Castle Combe escrita por vitoriafelinto


Capítulo 3
Capítulo 3




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Assim que abri as olhos, levou menos de um segundo para que eu me lembrasse dos últimos acontecimentos. Os corredores da escola subitamente escuros e vazios. A garota fugindo de algo que eu não conhecia. E então, tudo voltando ao normal novamente, a não ser pela visão de sua cabeça separada do corpo, os olhos arregalados e assustados, como se ainda pedisse por ajuda.
Em seguida, senti a enxaqueca. Levei a mão à testa, franzindo o rosto levemente ao sentir a dor. Olhei em volta e percebi que estava deitada em uma maca, cercada por uma cortina branca de pano a alguns centímetros de distância.
Devagar, me levantei. Uma mulher, usando um jaleco branco, entrou rapidamente e me olhou. - Oh, então você acordou! - A mulher exclamou. Ela aparentava ter uns 40 anos. Era magra e baixinha. Seus cabelos estavam presos em um coque apertado, e os fios grisalhos despontavam de seu couro cabeludo. Ela sorriu. - Como está se sentindo, querida?
– Perdão, mas você poderia me dizer aonde eu estou? - Perguntei educadamente.
– Oh, querida, você está na enfermaria da escola. - Ela respondeu. Parecia mais uma pergunta do que uma afirmação. Ela devia estar achando que eu era louca. - Sente dor de cabeça, querida? Eu posso trazer um tylenol se quiser.
– Sim, claro. Muito obrigada. - Tentei sorrir o mais educadamente possível, mas tudo o que consegui foi fazer uma careta.
Quando ela saiu, notei que minha bolsa e o sobretudo jaziam em uma mesinha ao final da cama. Me levantei e os peguei. Vesti o sobretudo e colocava a bolsa no ombro quando ela voltou.
– Aqui está, querida. - Ela colocou a pílula na minha mão e me entregou um copinho com água. Os engoli.
Ao abrir a cortina, me toquei que não poderia ter chegado até ali sozinha, já que eu estava desmaiada. Me virei rapidamente para a enfermeira.
– Uh… quem me trouxe até aqui?
Se ela disser querida mais uma vez…
– Um rapaz chamado Deon, querida. - Ela disse, erguendo o olhar de algo que rabiscava furiosamente em sua caderneta. Pude jurar que senti meu olho tremer ao ouvir a palavra novamente. Fiz cara de desentendida, por não estar ligando o nome à pessoa e ela percebeu. - Ele é alto, forte e possui cabelos platinados. E parecia estar preocupado com você, já que me obrigou a apenas deixá-la sair quando eu tivesse certeza de que podia andar. - Ela me mandou um sorriso cúmplice, antes de se virar e voltar a rabiscar em seu caderno. Um convite implícito para que eu me retirasse.
Ao fazer meu caminho para a saída, pensei nas possibilidades quase nulas de que Deon poderia estar preocupado comigo. Nós nunca havíamos nos falado antes, e o único contato que fiz com ele foi pelo olhar. O que já me pareceu suficiente pela carga de intensidade que carregava. Me incomodava pensar que momentos antes do “dia virar noite” - era como eu havia apelidado o episódio -, fora com ele que eu havia feito meu último contato. Puxando na memória, seu olhar foi diferente do que uma simples olhadela. Era o tipo de olhar que você mandava a alguém quando queria falar alguma coisa sem ter que abrir a boca. Ele não me conhecia, isso era absolutamente impossível. Eu costumava brincar com algumas crianças daqui quando era pequena e vinha passar as férias de verão, mas eu não me lembrava de nenhuma com cabelos platinados e olhos azuis. Nenhuma chance de que nos conhecíamos.
Quando cheguei do lado de fora, fui arrancada de meus pensamentos por uma garota que parecia ter a minha idade. Ela tinha cabelos compridos, de cor caramelo e olhos verdes.
– Ei, você está bem? - Ela tocou meu braço levemente, possivelmente tentando oferecer conforto. Resisti à vontade de tirar sua mão dali. - Fiquei sabendo que foi você que encontrou a… cabeça da menina, e que havia desmaiado logo depois. - Ao olhar em seus olhos, vi que a preocupação era verdadeira. - Eu sou Izobel a propósito. - Ela agora me estendia sua mão.
– Eu estou bem, obrigada pela preocupação. - Apertando suas mãos de volta, tentei oferecer meu melhor sorriso de quem havia acabado de acordar de um desmaio. - Eu me chamo Elowyn.
– Elowyn? Tipo, Halloween? - Ela me ofereceu um sorriso brincalhão.
Eu não retribuí. Não me leve à mal, ela era legal e tudo mais, mas ser simpática em meio a essa enxaqueca que ainda não havia chegado ao fim estava acabando comigo. E essa piadinha com o meu nome não ajudou em nada.
– Ah, me desculpe. - Ela me deu um sorriso sem graça. - Você acaba de ver uma cabeça decepada, e eu aqui fazendo piadas com seu nome.
Eu trocava meu peso de um pé para o outro desconfortavelmente quando só então percebi que o pátio ainda estava cheio de alunos. E de policiais, notei, atordoada. Cada um deles estava ocupado com um aluno, interrogando-os. Provavelmente estavam esperando por mim. Afinal, fora eu quem achara o corpo. Quer dizer, a cabeça.
Senti náuseas ao lembrar daquilo.
A garota falou comigo novamente.
– Olha, se você sair agora, eles não vão te ver. - Ela acenou para os policiais. - Vá. - Ela disse, suavemente.
Sussurrei um obrigada para ela, antes de me virar e desaparecer por entre os alunos. Passei por todos de cabeça baixa, agradecendo por ninguém ali me conhecer o suficiente para me reconhecer. Quando cheguei ao outro lado e atravessei os portões de Castle Combe High School, finalmente senti que podia respirar direito.
Inspirei e expirei profundamente, antes de começar a andar rápido o suficiente para que não pudesse ser chamado de corrida. Eu não estava tentando fugir da polícia nem nada, afinal, eu não era a culpada. E eu sabia que amanhã ou hoje mesmo eles me procurariam. Mas se eu sorrisse ou falasse com alguém nas próximas duas horas, eu vomitaria.
Quando eu estava passando por uma pequena lanchonete chamada Yellow Submarine, uma viatura virou a esquina. Droga. Dei um passo de volta e entrei rapidamente na lanchonete. O sino acima da porta tocou e uma lufada de ar quente me envolveu. As paredes eram pintadas de vermelho, as mesas eram brancas e os estofados das cadeiras eram azuis. Bandeiras da Inglaterra e quadros dos Beatles completavam o cenário. O cheiro de fritura encheu minhas narinas. Havia apenas um casal no pequeno lugar, então resolvi me sentar atrás deles. Peguei o fino cardápio de cima da mesa e o examinei. As letras pareciam se misturar à minha frente, e pela visão periférica eu notei o carro de polícia passando. Soltei a respiração que eu não percebi estar segurando. Eu estava ficando paranoica. Eles não estavam procurando por mim. Eles sequer sabiam quem eu era.
Eu só não queria falar com ninguém no momento. Assim que esse pensamento deixou a minha mente, uma sombra se esticou sobre a mesa. Ergui o olhar e notei que era o garçom. Usava uma camisa branca de manga comprida e um avental na cor vermelha, branca e azul. Segurava uma caneta e um bloquinho de notas nas mãos e um sorriso ensaiado no rosto.
– O que a senhorita gostaria de pedir? - Ele perguntou, educadamente.
Contando que eu só tinha vinte euros no bolso, avaliei minhas opções e vi que só dava para uma coca diet e um hambúrguer de menor tamanho. Resolvi pedir.
Lady Madonna tocava baixinho nos altos falantes e eu tamborilava meus dedos no ritmo da música enquanto esperava por meu pedido. Reparei no casal à minha frente e vi que a mulher estava de costas para mim. Ela tinha cabelos volumosos e ruivos, definidos em cachos perfeitos. O homem estava de frente pra mim, e de repente experimentei uma sensação de déjàvú. Era como se eu o conhecesse. Prestei mais atenção nele, e vi que usava uma camiseta verde. Até então me era estranho. Mas seu rosto, não. Suas feições quadradas me eram familiares. Era como quando você sonhava com alguém e então a via pessoalmente. Mas não era possível sonhar com alguém que nunca havíamos visto antes, eu tinha certeza disso. Então ele sorriu, e eu soube.
Era ele. O homem que eu havia visto perseguindo a menina há pouco. Mas ele estava diferente, pois agora ele era… humano.
Minha mente nublou, e eu tinha certeza que meus olhos estavam arregalados. Tentei me convencer de que aquilo não era possível. Aquele sujeito à minha frente não era a criatura da minha “visão”. Primeiro, porque eu nem tinha certeza se o que eu havia visto fora real. Algo como aquilo não podia ser real. Eu ainda nem havia tido tempo para pensar e refletir sobre tudo o que acontecera até agora. Castle Combe estava mexendo com a minha cabeça, e esse era apenas meu segundo dia aqui.
A maioria das pessoas já teria percebido alguém te encarando tão descaradamente da maneira que eu estava fazendo agora. Mas não ele.
A postura da menina mudou e ela se debruçou levemente sobre a mesa. Os dois deram as mãos e ele sussurrava alguma coisa para ela. Parecia tão concentrado em olhá-la firmemente nos olhos que por isso ainda não havia me notado ali. Eu teria desviado o olhar do momento íntimo, se não fosse pelo relâmpago de um brilho violeta que eu vira em seus olhos.
Ah. Meu. Deus.
Eu estava definitivamente ficando louca.
Pisquei e quando abri os olhos novamente vi que haviam voltado ao tom esverdeado. A menina voltou a sua posição anterior, as costas contra o estofado e retirou suas mãos das dele. Só então vi que não havia nada entre eles, senão um copo de água com gelo para ele e um suco para ela. O homem voltou seu olhar pra mim e meu coração gelou. Ele parecia saber que eu os encarava esse tempo todo. Seu olhar dizia: achou algo de interessante aqui? Ele deve ter percebido pela visão periférica, eu pensei. Não havia outro jeito dele saber, já que até então não havia olhado para mim.
Voltei o olhar para a minha mesa, reparando nas manchas de refrigerante e gordura que haviam ali. Parecia muito mais interessante do que voltar a encarar o sujeito. Percebi que não fazia ideia da hora. Puxei a manga do sobretudo e encarei o relógio em meu pulso. Já eram onze horas, o que significava que meus avós e, possivelmente, a cidade inteira já sabiam do ocorrido.
O garçom chegou com o refrigerante e o hambúrguer e os colocou na minha mesa. A bile ameaçou subir à garganta com a visão do queijo derretido caindo pelos lados da carne gordurosa.
Pedi para embalar para a viagem e paguei. Dei uma última olhada no casal e decidi que já era o bastante por um dia. Eu precisava me trancar no quarto e passar o resto do dia processando tudo o que havia acontecido até agora. Ou dormindo. A segunda opção me deixou mais feliz.
Meu corpo reagiu com calafrios à mudança súbita de temperatura ao chegar do lado de fora. Uma brisa gelada me envolveu enquanto senti finas gotículas de água no meu nariz. O céu ao sul estava completamente cinza, indicando que uma grande tempestade se aproximava. Apertei o sobretudo ao corpo e cruzei os braços, caminhando rapidamente e de cabeça baixa em direção à minha casa.


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Notas finais do capítulo

Então chegamos ao fim do terceiro capítulo!
Espero que tenham gostado, e fiquem ligados que no próximo Deon voltará!
xoxo!



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