O Crepitar da Dor... escrita por Little Dream


Capítulo 1
O Inverno


Notas iniciais do capítulo

Vai em homenagem a minha doce Marida Iasmin, que sempre amou esse casal.

Espero que esteja a seu gosto linda :3



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O vento soava frio doutro lado da janela,impactante, as folhas secas caíam de suas árvores,deslizando até o chão.

O deus do submundo havia trocado o sombrio palácio nas profundezas das trevas, e até mesmo o resplandecente templo no iluminado Olimpo, por uma cabana de madeira na montanha.

Parece loucura, não é mesmo? Mas ele queria isso. Queria sentir o aroma de pinho, queria sentar na poltrona xadrez e assistir o fogo crepitar. Desejava, com todas suas forças, abrigar-se abaixo de um edredom enquanto lia um bom livro. Acordar cedo, ir até a pequena varanda e deitar-se na rede branca. Balançar-se lentamente enquanto o sol nascia, incapaz de seu calor lhe alcançar, apenas com o vestígio do que fora o aconchego natural.

E, principalmente, livrar-se dos pensamentos que tanto lhe afligiam: Sua vida. O Amor.

A cerca de três anos havia se separado de Perséfone. Deméter só faltou fazer festa, enquanto Zeus só faltou entrar em colapso. O Olimpo entrou em crise, e ninguém sabia bem ao certo o porquê.

Sem contar sua típica confusão natural: Desejar tanto alguém, e nunca conseguir alcançar. O pote de ouro no fim do Arco-Íris que nunca chegava.

Desde então, ficar no submundo é um tormento rotineiro: Levantar, escritório, almoçar, almas, torturas, Elísio, jantar, dormir. Não pensou duas vezes, entregou tudo a Nico e refugiou-se ali.

Jogou dois gravetos no fogo, quando um som quase desconhecido invadiu seus ouvidos. Demorou quase dois minutos para entender que aquilo era uma batida.

Ao abrir a porta, não conseguiu não sorrir.

Ali estava Afrodite. O cabelo louro queimado e a boina preta com alguns floquinhos de neve. O sobretudo escuro,e calça jeans e as botas —Por incrível que pareça, sem salto— reluzentes.

Os olhos castanhos brilhavam, e o sorriso ia de orelha a orelha.

—Feliz Aniversário Sr. Sombrio!

Ele riu enquanto ela batia os pés no tapete de entrada, e entrava, passando por ele com seu perfume de rosas e cravo-da-Índia.

Quando ele virou-se para ela, a deusa estava saltitando com um embrulho escuro em mãos.

—Não Afrodite! Não acredito que gastou dinheiro com isso!

—É o seu aniversário. Uma data importante. Eu não deixaria passar em branco.

Ela lhe entregou, transbordando em expectativa.

Ele desamarrou o embrulho, e puxou a garrafa: Tratava-se de um vinho de 1739,exclusividade mais que rara. Olhou para ela com tanta perplexidade que a deusa começou a gargalhar enquanto sua boca despencava ao chão.

—Amou né? Eu sabia que iria gostar. —Deu uma piscadinha, enquanto sentava na poltrona ao lado de Hades,cruzando as pernas.— Um exemplar da minha Adega particular. Use-a com sabedoria. Bebidas da deusa do amor. Ainda lembro como consegui essa, Ah Dionísio, acho que não me perdoou hoje.

Ele colocou a preciosidade sobre a mesa de madeira colonial e ficou de frente a ela, puxando-a pela mão até a deusa ficar de pé, abraçando-a em seguida.

—Obrigada! Você é a melhor mulher do universo!

Ela sorriu convencida.

—Eu sei.

Ele virou-se de costas, abrindo o que acabara de ganhar. Afrodite tirou o sobretudo, revelando uma blusa que ia até os cotovelos, azul claro.

—Vai abrir agora? Mas e o momento especial?

Ele apenas sorriu enquanto entregava a ela uma taça, e virava o disco no vinil. Puxou-a pela mão,e, frente a lareira, balançavam-se ao som de My Away – Frank Sinatra.

Todo momento com você,já é especial. — Ele pousou sua bebida sobre a mesa.—O que te trouxe aqui, jovem deusa?

Hades tinha suas duas mãos na cintura dela, enquanto a deusa, enlaçava seu pescoço.

—O seu aniversário, oras.

Ela sussurrou. Tão baixo,tão claro,tão sensual..

Ele arqueou a sobrancelha, a girando,quando a deusa voltou ao seus braços,aceitou brincar do mesmo joguinho que a olimpiana.

—E por que quis vir aqui? Por que não ligou como o restante?

Ele havia dito rouco, em seu ouvido. O Arrepiar da deusa foi seu símbolo de vitoria.

Afrodite formou com sua coluna quase um ângulo de noventa graus, subindo lentamente logo em seguida.

—Preferia que eu fosse igual ao restante?

—Afrodite...

A deusa tomou um longo gole e observou a taça, antes de prosseguir.

—Sem dúvidas eu tenho um bom gosto. Esse vinho é delicioso.

Hades entrosou os braços, bebericando um pouco do líquido que ignorara até agora.

—Quer mesmo mudar de assunto?

—Hades..

Ele suspirou, tirando a taça da mão da deusa e beijando rapidamente a mesma.

—Até quando continuaremos assim? As escuras?

Os olhos da deusa marejaram, ele não precisava ver-los para saber. Bastava tocar no assunto, e ela despencava em lágrimas.

A sua menina estava pronta para soltar-lo. E como em todas as vezes, ir embora. Por isso, ele puxou-a para mais perto. Ela levantou os olhos até encontrar os dele.

—Isso é tão...Dolorido.

—Você se pune,sozinha. Todos os dias.

Ela o largou com determinada agressividade.

—Você não entende? Eu os matei! Eu! Destruí o mais puro e sinc...

—Afrodite,chega! Você não é culpada disso, meu anjo. Foi o destino.

—Não. —Ela secou a lágrima fugitiva que escapara por seu olhar— Eros me disse que não daria certo. Você me alertou, dezenas de vezes que não Daria certo. E eu fui estúpida. Eu continuei, eu estava cega!

—Isso não justifica você se maltratar assim! Não é motivo para fazer isso comigo.

—Eu deveria saber que em terras remotas o amor é controlado. Não poderia ter arriscado tudo naqueles dois eu fui tol..

—Não. Não foi. —Ele a segurou pelos ombros— Me escute: Você não matou Julieta, muito menos Romeu. Você os apresentou um sentimento puro,verdadeiro,sincero. Você lhes mostrou que diferente de algum bem material, o romance não está em diferentes categorias,classes,ou escolhas. Você mostrou que é livre,incontrolável,selvagem e indomável. Você não prendeu os dois no cálice da paixão, você os libertou pelo céu do amor. E é isso que eu mais admiro em você, foi contra todos. E conseguiu mostrar que é forte.

—Mas eu errei! Foi a primeira vez que a morte e o amor andaram lado a lado, que a dor e a rosa se cumprimentaram, que a paixão e o luto se conheceram! E a culpa disso é minha, toda minha!

—E então você acha mesmo que ficar longe de mim, de se torturar assim, é o preço a pagar?

—Eles nunca ficaram juntos. Nunca andaram de mãos dadas pelas ruelas da cidade, Nunca adentraram verdadeiramente em um altar. Por que eu me daria o luxo disto?

—Não. Não não não. Romeu e Julieta entraram de mãos dadas no Elísio. Marcaram o mundo com sua história de amor. Foi uma revolução que percorreu anos,séculos. E continua até hoje. Você abriu uma nascente. E sabe disso,então pare de inventar culpa, e passe a se gratificar. O que você fez, o que você faz, é incrível.

A esse ponto ele roubara a rosa vermelha de seu próprio vaso. Entregando-a e continuando:

—Foi difícil? Foi. Mas também, o fim. As duas famílias encerraram os anos de conflito. E o mundo descobriu um sentimento tão verdadeiro, que nem mesmo a vida é capaz de ultrapassar sua importância. Algo tão intenso, que sequer o medo vence a coragem repentina de um coração apaixonado. E, se os céus negam as portas do paraíso, abre-se a morte para o amor bandido. E se o Luto e a Paixão se encontraram,foi a primeira vez em que eles, na teoria, saíram Lado a Lado!

E o deus dos mortos foi interrompido por um beijo. Quente e envolvente. Lento e calmo. Um choque de fortes intensidades.

A taça dela,foi deixada no balcão de fotos.

E o ar foi necessário.

Ela sorriu com o olhar, e ele soube que a havia libertado.

—Acho que está na hora da Morte e o Amor, finalmente ficarem juntos na prática também.

Ele a puxou para mais um beijo,

Lareira dançava em suas chamas,

Neve rodopiava lá fora,

O Disco ainda girava,

O vinho das taças havia acabado,

Mas tudo bem,

Já não importava agora.


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Notas finais do capítulo

Triste, melancólico, mas espero que tenha gostado!



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