o resultado. Luke sequer havia bagunçado os cabelos. Assoprava as palmas das mãos que estavam fervendo e retirou a jaqueta de couro vermelho, lançando-a longe. Exibiu o corpo dedilhado, todo trabalhado, cujo tal havia treinado com Djin e Lilith. Ele sorriu, orgulhoso de si mesmo. Singel também sorriu.

— Todos vocês evoluíram muito esses dias, e eu estou muito orgulhosa. – Ela se virou para as outras perpétuas, que assistiam atentamente. – Aposto que todas estão.

— Está na hora de darmos a eles nossos presentes. – Alisson saltou da mesa que estava sentada, e Singel se reuniu a elas. – O que vocês, acham?

— Acho justo. – Annie disse, se levantando da cadeira, passando as mãos sobre a barriga que marcava o vestido cor de creme. – Golden é uma criatura ridiculamente forte. Toda ajuda é bem vinda, e agora que temos nossos poderes de volta, poderemos fazer isso para vocês.

Dando as mãos, todos os colares brilharam gradualmente, até que uma grande luz branca envolveu todas as pedras. Quando a luz cessou, foi a vez dos colares dos escolhidos brilharem em suas respectivas cores. Ilys se aproximou dos jovens e passou a mão nos cabelos de Mari e de Viktoria, garotas mais próximas dela na roda de escolhidos.

— Meus amados, estou muito feliz com a evolução de vocês. Eu não sei quando poderão utilizar esses novos poderes, mas eles já estão com vocês. Luke, o guardião do fogo. Os gêmeos, guardiões da terra. Kamille, guardiã dos ventos. Yuki, guardião das águas. Viktoria, guardiã das trevas. Octavia, guardiã da magia. Marina, guardiã das ilusões. David, guardião da alma. Louise, guardiã da luz. E eu, guardiã da harmonia. Estamos juntos nessa... E vamos conseguir completar nossos objetivos.

Todos juntaram as mãos, contaram até 3, e gritaram bem alto:

POR CONCHITA!

Quinta – 18:00

Luke retirou o colar do pescoço e colocou em cima de uma mesa, olhando para ele fixamente. Denzel estava no sofá, dormindo. Ele havia se dopado pra esquecer o sequestro de sua esposa, e fazia horas que dormia profundamente. O menino só não estava no estado de seu pai por que ele tinha vontade de lutar. A pedra estava com uma luz vermelha bem fraca e ele estava canalizando sua energia para que ela brilhasse ainda mais, no começo em vão.

Com uma leve dor de cabeça, ele massageou as têmporas e continuou olhando para a joia, sentindo a respiração cada vez mais tensa. Em determinado momento, a respiração e oscilação de brilhos da pedra ficaram no mesmo ritmo e ela acendeu por completo, emitindo uma luz vermelha que cegava. Ele estreitou os olhos e tentou ver a mesma através de todo o brilho, mas ela quase não existia mais ali. Depois, um zunido gradual envolveu o quarto e o garoto empurrou a cadeira de rodinhas para trás, achando que aquilo ia explodir, e de fato o que seguiu realmente pareceu com uma explosão.

Sobre a mesa, surgiu uma criatura de curvas femininas sem roupa, onde a pele era coberta de penas avermelhadas e de peito com penas douradas, que tinha cabelos louros e armados como se fosse composto também por longas penugens douradas que emolduravam uma face de mulher, com penas loiras e brancas. Os lábios eram vermelhos e volumosos parecendo um coração. Os olhos eram inteiramente negros. Ela tinha asas que mesclavam do vermelho ao branco, e as pernas formavam uma curvatura de perna equina, terminando em penas negras sobre as patas com 3 garras afiadas. Os braços eram compostos por penas longas na parte do tríceps, começando com vermelho e terminando com pontas de prata.

— Você é meu poder? – A moça tombou a cabeça para um lado, sacudindo as penas e ouriçando-as. – Você não fala? Bom, está bem. Meu nome é Luke. Sou seu portador agora.

Ela estufou o peito e mostrou dentro das penas mais claras um orifício do tamanho de uma bola de golf. Dentro dele havia uma luz vermelha leve, onde, se fosse olhar com cuidado, tinha a própria pedra de Luke dentro.

— Do que devo te chamar?

— Villiaumite.

— Ah, claro. – Luke sorriu, cruzando as pernas de forma que elas fizessem um 4. – Faz todo sentido. Então o nome de vocês são os mesmos das pedras. Você tem poder de fogo? – Ela tombou a cabeça para o lado, fazendo um barulhinho típico de pássaro. Para tentar explicar melhor o que queria dizer, ele deixou as mãos se incendiarem e mostrou a ela sua chama vermelha. – Isso aqui.

Então Villiaumite deixou as penas que faziam seu cabelo se incendiarem também e estendendo as mãos – humanas, diga-se de passagem – para frente, a mesma chama surgiu nas palmas. Luke sorriu. Ele conseguiu despertar o espirito da pedra vermelha. E os outros guardiões?

Quinta – 19:10

— Faz muito tempo que não te vejo. Acho que desde a guerra contra as Midnights.

— Eu estou surpresa de você estar bem mais alta que o normal. Era tão pequena e mirrada quando tinha seus 10 anos...

— Como toda criança normal, Ágata.

— De fato, de fato... Eu que me perdi em meio ao seu crescimento. Me desculpe. É difícil viver como um Anjo da Guarda quando sequer posso olhar a luz do sol.

— Eu não enterrei a caixa na Stonehenge... Não me olhe com essa expressão! Eu não vou me sentir culpada.

Ágata estava sentada no peitoril de uma janela, com as pernas pendendo para dentro. Os cabelos louros estavam soltos, e conforme alcançava as pontas, ele ficava mais alaranjado. Seus olhos eram dourados e a pele era bem clara. As roupas eram bem simples, um vestido em escalas de vermelho, amarelo e castanho, e um véu que funcionava como manta, cobrindo ombros e pescoço, alaranjado e bem transparente. As costas eram totalmente nuas, com duas marcas escurecidas logo em cima das omoplatas Parecia também reluzir como se gerasse sua própria luz. Estava descalça mas suas pernas e pés eram cobertas pelo tecido. O Arcanjo da Harmonia, o poder de Ilys, assim como de sua mãe, avô, bisavó, e seguindo a linha através das gerações de líderes da harmonia. Ágata só não podia ser considerada uma mulher por não ter seios, e não podia ser considerava um homem por não ter a virilidade masculina.

— Sou um Arcanjo, eu sei quem enterrou. E também sei que foi permitido.

— Pensei que não precisássemos de vocês. Pensei que Golden havia sido derrotada.

— Tch. – Ágata engasgou e depois, gradualmente, caiu numa gargalhada. – Ora, por favor. Hakushiro sequer aguentou protótipos de Siyahs, imagina a líder delas... Haku não foi uma boa líder...

Ilys caminhou até a loira e se colocou na frente dela, encarando os olhos dourados com fogo nos seus próprios. Então, ergueu sua mão e desferiu um tapa fortíssimo em seu rosto alvo, deixando as marcas de seu dedo. A dor, entretanto, veio atrasada. Ágata grunhiu após alguns segundos e cobriu o local com a própria mão, murmurando algo logo após.

— Não ofenda minha mãe. Ela foi muito mais que uma líder. Ela foi minha mãe. Aposto que você não aguentaria ter uma filha e abandonar o treino, o grupo, o meio, para cuidar da menina, que viveu sem pai, que sequer era humano, que sequer conseguia conviver com os outros, que tinha poder descontrolado, e depois, ainda ficar doente, morrendo gradualmente, maquiando tudo isso para não preocupar a filha. Por fim morrer sorrindo, achando que seu trabalho foi completo. A propósito. Isso que você está sentindo é dor. Acostume-se com ela, vai conviver com a mesma até suas asas voltarem.

Ainda massageando o rosto, ela saltou do peitoril e seu corpo se desfez lentamente, virando um feixe de luz e entrando novamente no colar.

Ilys suspirou e colocou o colar numa caixinha pequena e vermelha em cima da mesa. Depois, olhou para a caixa fechada e irritada, pegou-a novamente e colocou no pescoço. Não dava para cair no luxo de fazer birra e deixar de usar um item tão importante. Ela escutou conversas no andar inferior e ficou um tempo prestando atenção, tentando definir as palavras, mas estava totalmente cheio de ruídos. Ela desligou o rádio e desceu as escadas, caminhando lentamente ate o andar inferior e achando uma Viktoria conversando com um espelho quadrado que estava na parede em frente ao escritório.

— Viktoria não pode te ver. – Ela disse. O coração de Ilys apertou. – Você e um fantasma? - Ela demorou algum momento para continuar a falar. – Viu a mamãe de Viktoria? – E novamente mais uma pausa. – Alguém aqui?

Ela se virou para Ilys que estava na escada e acenou para ela, um grande aceno onde a mão ia de um lado para o outro da cabeça. Ilys acenou de volta, apenas dando uma fechada nos dedos e os abaixando, levantando logo após.

— Com quem esta falando?

— Amiga.

— Qual o nome dela? – Viktoria olhou para o espelho e se viu. Pelo menos, Ilys achava que a moreninha se via, mas ela não respondeu. – Ilys pensou se Vik tinha liberado seu poder inconscientemente e não entendia qual sua forma, e achava que era o espelho, mas muita coisa estava estranha, ali. – Viktoria...

A morena ignorou a outra e bateu no vidro do espelho por um momento. Nisso, ficou em silêncio. Olhou ao redor e depois para a própria pedra. Ilys não a viu brilhar depois que a entidade sumiu, então sabia que não era proveniente da pedra. A pequena caminhou por ai e depois achou a caixa de músicas, onde, tocando sua música, voltou a encarar a tela espelhada do mesmo e conversar com a criatura que lá estava.

Ilys reparou que o tom de voz de Vik estava mudando para um tom mais zangado e emburrado. Sua coluna vertebral arrepiou e ela aproximou-se lentamente da criança e da caixinha, mas parou um pouco distante, tentando observar mais antes de fazer qualquer movimento brusco. O suposto autismo de Viktoria poderia ser outra coisa... Ela não tinha feito nenhum exame e aquilo foi uma suposição de Kumi. Mas que a menina não era normal, isso era verdade. A Lapis-Lazuli passou a brilhar e a caixinha tomou o mesmo brilho azul marinho. A albina estreitou os olhos e se aproximou ainda mais, bem em tempo de segurar a cabeça da moreninha que caiu para trás, deixando a caixa cair no chão.

— Ei. Ei. Vik. – Ela pegou a menina molinha em seus braços, esquentando-a contra o próprio corpo. – Você é tão pequena, por favor, não deixe seu poder ser levado... Não...

Ela sussurrou o ultimo não quando viu a pedra azul de Viktoria trincar do maxilar do crânio ate a parte entre seus dois olhos. Seu corpo se arrepiou todo e ela sentiu os lábios tremularem. Apertou Vik contra o corpo novamente, engolindo um choro contido. Ela sabia o que significava ter a pedra quebrada. Teve, desde os primórdios, 3 casos similares, e ela seria a quarta. Pegou o celular e ligou urgentemente para Vidia. Parece que alguém precisava rever os livros da biblioteca urgentemente.

Quinta – 20:15

Vidia estava na biblioteca nessa hora e Octavia estava sentada sobre a escrivaninha da mãe, com as pernas cruzadas e o telefone em seu ouvido. Ela pegava as informações de Ilys e Viktoria e passava para a mulher. Para a sorte de Vidia, os livros que precisavam estavam bem baixos. Ela pegou um livro pequeno e vermelho que tinha o titulo de "Nossas Pedras de Bifrost", e um maior e gigantesco chamado de "O Mito de Criação", que era feito com uma capa de couro e tinha as folhas já bem destruídas.

— Pede para ela, com calma, passar detalhadamente o que aconteceu desde que ela desceu as escadas até o desmaio da menina.

E então Octavia foi ditando que ela falava com espelhos e que a criatura ficou irritada com a presença de Ilys. Também citou a caixa de música, a pedra quebrada, o desmaio repentino. Todas levaram em consideração que Viktoria era uma Perpétua. Vidia passou a virar páginas e mais páginas do pequeno livro vermelho. Lia velozmente, esse era seu atributo: precisava absorver muita informação em pouquíssimo tempo.

— Diz para Ilys que a pedra só perde seu poder quando despedaça, e não quando trinca. – Ela olhou para Octavia, que passava a informação em voz baixa. – Agora, vamos com calma. A invocação do poder de Unknown envolveu a caixa, então esse item tem que ser cuidado com atenção. Se ele quebrar, ela pode perder a habilidade especial.

— Ilys pergunta o que deve fazer com a caixa.

— Ela é espelhada, então a entidade não deve ser de forma física. Não me assustaria se fosse o próprio demônio, mas nossa deusa não usaria uma entidade do mundo humano para isso. – Ela se esticou um pouco da cadeira de rodas, pegando um livro preto e velho, contendo demônios conhecidos pela sociedade humana. – E eu não encontro nenhum demônio que realmente vive nos espelhos.

— Isso não responde a pergunta dela...

— Toque a caixa. – Vidia disse, olhando para a filha. – Mande-a tocar a caixa. Tente conversar com a entidade. Depois que ela se invoca pela primeira vez, sua comunicação é aberta para o mundo.

Enquanto isso, a sabia folheava o livro maior, com cuidado e atenção para não rasgar as folhas frágeis. Ali, encontrou muitas coisas, como uma definição sucinta de todas as raças de Beyas e Karanlik, o mundo da luz e trevas respectivamente. O ultimo capitulo era dedicado às Siyahs. Ele falava um pouco sobre as características das Siyahs consideradas como generais do exército. A raça era predominantemente masculina, mas as garotas eram mais fortes e ágeis que os rapazes e acabaram ganhando mais destaque. Havia uma pequena definição dos poderes de Golden Black, Stigma e Not Equal, cujas paginas foram marcadas com uma fita de cetim roxa que pendia para fora. Mas Vidia tinha ignorado a existência dos outros importantes, como por exemplo a existência do pai de todos da espécie, Absolute Zero. E de todos os seus filhos, as gêmeas Stigma e Hikmet eram as únicas figuras gasosas dentre todos os filhos. Se não era Stigma...

A sábia pegou mais um livro, esse agora azul marinho com o desenho de um anjo na capa a frente (e a Morte na capa de trás), folheando-o rapidamente pelos dados escritos por Saeris (ou Yomi, como atualmente é conhecida), procurando uma das gerações da Perpétua do Destino em particular.

— Octavia...

— Sim?

— Fale para Ilys que ela está entrando em contato com sua antepassada.

— Como assim?

— O poder de Unknown se selou com a antiga Perpétua do Destino e também uma Siyah, Hikmet.

— Você tem certeza...? – A voz de Octavia oscilou. – Três Siyahs já não são demais para nós?

— Infelizmente é o caso. Espero que a gêmea branca seja sensata, pelo menos...

Após passar todas as informações para Ilys e desviar o foco da conversa para o próprio poder de Octavia, Vidia conversou com ela sobre como era ter o poder pego por uma Siyah maligna. A menina sequer tinha tentado invocar o poder, pois tinha medo da forma física da criatura ser ameaçadora para si. A conversa a fazia tremer e se arrepiar, até que ela saltou da mesa e abraçou a mãe, que pareceu ter um pequeno desmaio.

— Hey. – Ela choramingou para a mais velha. – Não vai embora agora não, mamãe... – E beijou sua testa, fazendo a outra sorrir. – Eu preciso de você.

— Você não quer invocar seu poder? Ele pode... Ser um bom parceiro de batalha. Estou aqui para impedi-lo de te machucar se acontecer algo ruim.

Octavia abaixou a cabeça e suspirou. Se sentou no chão e colocou a pedra na madeira. Vidia se ajeitou em sua cadeira de rodas e ficou observando, esperando que a pedra refletisse a determinação da filha, que ela sabia que não era tão forte naquele atual momento. A Ametista finalmente brilhou e quando a luz passou a tomar uma grande porcentagem da sala, a menina engatinhou de costas, se afastando, e quando a figura surgiu entre ela e Vidia, os olhos da menina subiram dos pés até a cabeça.

— A...Ametista?

— Eu vou ter que te pedir para me chamar da forma Inglesa. – O rapaz passou suas mãos nos longos cabelos negros, suspirando. – Garotos não combinam com esse nome, entende?

Octavia sorriu bem tímida ao ver que aquele rapaz era tão bonito. Ele se abaixou e beijou as costas da mão esquerda da garota, encarando-a no fundo de seus olhos. O moço tinha realmente os cabelos extremamente longos, com a franja cortada reta, o nariz fino, olhos penetrantes e de um tom de lilás bem claro, de queixo delicado e rosto alongado. Estava vestindo uma roupa vitoriana branca e lilás, com uma capa sobre os ombros, pregados nesses com presilhas de corda. O tecido era grosso e roxo médio, com pelagem em suas bordas inteira branca. Suas unhas eram longas e pareciam afiadas, com 5 anéis nos dedos.

Ele se virou para a cadeira de rodas de Vidia e se abaixou para beijar a mão dela também. A expressão da moça era de admiração e surpresa, com um sorriso largo e brilhos nos olhos. Ele se abaixou um pouco para ficar na altura da garota e sorriu de volta.

— Lembro-me de ter ficado com a senhorita Mairim por muito tempo, mas não me lembro de você. Não participei de alguma geração?

— Ela era minha mãe. É um prazer conhece-lo, Amethyst. Eu pensei que nunca... – Vidia disse, com a voz bem baixa. – Você está com minha filha agora...

A mão de Vidia pesou e sua cabeça se recostou no encosto da cadeira. Ela suspirou e fechou os olhos, deixando lágrimas escorrerem por fim. Quando o rapaz soltou sua mão, ela caiu sobre o colo da garota. A expressão serena do moreno se converteu para a expressão sólida e séria e ele deu espaço para Octavia se despedir da mãe, desviando o olhar quando viu os prantos da jovem moça.

Quinta – 21:40

Kumi, que estava sentada no chão arrumando umas coisas numas gavetas rasteiras, recebeu a ligação e desabou sobre a cama, chorando com a notícia. Não houve filho ou marido que acalmasse aquele coração. Mas Kumi tinha motivos para estar tão destruída. Primeiro perdeu seus pais. Depois, a irmã mais velha também se foi. Hakushiro tinha sido a ultima a morrer por perto da moça, e Lucy havia sumido. Mesmo que Lucienne tivesse acabado com a alegria dela, sendo a causadora da morte de Haku, seu sumiço desnorteou muito a mulher. Agora, Vidia também se foi, quem mais a deixará?

— Mãe.

— Oi...

— Mãe... – Kouta se aproximou da mulher enquanto Sumia ficava na porta, observando. Ele abraçou-a por cima dos ombros, sentindo-a soluçar. – Mãe, não chora. Precisamos da sua força para lutarmos contra Golden.

— Não quero que vocês lutem.

— Como é?

— Não quero, vão morrer.

Kouta se afastou um pouco da mulher e cruzou os braços, bufando. Ela estava realmente daquele estado? Foi ela quem pilhou todos para entrarem nessa jornada absurda. Quando ele tentou falar algo, uma mulher alta e magra entrou no quarto e avançou contra o corpo de Kumi, que se virou por impulso e com as mãos abertas, segurou os dois punhos da outra.

— Momo...!

— Você se lembra de quando era pequena e eu apareci pela primeira vez? – A mulher tinha uma voz fria e distante. – Você estava assustada e me temia, e demorou uns 2 anos para sermos fieis ao nosso contrato.

— Está forçando... – Ela sentiu os braços irem para trás lentamente, enquanto seus músculos vibraram e seus braços tremiam. – O que está pensando...?

— Eles ficaram felizes em me ver. Eles querem minha ajuda para derrotar o oponente, e eu não vou desistir da ideia de lutar contra Golden.

Kumi cedeu e quando seus braços foram vencidos e empurrados para trás, Momo se levantou e cruzou os braços. Momo tinha cabelo rosa escuro, olhos inteiramente negros, pele amorenada e roupas compostas por uma camisa, colete, calça e botas, cinco cintos todo cheio de balas, e muitos tipos delas.

— Não enfrentei Golden. Enfrentamos os Midnights, por ultimo. Nenhuma Siyah.

— Você salvou Lucienne de Stigma na ultima vez que nos vimos, e agora está acabada. Não tem a vitalidade de antes, e nem o olho amarelo. Acho isso muito triste...

— Salvei? Coloca isso em muitas aspas. – Ela cortou a entidade. – E é claro que estou acabada, eu envelheci. Não estamos em Conchita, Momo, não tenho mais o apoio do Sol. Não somos mais a estrutura animada de antes, estamos despedaçados.

— Estou ficando com nojo de você, Kumi Amane. Olha o exemplo que está dando para seus filhos. A linhagem de Vidia já estava amaldiçoada desde Mairim. Ela se casou com Zero. Agora, se você vai ficar aí chorando amargamente por algo que não pode resolver, eu vou levar seus dois filhos para a casa da Perpétua do Destino e treinaremos nossos laços lá.

— Ótimo.

— Ótimo! – A voz de Momo Howlita foi mais alta que a de Kumi, soando como um trovão. Ela pegou primeiramente a mão de Kouta e depois a de Sumia. Os filhos se despediram do pai e foram levados para longe.

Quinta – 22:00

Kamille havia saído do estúdio do pai, já que ele foi atender a agonia da esposa. Koda também sofreu com a morte de Vidia, mas Kamille nunca foi muito ligada às manias da mãe. Estava treinando com a figura masculina que era seu poder encarnado, mas ele não era exatamente um homem. Tinha o corpo todo negro, tórax bem desenvolvido e pernas finas, não seguindo a estrutura da perna de uma ave, mas sim como uma simples perna humana com patas. Tinha a cabeça de um corvo e era dotado de asas grandes, negras, que na luz refletiam uma tonalidade roxa. Trajava um quimono verde e branco que lhe cobria até abaixo dos joelhos e calçava getas que pareciam desconfortáveis. Sua arma era uma katana grande com a ponta traseira enfeitada por algumas penas longas. Sua figura era exatamente com a de um Tengu e ele só atendia por Malaquita, o nome de sua joia. Aquela criatura não falava.

Seus ataques eram certeiros e muito úteis para treinar o estilo de luta da mulata. A abertura das pernas da menina era enorme por conta da dança de rua, e ela conseguia chutá-lo na altura da cabeça se não fosse pelas defesas de Malaquita. Ele agarrou-a pelo tornozelo e puxou-a para cima, derrubando-a e pendurando-a com a cabeça para baixo. Nessa posição ela conseguiu olhar para a porta e viu seu pai, olhando num tom zombeteiro para a menina derrotada.

— Está se divertindo?

— Estou vendo estrelinhas... – Ela disse, sentindo o sangue ir todo para a cabeça. – Como está a mãe?

— Um pouco abalada ainda. – O homem se aproximou do Tengu, que soltou Kamille e fez uma reverência. – Seu poder é muito educado.

Malaquita foi invocado para dentro da joia novamente. Pai de Kamille passou suas mãos nas tranças da filha e deu um tapinha no topo de sua cabeça. Ele era enorme. Seus cabelos eram tão negros que brilhavam azulado. Seus olhos eram, não se sabia se castanhos ou negros, mas eram bem escuros. Seu rosto possuía traços rústicos e seu corpo era robusto, com músculos saltando no peito, abdômen e braços, já que naquele momento estava sem camisa.

— Eu queria ajudar ela. – Kamille lamentou. – A mãe fez muito por mim. E eu não estou conseguindo retribuir.

Kamille olhou para a mesa que seu pai estava, e viu coisas de comer que deu água na boca. Aquela pausa foi para relaxar, conversar e comer. E ela faria isso com vontade.

Quinta – 22:40

Cintya discutia com seu marido novamente. Estava com seu filho no colo, ninando-o com leves sacudidas para cima e para baixo, enquanto num cantinho estava escolhida o poder de seu filho e também o dela. Uma figura humanoide sem face e com cabelos longos feito de cristais de vidro. A vaga verde de seu peito, diferenciando-se do corpo azul translúcido da figura. O loirinho estava com olhos vidrados para com a moça que parecia temer a discussão.

— Você disse que as criaturas com buraco no peito eram ruins!

— Não a Chrystal. Ela é uma Siyah domesticada.

— Nosso bebê tem apenas 4 anos, mulher! Apenas isso!

Chrystal se levantou lentamente e se manteve ereta, observando a discussão. Seu corpo era tão esguio que não dava para saber se era uma mulher ou um homem. Só se chutava que era feminina pela cintura fina e cabelos alongados. Ela caminhou até o pai da criança e se curvou numa reverencia carregada – queria mostrar sua etiqueta – e disse palavras com sua voz metálica que o homem pareceu não conseguir entender de primeiro com aquela expressão de dúvida, mas depois, se acostumando com os timbres, elas passaram a fazer sentido.

— Você não entende a preocupação por que não tem filhos.

A figura se levantou lentamente e seus ombros caíram como se exausta ou desapontada. Se virou para Cintya e negou com a cabeça, voltando ao núcleo do colar azul. Era perigoso e arriscado usar um colar dado pelos Perpétuos como selo de Siyah, pois para derrotar uma, o amuleto deve ser destruído, e isso significa quebrar esse colar, o que levaria a morte do portador. Mas Cintya e sua parceira pareciam bem íntimas para que ela confiasse tanto no poder.

Quinta – 23:17

— Está dormindo? – Ele não recebeu resposta. – Que coisa, não está curiosa para saber sobre seu poder novo?

Marina estava encolhida na cama, virada para a parede. David dividia com ela uma cama de casal que era de seus pais, mas se deitava bem distante dela já que ambos eram pequenos. Caberiam mais duas crianças ali, se fosse necessário. Ele estava sentado observando a própria pedra, girando-a nos dedos e jogando-a para o alto, estendendo a mão para pegá-la de novo.

Com o canto dos olhos, as vezes, encarava sua amiga e suspirava. Seu corpo sequer se mexia com respiração, de tão miúda que ela estava sendo. Ele tocou-lhe o ombro e ela gemeu descontente.

— Você pode voltar para casa se quiser, Mari. – Ele sussurrou. – Eu só pensei que quisesse companhia, por isso sugeri que ficasse aqui conosco.

— Papai disse que estava arrumando o Max e que me quer longe pra não atrapalhar.

— O robô que te cortou o rosto.

— Foi sem querer.

— Ele levantou a mão e rasgou seu lindo rosto...

— Foi sem querer. Algum curto. Por isso papai está arrumando.

David franziu a testa e puxou Marina para trás, fazendo-a se virar para ele. A garota rosnou com a garganta e ele a acalmou acariciando seus cabelos – longe da ferida de queimadura antiga – e deslizando os dedos por cima das gazes que estavam na lateral do rosto dela.

— Não seja iludida, Marina. – Sua voz estava séria e sólida, mas serena. – Max não vai voltar. Você só terá um substituto...

Marina levantou um pouco a cabeça e selou os lábios de David. Ele sabia que aquele costume que ela tinha com o irmão era na verdade uma forma de afastar o medo ou tristeza. E apesar de ambos serem bem jovens, o moreno não se importava e justamente pela idade, ele não via malicia no ato, apenas carinho e afeto. Acariciou seus cabelos loiros até ela descolar os rostos e voltar a se estirar na cama, com o único olho a mostra minando lágrimas.

— Meu irmão era tudo para mim...

— Mari. Minha Rose. – Ele sussurrou, encostando as testas. – Eu sei que vai te machucar, mas Luppi não é seu irmão... Ele é uma figura robótica que apenas se assemelha com o menino. E se ele não age como Maxwillian, então ele só vai te deixar mal.

— Eu não estou mal. – Ela reclamou, estreitando os olhos. – Só impaciente, eu quero que ele volte ao meu lado como antigamente...

— Eu vi seus pulsos, Mari.

— Não tem nada neles, ok?! – Ela empurrou o menino para cima, fazendo-o se afastar do corpo dela. – Pare de achar que eu me machuco por isso, eu sou mais do que uma menina fragilizada.

— Então mostre-os! – Ele levantou a voz. – Vamos. Mostra.

O peso da rapaz fez com que os braços dela estremecessem. Ataduras enroladas nos pulsos voltaram a ficar acastanhadas e ela cedeu. O menino se sentou ao seu lado e puxou os pulsos para perto de si, desenrolando-os delicadamente para ver a profundidade dos cortes. As feridas já estavam inflamadas e foi por isso que os cortes não tinham força para cicatrizar. Ele olhou para a menina, que já chorava contida por conta da dor dos ferimentos e quase chorou junto dela.

— Marina... Por que quando querem te tirar da pior, você se afunda ainda mais?

— Você já imaginou a morte de sua mãe?

— Já quase a vi de perto... – Ele disse, com a voz alterada por uma pontada de raiva. – Por que?

— Se visse realmente de perto, entenderia como é ter o amor condicional destruído pela morte! Você sabe como é ser tratado como lixo? Sabe como é perder a única pessoa que te ama?

— Sei. E sei! – Ele puxou os braços dela para cima, fazendo-a se sentar, extremamente próxima de seu próprio corpo. – Sabe com quem está falando? Sabe de quem vem meu Orlog? Perder a única pessoa que te ama? Marina, me diga, o que eu sou para você? Um cachorro de rua?

— Não me venha com esses termos complicados! – Ela rebateu, abaixando a cabeça, ainda deixando as lágrimas correrem pela dor. – Você é meu amigo. Ele era meu irmão. Tem diferença, sabe?

— Que eu estou vivo e ele morto. E que eu te amo, e ele era obrigado a te amar. E não falando só de mim, mas seu pai te ama. Ilys te ama. Você está rodeada de pessoas que te amam, Rose. E o que você faz? Rasga seus pulsos de forma porca pra pegar essa inflamação e dar mais trabalho para mim.

— Você não é obrigado a cuidar de mim!

— Não, mas eu faço. Por que eu te amo. Sua idiota!

A garota soluçou e começou a chorar. Toda a discussão chamou atenção de Tushitsuji, que correu para o quarto ver o que havia, vendo a cama toda manchada de sangue e ligando o rastro até os pulsos rasgados. Às pressas, saiu para pegar o kit de primeiros socorros.

David foi beber água enquanto a mulher cuidava da loirinha e enquanto bebia em goles curtos, olhando para algumas coisas na tela brilhante de seu celular, no breu da cozinha uma figura escurecida aparece. A mulher tinha os cabelos cacheados e o rosto ressecado, cinza. Um belo par de olhos verdes esmeralda e quando a luz do celular foi posta em seu rosto, dava para ver que os cabelos eram de um cinza azulado bem escuro. Vestia uma capa sobre o corpo e nada mais, mas isso não afetava a visão do menino, pois ela parecia ter ausência de carne humana naquela estrutura, como se fosse uma mulher que morreu queimada.

— David.

O copo do menino caiu no chão e estilhaçou. Seus olhos púrpuros fuzilaram as orbes esmeraldas e ela sorriu, exibindo os dentes pontiagudos. Suas asas de mariposa, frágeis, estavam com as pontas rasgadas. As mãos magras estavam na frente do corpo e sua posição era ereta e imponente.

— V...Você é meu poder?

— Eu sou seu poder.

— E...E seu nome é?

— Onix. Mas pode me chamar de Banshee.

— Ah... Não... – Ele estremeceu.

David sabia sobre a lenda das Banshees. Se você visse uma, a morte é eminente. Se ela gritasse, então, a morte estava extremamente perto. Naquela casa existia Tushi, ele e Mari. Alguém entre eles morreria, e ele não desejava que fosse nem sua mãe, nem a loira.

Quinta – 23:50

Opala observava Louise no telefone, conversando om Christian por horas. Ele tinha o tronco coberto por uma espécie de colete de couro cru, cortada de forma rustica e amarrada no peito por cordões escuros. Sobre o colete, havia dois cintos em forma de X, contendo pequenas armas e uma flauta de bambu. Em sua cabeça loira havia dois chifres cor de areia, recurvados para trás. Os olhos eram verdes como a mata fechada. Suas pernas estavam cobertas por ataduras e cordas até o fim da coxa, logo antes do joelho. Depois disso, canelas de pelagem castanha e curvadas para trás como as de um quadrupede desciam nuas e terminavam em cascos brilhantes.

— As mulheres da luz atualmente não são como antes.

— Se refere à Melissa? Minha anterior?

— Eu não conheci Melissa, me convocaram na época da rainha Mariska. Já faz séculos...

— De fato. – Ela parou de dar atenção ao homem e voltou a tagarelar no telefone. – Não te chamei por que quis, sabe...

Opala estreitou os olhos e bufou. Todas as jovens loiras escolhidas como guardiãs da luz eram mimadas, irritantes e demoravam muito para ceder à cumplicidade do homem. Quando ele saltou da mesa que repousava, seus cascos ecoaram na madeira e ele caminhou até ela, ficando atrás de seu corpo no espelho. Louise só reparou naquele momento como que o Sátiro, atrás de si, com os chifres proeminentes, passavam a imagem de que ela era uma criatura maldita. Ele deslizou as mãos pelos braços brancos da loira e sussurrou ao pé do ouvido:

— Você sabe por que eu não fui mais invocado não é? A vida é feita de trocas...

— Depois te ligo... – Disse Louise no telefone com um suspiro e desligou-o, encarando a figura do Sátiro pelo espelho. – O que está sugerindo...?

Sexta – 08:12

— Marina, poderia fazer o favor de ficar quieta?

— Estou ansiosa...

Marina andava pelo corredor do ônibus, depois retornava ao banco onde o pai estava sentado e ficava olhando pela janela. Ele poderia ter levado a menina de carro ate a psiquiatra, mas ela insistiu muito em ir de ônibus. O homem estava com uma caixa de cigarros na mão, impaciente. No seu carro podia fumar, ali não. Felizmente para ele, o ponto logo chegou e Marina desceu saltitando pelos degraus.

— Amor, devagar. Vai tropeçar. – Mas Mari já havia se enfiado dentro da grande casa de parede branca. Abraham ficou para fora, fumando. Voltou para encontrar a filha meia hora depois. – Oh, você ficou sentada. Boa menina.

Naze passou pelo corredor e caminhou ate eles, com uma papelada em seus braços. Então ela se aproximou de Mari e acariciou seus cabelos, olhando para o pai e perguntando como a menina teve agido em todo aquele tempo. Estava tudo bem, ele alegou, mas os arranhões no rosto branco da loira atraiu a atenção da psiquiatra. De qualquer forma, simplesmente levou-a para dentro de seu consultório, enquanto Abraham saiu para caminhar por ali, com a intenção de achar uma pessoa em particular.

Enquanto Mari e Naze se ocupavam, Abraham dobrou algumas esquinas, atento as salas e quartos, parando na porta da sala de psicanalise, que estava aberta. Ele bateu na madeira mesmo assim, encontrando uma figura loira um pouco mais baixa que ele, com seios fartos e curvas belas, de cabelo curto com as pontas viradas para fora e óculos cobrindo os olhos púrpuros.

— Oh, minha nossa, quanto tempo. – Ela disse, ajeitando os óculos. Se levantou da cadeira e descansou a prancheta na mesa, caminhando ate o rapaz. – Oi. Como estão as coisas?

— Estão bem... – Ele disse, coçando a nuca e suspirando. – Você fica bonita de jaleco, sabia?

— Huh. Sua esposa sabe que você esta cantando uma mulher?

— Minha esposa está aqui. – Ele disse, com uma voz de lamento. – E de qualquer forma, te conheço há mais tempo que ela.

— Então e justificável?

— Não estou falando isso, Lyrin! – Ele ficou zangado. – Nossa. Eu vim acompanhar minha filha, mas sabia que você estava aqui.

— Oh. – Ela ajeitou os óculos novamente e sorriu, voltando para dentro da sala e limpando uma das mesas. – Quer café?

Eles se sentaram e conversaram sobre coisas aleatórias por pelo menos duas horas. Lyrin tinha um belíssimo sorriso e mesmo ele não sabendo, dava para entender por que chamavam-na de Perpetua do Desejo. Dava para se esperar que Abraham se jogasse nos braços da loira e ficassem ali o dia todo, mas ele era bem controlado e não caia na tentação. Quando deu 10:30 ele se despediu da amiga com um beijo no rosto e saiu de sua sala, encontrando sua filha no meio do corredor. Ela sentiu o cheiro de perfume feminino de longe e estreitou os olhos, mas de qualquer forma, não iria se meter na vida de seu pai, sequer sabia sobre a tal vida.

— Como foi?

— Eu estou melhorando.

— O que fizeram lá?

— Falamos de Max e da mamãe. Ela me disse que eu talvez devesse falar com Pietra para tentar me acertar com ela, ver por que temos tanto atrito.

— Eu aceito. Seria bom tê-la de volta em casa. Mesmo com Luppi, a casa e muito silenciosa para nossa sanidade.

— Claro, ate por que Luppi quase não fala...

— Lamento por isso...

Depois de uns segundos se encarando, Abraham pegou Mari no colo e caminhou até a saída, mas ela negou o trajeto e pediu para que a levasse para dentro da clínica, lá no fundo dela, em direção dos quartos. Ele teria de seguir pelo corredor e virar na primeira esquina, mas era proibido a entrada de pessoas a partir do batente de vidro fosco. Então ele foi até a sala de Lyrin e pediu para ela acompanha-los. Quando a Perpétua do desejo reconheceu Mari, – e vice versa – sorriu delicadamente e se levantou, acariciando seus cabelos e seguindo logo na frente deles.

Lyrin falava às vezes com Abraham, mas passava algumas mensagens subliminares que só guardiões entenderiam, para testar se aquela loirinha era inteligente o suficiente para captar mensagens escondidas. No fim, ela acenou com a cabeça e respondeu de forma muito simples:

— As estrelas ainda não foram observadas.

Saltou do colo do pai quando chegaram ao corredor que dava para os corredores estreitos dos quartos. Ela saiu em disparada por ele e em menos de 5 minutos, voltou correndo na mesma velocidade.

— Ei. Onde está ela?

— Hm?

— A Ninfa da Lua. A menina do teatro.

— Oh. Lara te falou sobre o nome dela. Possivelmente ficou falando sobre astrologia e afins?

— Não interessa, cadê ela?

Lyrin deu de ombros, não tinha aquela informação. Abraham viu o fogo nos olhos da filha e tentou repreendê-la em silêncio, mas se desesperou ao ver que ela não estava relaxando. Então ela deu meia volta em seu próprio eixo e colocou uma mão no peito, respirando fundo e falando algumas palavras consigo própria. Depois segurou a mão do pai e pediu para que ele lhe ajudasse a encontrar a menina.

Então perseguiram pelos corredores a menina em questão, mas não havia sido transferidas para aqueles quartos. Ela subiu as escadas com o mais velho e Lyrin seguiu logo atrás, brincando com seus próprios dedos. Verificou mais algumas salas, em vão. Depois encontrou uma que estava fechada, mas que tinha uma grande janela meio fosca que dividia o quarto do corredor. Ela pegava pelo menos da porta até a emenda da parede e em algumas partes estava fechada com uma cortina cor de creme. Mari se espremeu contra o vidro, conseguindo ver de forma bem nublada o que tinha ali dentro e as palavras sumiram de sua boca.

Abraham prendeu a respiração quando Marina tentou arrombar a porta, batendo fortemente contra ela e gritando o nome da morena. Depois, voltou para a janela, encarando. O que ela viu lá dentro foi uma Lara esparramada no chão, com a mesma camisa de força costumeira e uma expressão totalmente vencida, bem mais magra do que antes e com os cabelos raspados. A loira sabia que sua voz entrava naquela sala, pois alguns barulhos de equipamentos internos também eram escutados pelo lado de fora. Agonizada, ela passou a chamar ainda mais alto pela moça, em vão.

— Eu preciso entrar!

— Não, não pode. Eu sequer tenho a chave.

Mari olhou de Lyrin até a porta e depois voltou para a janela, mas seus olhos encararam os equipamentos, a maca suja de vermelho, com uma parte que havia pingado no chão. Havia um trajeto de sangue da onde Lara havia caído até onde ela realmente morreu, partindo de seu braço. A boca estava ferida, como se ela tivesse mordido muito e no lugar dos olhos estavam dois globos oculares brancos. Mari caminhou para trás e deu com as costas em seu pai, sendo abraçada fortemente.

Lyrin se surpreendeu quando viu que Marina começava a chorar. E chorava muito. Em soluços fortes, que fez a pedra de seu pescoço brilhar debaixo do vestido, deixando a Perpétua tensa. Ela se virou para Abraham e pediu para ele levar a filha para a casa. Seria melhor que ela ficasse na companhia de pessoas que a amavam.

— Mas... Eu... Eu vou trabalhar esse fim de semana.

— Se vire. – Lyrin apontou o caminho de volta. – É a sua filha, não minha.

Sexta – 10:15

David estava novamente com Marina em seus braços. Ela agia com ele bem diferente do que antes, sendo – da forma que sabia – carinhosa e gentil. Ele compartilhava de sua melancolia, tentando respirar e reagir sutilmente como a loira, envolvendo sua cintura com as mãos e beijando-lhe a testa. Ela já havia parado de soluçar e seu rosto estava seco, mas seus olhos estavam vermelhos e cansados.

— Quer ir para a sala? Seu pai disse que te chamaria, mas se quiser ir lá para ver como está ficando...

— Não...

— Não está ansiosa para ver as revisões do Max?

Ela negou com a cabeça. E talvez tivesse razão, o que adiantaria ser exatamente como o Max se sequer continha as lembranças básicas entre os dois? Mesmo que Luppi conseguisse ter a personalidade de Maxwillian, era como se tivesse nascido de novo. Marina não tinha nenhuma esperança.

Demorou mais meia hora para que Abraham pedisse para os dois irei até a sala. David puxou a loira pela mão delicadamente com medo de abrir as feridas de novo. Pararam na frente de Luppi e viram que a primeira modificação clara foi uma marca na sua mão, escrita 1.5. Ele estendeu a mão e sorriu, tirando também um sorriso tímido da loira antes dela segurar na mão dele e sacudi-la levemente.

— Por que está usando essa franja sobre o lindo rosto? – Mari olhou para David, maravilhada, e depois olhou para Luppi. – Hey, pequena. Estou falando contigo.

— Ah, oi... Eu... Eu sofri uma queimadura e tenho vergonha dela. Não se preocupe muito...

Luppi deslizou as mãos pelas laterais do rosto dela, mexendo nas mechas loiras e retirando-as da frente de seu rosto. Diferente do que um homem comum faria, a expressão dele continuou serena mesmo vendo a horrenda cicatriz. O olho não conseguia se abrir, mas ele estava fácil de se localizar. O rosto estava com a pele irregular e em algumas partes, sem a pele e sim a carne já regenerada. O olho negro dela lacrimejou e ele limpou suas lágrimas, abrindo um sorriso.

— Que pecado...

— Não está com nojo de mim...?

— Por que eu teria nojo de minha irmã?

Ela começou a chorar e agarrou Luppi com força. Depois de um momento de silêncio, deu para ouvir o lamento dela ao dizer que ele era a primeira pessoa que não sentia nojo dela. Isso arrancou um grunhido de David, que se recusou a ficar naquela casa, saindo correndo porta a fora, fazendo Mari segui-lo até a porta da sala, onde o robô segurou o punho dela e a impediu de seguir, com força, bem rude, mas com o mesmo sorriso gentil.

David desceu as escadas e quando chegou na rua do condomínio, esperou alguns momentos para os carros passarem, metendo as mãos nos bolsos da jaqueta branca. Seguiu caminho para longe, se afastando realmente tanto do prédio de Mari, quanto do próprio prédio. Parou em uma pequena vendinha e comprou chicletes, depois seguiu caminho sob o clima fresco e nublado, indo até o parque no sul do condomínio. Se sentou num balanço de madeira e sacou seu celular para ouvir música enquanto fazia bolas de chiclete. Em meio aos seus devaneios com as músicas, foi desperto pelo balanço se movendo, e se segurou forte nas correntes. Depois de um único galeio, Tushi deu a volta e se abaixou na frente dele, colocando as mãos sobre seus joelhos.

— O que foi, pequeno?

— Mãe. Marina só esteve comigo todo esse tempo por que eu me parecia com o Maxwillian.

— Ora, por que diz isso? Eu sei que Mari te quer muito bem, tanto quanto quer o dela.

— Ela está lá com o robô com a cara do Max que o pai dela fez pra ela.

— Mulheres se cansam dos brinquedos antigos quando surgem novos, amor. – Tushi acariciou o rosto dele, aproveitando para limpar as lágrimas que escorriam. – Vamos lá, deixe eu ver seu rostinho...

David arrancou o capuz branco, deixando seu cabelo cair sobre o rosto como um véu, que para a surpresa de Tushi, era branco. Ele viu no rosto dela como havia ficado maravilhada e ao mesmo tempo assustada. Pensou se ia perguntar se ele descoloriu os cabelos e teria problemas para dizer-lhe que não... Mas realmente não tinha feito. Desde o tempo que David se lembrava, seus cabelos ficavam brancos em todo momento de tristeza. Só fazia muito tempo que não ficava triste.

— Eu juro que...

— Faz tanto tempo que não te vejo com esse cabelo lindo... Me lembra as Perpétuas do Destino, eu pensei que você seria um, também, sabia? Foi a causa da ultima briga que tive com seu pai, antes de divorciarmos... Ele achou que havia sido traído e... Bem, sabe que não é verdade.

David estava mais assustado com tanta sabedoria que ela tinha sobre o laço com as Perpétuas e não exatamente por ela conhecer sobre seu cabelo branco. Ele começou a fazer perguntas perfurantes que direcionavam Tushitsuji a dizer sobre seu passado cada vez mais atraente aos olhos púrpuros dele.

— Nosso sobrenome é proveniente da mestiçagem do sangue dos homens com o sangue da Perpétua do Desejo. Somos, bem distantemente, parente deles. Por isso sequer temos poderes. Mas isso é uma resposta para sermos escolhidos para proteger Conchita.

— Foi uma guardiã?

— Fui. Da lua. Você é o nono, não? – Ele concordou. – Eu infelizmente não vou poder te ensinar a usar seu poder, mas se quiser se aproximar de Mari, posso falar com Abraham para ensiná-la a usar o dela.

— Mari não despertou a pedra dela.

— A nossa pedra é diferente das outras. Elas não possuem forma fixa. Sabe as Siyahs? Ela funciona exatamente do contrário: Precisa de um hospedeiro para ser funcional. Elas, aquelas coisas, são dependentes de um objeto para sobreviverem, e só depois pegam os humanos.

David não sabia o que falar. Ele agarrou a mãe em seus braços e apertou-a contra o peito, forte, fazendo-a reclamar de dor e falta de ar. Seus cabelos tomavam uma forma acinzentada mais escura a cada segundo, até voltar ao tom natural.


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