Immortal Star - Segunda Saga escrita por Sandaishiro


Capítulo 13
Pelas sombras


Notas iniciais do capítulo

Shiro se encontra perdido em um local subterrâneo, até encontrar locais (e pessoas) que só o deixam ainda mais confuso



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Enfim, você pode ter uma visão um pouco melhor da situação da Guerra até aquele momento. Nem mesmo eu sei dizer o número de soldados mortos desde o início dos ataques. Pais não veriam mais seus filhos. Namorados não veriam mais suas amantes. E filhos e filhas deixariam seus pais lhes esperando em casa para todo o sempre. Foram milhares de vidas perdidas, vidas valiosas demais para acabarem de uma forma violenta.

Mas acredite se quiser, aquilo não foi “todo” o combate em Riven. A grande capital ainda estava tomada pelo barulho de metal encontrando metal, e na visão dos Capitães de ambos os lados, aquilo ainda iria durar. E talvez por saber desse fato em específico, além das novas informações que chegavam na mesa de estratégia do Castelo de Riven, foi que uma certa pessoa decidiu colocar seu “plano” em prática. De acordo com ele mesmo, se o plano desse certo, Riven terminaria essa Guerra vitoriosa, e em menos de duas horas.

Curioso? Não o culpo. Como alguém termina um ataque de quatro frontes em duas horas? Parecia uma mentira tranquilizadora. Nem mesmo os Grandes Generais tinham forças e estratégias boas o bastante para encurtar tanto esse ataque. Ou era um plano envolvendo a Planetarium? Eles sim poderiam fazer uma diferença grotesca... Se todos estivessem ali.

Mas enquanto o tal plano não era colocado em prática, precisamos ver o que está acontecendo com um certo personagem que ficou um tanto escondido até agora. É necessário falar sobre o tal local onde essa pessoa estava, pois só essa informação pode mudar metade de suas ideias sobre o que Riven realmente consegue fazer.

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— Por que eu só me fodo nessa vida?

Shiro tinha praguejado baixinho, enquanto mantinha as costas jogadas contra uma parede seca de pedra. Sua situação tinha tanto melhorado quanto piorado. Mas em sua própria concepção, tudo estava indo de mal a pior.

É necessário contar cada novo passo que o ninja da Immortal Star deu até chegar aqui. Primeiro, ele descobriu uma passagem secreta em uma parede em um dos infinitos corredores do Castelo, e como estava ferido e cansado, não teve outra escolha senão seguir uma escadaria escura que sabe-se lá para onde levaria.

Depois de dar de cara com uma porta dupla grossa de metal, ele encontrou outra infinidade de corredores quase completamente escuros que levavam para... Todos os lugares. Antes disso, viu um quadro razoavelmente grande que era algum tipo de mapa, mas alguém tinha feito um código com as salas e as palavras. Shiro via salas que tinham escrito algo como “C.A.P.” ou “S.R.A.”. Ele não fazia a mínima ideia do que significavam essas siglas, então lhes deu os nomes carinhosos de “Casa Arruinada da Porra” e “Sala Rústica da Avacalhação”. Mesmo com a mente cansada, ele se forçou a decorar o máximo possível aquele mapa bizarro.

Mas lembre-se que ele tinha acabado de sair de uma luta contra um dos Generais de Riven. Shiro estava ferido e perdendo sangue em dois ferimentos que ele acreditava ser preocupantes. Mas ele não poderia parar agora e deixar o corpo esfriar. Isso só o faria desmaiar e eventualmente morrer por sangramento. Isso se não fosse capturado antes.

Ah sim, é bom lembrar que muito cedo, logo quando ele decidiu caminhar pelos corredores sem rumo, ele descobriu que haviam muitas pessoas que andavam de um lado para o outro, mas todos, sem nenhuma exceção, usavam jalecos brancos, roupas de contenção para periculosidade e pranchetas. Eram todos pesquisadores de alguma coisa. E nenhum parecia armado.

Usando somente seu bom senso, ele se dirigiu a uma sala das salas que estava mais próxima, de acordo com o tal mapa. Ele lembrava que a sala tinha o nome de “S.E.M.”, não que isso fizesse alguma diferença. Virou à esquerda na primeira esquina que viu e foi andando silenciosamente pelos longos corredores escuros. Que era uma benção para ele. Os corredores eram largos e longos, tinham tubos de várias grossuras que iam de uma ponta até outra passando pelo teto, fios de cores variadas que não faziam sentido, e por fim, eram iluminados com uma lamparina à óleo, que não fazia tanta claridade quanto as luminárias mágicas. Isso serviu como um tipo de escudo para o ninja, pois quando ele ouvia alguém se aproximar, ele usava seu Mergulho das Sombras e passava para a próxima sombra que via mais em frente, conseguindo avançar sem chamar a atenção de ninguém.

A tal sala se mostrou maior do que ela aparentava no mapa, o que fez todas as ideias de tamanho desse subterrâneo que Shiro tinha, ir pelos ares. A primeira coisa que ele descobriu antes de sequer entrar na sala, era que próximo às portas de entrada de cada sala, a iluminação era melhor e os corredores eram ainda mais largos. A porta também era do mesmo tipo que ele tinha passado quando chegou ali, e ele ficou se perguntando o porquê tinham que ser tão grossas.

Quando entrou, o ninja não teve como ter outra reação senão o de total deslumbro. Era claramente uma sala de testes mágicos, mas tudo feito com monstros. Haviam dezenas de cápsulas de vidro suspendidas em bases cheias de fios e tubos, que eram grandes o suficiente para acomodar uma “Naja de Olhos Cinzas”, um monstro com uma “cauda” que podia chegar até dois metros de comprimento. As tais capsulas eram cheias com um líquido laranja claro, onde os monstros estavam mergulhados, todos adormecidos.

Shiro entrou rapidamente na sala e se jogou atrás de uma variedade de cabos grossos, os mesmos que corriam pelo teto de todos os corredores. Analisou a sala o mais rápido que pôde. As tais capsulas eram inúmeras, e cada uma abrigava um monstro diferente. Não tinha como saber se os monstros estavam simplesmente adormecidos ou mortos. Shiro torcia pela segunda opção.

Não haviam muitos pesquisadores naquela sala, o que deu um pouco mais de liberdade para o ninja fazer sua análise. Foi andando sorrateiramente entre as capsulas, tentando evitar os monstros mais terríveis visualmente falando. Ele logo descobriu que alguns desses monstros estavam com aberturas em seus corpos, sem membros e até mesmo sem órgãos. Seja lá o que esse pessoal estava fazendo aqui, não deveria ser algo bonito o suficiente para ser mais explicado.

O ninja teve sua sorte aumentada quando viu as mesas de operação. Haviam muitas delas e estava bem ao fundo da sala. Muitas estavam encharcadas com sangue de até três cores diferentes, mas nenhuma residia algum monstro em processo operativo. Mas as mesas atraíram Shiro pelo fato de que, se houvesse algum tipo de operação do intuito médico sendo realizado ali, então provavelmente existiriam remédios e ferramentas médicas. Para sua sorte, ele achou uma mala de equipamentos para primeiros-socorros. Ele pegou a mala e se escondeu ainda mais fundo da sala, longe da visão dos três pesquisadores que andavam pela sala com suas pranchetas.

Shiro não poderia tomar nenhum tipo de medicamento, pois não conhecia nenhum nome específico, e ele não queria arriscar tomar algo que estivesse sendo utilizado em monstros. Então tudo o que fez foi pegar uma agulha e linhas limpas, se costurar o melhor que pôde — o que quase o fez gritar de dor, pois suas habilidades médicas eram tão boas quanto suas habilidades de canto no chuveiro —, limpar cortes para não infeccionarem e por fim, usar ataduras que era o que mais necessitava para estancar a perda de sangue.

Depois de descansar um tanto e se acostumar com a pele costurada, ele voltou a andar sorrateiramente pelas capsulas até a porta de saída. Seu passo estava mais lento agora, mas sua atenção continuava afiada. Ele saiu sem chamar nenhuma atenção, como se nunca tivesse adentrado aquele lugar sinistro.

Assim ele foi indo, se esgueirando pelos corredores que o levariam a algum lugar. Ele andava praguejando baixinho o tempo inteiro, pois sabia que precisava encontrar outra saída dali. Era impossível sair perto das barracas dos soldados, pois isso só terminaria com sua óbvia morte. Além disso, era provável que os soldados já estivessem em todos os cantos do Castelo, o procurando. O melhor que ele poderia fazer, era procurar uma outra saída, uma que o levasse para fora das paredes que rodeavam o castelo.

Shiro parou em outra porta que tinha o nome de “S.N.A.T.”, mas não adentrou. Assim que abriu a porta e espiou, ele viu que a sala não era tão grande e era cercada de máquinas de algo que ele não identificou, além de ter seis ou sete daqueles pesquisadores. Não valia a pena o risco, e não parecia levar para outra saída dali.

A terceira sala que ele encontrou também o ajudou muito. Era uma sala um tanto grande, mas pela largura e não comprimento. A sigla da sala era “S.A.”, e foi a única que Shiro conseguiu identificar. A sala era lotada de armários de ferro de vários tamanhos, separados organizadamente em fileiras duplas, com bancos largos e baixos entre elas. Parecia muito com as salas de vestiário de grandes teatros e até mesmo umas que tinham no próprio Coliseu.

O ninja teve uma ideia que colocou em prática imediatamente. Teve a certeza de que a sala estava vazia, depois foi procurar algum dos armários trancados mais ao canto. Não haviam nomes nos armários, apenas números. E o fato de estarem trancados não significava nada para um ninja do nível de Shiro, que conseguia destrancar qualquer tranca simples usando somente uma kunai.

Shiro arrombou três armários até achar o que queria: um jaleco limpo e uma bolsa com várias ferramentas diferentes. Ele pegou uma prancheta que via todos os outros usando e uma pena com tinta. Também colocou uma máscara de pano no rosto, pois como tinha visto alguns outros usando, ninguém iria estranhar. Claro, o disfarce o faria andar mais livremente por aquele lugar, mas ele ainda precisaria chamar o mínimo de atenção possível.

Saiu dali mais apressado agora, indo em outro corredor que daria mais para a direita. Ele fez seu primeiro teste de disfarce bem cedo. Viu um dos pesquisadores vir em sua direção, então Shiro baixou a cabeça e levantou a prancheta enquanto continuava andando, como se estivesse absorto na sua leitura e análise. O pesquisador passou por ele sem nem olhá-lo. Shiro contou isso ao seu favor, pois ou todos ali poderiam não se conhecer direito, ou havia algum tipo de pressa nos trabalhos de cada um.

 A próxima sala que entrou o deixou ainda mais confuso. Era a maior sala até agora e Shiro conseguiu identifica-la sem nem se preocupar com a sigla “S.T.T.P.” que estava na porta. A sala era quadrada e da porta, não dava para se enxergar a parede onde terminava. Rodeado na sala, haviam postes de madeira com estacas, camas pequenas com barras de ferro e pesos, pilares acolchoados e protegidos, ringues altos e retangulares, tapetes largos e grossos pelo chão e várias suspenções de ferro, de vários tamanhos e larguras. Era claramente uma sala de treinamento.

“Isso não faz sentido” foi o que o ninja pensou prontamente. Ele adentrou tranquilamente porque a sala estava vazia, podendo analisar com maior tranquilidade. Ele viu que os equipamentos estavam sendo usados muito recentemente, até mesmo porque a sala cheirava a suor, haviam marcas de sangue perto dos ringues e havia muita coisa jogada de qualquer forma, como se tivessem saído às pressas.

E por que isso não fazia sentido? Porque Shiro sabia que ali, não treinavam os soldados do exército de Riven. Eles já tinham um centro de treinamento enorme que ficava ao norte do Castelo, que também era onde os novos recrutas iam para passar por testes e designações para esquadrões. Será que existia algum tipo de esquadrão especial treinando secretamente aqui? Talvez alguns soldados que lutariam contra monstros e por isso que haviam tantos naquela primeira sala? Não tinha como tirar nenhum tipo de conclusão com tão pouca informação.

Shiro avistou uma outra porta do outro lado da sala, e ter ido nela foi seu erro. Assim que iria abrir a porta, ele ouviu uma voz alta vindo bem de trás dele:

— Ei! Onde pensa que você está indo?

O ninja se virou com susto e viu que um dos tais pesquisadores tinha acabado de entrar pelo mesmo lugar que ele, sem fazer nenhum tipo de barulho. O homem era alto, magro e tinha uma expressão em seu rosto que indicava pura estranheza.

— Sabe que essa porta leva para a sala da Doutora Chefe, não é? — perguntou ele, adentrando alguns passos na grande sala.

— Na verdade, não sei não. — respondeu Shiro, se afastando da tal porta e indo na direção do pesquisador. — Eu sou novo aqui e ainda não decorei todos os caminhos e salas. — falou, coçando a cabeça de leve, tentando parecer o mais perdido que podia. Também torcia para aquela desculpa ser o suficiente para enganá-lo. Caso não fosse, Shiro teria que ataca-lo.

— Ah, você deve ser o Carpoteus, não é?

— O próprio! — respondeu Shiro, fazendo uma promessa para si mesmo que se caso saísse dali com vida, iria procurar a mãe que tinha colocado o nome de “Carpoteus” no próprio filho e lhe perguntaria o motivo para tal.

— Mas você não deveria estar no Centro Médico de Assistência ao Presídio Especial?

— Sim, claro! — falou, e logo lembrou que havia sim uma sala grande com a sigla “C.M.A.P.E.”, mas que ele jurava que se tratava de “Como Mapear Amadoramente um Puta Espaço”. — Eu estava indo para lá e acabei me perdendo.

— Indo para lá? O Centro Médico é no outro bloco! — falou o pesquisador, levantando uma sobrancelha.

— Pois então... — disse Shiro, um tanto enrolado. Essa tinha sido sua pior conversa de disfarce de sua vida, e ele estava preste a ser desmascarado. — Eu não sou muito bom com mapas, então acabei virando em algum corredor errado depois que saí dos armários. Poderia me indicar para que lado eu devo ir?

— Bem, eu estava indo para aquele lado, então pode vir comigo se quiser.

— Ah, por favor! Fico em dívida com você!

O mais disfarçadamente possível, Shiro andou na direção do pesquisador, que logo saiu pela porta e pegou um corredor mais à direita. O ninja tentou segui-lo um pouco mais afastado, para que ele não prestasse atenção ao pouco da face descoberta de Shiro. Quanto menos essas pessoas o vissem, maiores as chances dele de usar outro disfarce, caso necessário.

— O que você fazia antes de vir para cá? — perguntou o homem descontraidamente.

— Ah. — outra vez Shiro foi pego de surpresa, pois estava torcendo para que ele não puxasse assunto. — Eu era Enfermeiro em uma clínica aqui mesmo da Capital, lá no canto sudeste. Clínica Korsari, já ouviu falar? — perguntou o ninja. O nome da clínica era real, diminuindo o máximo possível as mentiras que ele teria que contar para não revelar sua verdadeira identidade.

— Não conheço, pois não sou daqui. — respondeu o pesquisador, fazendo um peso sumir da consciência do ninja. — Sou de uma cidade um tanto esquecida do mundo, ao sul de Lazetna.

— Você é do Reino de Lazetna? O que veio fazer aqui tão longe? — perguntou Shiro, mandando as perguntas contra ele, para que o assunto se focasse no pesquisador.

— Acredite se quiser, eu era o melhor aluno da Academia Arcana da minha cidade! — respondeu ele, com orgulho. Ele deu uma leve batidinha no peito, o inflando. — Fui contratado pela própria Doutora Chefe um ano atrás. Imagine minha felicidade quando ela bateu na minha porta, me falando para fazer as malas e ir com ela para Riven?

— Realmente, inacreditável! E qual sua área?

— Sou um dos responsáveis pela Coleta e Distribuição de Energia para as salas de contenção mágica. — respondeu ele, sem preocupações. Pelo sorriso, ele tinha uma certa felicidade pelo próprio trabalho. — Agora eu estou com mais tempo livre e meu trabalho está mais sossegado, mas acredite: oito ou nove meses atrás isso aqui estava com uma correria que eu cheguei a desmaiar de exaustão!

— Oito meses? — Shiro perguntou, mas não esperou uma resposta do pesquisador, e sim de seu próprio cérebro. Seria coincidência ele ter dito o tempo quase exato de quando aconteceu o ataque de espionagem da White Lotus ao Castelo? Ou ao Torneio de Times do Coliseu?

— Sim, mais ou menos isso. Foi quando muitas pessoas começaram a trabalhar aqui, e nós estávamos tão atarefados que não chegamos a conhecer quase ninguém, mesmo que a pessoa estivesse trabalhando ao nosso lado. — falava ele, depois virou mais uma esquina e cumprimentou um outro pesquisador que passou. — A Doutora Chefe não é muito de tolerar conversas no horário de trabalho. Fique com essa dica em mente caso precise trabalhar com ela.

— Agradeço pela informação, irei me lembrar disso.

Depois de andarem mais alguns segundos, eles desceram mais um jogo de escadas, indo para ainda mais fundo naquele lugar. Shiro já tinha perdido a total noção de espaço e profundidade e tinha sorte por não ter alguma fobia de lugares fechados e escuros. Por algumas vezes, depois de descerem ainda mais, o guia de Shiro falava:

— Essa parte não está iluminada. Só continue andando e não se preocupe.

Nessas partes, a escuridão tomava conta de tudo, não deixando nenhum resquício de luz. O homem que ia na frente — Shiro acabou não perguntando o nome dele, coisa que parecia ser típico do ninja — falou que alguns corredores ainda estavam em manutenção e concerto, pois havia tido muitas “falhas catastróficas” durante importantes testes feitos há alguns meses atrás. De acordo com a história que ele contou, havia até mesmo uma parte do laboratório que havia sumido por causa de uma demolição causada por uma grande explosão. Shiro até teve curiosidade para perguntar o que estava sendo pesquisado ali, mas isso poderia ser um gatilho para sua revelação.

— Chegamos.

Os dois pararam em outra daquelas portas duplas grossas de ferro, que tinha a sigla dita anteriormente. O pesquisador disse que já iria indo para não se atrasar, e Shiro o agradeceu o mais gentilmente que pôde. Quando a pessoa sumiu de sua visão, o ninja respirou fundo, se virou e entrou pela porta.

Outra grande sala, mas extremamente mais fácil de se identificar. Aquilo ali era uma clínica médica, sem tirar nem colocar. Macas estavam enfileiradas na parede esquerda da sala, várias varas de soro estavam ligadas às macas e as vezes nas paredes. Várias mesas pequenas com agulhas, potes, copos e uma vasta quantidade de remédios eram empurrados de um lado para o outro. Essa era a sala que mais havia movimento, já que muitas das macas estavam ocupadas e havia muitos pesquisadores, que mais pareciam médicos, indo de uma ponta a outra, anotando ou sedando alguns pacientes.

É necessário tomar nota de uma coisa que chamou a atenção do membro da Immortal Star assim que entrou no cômodo: três das macas, que estavam claramente mais afastadas das outras, tinham pacientes em um estado... Assustador. O que estava mais à parede tinha o braço direito totalmente tomado por cristais que tinham mais de trinta centímetros, e esses mesmos cristais pareciam sair de outras partes do corpo. Ao lado dele, uma garota que não parava de gritar, tinha quatro chifres na cabeça e sua pele tinha virado totalmente verde. O outro que parecia estar dormindo, tinha as duas pernas inchadas e transformadas em pedra sólida. Antes que pudesse arregalar os olhos vendo aquele cenário desastroso, alguém o chamou.

— Ei você, o que quer aqui?

— Ah perdão! — Shiro olhou para o lado e viu uma moça que não parecia mais velha do que ele, sentada em uma escrivaninha bem próxima da porta. Ele deu dois passos em sua direção e continuou. — Meu nome é Carpoteus. Sou o novo, ahm... — ele se enrolou pois não sabia exatamente sua posição de trabalho que aquele cara deveria servir.

— Assistente de Verificação dos Presos? — perguntou a mulher, o olhando friamente. Shiro gritou um curto “ISSO!” e ficou parado ali sem saber como proceder. — Você está atrasado para seu primeiro dia de trabalho.

— Sim, sim, mil desculpas. Eu me perdi no caminho. Um colega da Coleta e Distribuição de Energia me guiou até aqui. — Shiro falou, e mais uma vez, fez aquela interpretação de uma pessoa encabulada e perdida. Parecia ter dado certo, pois a moça bufou como se não quisesse nem saber de novas preocupações. — Então, o que posso começar fazendo?

— Você tem muito trabalho. — disse ela, e se levantou. Apontou para um lado, que Shiro acompanhou com os olhos. — Está vendo aquela pilha de caixas? São os alimentos especiais para os prisioneiros, que já deveriam ter sido processados. Você precisa leva-las para as celas o quanto antes.

— Deixa comigo!

Shiro saiu correndo para perto das caixas, tentando o máximo ignorar a visão horrível daqueles pacientes e seus eventuais gritos. Ele pegou uma caixa e viu que não era tão pesada assim, o que lhe tranquilizou. Fazer esforço com pontos recém dados lhe custaria um sermão daqueles da Doutora Ana e de Nathalia. Assim que Shiro foi passando pela escrivaninha da moça que lhe atendeu, ela voltou a falar:

— Você precisa conversar com nosso Líder Médico, que está lá nas celas administrando alguns medicamentos. Precisa se apresentar formalmente para ele e explicar seu atraso. Só não garanto que você sairá impune disso.

Agradecendo mais uma vez, Shiro saiu da sala sem saber para onde ir. Encabulado, ele abriu a porta mais uma vez e perguntou para que lado era. Quase sem paciência, a mulher só disse para ele seguir a esquerda e depois andar até uma porta dupla de cor vermelha. Sem esperar, ele partiu carregando a tal caixa.

A situação dele não parecia muito melhor. Ele só tinha adentrado ainda mais aquele “laboratório” maluco e ainda não tinha visto nenhuma saída. E o que mais ele poderia fazer? Não poderia sair atacando essas pessoas e os obrigando a lhe contar uma saída, pois poderiam haver guardas por aqui. Além disso, quem confirmaria que algum médico ou pesquisador acuado diria a verdade sobre a saída? Era necessário agir com cautela e continuar representando o tal “Carpoteus” até ver uma chance de se juntar a um pessoal que iria para casa descansar.

A ideia sobre Guardas que Shiro tinha tido acabou se confirmando verdadeira. Na frente da porta vermelha haviam dois Guardas armados, que imediatamente perguntaram o que Shiro estava fazendo ali. Pela rapidez na pergunta e força nas vozes, Shiro imaginou que aquela “cela” não era um lugar de livre acesso para qualquer um. O ninja explicou que trazia os alimentos especiais que o Líder Médico havia pedido, e depois que um dos guardas entrou para confirmar, foi dado acesso a Carpoteus.

O que é mais estranho do que encontrar uma sala de treinamento dentro de um laboratório subterrâneo? Encontrar uma PRISÃO nela. Shiro entrou em um lugar que não parecia ter fim, cercados por celas que abrigavam duas pessoas espalhadas pelos dois cantos. O barulho da sala se resumia a conversas em baixo tom, que ecoavam para cada um dos quatro cantos daquele salão retangular. O ar estava diferente, mais impregnado, o que fez o ninja agradecer a própria sorte de estar usando uma máscara. A claridade não estava bem espalhada: existiam lamparinas de cristais mágicos no meio, mas não perto das barras de ferro das celas.

Agora sobre as pessoas naquela sala. Shiro teve sentimentos misturados quando observou e concluiu sua vistoria imediata. A começar pelos guardas, haviam apenas quatro, e só isso já era motivo de estranheza. Um estava na porta dupla que o ninja acabou de passar. Outro andava para lá e para cá, olhando para as celas, como se tentasse adivinhar as fofocas dos presos, que talvez pudessem estar planejando uma fuga. E por fim, os outros dois estavam no outro lado da prisão, em frente a uma porta diferente das demais. Poderiam estar guardando uma outra saída, o que imediatamente levantou a curiosidade de Shiro.

Já era estranho ter uma prisão daquele tamanho dentro de um laboratório subterrâneo debaixo do maior castelo do mundo. Agora para piorar, apenas quatro guardas cuidavam dele? Ou esses guardas eram poderosos demais, ou havia algo relacionado com os presos. Em uma outra rápida análise, Shiro pôde ver que os quatro guardas usavam o mesmo tipo de equipamento: conjunto de armaduras leves, uma espada simples embainhada e presa na cintura, um capacete aberto na frente e uma lança de ponta grossa em mãos.

E agora o absurdo: os presos. Shiro não acreditou no que tinha visto. Os presos não pareciam ser ladrões, bandidos ou assassinos. O ninja da Immortal Star conseguia reconhecer intenções maliciosas pelo olhar das pessoas, e nenhuma das que estavam ali, se encaixava nesse quesito. Haviam mulheres de todas as idades — inclusive idosas —, rapazes adolescente que tinham até quatorze anos e homens idosos. Todos, sem exceção, tinham ataduras, arranhões ou manchas suspeitas na pele. Estavam com roupas em farrapos e estavam magras.

— Mas o que caralhos é isso tudo? — falou Shiro, o que chamou a atenção do guarda que estava na porta onde ele tinha acabado de passar. O homem o olhou com desconfiança, mas se ateve a falar algo.

— Você está bem atrasado para seu primeiro dia de trabalho! — falou um outro homem que estava mais ao meio da grande prisão, debruçado em uma mesa larga de madeira que tinha os mais variados instrumentos médicos. Shiro imediatamente sabia que aquele era o tal Doutor Líder, ou seja lá o que fosse. — É ter muita coragem de aparecer na minha frente depois que... EI! — gritou ele quando decidiu se virar para encarar “Cartopeus”. — Quem você pensa que é?

— Ah o que está falando Doutor? É algum tipo de brincadeira? — perguntou Shiro, com os olhos prontos para saírem de seu rosto, tamanha surpresa. — A máscara! O senhor não está me reconhecendo por causa da máscara, não é mesmo?

— Máscara? Como você ousa tentar me enganar? — perguntou o médico em alto tom, chamando a atenção de todos. Até os dois guardas que estavam mais longe deram passos em frente para ouvir e entender melhor o que estava acontecendo. — Cartopeus tem cabelos loiros e olhos azuis!

— Ah... Fudeu então...

É onde as coisas realmente começaram a dar errado. Para Shiro, NADA naquele dia tinha dado certo, mas sua sorte parecia piorar a cada novo passo que dava. Assim que o médico se alertou, Shiro deixou sua energia mágica fluir, enchendo seu corpo com adrenalina e preparação. Ele precisava agir rápido, o que já estava bem acostumado. Ele virou para trás e sentiu uma fisgada no corpo, onde tinha acabado de se costurar.

KUNAI DA IMOBILIZAÇÃO!

Shiro puxou uma kunai de trás da roupa, dentro de sua pequena bolsa e imediatamente a energizou com energia, jogando aos pés do guarda que cuidava da “porta de entrada” da prisão. O guarda levou um susto com o súbito movimento do ninja, mas não conseguiu fazer sua sombra sair da área da kunai. Assim que a pequena arma enterrou no chão, todo o corpo do guarda levou um choque e ele parou de sentir as pernas.

O ninja pulou para o lado dele e foi nas trancas da porta dupla. Haviam três delas, uma em cada lado trancando a porta no chão com um tipo de gancho e uma última que ficava mais em cima lacrando uma porta a outra. Shiro também girou a grande chave de metal da porta e a retirou depois disso, escondendo-a em sua bolsa nas costas.

— Desculpe, não é nada pessoal. Só o meu dia que está uma merda mesmo. — falou o ninja de jaleco, antes de aplicar um potente soco na nuca desprotegida do guarda paralisado, o fazendo ir ao chão desmaiado.

O primeiro a reagir de acordo com a situação foi o guarda que fazia a caminhada pelas celas. Ele girou a lança e partiu diretamente contra Shiro, em um ataque de justa. Por mais que tenha pensado rápido, correr de tão longe gritando e mostrando sua intenção de atacar foi um erro. Shiro retirou duas shurikens e as atirou mirando nas pernas do guarda, bem no joelho esquerdo, onde a parte da armadura não protegia.

O coitado foi ao chão, fazendo um terrível barulho por todo aquele local. Havia alguns prisioneiros que estava dormindo, deitados em suas pequenas camas, mas todos se levantaram e colaram nas barras de ferro depois do som que ecoou vibrantemente pela prisão. O guarda em questão praguejou e se virou, olhando para o joelho sangrando. Colocou a mão na shuriken para retirá-la, mas Shiro já tinha feito seu próximo movimento, pulando para cima dele com força. O ninja atingiu o estômago do oponente caindo em cima de sua armadura, com uma forte pisada. O guarda cuspiu saliva e ficou sem ar, tossindo initerruptamente. Shiro se virou e aplicou um chute potente na lateral de sua cabeça, sem esperar. Tremendo, machucado e sem ar, o guarda desmaiou.

Naquele momento, a expressão na face do tal Doutor Líder era tão exageradamente assustada, que daria um excelente quadro cômico. Ele deu passos errados para trás e caiu no chão junto a mesa. Com todo o barulho, os dois guardas que estavam no lado de fora da prisão começaram a bater forte na porta dupla, gritando e perguntando sobre o que estava acontecendo lá dentro. Os presos não sabiam o que pensar e nem como reagir. Ficaram olhando quietos, com queixos caídos.

Os outros dois guardas que protegiam a outra porta também correram, mas foram mais espertos. Assim que estavam em uma distância moderada do inimigo, eles pararam e mantiveram sua guarda. Eram mais habilidosos, tinham uma boa posição com a lança e seus olhares eram duros como aço. A aura de batalha tinha se intensificado quando os três se encararam, cada um esperando o primeiro movimento do outro.

MERGULHO DAS SOMBRAS!

Ainda que houvessem homens extremamente habilidosos em Riven, a grande maioria — para não dizer todos —, não utilizava magias. Isso era devido aos fatos de que: magia não era algo fácil de se aprender e muito menos de se adaptar, e o investimento em cima disso seria gigantesco. Claro que haviam batalhões de magos e alguns outros guerreiros que já praticavam magia antes de se alistar, mas esses eram as exceções.

Quando Shiro simplesmente “entrou” no chão, sumindo em sua própria sombra, os dois guardas deram um passo para trás, relutantes e confusos. Eles logo começaram a procurar o inimigo, mas não o encontraram. Olharam um para o outro, sem saber o que dizer ou como reagir. Foi exatamente nesse ponto que um dos guardas encontrou o ninja.

Shiro tinha aparecido na sombra de um deles, empunhando uma kunai com determinação. Ele apareceu agachado, tanto para diminuir a visibilidade dos oponentes quanto para melhor atingir o alvo que queria. Usando energia no braço direito para aumentar sua força, Shiro desferiu um golpe de ponta exatamente na dobra da perna direita do guarda em questão, fazendo o soltar um grito que poderia ter sido ouvido por vários metros daqueles corredores escuros do laboratório.

Enquanto esse guarda caia no chão, soltando sua lança e começando uma choradeira que demoraria horas, o outro partiu para cima de Shiro, o atacando com estocadas rápidas e precisas. O ninja pulou para trás, movimentando o corpo de um lado para outro para se esquivar. Isso não foi muito bom para seus machucados, que repuxaram sua pele costurada e as dores acabaram o fazendo perder a concentração. Shiro tinha acabado de ganhar mais dois cortes, um no braço direito perto do ombro, e outro no lado da perna direita.

Shiro deu um salto para trás e atirou uma kunai ao mesmo tempo, tentando ganhar espaço. Sua fuga foi vitoriosa, mas o guarda aparou a kunai no ar, usando a habilmente a lança. Saltando um outro palavrão, o ninja se virou e começou a correr para o fundo da prisão, carregando energia mágica. O guarda correu atrás dele, sempre tomando uma distância segura e com a lança apontada para um novo ataque.

RAJADA DE SHURIKENS!

O ninja não correu muito. Colocou a mão em sua bolsa e puxou quatro shurikens, que ele agradeceu por ter pegado de volta depois da luta contra Leon. Energizou-as em sua mão e depois de um novo salto, se virando cento e oitenta graus antes de atirar três delas. As shurikens se dividiram no ar, criando clones mágicos idênticos e voando perigosamente na direção do guarda. Esse, que por sua vez, parou sua corrida e levantou a lança, pronto para se defender. Ele bateu em algumas das pequenas estrelas de ferro que vinham, fazendo-as voarem para todos os lados. Algumas passaram por sua defesa, atingindo seu corpo. Mas apenas duas delas conseguiram lhe cortar, e nem tinha sido algo profundo. Ele olhou para cima e riu, sabendo de como aquele ato do ninja tinha sido inútil.

SHURIKEN DAS SOMBRAS!

Talvez rir antes de ter derrotado o inimigo não fosse a coisa mais sensata a se fazer. Shiro tinha retirado quatro shurikens da mão, mas só atirou três. Ele já havia utilizado essa estratégia antes e se funcionou com algum guerreiro de nível alto, porque não funcionaria aqui? A última shuriken foi atirada depois, com uma energia diferente. A estrela ninja saiu de sua mão e se transformou em algo quase invisível, rápida demais para ser defendida. Ela voou violentamente até o rosto do soldado orgulhoso, que se juntou aos gritos do colega quando a shuriken lhe atingiu o olho direito.

Sem parar, Shiro correu na direção desse guarda e aplicou um chute potente em seu rosto. O soldado até tentou defender, mas a dor e a falta de um dos olhos não lhe permitiram. O guarda caiu rolando pelo chão, ainda gritando e sangrando. O chute foi forte o suficiente para deixar ele tonto e aturdido.

Tentando tomar um tanto de fôlego, Shiro cambaleou para trás, com a mão em um dos cortes perto do estômago que ele mesmo tinha costurado há alguns minutos atrás. Ele levantou a camisa e viu que os pontos arrebentaram, e sangue enchia sua calça e camisa. Pressionou o machucado e continuou andando, passando pelo médico que ainda parecia em choque, sentado no chão. Foi até a porta dupla que continuava sendo empurrada pelos dois guardas do outro lado.

— Guardas, estamos sendo atacados, os prisioneiros estão fugindo! — gritou Shiro, disfarçando um pouco a voz. As conversas paralelas dos prisioneiros criavam um ambiente perfeito para uma mentira. — Vão logo trazer reforços antes que eles nos matem! JÁ!

O último grito pareceu que fez efeito. Shiro ouviu os dois guardas comentando um com o outro e depois saindo em passos pesados para longe. Sorrindo, o ninja se virou mais uma vez e viu a situação dos guardas. Dois desmaiados, um gritando e um semiacordado. Não eram mais perigo para si, mas havia uma complicação maior a ser resolvida. Foi até o médico.

— Escuta aqui... — falou Shiro, levantando o médico do chão pelo colarinho da roupa. O médico estava tremendo e quase chorando. — Eu estou no limite da paciência e preciso de um bom motivo para não matar você!

— Pelo amor de Deus, não me mate! — gritou o médico, enfim chorando. — Eu não te fiz nada! Por favor, me poupe!

— Você destruiu meu disfarce perfeito! Acha que isso tem salvação?

Gritou chacoalhando violentamente o médico e gritava em sua cara. É claro que ele estava interpretando. Aquele médico provavelmente era sua maior chance de sair dali com vida, e talvez para lhe explicar o que todo aquele local ali era. Mas pedir com gentileza não funcionaria. Ele tinha que usar o medo para fazer o médico obedecer ordens sem ter tempo para pensar em traição. Pelo jeito, estava funcionando.

— Pare de resmungar! — gritou o ninja, mais uma vez. O médico tentou engolir o choro e o olhou profundamente. — Agora vamos fazer o seguinte: você vai agir exatamente do jeito que eu mandar, sem mudar uma só palavra ou ação, e em troca disso, eu deixo você sair daqui sem nenhum arranhão. O que acha?

— Sim, sim, sim!

Shiro não demorou muito para explicar as funções do médico, que engolia saliva a cada nova palavra, achando que o ninja não iria cumprir sua palavra e acabaria o matando. A realidade é que Shiro sabia que matar qualquer um dos guardas daqui, acabaria caindo contra a Guilda mais tarde. Mesmo que fosse um laboratório secreto, eles ainda estavam em território de Riven. Foi exatamente por isso que ele não atacou para matar os soldados dali da prisão.

O plano foi muito inteligente, na verdade. Até San o elogiaria por ter tido essa ideia em tão pouco tempo. Em primeiro lugar, Shiro pegou os dois guardas que ainda estavam acordados e machucados e os jogou para uma cela bem nos fundos, a trancando. Ele ainda falou que se os dois abrissem a boca para qualquer coisa, iriam perder a língua. Depois, Shiro levou o guarda desmaiado que cuidava da porta para a cela ao lado dessa outra. Esse guarda não estava com nenhum ferimento e só acordaria com uma bela dor de cabeça.

Por último, vinha a função do médico. Shiro fez com que o médico cuidasse verdadeiramente do último guarda, o que havia caído no chão com o joelho machucado. Ele estava perdendo sangue e sua respiração estava entrecortada. Depois virou para todos os prisioneiros restantes e pediu para que fizessem silêncio, e que isso não deveria ser desafiado. Por fim, Shiro abriu as duas portas grandes e as deixou quase escancaradas. Partiu para uma outra cela e se escondeu.

Uma pequena tropa apareceu poucos minutos depois de tudo estar pronto. Haviam seis homens, todos armados do mesmo jeito. Viram a porta entreaberta e nem pensaram duas vezes para adentrar o local. O que viram foi um médico sentado ao chão cuidando de um dos camaradas soldados.

— O que está acontecendo aqui? Quem está nos atacando? — perguntou o primeiro soldado, com pressa. Olhava de um lado para o outro, procurando inimigos.

— Vocês chegaram tarde! — gritou o médico. — Um homem vestindo roupas pretas e capuz nos atacou e pediu as chaves das celas! Ele libertou alguns dos prisioneiros e eles correram para a saída três! — Os soldados ouviram e se olharam, e depois começaram a procurar o tal homem e talvez alguns prisioneiros soltos, mas não viram ninguém. — O que estão fazendo!? Eles já fugiram em direção à Saída Três! Vão atrás deles!

Um tanto confusos, os guardas se viraram e tentaram sair ao mesmo tempo, o que acabou em uma atrapalhada quase hilária. Eles pegaram o corredor da esquerda e sumiram, junto com o som pesado de suas botas de ferro. Shiro espiou para fora, viu que estava tudo limpo e não havia sobrado nenhum soldado e voltou a trancar as grandes portas duplas.

— Agora me diga: que porra de lugar é esse?

A pergunta de Shiro ecoou pelo silencioso presídio escuro, fazendo todos os presos se agarrarem nas barras de ferro e começaram a clamar por liberdade. O silêncio morreu aqui. O médico continuava cuidando do guarda atacado, e já sabia que ele não corria risco de vida. Mas ainda aqui, ele mesmo não sabia se o ninja iria manter sua palavra de não matá-lo. O medo ainda estava impregnado em seu consciente.

— É uma prisão especial. — começou a falar o médico. Shiro o encarou com uma expressão do tipo “Isso é óbvio”, o que o fez começar a tremer. — Não foi feita para prender punidores de crimes, mas sim, testes que deram errado. Mas no momento, está prendendo apenas as pessoas que atacaram o castelo alguns meses atrás.

— Ah, vocês todos são as pessoas que vieram reivindicar o paradeiro de seus entes que o Exército de Riven fizeram desaparecer? — perguntou Shiro, se aproximando das celas mais à direita.

— Por favor, você precisa nos ajudar! — clamou uma das prisioneiras, uma mulher suja e surrada, com cabelos que deveriam ser loiros, não fossem a quantidade de pó e sujeira. Sua voz soou com ar um tanto desesperado. — Eles nos prenderam e não nos deixam falar com a Vossa Majestade!

— Isso é estranho. Vocês não tiveram nenhuma sessão perante o júri? — perguntou Shiro, e todos começaram a responder negativamente. Agora sim as coisas pareciam suspeitas. — Por que eles não foram levados ao julgamento do Rei? Achei que essa era a lei padrão de Riven!

— Eu não sei, eu juro! — respondeu o médico, vendo que o ninja tinha se virado para ele para fazer a pergunta. — Eu sou só o responsável por trata-los e mantê-los respirando! Tudo que sei é que eles foram trazidos para cá, pois não deveriam ser misturados com os tais Rúnicos!

Shiro colocou as mãos na cintura e respirou fundo. Era muita informação absurda para uma só tarde. Existia um laboratório secreto debaixo do castelo, onde eram feitas uma vasta quantidade de experimentos que envolviam até monstros. Que além disso, também tinha uma prisão especial, e nela estavam presas pessoas normais, que só queriam saber o que havia acontecido com seus filhos ou parentes próximos. Shiro sabia bem desse acontecimento, pois além de Any ter lhe contato tudo detalhadamente, o tal ataque tinha ocorrido ao mesmo tempo que a suposta espionagem que ele e seus dois ex-colegas tinham feito. Any também comentou sobre pessoas que não conseguiram fugir depois do ataque, mas também não tinha ideia do que lhes tinha ocorrido.

— Me confirmem algo. — disse Shiro, voltando para perto da celas e atraindo atenção dos presos. — Peste Escarlate. Vocês a conhecem, não é?

— Sim! Essa senhorita que nos liderou para o castelo! — respondeu um outro homem, que parecia mais idoso, na cela mais à esquerda. — Se não fosse pelo grupo dela e os planos de um Capitão da Guarda Real, nunca teríamos tido a coragem de reivindicar nossos direitos!

— Mesmo depois de presos, vocês consideram essa moça uma aliada? — Shiro engrossou um pouco a voz, demonstrando sua seriedade. Seus olhos também mudaram de brilho e foco.

— Bom, não sabemos o que aconteceu com ela. — começou respondendo o mesmo homem. — Mas esperamos que esteja bem! Não podemos trair a confiança que ela nos depositou, mesmo depois de sermos presos!

Houve um novo murmúrio ecoado pela prisão. Todos os prisioneiros pareciam falar sobre aquele assunto. Sobre Peste Escarlate. Sobre como uma única mulher incentivou várias vilas que não conseguiam ajuda de nenhuma Guilda ou que alguém da Realeza de Riven os ouvisse. Como ela planejou e armou um ataque que deveria ser definitivo. Não para tirar vidas. Mas para tirar respostas. Era quase unanime que eles ainda consideravam Any como uma aliada, e isso fez uma das várias preocupações de Shiro sumir. Ele sorriu e levantou a cabeça antes de voltar a falar.

— Ótimo! — falou ele, alto o suficiente para que todos pudessem ouvir. — Era isso que eu queria ouvir! Devo dizer para vocês que ela está bem sim, e preocupada com vocês. Como um aliado dela, não posso simplesmente ignorar as pessoas que ela tentou ajudar. Então eu vou tirar todos vocês daqui!

Uma comemoração não podia ser evitada. Assovios e gritos festivos, também como choros e cânticos fizeram aquela prisão parecer um galpão regendo um aniversário. Shiro perguntou ao médico onde estavam as chaves, e depois de pegar três grandes molhos das mesmas, começou a ir de cela em cela, libertando todos. Naquele momento, ele estava se sentindo tão heroico com os vivas e agradecimentos, que ele não se lembrou do fato de que ainda estava perdido... E agora com muita companhia.

—O grande salvador! — disse um outro homem, esse parecia bem jovem, com uma marca feia no rosto. Provavelmente um corte de espada costurado. Ficou uma cicatriz chamativa e que não sairia. — O senhor precisa salvar também uma outra pessoa que tentou nos ajudar!

— Mas eim? — perguntou Shiro, olhando para o homem. — Do que você está falando?

— Ah sim! — falou aquele mesmo idoso com quem Shiro havia conversado. O ninja descobriu mais tarde que ele era líder de uma vila mais a oeste da Capital. — Há algumas semanas atrás, um outro homem veio até aqui falando que iria nos salvar! Ele acabou encontrar a tal Katherina e os dois lutaram fervorosamente. Chegaram a destruir toda uma parte desse lugar com uma grande explosão.

— Espere, espere. — falou Shiro, levantando a mão. — Você disse Katherina? A “Alquimista das Mil Poções”, Katherina Ecsis Braskovta? Vai me dizer que ela é a tal “Doutora Chefe”?

— Não sei sobre esse título que você disse ou o nome dela completo, mas ela é sim a Doutora Chefe desse local.

Isso era uma nova informação e não era das boas. Shiro conhecia muito bem aquela mulher, pois há uns quatro anos atrás ela havia feito um grande pedido na White Lotus. Parece que haviam atacado um de seus laboratórios em uma cidade que ficava bem ao lado da Matriz da Guilda, e ela precisava de ajuda para recuperar os objetos roubados. Shiro se lembrava bem dessa missão pois ele ficou com o cargo principal de encontrar os fugitivos, coisa que foi feita sem maiores problemas. Por que Shiro lembra dela em específico? Porque ela PARTICIPOU da caça, e quando encontrou os ladrões... Digamos que “mortos” seria uma maneira mais pacífica de dizer o que lhes aconteceu.

— Tudo bem. Onde está a pessoa que tentou salvá-los? — perguntou o ninja, tentando tirar a imagem dos corpos daqueles ladrões da cabeça. Tinha sido horrível a ponto de atrapalhar seus três próximos trabalhos.

— Lá.

O senhor apontou para o outro lado. Shiro acompanhou seu dedo, que dava para o fim do local. Era aquela tal porta. A porta que estava sendo protegida por dois guardas, quando ele adentrou aquele local. Shiro soltou um palavrão sobre isso, pois achava que lá seria algum tipo de saída. Mas com aquele médico ali querendo fazer de tudo para cooperar, saber da saída não seria muito difícil. Shiro se aprontou a ir à porta.

É necessário dizer que Shiro parou de andar quando chegou a mais ou menos três passos da porta. Agora que ele estava mais próximo, dava para saber porque eles chamavam aquilo de “prisão especial”. Aquela porta estava trancada com algum tipo de selamento mágico e emanava uma aura terrível. Não dava para saber se a aura vinha de dentro do cômodo ou da própria porta. Shiro levou a mão bem devagar até uma maçaneta de ferro que havia na porta, mas antes de tocá-la, Shiro levou um choque e puxou a mão de volta. Uma barreira de repulsão.

— Mas que caralho! Por que eles precisam de uma barreira dessas para segurar uma simples pessoa? — perguntou ele, mas não havia sido para ninguém específico. Ele só estava nervoso por ter levado o choque. Tanto é que ele mesmo chegou na conclusão de “Se esse cara enfrentou a Katherina de frente, então deve ser poderoso também”. — Ah mas isso não vai ficar assim! INVENTÁRIO DAS TREVAS!

Shiro bateu com a palma no chão, abrindo um buraco negro bem ali. As pessoas que estavam mais próximas a ele se afastaram, com medo de seja lá o que ele fosse fazer. Isso já ajudava Shiro a gastar menos saliva, pedindo espaço. Depois de colocar sua mão dentro daquele portal negro, Shiro puxou sua ninja blade que pulsou com energia negra ao sentir o ar pesado daquele local. O ninja segurou a arma em sua frente com as duas mãos, fazendo mira, e depois a levantou, concentrando energia mágica em sua lâmina. Afastou as pernas e desceu a espada com toda força.

CORTE DA PENUMBRA!

 Com uma energia negra poderosa, a espada de Shiro bateu naquela barreira quase invisível, soltando faíscas de cores variadas para todos os lados. Os cidadãos que estavam mais próximos, se afastaram mais ainda. Quando a lâmina enegrecida começou a entrar na barreira, sobrepujando suas defesas, o ninja sorriu e colocou o restante de sua empolgação nos braços, terminando o golpe e destruindo totalmente a proteção. Um novo barulho sinistro ecoou pela prisão, como se fosse algo grande se apagando, morrendo. Algumas pessoas comemoraram, mas Shiro decidiu não perguntar o porquê.

Ele tentou abrir a porta com cuidado, mas foi necessário um tanto de força. Ela parecia emperrada. Não, não era isso. A porta era simplesmente pesada demais. Que material era aquele? Ferro triplicado? A porta riscou o chão de pedra enquanto era puxada para trás, e a primeira coisa que Shiro notou era o cheiro ácaro que saiu da cela. O ninja abanou a mão em frente ao nariz, e logo em seguida, esperou a fraca luz entrar naquele pequeno cômodo, para que fosse possível ver seu habitante.

A visão era horripilante. Havia uma pessoa lá, óbvio. Mas era melhor falar que havia alguém que PARECIA um ser humano. O homem em questão estava sentado no chão, encostado na parede do fundo, contrário a porta. Tinha os dois braços levantados, presos em correntes que brilhavam em vermelho. Imediatamente Shiro viu que eram Contendores de Energia. Pela intensidade, também dava para ver o quanto o pessoal desse lugar queria que aquele homem ficasse parado.

O corpo dele estava em um estado deplorável. Vestia somente uma calça pela metade, completamente rasgada e suja. Sua magreza chegava a anorexia, dando para ver os ossos frontais da caixa torácica pela pele. Seu rosto também parecia repuxado, com sombras embaixo dos olhos, como se não tivesse dormido por dias. Seu cabelo era muito curto e fino, quase inexistente, com ar de ser raspado mensalmente. E as feridas...

Seu corpo estava cheio de cortes que não estavam sendo tratados. Haviam hematomas feios no peito e nos braços, um corte profundo no olho direito e sua perna direita estava um banho de sangue. Ainda piorava. Em todo seu peito, havia uma marca estranha, como se fosse uma pintura de guerra dos povos do extremo sul, mas eram da mais viva cor verde. Essas marcas também passavam para os dois braços e subiam pelo pescoço, até parar no ouvido e lábios. Também haviam sangue e pus em lugares aleatórios de seu corpo, parecendo que ele havia levado várias picadas de um animal venenoso.

Era a visão de alguém que tinha passado pelo pior dos tratamentos. Provavelmente passado por torturas de todos os tipos. Aquela marca verde também deveria ser ato de alguma magia, talvez aprisionamento, talvez para enfraquece-lo. Seus ferimentos não estarem sendo tratados também poderia significar que era um tipo de teste, para ver o quanto ele resistiria as dores. Mas sabe qual foi o pior de tudo isso? Ainda pior do que essa visão? Do que o cheiro ruim que saia daquela cela? Daquela situação monstruosa que aquele homem foi deixado? O pior de tudo isso foi que, quando a luz finalmente bateu em sua cabeça, o homem levantou os olhos, olhou diretamente para Shiro e disse:

— Você demorou.

Você deve ter imaginado um suplício de vida. Um pedido de socorro. Uma voz entrecortada, fraca. Os olhos fundos, beirando ao fechamento eterno. Não foi isso que Shiro ouviu. A voz dele foi forte, rígida. Seu olhar estava tão vivo quanto alguém que acabou de ganhar o melhor presente de sua vida. Suas palavras e expressão fizeram parecer como uma mulher que esperou por meia hora a mais no local marcado pelo seu namorado, que chegou atrasado e trouxe uma desculpa esfarrapada.

— Caralho! — foi a coisa mais padrão que Shiro conseguiu responder. Ele dava essa resposta para metade das coisas em sua vida. — O que fizeram com você?

— Isso não é importante agora, Shiro da Immortal Star. — respondeu ele, fazendo o ninja dar dois passos assustados para trás. Shiro fez uma expressão de que iria perguntar “como” ele sabia quem era, e aquele homem respondeu imediatamente antes. — Quando você trabalha no meu ramo, precisa saber de literalmente tudo sobre todo mundo, de todos os lugares. Acho que você deve saber muito bem sobre isso, já que temos trabalhos um tanto parecidos.

— Pera, pera, pera! — falou o ninja, balançando a cabeça para todos os lados, parecendo a esvaziar em prol de obter novas ideias absurdas. — Não venha para cima de mim como se fossemos velhos conhecidos! Quem diabos é você?

— Ah... — suspirou o homem. Ele olhou para cima e respirou fundo. Tinha um ar impaciente, mas sabia que não poderia culpar o garoto confuso em sua frente. O jeito era ir devagar. — Eu não tenho um nome próprio para fazer uma apresentação adequada. Mas posso falar de algo que você deve saber bem. Sou o Soldado Urano, integrante da Planetarium com o trabalho de coleta de informações de todos os tipos.

— Puta merda! Um Soldado da Planetarium? Preso aqui? Não, não. Isso não pode estar certo!

— Eu entendo sua confusão, Shiro. — falou Urano, sem perder a compostura. Shiro mais uma vez se lembrou de que era sinistro que aquele homem o conhecesse. — Mas não temos muito tempo. Eu preciso da sua ajuda.

— Ah é? — perguntou o ninja, colocando as duas mãos na cintura. — Para quê? Escapar?

— Não. — respondeu ele prontamente. Tentou se puxar para mais perto da parede antes de continuar. Mesmo com tantas feridas, não parecia demonstrar qualquer sentimento de dor. Olhou de novo para os olhos confusos de Shiro e enfim falou. — Para salvar o mundo.

Vou tentar encurtar algumas coisas para você saber o mais importante logo. É nessa parte que tudo muda. Shiro descobriu uma coisa que mudaria para sempre suas ideias do que estava realmente acontecendo com os reinos. Você que está prestando atenção a essa história, vai ficar ainda mais surpreso, pois sabe de coisas que o ninja não sabia até então. Tente não se assustar muito.

Inicialmente, Shiro teve que tirar Urano de seu cativeiro. Ele tentou o máximo ignorar as últimas palavras daquele homem, pois “salvar o mundo” era uma coisa fantasiosa demais, e podia estar sendo dita por alguém com alto uso de drogas em seu sistema sanguíneo. Depois de liberar as correntes, Shiro e mais dois aldeões levaram Urano para uma mesa no meio da prisão, e aquele médico que tinha ficado ali começou a trata-lo imediatamente. Shiro tentou dar um sermão no médico, mas antes que isso acontecesse, o próprio Urano falou.

— Não foi ele que me deixou assim, não adianta você querer amedronta-lo. — Urano parecia calmo, deitado sobre aquela mesa. Shiro não comentou sobre a leveza de seu corpo e nem seu estado. — Quem me deixou assim foi Katherina, e você teve muita sorte dela não estar no laboratório hoje.

— Katherina é tão poderosa assim que foi capaz de vencer um membro da Planetarium? — perguntou o ninja, assim que o médico começou a aplicar pomadas nas pernas do paciente.

— Sim, poderosa o suficiente para ser do mesmo grupo que eu. — respondeu Urano, e continuou imediatamente depois, sem deixar Shiro ter uma reação completa. — Ela é a Unidade Vênus e a especialista em testes alquímicos e distribuição de mantimentos para nossa organização.

— Ah porra, agora as coisas estão fazendo cada vez menos sentido! Por que dois membros da organização mais poderosa do mundo entrariam em uma luta mortal?

— Se for te responder isso, eu iria ter que começar a contar as coisas começando pela metade. E imagino que você quer a versão completa dos fatos. — Urano olhou novamente para o ninja, que balançou a cabeça positivamente e silenciosamente. — Ótimo, porque eu preciso que você saiba de tudo para caso eu... — ele parou, e essa parada demorou cinco segundos cheios de tensão. — Acabe não aguentando mais os venenos.

— Venenos? — perguntou Shiro, mas imediatamente se deu conta de um fato. — Essas marcas! Essas coisas no seu corpo é algum tipo de maldição? Veneno mágico? Abstinência por cheirar gatinhos?

— Veneno mágico é o mais próximo. — respondeu ele, sem rir da piada final do ninja. — Katherina me colocou sob uma de suas poções mais poderosas, que impedem minhas funções nervosas. Normalmente, é algo que some depois de um dia no máximo. Mas isso não se aplica quando falamos de alguém como a Alquimista das Mil Poções. Inclusive... — disse ele, se virando para o médico que o atendia. — Não adianta você me injetar com esse reativador muscular ou esse remédio de recuperação de energia. Enquanto eu não tomar o antídoto certo ou ser curado por uma magia poderosa, essas marcas vão me impedir de sequer andar.

O médico engoliu saliva, ainda com a seringa na mão. Ele não esperava ganhar dicas do seu próprio paciente, mas também sabia que era impossível para ele curar algo que a Doutora Katherina tivesse envenenado. Ele guardou a seringa e voltou aos enfaixes.

— Como você sabia que seria eu abrindo aquela porta? — perguntou Shiro, se lembrando de algo importante.

— Eu estava trancado com algemas de contenção e envenenado com essa coisa. — falou ele, olhando para o próprio corpo. Imediatamente depois, continuou. — Mas nada disso pode bloquear minha Habilidade Nativa. — Mais um motivo para o ninja se surpreender. Ele sabia dessas habilidades, que nascem com a pessoa e não existe nenhuma explicação lógica. Além de serem totalmente variadas. — Meus cinco sentidos são extremamente elevados, e por causa do meu próprio treinamento, eu cheguei a deixar isso como uma habilidade quase divina. Posso ouvir coisas de muitos metros de distância, enxergar como um gavião, inclusive no escuro, e sentir o cheiro de algo apodrecido ou venenoso antes mesmo de estar no mesmo cômodo. Foram essas habilidades que me fizeram chegar ao posto do Planetarium... Mas também foram as mesmas habilidades que me fizeram ser trancado aqui.

— Você ouviu alguma coisa que não deveria, e eles tentaram te silenciar?

— Ah, você pegou a ideia bem rápido. — disse Urano, sorrindo por um mísero segundo. — Só que isso é só a gota de um poço cheio de intrigas que você vai considerar impossíveis. Toda a Guerra que está acontecendo lá fora nesse momento, a tentativa de assassinato ao Rei, a própria morte do filho de Vossa Majestade... Tudo isso foi calculosamente planejado, sem erros e sem atrasos.

— Pera, o quê?! — gritou o ninja, aflito. — Que guerra? O que está acontecendo lá fora? Achei que a cidade estava tentando cuidar do incêndio!

Shiro não tinha como saber dos ataques. Ele lutou contra Leon exatamente na hora que os ataques se iniciaram. Ele não tinha ideia de que seus companheiros já estavam metidos em batalhas sangrentas, e algumas vidas já haviam sido perdidas. A Capital estava tomada por um caos que apareceu de repente, e lá estava Shiro, preso em um laboratório subterrâneo junto com um suposto traidor da Planetarium.

Antes de contar o que tanto ansiava, Urano explicou para Shiro sobre os ataques. Sobre como eles haviam iniciado e como estavam sendo lidados. Ao ser questionado sobre “como” ele poderia saber daquilo tudo estando preso ali, o soldado simplesmente falou que sua habilidade também era ativa se ele mantivesse o ouvido na parede, estendendo sua audição para quase todo o Castelo. Shiro tentou não ficar mais impressionado do que já estava.

Por fim, Urano também contou sobre a Aliança dos Reinos Divinos, que o ninja também estava desatualizado. Ele disse que não era de se estranhar que ninguém os conhecesse, pois eles fizeram o máximo possível para se manter nas sombras até agora. Logo, Shiro agora sabia o que seus companheiros da Immortal Star também sabiam. O problema foi a nova informação que Urano lhe deu:

— Essa Aliança parece ter sido formada a pouco tempo e levantado um grande número de soldados e aliados. Isso não é verdade. Essa aliança foi criada há mais ou menos dez anos, e nesse mesmo tempo, há um grande planejamento envolvendo cada um dos quatro cantos do mundo. Eu não sei dizer exatamente quantos criadores estão envolvidos nela, mas conheço um deles, e é o pior de todos.

— É, agora entendo o que você quis dizer com “intrigas impossíveis”. — falou Shiro, depois de analisar cada palavra dita a ele. — Você mal começou a me contar e eu já estou tendo calafrios. Acha mesmo que deve contar isso logo para mim?

— Infelizmente, eu não tenho outra escolha. — falou ele, tentando o máximo não parecer chateado com o fato de que era Shiro que ouviria tamanho segredo. Com a falta de expressão em seu rosto, isso estava sendo bem complicado de ser feito. — Além disso, você tem habilidades que podem me ajudar a espalhar isso para as pessoas certas. Por fim, você também precisa dessa informação para limpar o nome da Immortal Star.

— Oh, oh, oh! Que parada é essa aí?

— Eu disse que existe um plano que envolve o mundo todo, e vocês obviamente são parte dele. — começou Urano. — Resumindo para você, alguém usou sua Guilda para tentar um assassinato contra nosso Rei. Foi por isso que você foi atacado quando chegou aqui, e por isso que foram enviadas três tropas para sua Base. — Shiro abriu a boca abismado, mas antes que pudesse fazer qualquer pergunta, Urano continuou. — O ataque deles foi malsucedido pelo jeito. Você não tem que se preocupar com isso. Agora preste muita atenção. Eu vou tentar detalhar só as partes importantes para você, pois talvez não tenhamos tanto tempo.

“Você já deve ter ouvido falar em algum conto de fadas sobre um Rei Malvado que quer conquistar tudo e ter tudo. Ou deve ter ido a uma peça de teatro com esse tema. Ou algum livro de faz de contas. Um vilão que quer conquistar o mundo não é algo novo e muitas vezes é algo relacionado a piadas, principalmente quando é contado como ele falhou miseravelmente.

Existe um clichê nessas histórias. O tal vilão sempre quer ter tudo sem se importar com as consequências. Também quer ter tudo o mais imediatamente possível, e vai ameaçar, atacar e até matar qualquer um que esteja em seu caminho. Isso o leva a uma quantidade absurda de erros e inimigos que acabam se juntando e o vencendo. Em geral, é sempre assim que a história termina.

Mas o que aconteceria se o tal vilão fosse alguém esperto demais? Se ele fosse poderoso, rico e, acima de tudo, paciente? Se esse vilão planejasse cada novo passo, cada nova estratégia, fazendo tudo secretamente e confiando em poucas pessoas? Se ele soubesse usar grupos, pessoas e até mesmo reinos inteiros a seu bel prazer, sem ninguém desconfiar que é dele que se trata? Pois bem, essa pessoa existe, e está aqui em Riven.

Primeiro você deve saber que ele tem poderes políticos, e não mágicos. Não é um guerreiro com espada e armadura, mas um guerreiro muito mais destemido que te enfrenta com dinheiro. É membro de uma das Famílias Reais, e tem poder sobre alguns grupos, vilas e até vias mercantis. Essa pessoa que todos acham um digno cavaleiro, quer tomar o mundo todo para si, engando milhares de pessoas no processo.

Eu não sei se ele foi o solene criador da Aliança dos Reinos Divinos, mas ele estava no começo. Tenho certeza de que foi ele que atraiu os grandes reis que hoje levaram seus soldados para atacar Riven, os fazendo aliados inseparáveis. Não sei exatamente a promessa que ele fez, ou quais seriam as recompensas. Mas ele conseguiu fazer Semangard, por exemplo, atacar destemidamente o Sul sem nem pensar em suas perdas.

Isso é só o começo. Talvez o maior plano que ele teve foi o que chamamos de “Projeto R.”, que é um nome código para o que eles chamam de “Rúnicos”. Você sabe que “Magia” não é algo que qualquer pessoa possa usar. Algumas não tem a menor possibilidade, mesmo com o melhor dos treinamentos. Esse projeto foi criado para ludibriar isso. O Projeto R., ao comando direto de Katherina, criou uma Gema de Energia completamente nova, chamada “Gema Parasita”. Ela é inserida em um ser humano qualquer, que não tenha nenhuma habilidade mágica, e a faz ser um mago mais poderoso do que os que lutam nas linhas de frente dos Exércitos de Reinos.

Agora vem a parte que talvez você fique ressentido. Essa Gema foi criada “roubando” a energia mágica que os lutadores utilizaram no último Torneio do Coliseu. Como eram batalhas em equipes, havia muita energia sendo liberada, e energias de diferentes elementos, intensidades e singularidades. Esse laboratório que você está aqui se estende até debaixo do Coliseu, onde existe uma enorme quantidade de maquinário que absorvia cada nova magia utilizada no ringue. As maquinas eram extremamente engenhosas, e só não foram capazes de absorver a energia da batalha final, pois a energia ultrapassou os limites das máquinas, fazendo algumas delas explodirem. Logo, você mesmo ajudou a criar essas Gemas. Mas não se culpe.

A segunda parte do plano: as pessoas normais. Agora que estou contando para você, imagino que já saiba quem foram os escolhidos para participar do Projeto. Uma pequena tropa especialmente selecionada foi despachada para as vilas próximas de Riven, falando que tinham que levar algumas pessoas para um “Recrutamento Obrigatório” para o exército do Reino. Foi tão meticulosamente bem feito, que essas tropas tinham até um mandato falso, mas extremamente realista em mãos.

Não sei exatamente quantas pessoas foram levadas, mas passou dos cem. E claro, quando eles chegaram a Riven, foram todos encaminhados para esse laboratório, onde lhes foi explicado o plano para eles. Eles seriam transformados nos primeiros “Rúnicos”, soldados com poderes que lutariam em uma Tropa Especial para o Exército e seriam a carta na manga de Riven. Para empolga-los, também foi oferecida um tipo de salário que era o dobro que um soldado normal receberia. Claro que isso fez com que todos aceitassem sem rodeios.

Eles foram treinados aqui, testando as tais Gemas. Houveram alguns erros graves, algumas pessoas chegaram a perder sua vida. Mas foi tudo escondido. Para não preocupar suas famílias, os tais soldados poderiam escrever quantas cartas quisessem, que elas seriam todas entregues pessoalmente. Claro que isso é uma mentira. Nenhuma carta saiu sequer desse laboratório. Eles não poderiam arriscar liberar nenhum tipo de informação, mesmo que fossem para meros aldeões. Tudo precisava ser perfeito. E foi.

Agora vem a parte inteligente. Esses Rúnicos precisavam treinar e se adaptarem as Gemas em pouco menos de um ano. Existem dois motivos absurdos e impensáveis para tal: a saúde do filho da Vossa Majestade e o tempo correto de ataque à Capital. Preciso falar sobre esse primeiro, já que é o mais absurdo dos dois.

Você estava lá no momento que o Rei anunciou a morte de seu filho. Mas não sabe muito sobre sua doença. Para não te enrolar, devo dizer que o único filho e herdeiro do trono foi “envenenado propositalmente”. Ele não tinha uma doença incurável. Não, muito pior. Ele estava sendo assassinado aos poucos. E pela pessoa que ficou ao seu lado, que deveria estar o tratando! O que há de mais absurdo ainda? Quem o envenenou e o manteve naquele estado mortal se chama Dr. Virach Travnik. Ele também é o Soldado da Unidade Mercúrio da Planetarium, nosso médico particular, só para você ter em mente o poder dessa pessoa.

Para quê matar o pobre Príncipe? Porque isso forçaria o nosso Rei a refazer uma “eleição” para o posto, já que o garoto era filho único e o nosso soberano não possui ninguém mais de sua família. Além disso, é a Lei de Riven passar o reinado para alguém das Famílias Reais, fazendo um tipo de “Teste de Soberania”, coisa que eu nem vou lhe perder o tempo para explicar. Mas isso dá uma chance ao nosso suposto vilão dominador de mundos a assumir como Rei do maior reino do mundo.

Sobre a parte do tempo perfeito do ataque à Capital, tem a ver com o tal Teste de Soberania, mas essa parte é fácil de explicar. Assim que os vários exércitos conjuntos começassem a empurrar as tropas de Riven, coisa que essa pessoa já sabia que seria uma verdade, esses Rúnicos seriam ativados, para aparecerem no pior momento no campo de batalha e “salvar o dia”. Nesse exato momento, eu acredito que as tropas já estejam chegando na luta, já que Katherina foi pessoalmente coletar dados e liderar os ataques.

Vamos analisar agora. O vilão primeiramente enganou vários reinos para atacarem Riven. Depois criou uma tropa com muito poder para servir como salvação para o Reino. Tudo isso, sem ninguém saber que quem está por trás de tudo isso é ele. Então temos duas conclusões: ou o ataque dos reinos é sucedido, o que vai fazer a Aliança vencer e, obviamente, “ele” também. Ou os Rúnicos salvam a Capital, se tornam heróis e “ele” aparece dizendo que está por trás da criação deles. De qualquer modo, ele vence.

Há alguns detalhes que não falei, mas que foram tudo meticulosamente organizados por ele. Sobre Peste Escarlate organizar um ataque com esses mesmos aldeões que estão aqui? Foi plano dele. Foi ele que enviou o tal Capitão até os líderes das vilas, espalhando os rumores e juntando as pessoas. Sobre assassinar o Rei? Foi coisa dele. Contratou uma Guilda do Submundo para se disfarçar de alguém de vocês, pois ele sabia que precisa tirar as Guildas da Capital de jogo, e como vocês eram a mais nova, seria mais fácil de desequilibrar.

Consegue ficar ainda pior, se analisarmos o que ele fez pelo mundo. Ele forçou duas grandes Guildas a se unirem à Aliança. Uma delas é a White Lotus. Foi ele quem contratou vocês para espionarem aquela reunião no Castelo. O motivo disso, foi que quando vocês fossem pegos, o Reino iria colocar a Guilda como inimiga de estado, e isso os obrigaria a entrar para a Aliança para se protegerem.

Ele também fez algo parecido com a Monster Hunter. Ele incentivou alguns membros da Guilda para pegar um trabalho especial usando muito dinheiro, e os fez matar a Rainha Jamala, lá de Kaasmidar. Isso fez o reino ir em cima da Guilda, destruindo a filial que ficava por lá. Para piorar, os presos ainda liberaram informações, falando que tinha sido “alguém de Riven” que os contratou, fazendo todo o reino entrar para a Aliança também. Dentro da Monster Hunter houve uma briga séria de uns tentando se vingar pelos companheiros, e por eles serem proibidos de tal, alguns membros saíram e criaram uma nova Guilda que trabalha diretamente para a Aliança, chamada Millenium Hunter.

Agora você entende o poder desse homem? Ele está há muitos anos planejando um Golpe de Estado perfeito, sem ter possibilidade de falhas, mesmo nas piores ocasiões. Comprou descaradamente Reis, Líderes de Guilda e até assassinos profissionais. Está controlando tudo pelas sombras, sem ninguém ter a menor ideia sobre sua presença nesse grande esquema. Ele quer tomar Riven para si, e com o poder do Reino e dessa Aliança, seu poder vai se estender ao ponto de que onde ele quiser conquistar, irá ser conquistado. Resultando em um tipo lento, mas realístico de dominação global.

Eu fui descobrindo seus envolvimentos pouco a pouco, descobrindo linhas soltas aqui e ali. Mas o que me deu todo o resto de informação veio da própria boca desse homem, quando o peguei em uma reunião secreta com outros líderes da Aliança. Foi quando decidir vir aqui para tirar satisfação com Katherina e confirmar minhas suspeitas. Que também foi quando descobri esses cidadãos presos, e na tentativa de libertá-los, acabei lutando contra a alquimista. No fim, descobri que ela também faz parte do esquema desse homem.

Só existe uma única coisa que não descobri: o MOTIVO dele querer fazer isso tudo. Não sei porque ele teve todo esse trabalho, todo esse empenho. Ele não tem nenhum problema mental para dizer que isso tudo é loucura da parte dele. É um homem são e de inteligência soberba. Mas conseguiu esconder seus motivos até de mim, o que faz meu trabalho não ter sido concluído, e é aqui que você entra.”

O médico havia terminado de fazer os curativos em Urano, falando que nada mais poderia ser feito sem uma magia de cura forte o suficiente para quebrar o encantamento da poção colocada. Urano comentou que aquilo poderia lhe salvar de uma morte por falta de sangue, mas sua vida ainda correria riscos por causa do veneno.

Shiro estava claramente nervoso, e tinha uma centena de motivos para isso. Andava de um lado para outro, sempre perto da mesa onde o Soldado da Planetarium estava sendo tratado. Andava com a cabeça baixa, os braços cruzados, e vez ou outra, xingava o nada. Quando o médico finalmente se afastou, ele se aproximou novamente de Urano e enfim disse:

— Ótimo, agora eu sei do maior plano de dominação mundial que já existiu. Do caralho. E agora? O que quer que eu faça?

— Você precisa fazer com que as pessoas fiquem sabendo disso, ou me levar para o Rei. — respondeu Urano, tentando se levantar e não conseguindo. Foi a primeira vez que ele pareceu chateado com a própria situação. — Não sei como faríamos isso, visto que o Rei deve estar em seu quarto real, extremamente protegido. Mas precisamos deixar algumas das Famílias Reais sabendo desse ocorrido. Antes que todo o plano dele chegue a nova fase.

— Aliás, você falou “dele”, “vilão”, “o homem” e o caralho a quatro, mas não me falou realmente QUEM é ele! — reclamou Shiro, com razão.

— Você deve conhece-lo, pelo menos de vista. — começou Urano, olhando na direção do ninja. Ele pareceu fazer uma expressão mais séria, e até as outras pessoas que ali estavam se aproximaram para saber a resposta. Eles também queriam saber quem era a pessoa por trás do rapto forçado de seus filhos. — Ele é o chefe de umas das Famílias Reais mais importantes, antigas e poderosas de Riven. Criador do “Saguão dos Honorários”, a Academia de Cavaleiros mais estimada do centro do planeta. É pai do General de Riven conhecido como “guerreiro mais poderoso”. Seu nome é Kaim Horth XV.


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Notas finais do capítulo

E no próximo capítulo, a situação de Riven começa a piorar... Até a chegada de um novo tipo de "reforço"



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