Lágrima Escarlate escrita por Evo Gonzales


Capítulo 11
Destino




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***

O indiano tomou outra rua mais movimentada e seguiu por ela. Estava repleta de pessoas, vacas e buzinas. Dylan o seguia a certa distância.

Depois Bellan entrou por um beco estreito, com palafitas pobres de dois ou três andares. Dylan ficou com medo de que uma delas desabasse sobre ele.

Em meio à higiene precária do lugar, com o odor lhe impregnando o olfato, caminhavam ratos que vinham dos bueiros e remexiam os lixos. Porém, Dylan, ainda que tivesse certo receio em adentrar por aquela ruela apertada e um tanto inóspita, não se furtou em seguir o encalço do indiano.

O local estava deserto. Dylan pensou que talvez todos estivessem trabalhando nos enfeites das ruas, já que quase não se via ninguém por ali. Notou que os poucos que encontravam o indiano, faziam-lhe reverência.

Viu Bellan seguir um pouco mais por aquela estreita rua e depois entrar em um corredor, perdendo-se de sua visão.

Um pouco apreensivo ele chegou até o local e encontrou uma escada que circundava uma casa com aspecto de abandono. Pensou um pouco e olhou ao lado. Ninguém por ali. Apreensivo, começou a subir. Circundou dois andares e chegou a uma espécie de sacada, donde uma bela vista das redondezas podia ser apreciada.

— Ontem você não me disse seu nome. - Disse o indiano com um leve sorriso na voz.

Dylan se assustou. Voltou os olhos e viu Bellan sentado sobre um barril deixado ao fundo de uma sala vazia. Deu um leve sorriso e foi até ele.

— Dylan. O seu eu já sei… minha tia me disse. - Enquanto falava, conservava os olhos no indiano parado próximo ao parapeito.

— E o que mais ela lhe disse a meu respeito? - Trouxe uma das mãos aos cabelos, sedutoramente ajeitando algumas mechas atrás das orelhas.

— Que é uma espécie de entidade proibida. - Tentou formar um sorriso para dar graça à fala.

Bellan fechou um pouco o semblante. Dylan percebeu que aquele não era um assunto muito agradável ao indiano.

— É, esse é um carma que carrego. - Ele disse, olhando distante com sinais de uma tristeza contida.

Dylan se aproximou e sentou em um barriu ao lado do indiano.

— Minha tia disse que você é a reencarnação de uma deusa… - Procurava os olhos de Bellan que continuava perdido no infinito.

— Você deve achar isso um absurdo, não é? - Continuou olhando distante, com um sorriso tímido lhe formando nos lábios, ainda que os olhos mantivessem certa tristeza.

— Bem, é algo distante de minha realidade... - Dylan achava aquilo um absurdo total, mas foi polido para não desdenhar da crença do rapaz.

— Mas é verdade. Amanhã serei consagrado à Deusa Kali e a partir daí viverei apenas para ela, deixando totalmente de lado todas essas coisas mundanas.

Dylan notou o descontentamento do indiano e ficou um pouco envergonhado.

— Não parece estar feliz com isso.

— Bem, eu conheci o mundo fora daqui, então, não gostaria de ficar preso a este. Eu queria viver, fazer coisas, conhecer lugares. Mas a parir de amanhã eu serei um líder respeitado e aprisionado… depois do ritual. - Voltou novamente os olhos ao infinito, se perdendo em alguns dos edifícios enfeitados.

— E se o ritual não acontecer?

— Não há como ele não acontecer. Está escrito.

— É só desistir disso e seguir teu caminho. - Tentou trazer um pouco de empolgação ao indiano.

— Não é tão fácil assim, nem eu mesmo estou convencido de que quero desistir.

— Você acredita mesmo que é a reencarnação de uma Deusa? - Ele disse, tentando não parecer tão incrédulo. Ajeitou-se melhor sobre o barriu, aproximando um pouco mais de Dylan.

— Eu sou a reencarnação da Deusa Kali. - Disse voltando seus olhos ao inglês, como se repelisse qualquer espécie de dúvida. - Eu sinto que ela está em mim e amanhã ela vai se manifestar. - Concluiu severo.

— Está bem, desculpe. - Estava um tanto acabrunhado, torcendo a boca e alisando o cabelo disfarçando o desconcerto. - É que pela forma como disse, pensei que tivesse dúvidas quanto a isso.

— Não! Eu não tenho dúvidas. Apensa talvez gostaria que fosse diferente. Mas meu destino é esse, e assim será. E não quero mais falar sobre isso. - Concluiu sério e um tanto carrancudo.

Dylan sorriu por achar bonitinha a expressão brava do indiano e não resistiu em levar as mãos até uma das mechas que caía ao rosto dele, ajeitando-as atrás da orelha. Bellan recuou um pouco o rosto e voltou seu olhar ao inglês.

— Porque me seguiu hoje de novo? - Perguntou olhando fixo em Dylan. O inglês não entendeu se estava sendo repreendido.

— Eu… eu não consegui evitar. Acho que estou sentindo certa atração. - Trouxe voz terna enquanto continuava tentando acariciar as mechas do indiano, com os pensamentos totalmente absorvidos e distantes.

— Esqueça isso. - Recolheu o rosto e retirou bruscamente as mãos de Dylan de seus cabelos. - Não pode sentir nada por mim. Nós somos estranhos, não temos nada a ver um com o outro.

— É, eu também me pergunto o que foi que aconteceu comigo, pois nunca um menino mexeu assim comigo. Mas com você aconteceu. - Buscou os olhos de Bellan, tentando, com uma das mãos, novamente acariciar seus cabelos, enquanto, com a outra, pousava sobre as pernas do indiano.

— Você não deveria fazer isso, Dylan… já está sendo muito difícil para eu enfrentar meu destino, não deixe as coisas pior. - Olhou ao longe, com o coração um tanto apertado.

— Talvez se você se aventurasse um pouco... se se deixasse envolver... - Entrelaçou as mãos no cabelo de Bellan, aproximando-se um pouco mais do menino.

Bellan aceitou o carinho.

— Não recuso meu destino. Eu o aceito, mesmo que não o deseje plenamente. - Tentou afastar de si qualquer pensamento que viesse a macular o que deveria fazer.

— Mas imagino que seu destino não o impeça de ter alguém... de ter uma vida... - Aproximou-se mais ainda de Bellan, sentindo seu hálito fresco.

— Sou quase um Deus. - Riu. - Ninguém se aproximará de mim.

— Eu estou tentando... basta que você permita. - Levou a outra mão à face de Bellan, forçando-o a olhar para si.

— Dylan... Por favor... - Trouxe certo pesar, expressando o que sentia em seu coração.

— Eu sei que é um desejo seu também. - Disse baixo, quase como um sussurro, compenetrado aos olhos do indiano que tentava não o olhar tão profundamente.

— Desejos não levam a nada, eu aprendi que devem ser reprimidos. - Desviou um pouco os olhos. - Eu nunca poderei me envolver com ninguém.

— Eu não entendo, Bellan. Permita-se envolver, permita-se amar, porque eu sei que você ama, e eu sei que você sente. - Continuou com as mãos à face do menino, fazendo os olhos se encontrar.

— O que eu sinto pouco importa. A única coisa pela qual sou respeitado é o meu carma. Se não fosse ele eu com certeza já teria sido morto por meus próprios pais por ser uma aberração. - Estava com raiva.

— Não entendi...

— Não seja idiota.  - Ele disse com semblante áspero. - Qualquer um vê que eu não tenho um corpo definidamente masculino e não tenho os desejos que os homens têm.

— Então permita-se sentir o que os homens não sentem. Não há nenhum pecado nisso.

Bellan riu sínico e Dylan se sentiu um idiota.

Mas os rostos estavam bem próximos. O coração de Dylan batia descompassado enquanto as borboletas reviravam em seu estômago. A respiração foi ficando mais e mais ofegante na medida em que ele mais aproximava seu rosto da face do indiano. Os olhos dos dois fecharam enquanto os lábios se aproximaram.

Enquanto o desejo crescia, enquanto a vontade de um beijo se fazia suprema, ele quase se esqueceu de seu destino e do que aconteceria se não o aceitasse plenamente.

Os lábios se tocaram.

Bellan, com um esforço sobre-humano, desviou o rosto, afastou-se de Dylan e levantou de onde estava sentado.

— Eu tenho que ir agora. - Disse já iniciando a descer as escadas.

Dylan se levantou também, um tanto surpreso com a atitude do indiano.

— Espere… - Foi o que conseguiu pronunciar enquanto sentia seu coração se esvaziar.

— Não adianta. Há coisas que não podem acontecer… que não estão escritas. Não me procure mais. - Desceu rápido as escadas e a voz estava um tanto embargada, quase não se fazendo ouvir.

Em poucos segundos ele se perdeu aos olhos de Dylan por entre alguns dos becos de Mumbai que só ele conhecia.

***


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