O dia até que começara bem. Não havia tido nenhum sonho, nenhum pensamento enquanto dormia. Parecia que tudo ia correr bem desta vez. Entrou no banho e sentiu-se um pouco mais acordado quando seu corpo entrou em contato com a água quente. Nem se lembrava que data era. Não sabia mais nada, na verdade. Tudo aquilo que aprendera durante sua vida inteira, não se lembrava mais de nada no momento, ou melhor, nas últimas semanas. Agora realmente podia dizer que não sabia quem era. Saiu do banheiro com uma toalha pendurada nos ombros e deu de cara com o velho de frente para si.

– Bom dia, Junior.

– Ohayoo, Jiji. Acordei muito tarde?

– Não. Na verdade eu é que acordei cedo demais.

– Quem bom não estar atrasado dessa vez, então. – Forçou uma risada.

– Você já vai tomar café, Lavi?

– Bom, estava nos meus planos, na verdade. Por quê?

– Eu... Queria falar com você.

– Tá bom. – Os dois sentaram-se na cama do aprendiz de Bookman.

– Lavi, eu vou ser sincero com você: Não só eu, mas todos aqui na Ordem já notaram a sua mudança de comportamento.

– Ah.

– E isso está começando a incomodar seus amigos. Você quase não fala mais com eles, com exceção da jovem Lena.

– Tivemos um desentendimento, digamos.

– Allen veio me perguntar por que você não fala mais com ele.

–... Depois eu falo com ele, então.

– Junior...

– Se não se importa Jiji, eu estou com fome, agora. – Mentira, não estava com nem um pouco de fome. Só queria era se livrar da enxurrada de perguntas que tinha absoluta certeza que viriam em seguida.

– Certo. Vá se divertir. Afinal, hoje você merece. Mas só hoje, certo? – O velho panda sorriu para ele e levantou-se.

– É, quem sabe... – Ele sorriu de canto, não muito convencido, mas levantou assim mesmo.

Os dois saíram do quarto, assim que o ruivo vestiu uma camisa, e caminharam até o refeitório. Lavi estranhou um pouco o QG estar tão vazio assim. Não se via nem ouvia nada nem ninguém. O velho ao seu lado também não falava nada consigo. Era estranho. Bookman sempre reclamava com ele por alguma coisa, ou então mandava-o pesquisar um bando de coisas inúteis como dever de Bookman, mas dessa vez não. Estava em absoluto silêncio. Continuaram seu caminho do mesmo modo até pararem em frente às grandes portas do refeitório da Ordem Negra.

– Anh, velho, por que as portas estão fechadas e todos na Ordem sumiram? É o aniversário de alguém e vão fazer uma festa surpresa, é? – Não, ele não havia ficado com amnésia ou Síndrome da Misa, não era isso. Mas, depois dos acontecimentos recentes, digamos que ele perdeu um pouco da noção do tempo. Estava totalmente desorientado, sem a menor ideia de que era o dia do seu aniversário. O velho Bookman não percebeu, pois já tinha se acostumado com o jeito brincalhão do ruivo, então achou que era só mais uma piada dele. Além do quê, ele queria ver o aprendiz feliz no dia do próprio aniversário, já que não o via assim há algum tempo.

– Digamos que sim, Junior. Digamos que sim. – O mais velho sorriu e empurrou as duas portas juntas, ao mesmo tempo em que várias pessoas dentro do refeitório gritavam “Feliz Aniversário, Lavi!” animadas, com faixas e presentes nas mãos.

– M-meu aniversário... – A cara do ruivo que era de surpresa logo se transformou em um sorriso. Mas, dessa vez, um sorriso sincero. Um sorriso daqueles luminosos, que não se viam em sua face há semanas.

Em um canto do fundo do recinto, um ‘casal’ discutia uma coisa irrelevante, mas que parecia ser importante naquele momento.

– Eu não vou lá, baka. Já disse que ele não é nada pra mim!

– Baka é você, BaKanda! Ele é nosso amigo, você não pode ignorar o aniversário dele assim!!

– Tanto posso quanto vou.

– Vá falar com ele, ao menos!

– Não, teme Moyashi!

– Aff. Pois eu vou!

– Não vai não! – Vociferou ele com o cenho franzido.

– Tarde demais, Kanda. – Allen se afasta do namorado e junta-se aos outros lá na frente para cumprimentar o amigo ruivo.

– Parabéns, Lavi-kun!! – Lenalee abraçava forte o amigo.

– A-arigatoo, Lenalee. – Ele sorriu para a menina um pouco vermelho.

– Yoo, Lavi! – Allen Walker cumprimentou o amigo depois de ele largar a chinesa.

– A-Allen? – O ruivo se surpreende um pouco com a aparição repentina do albino.

– Feliz aniversário, amigo! – O mais novo sorria para ele. Mais um daqueles famosos sorrisos de Allen Walker: luminosos, sinceros, alegres, contagiantes, calorosos. Na verdade, este não era tão sincero quanto os outros. Este estava um pouco em dúvida. Allen não sabia se Lavi ainda tinha raiva dele por aquele ‘fora’ do seu namorado.

– Arigatoo, Allen. – Ele sorriu para o amigo. E o sorriso continuou verdadeiro. Sem falsidades, hoje! Esse era o seu lema do dia. Ele apertou a mão do amigo em um cumprimento comum e continuou sorrindo. Seu sorriso mais verdadeiro em talvez dois meses.

Depois deles dois, o ruivo foi falar com os outros presentes em sua festas. Exorcistas, finders, chefes, pessoal da divisão de ciências, muitas pessoas se encontravam ali e todas elas estavam se divertindo, com apenas uma exceção. É, aquela exceção que se encontrava emburrada no canto da sala, afastado de tudo e todos. Umas quatro pessoas já haviam chamado-o, inclusive seu namorado, para não ficar ali sozinho, emburrado, como se fosse uma estátua de pedra. “Para isso não falta muito,” pensavam alguns, “o coração dele já uma mesmo!”. É, parece que Yuu Kanda precisava mudar sua postura e bem rápido.

Já mais para o meio da festa, estavam só esperando os últimos preparativos do bolo serem finalizados para cantarem o famoso “Parabéns Pra Você!”, e o aprendiz de Bookman estava sentado numa das mesas, conversando com seus amigos alegremente. Mas aquilo já estava se tornando insuportável! Não conseguia suportar a ideia de todos se divertindo ao seu redor e ele ali, num canto, isolado. Por escolha própria, claro. Não, já não aguentava mais nem um segundo! Atitudes seriam tomadas naquele instante! Seguiu para a mesa onde o aniversariante estava anteriormente sentado, levantando-se agora com os outros, para ir ver o bolo que havia acabado de chegar. Parou em frente ao ruivo, que assustou-se com a aproximação do outro.

– Y-Yuu?!

–... Tanjoobi omedetoo gozaimasu, Lavi. – Falou olhando para o chão, mas ainda assim bem próximo do ruivo.

Depois da frase, saiu. Simplesmente saiu, e deixou o refeitório inteiro sem entender o que havia se passado ali naquele instante. “Mas... Eles não estavam brigados??!” “É, eu também achava isso!!” “Foi o que eu tinha ouvido dizer...” E os murmúrios não paravam por aí: os que não estavam tão paralisados pelo choque, cochichavam milhares de hipóteses a respeito do acontecido. Os que não sabiam que os dois estavam brigados também não foram os menos surpreendidos só por esse fato irrelevante, afinal, ele continuava sendo Yuu Kanda; não se importava com nada e nem ninguém, muito menos aquele ruivo chato que insistia em estourar sua paciência preciosa!! E nunca o chamava de “Lavi”, sempre chamava-o de “Baka Usagi” – normalmente com uma expressão furiosa no rosto acompanhando essa frase.

Lavi não mexia um único músculo sequer: estava atordoado demais até para pensar em algo. Os cochichos haviam parado e o silencio absoluto padeceu sobre o local. A tensão era grande, muito grande mesmo. O ruivo só acordou do choque assim que sentiu a mão de Allen sobre seu ombro, numa tentativa de consolo, mesmo o albino estando tão perturbado quanto ele. Porem, o silencio só foi quebrado alguns segundos depois, quando um vampiro conhecido de todos ali chegou,depois de muito tempo de atraso, e desculpando-se por tal fato.

– Ah, olá querridos amigos! Desculpem a demorra que mim causar!! O trem ter se atrasado uma horra e eu ter que ficar esperrando na estação! Ah, parrabéns, Lavi! – O vampiro romeno ia parabenizar o aniversariante, que continuava com a mesma cara de paisagem com que estava há pouco.

– Anh...? Ah, obrigado, Kro-chan... – O ruivo tentou, mas dessa vez não conseguiu forçar um sorriso. Simplesmente continuou com a mesma cara de chocado que estava antes.

– Bom... Vamos então cantar os “Parabéns”? – Arriscou Jerry meio incerto.

– Agora não, Jerry... Gomen. Eu... Tenho que fazer uma coisa antes. – E Lavi saiu às pressas do refeitório, deixando um grupo de convidados pasmos e sem reação alguma. Devem estar pensando: “Ah, perguntar ‘o quê ele foi fazer?’ é uma coisa bem óbvia e idiota. Ele foi procurar o Kanda, duh!!”. Sinto desapontá-los, mas essa é realmente a pergunta correta, porque nem mesmo o pobre ruivo sabia o que estava fazendo no momento. Ele simplesmente estava seguindo seus “instintos”, pela primeira vez na vida.

“What’s wrong with my tong

These words keep slipping away

I stutter I stumble

Like I’ve got nothing to say

‘Cause I’m feeling nervous

Try to be so perfect

‘Cause you know you worth it

You worth it

Yeah”

Things That I Will Never Say – Avril Lavigne