Dei mais uma olhada para o relógio, 21:47, e eu ainda estava aqui, na delegacia, atolada, tão cheia de trabalho que tive que cancelar o jantar com o Castle, ele tinha soado tão triste ao telefone, o que fez eu me sentir ainda pior por não poder ir. Amaldiçoei a papelada mentalmente mais uma vez antes de retornar meus olhos, já cansados, para a tela do computador.

22:04

22:13

22:19

Isso não acaba nunca?

Meu Deus, estou começando a soar como o Castle, não pode evitar um sorriso ao pensar no quão agoniado ele ficaria se tivesse que ficar aqui esperando eu terminar.

– Sonhando acordada?

Voltei minha atenção para a porta.

– Posso entrar? – Ele perguntou ainda parado no batente da porta.

– Castle? O que você está fazendo aqui?

Ele olhou para os lados, se certificando de que não havia mais ninguém por perto, antes de se aproximar e me dar um selinho. – Bem, – Ele disse assim que nos separamos – se Maomé não vai a montanha, a montanha vai a Maomé.

– Castle! É sério. – Eu disse enquanto ele pegava o meu casaco, que estava no sofá.

– Vim te buscar para jantar.

– Castle isso é muito gentil mas eu...

– Tem trabalho para terminar. Eu sei. Eu sei. – Ele se aproximou novamente – Mas será que eu preciso te lembrar Capitã Beckett, – Ele deu ênfase no Capitã – que você é quem manda nisso tudo. – Ele indicou com as mãos toda a delegacia – E além do mais é só papelada, pode ficar para amanhã. – Eu abri a boca para protestar, porém ele me interrompeu – E Kate, eu te conheço, aposto que você nem comeu.

Ele tinha razão, mas isso não queria dizer que eu daria o braço a torcer – Comi sim.

– Mentirosa. – Eu revirei os olhos – Eu proponho um acordo.

Eu me levantei e cruzei os braços – Que tipo de acordo?

– Você vem jantar comigo agora ou eu fico aqui te infernizando até a gente ir.

Eu ri – Castle, eu não quero te enganar mas geralmente não é assim que acordos funcionam.

Ele deu de ombros – Okay, que tal assim, você vem comigo e amanhã, bem cedo, eu venho te ajudar a terminar a papelada. – Eu ergui as sobrancelhas em sinal de descrença – Eu juro. Palavra de escoteiro. – Ele disse e bateu continência.

Não pude deixar de rir – Castle você nunca foi escoteiro.

– Não acredito que você vai me fazer usar minha arma secreta. Mas foi você quem pediu. Eu te levo no Remy’s. – Ele disse e me estendeu o braço.

– Isso não vale. É golpe baixo.

– Querida, na guerra e no amor vale tudo.

Eu ri de novo. E desviei meu olhar para a papelada em cima da minha mesa e então de volta para ele. Mordi meu lábio. Droga. Porque eu não consigo resistir a ele?

– Amanhã de manhã, primeira coisa, eu e você e essa papelada. E nem adiante me enrolar ou fugir. – Eu disse aceitando o braço que ele me estendia.

– Sim senhora, Capitã.

– Você me faz fazer cada uma.

– Eu sei, sou irresistível, faz parte do meu charme.

Dei um soquinho no ombro dele – Bobão.

Quando entramos no elevador ele abriu a boca para dizer algo mas desistiu – O que foi, Castle?

– Não é nada.

– Pode falar.

Ele pensou um pouco antes de perguntar, indeciso entre falar ou não – Posso dirigir?

– Não force a barra.

Ele deu de ombros – Não custa nada tentar. Tem sempre uma primeira vez para tudo.

– Não para isso, não tem aquela outra frase, como é que ela era mesmo? Ah, sim. Toda regra tem sua exceção.

– Touché.

***

– Como vão a Martha e a Alexis? – Perguntei quando paramos em um semáforo, já perto do Remy’s, tínhamos andado relativamente rápido já que tínhamos pegado pouco trânsito.

– Bem... Eu diria que estão normais, mas minha mãe não é exatamente o que se pode chamar de normal.

– Castle! – Eu repreendi – Você não deveria falar assim, Martha tem seus defeitos, como todo mundo, mas ela é um amor de pessoa. – Disse enquanto recolocava o carro em movimento.

– Você diz isso porque ela não implica com você. – Ele soava tão infantil que me fez revirar os olhos até sem perceber – Elas estão bem, minha mãe ainda está se acostumando com o apartamento novo, então ela ainda passa bastante tempo no Loft, e, bem, você conhece a Alexis, ela vive na correria, especialmente agora que ela trabalha no escritório comigo. – Ele fez uma pausa e continuou em um tom de voz mais baixo – Elas sentem a sua falta, todos nós sentimos, o Loft fica incrivelmente vazio sem você nele.

A tristeza no tom de voz dele matava por dentro – Eu sinto muito, Rick. – Fiz uma pausa enquanto terminava de estacionar o carro e me virei para ele – Todo o que eu mais quero é prender esse Locksat e voltar para casa. Eu sinto tanta falta do Loft e delas que você não faz ideia, amor. – Eu segurei as mãos dele entre as minhas – Elas são minha família também, assim como o Loft é o meu lar. E eu me odeio todo dia só de pensar que eu estou colocando você, elas e o meu pai em risco. E eu odeio ainda mais o Locksat por me obrigar a me afastar de vocês. – Eu levei uma de minhas mãos a lateral do rosto dele, acariciando sua bochecha – E eu agradeço aos céus todos os dias por ter você na minha vida, por você ser esse homem maravilhoso...

– E bonitão. – Ele me interrompeu.

– E corajosamente estupido...

– Ei! – Ele protestou.

– ...que escolheu ficar ao meu lado, mesmo que isso o coloque em perigo.

– Eu sempre vou ficar ao seu lado, sempre.

Eu me inclinei e lhe dei um beijo casto. Nós nos separamos sorrindo como dois adolescentes. E fomos de mãos dadas até o restaurante. Nos sentamos um de frente para o outro e uma garçonete veio nos atender.

– Dois cheeseburgers, um milk-shake de morango e um de chocolate. – Castle disse fazendo nosso pedido de sempre.

– E uma porção de fritas. – Acrescentei – Obrigada. – A moça se retirou e quando olhei para o Castle ele tinha um olhar vitorioso no rosto – Não me julgue.

– Disse que não tinha comido.

Eu não respondi apenas apontei a língua para ele que riu. – E então? Conseguiu resolver o caso de ontem?

– Aham, pelo visto o marido estava mesmo traindo a esposa. Só precisei tirar algumas fotos, não se preocupe, eu sai de perto antes que eles fizessem algo realmente inapropriado. – Ele disse me fazendo sorrir – E Alexis tinha ficado de entregar as fotos amanhã cedo.

– E como vão os livros?

– Devo terminar mais um capítulo até o final de semana se eu não quiser ouvir a Gina no meu pé de novo.

– O de sempre então.

– Haha, engraçadinha, e como vai a delegacia?

– Normal e não se preocupe Castle, quando tivermos um caso “legal” – fiz aspas com os dedos na palavra – eu te ligo para você ir com os meninos.

– Ótimo, porque eu não te perdoaria. – Ele disse me fazendo revirar os olhos novamente.

Conversamos mais um pouco antes de nossos pedidos chegaram, mordi com vontade um pedaço do cheeseburger, não tinha comido nada desde da hora do almoço.

– Parece que alguém estava mesmo com fome.

– Calado.

***

– Encosta aqui rapidinho. – Castle disse no meio do caminho, apontando para uma cafeteria 24 horas – Vai ser rápido eu prometo. – Ele disse com um olhar pidão.

– Certo. – Disse encostando – Mas tem que ser rápido.

– Oba! – Ele disse já saindo do carro, mesmo depois de tantos anos ele ainda parecia uma criança de 9 anos correndo atrás de açúcar.

Ele voltou alguns minutos depois com dois copos de café – Um latte desnatado grande, duplo de baunilha sem açúcar. – Ele disse sorrindo e me entregando um dos copos.

– Obrigada. Mas não é meio tarde para café? – Nunca me imaginei dizendo isso, mas já eram mais de meia-noite e meia.

– Mas nunca é tarde demais para um sorriso. – Ele disse me fazendo sorrir – Viu, valeu a pena. – Tomei um golo do meu copo, sorvendo aquele líquido delicioso.

Ele tomou um gole do café dele e então mexeu nas estações do rádio, até que ele parou em uma, onde uma música que eu não conhecia acabava de tocar e o apresentador anunciava a próxima:

– Parece que temos um casal apaixonado que resolveu ficar acordado até mais tarde. Nossa próxima música foi enviada por um ouvinte anônimo para a, abre aspas, “garota com quem eu sempre sonhei e aquela que ilumina minha vida, e que me mostrou que é possível ter alegria mesmo nos dias mais tristes”, fecha aspas, parece que um dos pombinhos é poeta, então garota dos sonhos essa é para você.

Então uma nova música começou a tocar, ela me parecia familiar mas mesmo assim eu não conseguia lembrar o nome dela.

There's plenty of time left tonight

I promised I'd have you home before daylight

We do the best we can in a small town

Act like big city kids when the sun goes down

Eu revirei os olhos e disse para o Castle – Pessoas apaixonadas fazem cada tipo de coisas.

– Eu acho bonitinho. – Ele disse e depois tomou mais um gole de café – Ele até se declarou.

– Mas ele poderia ter dito pessoalmente. – Eu me virei novamente para encara-lo.

– Você não sabe, talvez ela o deixe sem palavras. – Ele disse sorrindo também se virando para mim.

If it's not too late for coffee

I'll be at your place in ten

We'll hit that all night diner

And then we'll see

– E talvez o fato dela ser a mulher mais linda do mundo não ajude muito quando ele tenta pensar racionalmente. – Ele sorriu abertamente.

There's so many things I have to say

I'll stay up all night to hear about your day

We do the best we can in a small town

Act like kids in love when the sun goes down

– Foi você? – Ah, meu Deus, era tão óbvio – Claro que foi você. “É possível ter alegria mesmo nos dias mais tristes.”

– “Mesmo nos piores dias há possibilidade de alegria.” – Ele repetiu minhas exatas palavras – Foi o que você me disse quando me mostrou...

– O bonequinho de madeira. – Eu o interrompi.

– Isso. – Ele assentiu e segurou minhas mãos, nossos cafés já esquecidos.

If it's not too late for coffee

I'll be at your place in ten

We'll hit that all night diner

And then we'll see

Ele indicou a cafeteria com a cabeça – Quando eu entrei lá o rádio estava ligado nessa estação e eu pensei que seria uma forma legal de fazer algo romântico, e achei que a música combinava com nossa noite juntos, ouvir sobre o seu dia, jantar juntos...

– E tomar um café. – Completei.

– Isso.

– Obrigada, Castle. Foi bem bonito.

There's a love that transcends

All that we've known of ourselves

And I'll wait for it to come

I'll wait for it to come

– E se eu não adivinhasse que foi você quem mandou a música? – Disse enquanto aproximava meu rosto do dele.

– Você é bem esperta, – Ele disse descendo o olhar até a minha boca – Tenho certeza que descobriria.

– E você consegue adivinhar no que eu estou pensando agora?

– Não, no que você está pensando?

– No quanto eu quero fazer isso. – Eu o puxei pelo colarinho da camisa e selei nosso lábios.

***

Eu acordei devagar, ainda com os olhos fechados, me lembrando da noite anterior: papelada, Castle, jantar, café, música, beijo, Four Seasons, suíte e, bem, pouco sono...

– É meio assustar ficar me encarando, sabia?

– Como você sabe que eu estou te encarando se você está de olhos fechados? – Os braços deles estavam ao redor do meu corpo me mantendo colada a dele, a cama abaixo de nós toda bagunçada e nossas roupas completamente espalhadas pelo chão.

– Agora eu sei, você acabou de confirmar. – Eu disse me virando, ainda em seus braços, para encara-lo – Bom dia.

– Bom dia. – Ele disse e me beijou.

Assim que nos separamos eu perguntei – Pronto para fazer papelada?

– Ah não! – Ele enfiou o rosto no monte de travesseiros – O dia acabou de ficar ruim. – A voz dele saindo abafada.

– Não seja tão exagerado. – Comecei a fazer carinho no cabelo dele – Ou você esqueceu que dias ruins tem possibilidade de alegria?

– Dias com papelada não são ruins, são horríveis.

– Talvez eu possa melhorar o seu dia.

– Não tem como, é papelada.

– Sabe, como Capitã eu posso adiar um pouco o início do meu turno.

Ele ergueu o rosto – Pode? – Tinha um enorme sorriso no rosto.

– Posso, por 1 hora ou 1 hora e meia, já que eu fiquei até tarde ontem.

– Eu faria valer a pena. – Ele se aproximou.

– Eu sei que faria. – Sussurrei na orelha dele – Mas não quer dizer que você vai fugir da papelada para sempre.

– Eu sei. – Ele disse desanimado – Eu prometi e pretendo cumprir. Mas não podem ser duas horas? – Ele perguntou.

– Não.

– 1 e 45?

– Castle, cala a boca... – Ele fez cara de emburrando, e então eu completei – e me beija.

– Sim, Capitã.

Ele obedeceu me puxando para um beijo, recomeçando nossa dança de ontem.

Eu sabia que não iriamos sair daquela cama tão cedo, e sinceramente eu não me importava, a papelada podia esperar até mais tarde.