Raise your glass escrita por Sheba


Capítulo 7
Capítulo 7-Cavern Club


Notas iniciais do capítulo

Agora são exatemente 00:18 e por mais que eu tenha corrido como uma condenada, eu atrasei mais uma vez. Me desculpem de verdade, eu tento me adiantar ao máximo mas as vezes dá *um pouco* errado. Eu espero que o tamanho do capítulo e o quanto eu gostei de escrever ele compensem.
Boa leitura, nos vemos nas notas finais! ♥



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Eu devia começar narrando esse exato momento da minha vida pelo que mais importa:
Eu, Pietra Bouler, sou a pessoa mais feliz da nublada Londres, quiçá do Reino Unido inteiro e se você cavar bem fundo, eu sou talvez a pessoa mais feliz desse lugar que nós chamamos de planeta Terra.
Isso é tudo basicamente. Eu poderia terminar aqui, nesse momento mágico. Como uma foto que você vê e revê e nunca se cansa. Aprisionar o momento no seu ponto mais significativo.
Eu deveria ir embora agora, deixar tudo para depois. Mas vocês não permitiriam que eu fizesse isso, huh?
Vocês se apegaram ao que eu tenho a dizer e é inegável que eu adoro a sensação de contar tudo isso para vocês.
Então eu vou voltar, e voltar, e voltar, e voltar. Para antes desse momento, antes da queda de James de cima de uma mesa de bar, antes de Lily roubar um carro, antes de ter reencontrado pessoas do meu passado, antes de Remus surpreender a todos nós, antes de nós quase perdermos para a Corvinal, antes de Slughorn ser um babaca de marca maior... De novo.
Você pode me agradecer mais tarde.
–x-
–Molly, você não acha que Lily deveria conversar com ele? -Eu perguntei, ainda sonolenta. Molly concordou veementemente.
–Querida... -Ela começou se dirigindo a Lily mas foi cortada pela mesma.
–Eu não vou falar com ele, por que primeiro, eu não fiz nada e segundo eu não me importo se ele está bravo comigo ou não, melhor que ele fique longe mesmo. -Ela disse apressando o passo e ficando a uma distância considerável de nós três enquanto caminhávamos até o Grande Salão.
–Será que todos em Hogwarts mentem mal assim? -Alice perguntou, tão mal humorada quanto sempre nas manhãs.
–É provável. -Eu respondi, tentando mudar minha estratégia. Ele teria de falar com ela e não o contrário.
–Nós podíamos estudar e depois ir para o jogo? -Eu me manifestei mais uma vez tentado bolar um plano rápido.
–Jogo? -Molly perguntou enquanto procurava algo em sua mala.
–Grifinória e Corvinal. Começa às 17h.
–Dumbledore não tinha cancelado os jogos? -Alice agora segurava a mala para Molly enquanto ela procurava, a testa franzida absorta em concentração.
–Ele voltou atrás na decisão... -Eu falei, deixando a frase morrer enquanto parava ao lado das duas, curiosa com o que quer que fosse que Molly estivesse procurando.
–Estava bem aqui... -Ela falou colocando milhares de coisas para fora, kit emergência feminino, um guarda chuva, óculos de sol, uma troca de roupa, seus cadernos e livros. -Como eu posso ter me esquecido? -Ela puxou algumas folhas soltas e enfim exclamou. -AH! Eu sabia que você estava aqui!
Ela puxou alguma coisa cor de berinjela de dentro da mala. Pouco a pouco a "coisa" se revelou ser um suéter de lã grande com a letra "P", um pouco torta, em laranja bem no meio dele.
–Eu achei uma video aula. -Ela disse com um sorriso fraco, um pouco insegura. -Não ficou exatamente como a moça prometeu que ficaria...
Eu peguei o suéter das mãos dela e a puxei para o abraço mais apertado que eu consegui dar.
Um presente, eu estava ganhando um presente de verdade.
–É lindo Molly, -Eu disse com meu rosto perdido em seus cabelos. -Eu nunca poderia esperar por nada tão lindo.
–Eu vou melhorar, -Ela disse quando nos soltamos do abraço. -Não é tão difícil, eu só preciso de prática.
–Você pode fazer para mais pessoas além de mim, assim você treina e estaremos todos bem para o inverno. Que tal?
–Oh, sim! Eu vou fazer isso mesmo! Agora se vocês não se importam, -Ela disse com um sorriso radiante. -Eu vou contar as novidades para o Artie!
–Até mais tarde Mols, e obrigada de verdade. -Eu disse sorrindo de volta.
A cada dia que passava eu tinha mais certeza que Molly e Arthur eram aquele tipo de casal que não vai se separar, não importa o que aconteça.
Eu e Alice entramos no Grande Salão enquanto conversávamos sobre o jogo.
–Eu convenço ela a ir. -Ela disse se referindo a Lily. -Você acha que ela e o Potter poderão conversar lá?
–É o plano, mas eu não sei se vai funcionar.
–Muito orgulho envolvido. -Ela disse se virando para onde se sentava normalmente, mas ela parou de supetão, eu tentei ver para onde ela olhava tão petrificada e vi Frank Longbottom conversando com alguém que estava de costas para nós, mas que pelo cabelo eu só podia supor ser Bellatrix Black.
–Isso não vai prestar. -Eu pensei, comentando alto, mas já era tarde demais, num piscar de olhos, Alice já estava entre os dois.
Eu não esperei para ver o circo ser incinerado até virar pó, dando meia volta, eu rumei para a outra ponta da mesa, onde o time estava.
Enquanto eu me aproximava, uma estranha sensação me incomodava, só então eu percebi o que era.
Prongs não estava gritando, aliás, eu não conseguia vê-lo em lugar nenhum.
Eu me sentei do lado de Moony como sempre e soprei um beijo para Ludo, três pessoas distante de mim, ele fingiu que agarrou o beijo no caminho e colocou no coração, Gid e Fab quase tiveram um pequeno ataque de fanboys.
–'Dia. -Eu cumprimentei Moony, mas ele não respondeu, olhava concentrado para um ponto um pouco atrás da nossa mesa, eu me virei para olhar também.
Atrás da mesa da Grifinória existiam apenas pilastras e estátuas e entre duas desses se encontravam James Potter e Lily Evans. Um arrepio correu minha espinha.
–Ela chegou pouco antes de você e já pediu para falar com ele. -Remy falou sem desgrudar os olhos da cena.
–Ordenou, você quer dizer. -Pads acrescentou, também virado em direção aos dois.
Eles estavam distantes demais para que eu os ouvisse, mas sua postura já dizia muito.
Ambos estavam com os braços cruzados e de momentos em momentos, Lily dirigia um dedo na direção dele, que desviava irritado.
–Eles estão estragando tudo. -Eu murmurei irritada.
–Que quer dizer? -Pads perguntou.
–Eu tinha combinado com Alice para arrastar Evans para o jogo. Depois que vocês tivessem vencido e Prongs estivesse feliz e calmo, seria bem mais fácil que os dois conversassem sem tentarem se matar.
–Genial, -Padfoot falou, virando-se para mim. -Mas eles estragaram tudo.
–Alguns casais simplesmente não foram feitos para ficarem juntos. -Moony falou amargo. Eu e Sirius o encaramos.
–Que é? Vocês me ouviram. -Ele acrescentou franzindo o cenho, eu fiquei assustada.
–Moony, tá tudo bem com você? -Eu perguntei colocando a mão em seu joelho, por debaixo da mesa.
Ele apenas concordou com a cabeça soltando um "Sim, claro".
Nós continuamos vendo os dois discutindo do outro lado da mesa até que Moony se manifestou mais uma vez.
–Padfoot, por que você não conta as novidades para a Wormy? Você já contou pra quase todo mundo mesmo... -Ele falou com um sorriso forçado que Sirius pareceu não perceber.
–Ohhhh! É verdade! Wormy, advinha o que aconteceu?
–Lucius Malfoy se afogou no banheiro feminino?
–Não, infelizmente. Mas eu consegui um encontro com Indina, sexta feira.
–Quem?
–A garota da Corvinal lembra? A linda e peituda. -Remus falou remexendo seus ovos mexidos.
–Ah, ela... -Eu falei finalmente associando o mau humor de Moony à algo concreto. -Parabéns...?
–Ugh, você e Moony parecem ter combinado a TPM de vocês.
Eu tentei segurar a risada, mas não consegui, olhando rápido para Remy notei que ele também riu levemente.
–Babaca. -Eu falei para Pads. Ele apenas me encarou, a sobrancelha arqueada e me deu uma piscadela, meu coração perdeu um compasso. Ele voltou a olhar para o casal.
–Não vale a pena se apaixonar por esse aí não. -Moony falou no meu ouvido.
–Quer dizer que nós estamos falando de paixão? -Eu sussurrei de volta.
–Você me irrita.
–Você fica lindo com ciúmes.
–Eu não... -Mas ele foi cortado antes de dar sua desculpa, Lily deu meia volta e estava indo em direção ao seu canto da mesa, marchando irritada, James não parecia muito melhor.
Ele se sentou ao lado de Sirius e antes que nós nos manifestássemos falou.
–O primeiro que der um pio, vai se arrepender pelo resto da vida. -Ele se projetou levemente acima da mesa e agarrou um bolinho de chocolate, eu vi o rosto de Ludo se contorcer de raiva quando viu aquilo. Prongs enfiou o bolinho inteiro na boca e mastigou com raiva.
–Pio. -Sirius falou e logo colocou a mão sobre a boca para segurar uma risada histérica.
Prongs dirigiu um olhar gélido para ele e voltou a comer.
Do outro lado da mesa, Lily devorava um pedaço de melão, aparentemente não conversando com ninguém.
–Então, -Eu falei tentando cortar o silêncio pesado que caiu sobre nós. -Vocês vão no intensivo de química de novo hoje?
Prongs me dirigiu o mesmo olhar que Pads ganhou momentos antes.
–Eu só posso ficar até umas 15h... -Sirius falou passando manteiga em um pão, quando ele acabou James agarrou o pão e deu uma mordida enorme. -Saúde, camarada.
–Precisava de mais manteiga. -Prongs falou com a boca cheia de pão.
–Eu melhoro na próxima.
–E você Moony? -Eu perguntei esperançosa.
–Eu vou, Lily é uma adorável professora.
–Lily é uma adorável professora. -Prongs repetiu zombeteiro.
–x-
Na saída do café da manhã, eu peguei um bolinho de chocolate e o escondi. Quando passamos pelas portas do Grande Salão e Prongs e Pads se dirigiram para a aula de defesa pessoal enquanto eu e Moony íamos para herbologia, eu segurei o braço de Ludo.
–Big boy. -Eu disse puxando ele para perto para que ninguém visse o pequeno tráfico que ali se passava, eu não duvido que Bartô se sentiria muito satisfeito em delatar Ludo para Prongs.
Ele se aproximou com um sorriso, que aumentou vinte vezes quando ele viu o que eu estava colocando contra sua mão.
–Nosso segredinho? -Eu falei com um sorriso.
Ele deu uma risada deliciada e antes que eu me desse conta, me deu um pequeno beijo, mal tocando meus lábios, mas foi o suficiente para fazer meu rosto queimar como os sete infernos.
–Nosso segredinho. -Ele falou piscando para mim e retomando seu caminho.
–Acabe com os Corvinos hoje! -Eu gritei enquanto ele se afastava acompanhado de Dick, e os gêmeos Prewett.
–Eu vou! -Ele respondeu antes de virar um corredor e fugir de vista.
–Devo confessar que isso foi uma das coisas mais fofas que eu vi em muito tempo. -Remus falou enquanto tomávamos nosso caminho para a aula.
–Então você não tem um espelho.
–Oh, isso foi bem fofo também. -Moony falou, não conseguindo esconder as bochechas rosadas.
–Você quer saber se eu gosto dele, não quer? -Eu disse com um sorriso de canto de boca.
–Talvez? -Remus falou com os grandes olhos verdes me olhando curiosos.
–Eu gosto do Ludo, não como namorado, eu suponho, por mais que em teoria ele seja mesmo meu namorado?
Moony concordou levemente. Eu continuei.
–O fato é, às vezes paixonites inesperadas acontecem, quem sabe até amores inesperados.
–Toda vez que nós conversarmos os assuntos vão acabar sendo sobre mim? -Ele falou irritado.
Eu sorri e nós andamos mais algum tempo em silêncio.
–Eu não poderia gostar do Ludo, nem que eu quisesse. -Eu falei em um suspiro.
–O que você quer dizer com isso? -Remus falou tentando me olhar nos olhos, eu não deixei.
–Nada de mais, só uma constatação.
–Wormy isso é ridículo. -Ele falou parando subitamente.
–O que é ridículo? -Eu falei inocente, mas eu sabia onde ele queria chegar.
–Você me faz interrogatórios constantes, e quando eu digo constantes, eu me refiro ao fato que você fala sobre mim O TEMPO TODO. Vive me jogando indiretas, fazendo comentários. E quando eu te faço uma pergunta simples e direta você desvia assim? Isso não me parece uma amizade muito, hum... mútua?
–Tudo ao seu tempo, pequeno gafanhoto. -Eu falei passando meu braço ao redor de sua cintura. -E não podemos esquecer do fato de que sua vida é muito mais interessante que a minha.
–Não fui eu que ganhei um namorado simplesmente por existir. -Ele falou olhando pensativo para o fim do corredor.
–Touché.
–Odeio quando você e Pads me copiam.
–X-
Eu poderia descrever o resto do dia em detalhes, mas eu vou pular essa parte tediosa. Vocês vão gostar, eu prometo.
Em resumo:
•Eu irritei mais o Moony, a ponto dele ameaçar nunca mais falar comigo... Três vezes.
•Eu fui mordida por uma planta carnívora, algo que eu julgava impossível, mas que segundo Madame Ponfrey, a enfermeira do colégio, era algo ridiculamente comum.
•Sirius comentou mais duas vezes sobre seu encontro com Indina, o que me levou a duas alternativas: Matar Pads para ele calar aquela boca enorme; ou admitir que ele estava fazendo aquilo para irritar alguém. Preferi a segunda.
•James continuou comendo tudo o que ele achava pela frente então eu fiz um voto de que nós nunca, em hipótese alguma vamos ver filmes românticos com ele. Ele é um desastre.
•Eu recebi um "vai à merda, Wormy" dos três por ter sugerido que todos eles fizessem meu trabalho da McGonagall enquanto eu descansava minha beleza. Como visto anteriormente não funcionou.
•Snape, que infelizmente fazia as aulas de geografia conosco, tentou fazer o primeiro contato comigo em muito tempo, o que me levou a um misto de raiva e tristeza. Mas eu fui prontamente defendida pelos meus cavalheiros de armadura.
–Você não tem que ir chorar no cantinho agora ou algo assim Snivellus? -James falou se postando ao lado da minha mesa.
–Ela está comprometida, camarada. Use a mão e a mente. -Sirius falou, eu me senti ofendida por um segundo, mas era de se esperar que ele faria um comentário idiota assim, pelo menos ele se deu ao trabalho de pensar em algo.
–Severus, não é um bom momento, sim? -Remus emendou, sempre o mais polido.
–Ela pode decidir se fala comigo ou não. -Ele falou o queixo erguido e o maxilar cerrado.
Eu levantei o rosto em direção ao dele, sentindo como se baldes de gelo estivessem sendo jogados sobre mim. Aquele ali na minha frente foi por anos o mais próximo que eu tive de um amigo.
E é aí que eu sempre me enganei, aquilo não era amizade, amizade era o que eu tinha com os três idiotas parados ao meu lado.
Eu sorri para Severus, um sorriso duro e forçado.
–Os garotos foram claros, Snivellus.
Eu vi as sobrancelhas de Snape se erguerem em uma expressão surpresa, que logo se tornou a sua versão abatida normal. Ele se virou sem mais uma palavra e foi para sua mesa.
–Eu posso me defender. -Eu disse irritada, virando para eles.
–Um "obrigado" cairia bem. -Sirius falou sorrindo
–Obrigada. Mas eu sei me defender.
–Ninguém duvida disso, é só que você tende a ser levemente... Violenta? -James falou incerto. Eu apenas dei risada.
–Vocês provavelmente tem razão.
•A aula acabou e todos nós (menos James, fomos estudar química), por mais que Lily estivesse fuzilando Sirius com o olhar de forma clara, ela não o destratou e Padfoot soube manter sua boca fechada para não piorar tudo.
•Ao final da tarde, cada um de nós parecia muito preparado para a prova, o que era assustador, por que eu fiquei imaginando a possibilidade de estragar tudo, indo muito mal como sempre.
•Sirius foi atrás dos meninos para a preparação final e nós nos preparamos para o jogo (menos Lily).
–x-
–Um beijo de boa sorte? -Ludo falou no meu ouvido e eu senti um arrepio correndo meu corpo, de susto é claro.
–Ludo, eu cheguei à conclusão de que você está ficando muito a vontade com essa nossa relação. -Eu falei me virando para ele, sorrindo. Só nós dois estávamos no corredor que levava do vestiário ao campo. Remus estava tentando achar lugar com as meninas e eu tentava encontrar James para ver se ele estava bem mesmo.
Pelos gritos que vinham de dentro do vestiário, ele parecia muito bem.
–E não era para estar? -Ele falou se aproximando mais de mim. Eu fiquei vermelha.
–Você não deveria estar lá dentro, ouvindo o sermão como todos os outros?
–Você quer que eu vá?
Eu suspirei e continuei.
–Eu não me apaixono Ludo. Nunca. -Eu falei dando um passo para trás, obrigando-o a me olhar nos olhos.
–Você quer que eu vá? -Ele repetiu, com mais ênfase e mais sério.
Eu demorei muito para responder a pergunta e ele levou isso em conta como minha resposta. Dando um passo em minha direção, restabelecendo a distância original, ele entrelaçou a mão pelo meu cabelo, repousando-a em minha nuca e me puxou em sua direção, selando o primeiro beijo real que nós dois tivemos. A outra mão dele desceu para minha cintura enquanto eu segurava seus cabelos loiros. Não foi um beijo suave, ou meigo. Foi cheio de necessidade e urgência, algo que, em um primeiro momento, não nos deixou notar que o corredor não estava mais vazio, e uma dezena de rostos curiosos nos encaravam do batente da porta do vestiário.
Quando nós por fim, nos separamos do beijo, já sem ar, a visão de todos aqueles garotos presenciando a cena me fez congelar, já Ludo parecia queimar de tão corado.
Eu murmurei um "boa sorte, Big Boy" e saí apressada em direção ao campo.
–Sua boca está vermelha e não do tipo vermelho batom e sim "vermelho beijo selvagem". -Alice falou quando me viu chegando, ao ouvirem isso, Moony e Molly viraram o pescoço tão rápido em minha direção que eu fiquei com medo que eles os quebrassem.
–Bougman?! -Moony perguntou com um sorriso bobo no rosto.
Eu apenas assenti.
–O garoto tem pegada. -Alice falou ainda encarando minha boca. Frank que estava ao seu lado se mexeu desconfortável. -Nem uma palavra Frank, eu ainda não estou falando com você.
–Meus pêsames irmão. -Eu falei para Frank que apenas agradeceu baixinho.
–O que é Bougman? -Arthur perguntou com sua curiosidade natural. -É de comer?
–Depende. -Alice disse com um sorriso de lado.
–Isso é a versão feminina do Sirius? -Moony falou abismado, encarando Alice.
–Basicamente. -Eu dei de ombros.
Logo depois, os meninos da Corvinal entraram em campo, ovacionados pela torcida da sua Casa associada à da Sonserina, que torcia para qualquer um que jogasse contra a Grifinória. Nosso time entrou logo depois, acompanhados pelos nossos aplausos e pelos Lufanos, normalmente simpatizantes.
O jogo começou rápido, um aperto de mão mais forte do que o necessário entre Yan e Potter e a bola já estava rolando.
No geral o jogo corria sem grandes problemas, poucas faltas mas também poucas jogadas perigosas. O time da Grifinória parecia claramente perdido com a nova tática dos corvinos, que tinham maior posse de bola, mas ao mesmo tempo os grifinos eram mais decisivos. O primeiro tempo acabou no 0x0 e os times foram para seus vestiários.
Nós estávamos apreensivos, na verdade, eu estava apreensiva.
Minutos depois eles voltaram e foi então que eu vi. Diferentemente de antes, Prongs vinha na retaguarda, cabeça baixa, a mão esquerda sobre o estômago.
–Merda. -Eu falei rápido descendo as escadas da arquibancada em direção ao campo. Eu ouvi Molly e Remus me chamando mas eu nem me virei.
Eles estavam fazendo os últimos preparativos antes de começarem. Eu gritei por Sirius, ele me encarou curioso e veio em minha direção.
–Toda aquela merda que o Prongs enfiou garganta abaixo fez com que ele ficasse mal. Mas ele não vai admitir que está doente, vocês precisam tirar o atacante e colocar um zagueiro a mais. -Eu falei afobada.
–Como você... -Ele falou com a boca entreaberta, eu o cortei.
–Não importa como eu sei as porras que eu sei Padfoot! Tire Prongs de campo e coloque um dos reserva por Deus!
Ele estreitou os olhos, pensando rápido.
–Você sugere um empate forçado...
–Melhor que uma derrota por que o idiota está com a barriga cheia de bolinhos!
–Touché. -Ele se virou para o time, procurando por alguém. -LUDO, MEXA ESSA BUNDA GORDA PARA CÁ! -Ele se virou para mim. -Eu não quis ofender seu namorado, você sabe.
–Cala boca Padfoot. -Enquanto Ludo se aproximava, eu olhava apreensiva para Prongs, ele agora estava um pouco curvado, a procura de ar.
–Não desmaie por favor. -Eu implorei baixinho.
Sirius explicou o plano para Ludo e mandou ele ir conversar com George Thomas, o zagueiro reserva do time.
–Chame Moony aqui. -Pads falou sério. -Precisaremos de toda a força possível para tirar ele de campo. -Ele saiu correndo na direção de Madame Hooch, a árbitra do jogo. Eu corri para o outro lado, subindo as escadas todas de novo.
Ao chegar ofegante lá em cima eu apenas falei, entre longas tragadas de ar.
–Moony... Prongs... Precisa... Ajuda... Vem logo. -E ele veio sem hesitar.
Ao chegarmos no campo mais uma vez, Hooch tentava conversar com Prongs, que apenas falava em alto em bom som.
–Eu não preciso dessa merda, professora. Comece logo o jogo, por Deus!
Agora Prongs me parecia ter aspecto quase esverdeado. Moony não demorou a entender do que tudo aquilo se tratava.
–Você precisa nos escutar Prongs, -Ele falou calmo como sempre. -Você vai apenas atrapalhar o time, vocês vão perder esse jogo James.
–A Pietra já fez... -Sirius começou, mas eu o encarei com olhos arregalados, negando com a cabeça. E ele parou de falar.
–Venha conosco, vamos na Madame Pomfrey, você estará ótimo para o próximo jogo. -Remy falou.
–Eu vou recomeçar o jogo, com ou sem ele. Decidam-se. -Hooch falou visivelmente irritada.
–Nós nunca te tiraríamos de campo se não fosse estritamente necessário Prongs. -Eu falei.
Ele baixou a cabeça, derrotado, e nos acompanhou para fora do campo.
O jogo à partir daí, segundo relatos, foi feio de se assistir. A então já majoritária posse do bola da Corvinal, ficou ainda maior e eles começaram a atacar incansáveis o nosso gol. Mas em compensação nós tínhamos um quarto zagueiro e apesar dos ataques constantes, o placar ficou cravado no 0x0.
Mas isso não acalmou Prongs de forma alguma, mesmo aconselhado por Madame Ponfrey a ficar a noite na enfermaria, ele pegou suas coisas e foi para o quarto em menos de duas horas.
Nós o acompanhamos o tempo todo, e ele não disse uma palavra. Quando chegamos perto da Sala Comunal, ele se virou, o rosto impassível e encarou cada um de nós.
–Eu não mereço vocês. -Ele falou a voz embargada.
–Não seja bobo Prongs, -Eu falei me aproximando dele. -Você que nos uniu para começo de conversa.
Ele sorriu e nós entramos na Sala.
–x-
Nossa quarta feira correu bem, James já estava recuperado e nós conseguimos convencê-lo que o próximo jogo, contra a Sonserina, era muito mais importante.
No último período nós tínhamos a maldita aula de Slug. Ele entrou na sala e dispensou todos os alunos, menos nós seis.
Ele então nos sentou em pontos diversos da sala e nos entregou a folha de prova.
Eu sentia minha mão tremer e suar enquanto eu, mecanicamente, resolvia a prova.
Eu mal notei o tempo correndo até o sinal finalmente bater, sem hesitar ele tomou os testes de nossas mãos e com um aceno de cabeça, saiu da sala.
Nós fomos cabisbaixos até o Grande Salão, discutindo a prova e reclamando de enunciados ambíguos. Lily e James se evitavam, orgulhosos demais. Nem ela, nem ele, me contou como a conversa tinha sido, mas ambos culpavam ao outro por falta de maturidade.
–A questão sete continha um erro. -Lily falou irritada. -Os dados não condiziam com o Sistema Internacional.
Nós apenas murmuramos em resposta. Estava claro que Horace tinha feito um teste que cobrava muito mais do que o aprendido de nós e isso me irritou mais ainda.
De noite, logo depois do jantar, eu e os meninos decidimos por ficar na Sala Comunal por um tempo.
Eu lia minha mais nova aquisição da biblioteca "Uma breve história da invasão da Polônia", com minha cabeça no colo de Moony. Antes ele suspirara falsamente bravo "Meu colo é algum tipo de prostituta?!".
Sirius e James jogavam video game.
–Melhor compra da minha vida. -Pads falou, se referindo ao video game.
–Seus pais quase te deserdaram. -Remus emendou com um sorriso na ponta dos lábios.
–Mas não deserdaram, não é mesmo? -Ele disse dando de ombros. -MORRA PRONGS, MORRA! -Ele acrescentou, se movendo junto com o controle, mesmo que isso não fizesse nenhuma diferença.
Não adiantou nada, Prongs venceu aquela rodada.
Mesmo com o livro e com o jogo, o clima ainda estava horrível, Prongs ainda sentia-se culpado pelo futebol e todos nós perdemos a motivação depois da prova de Slug.
Eu estava a cinco minutos lendo o mesmo parágrafo, minha cabeça em outro lugar, pensando no que eu faria quando não tivesse mais tudo aquilo e foi então que eu me lembrei do meu plano original.
Eu me sentei, afobada.
–Eu sei o que podemos fazer! -Eu falei muito animada.
Sirius pausou o jogo.
–Huh? -Ele perguntou.
–Para melhorar esse ânimo horrível.
Os três me olharam curiosos.
–Fugir sexta feira! -Eu exclamei com um sorriso enorme.
–Eu achei que nós já tínhamos passado dessa fase de ideias idiotas. -Moony falou, ácido.
–Pensa só Remy, se nós melhorarmos o plano do Pads, podemos ter uma ótima sexta feira, como ninguém nesse inferno jamais teve!
–Moony tem razão. -Sirius falou para a surpresa geral. -Além do mais, eu vou sair com Indina sexta. -Ele completou com um sorriso sonhador.
Eu vi os punhos de Moony se cerrando, ele tentou respirar fundo, mas logo exclamou.
–Quer saber? A ideia é ótima! -Prongs e Padfoot olharam incrédulos para ele, eu não pude deixar de sorrir. -Não fui eu mesmo que disse que nós somos maçantes? Nós vamos sim. Avise a Indina. -Ele falou cruzando os braços, afrontando Padfoot.
Sirius tentou buscar apoio em James, mas ele parecia ter sido convencido. Ele olhou para mim mas eu apenas dei de ombros.
–Ah, foda-se então. -Ele falou relaxando de novo, sorrindo seu sorriso habitual. -Vamos fugir.
–x-
Nossa quinta feira foi basicamente uma preparação para o grande dia. Depois de muito discutirmos, nós formulamos um plano.
Após o jantar, nós iríamos para os jardins, esperar perto do coreto. Quando os primeiros professores começassem a sair para voltar para casa no fim de semana, nós nos esgueiraríamos de arbusto em arbusto até estarmos, finalmente, livres.
–É o pior plano que já bolamos. -Moony falou, desanimado.
–Vai funcionar, eu sei que vai. -Pads garantiu, e nós confiamos em seu otimismo.
A sexta feira, assim como os outros dias, passou em um piscar de olhos. E com a rapidez de um raio, nós já estávamos no Grande Salão, cochichando os últimos detalhes do plano.
–Não podemos usar seu cartão Pads. -Eu lembrei a eles. -Seus pais vão saber que estávamos fora do colégio.
–Eu antevi uma situação como essa anos atrás Wormy. -Ele falou colocando as mãos atrás da cabeça. -Tenho um guardado para situações especiais.
–Eu me sinto uma pedinte andando com você. -Eu comentei.
–Benefícios pequena Wormy, nunca os negue.
Eu nem ao menos estava com fome, a excitação não me dava espaço para qualquer vontade de comer a bonita macarronada que nós tínhamos para a noite.
Quando Sirius finalmente terminou de se empanturrar de espaguete, nós nos levantamos silenciosamente e rumamos para nossos dormitórios. Mas no meio do caminho, com James na vanguarda, checando cada corredor, nós mudamos a rota e fomos para o laboratório de física.
A janela do laboratório estava quebrada a séculos e permitia um ponto de escapatória para os jardins muito favorável.
Quando o ar noturno tomou conta de mim, eu não pude impedir uma risada deliciada. Toda aquela situação me aproximava de sentimentos antigos e eu estava gostando.
–Agora nós esperamos. -James falou se sentando ao lado do coreto, escondido pelas sombras, nós fizemos o mesmo.
–Nós devíamos voltar. -Moony falou inseguro, depois de quase meia hora.
–Não começa Remus Lupin, eu desmarquei a encontro com a porra da Indina por essa operação, você não vai amarelar.
–Eu não estou amarelando. -Ele murmurou, cabisbaixo.
–Ei, ei! -Prongs chamou nossa atenção, excitado. -Começou.
Nós nos agrupamos para ter uma visão melhor, o coreto ficava no alto de um morrote, e nós tínhamos plena visão do estacionamento, onde uma movimentação começava, nós vimos Kettleburn pegar seu fusca verde e sair pela estrada.
–Vamos descer. -Eu falei.
Nós quatro tomamos impulso e escorregamos morro abaixo, contando com a proteção da noite sem lua.
Abaixados e em silêncio, nós rumamos para a primeira sebe, onde pudemos ver Hooch entrando em seu pequeno jipe e também indo embora. Nós nos certificamos que estávamos sozinhos e fomos para a próxima sebe, repetindo o processo até estarmos a poucos metros do portão.
–Nós aproveitaremos a próxima deixa. -Sirius falou escaneando o estacionamento. -O próximo a abrir o portão será nosso ticket de saída.
Todos concordamos e ficamos esperando. Foi aí que Trelawney finalmente apareceu, derrubando suas coisas pelo caminho, distraída e entrou em sua Kombi, eu respirei fundo. Era agora.
Quando James, ainda na retaguarda, deu o primeiro passo, nós ouvimos uma voz logo atrás de nós.
–O que vocês pensam que estão fazendo? -Eu senti meu coração batendo contra meus ouvidos, o sangue congelando nas veias. Eu comecei a pensar em mil formas de convencer quem quer que fosse que eu tinha forçado os garotos a fazerem isso.
Mas ao me virar para o dono da voz, eu senti meu corpo relaxar a ponto de amolecer. Ali, parada na nossa frente, os cabelos voando com o vento e as duas mãos apertadas fortemente contra a cintura, estava Lily Evans.
Nós quatro falamos ao mesmo tempo, em um turbilhão de informações. Até Prongs, que não trocara uma frase com ela desde o incidente, falava sem parar.
–CALEM A BOCA! -Lily falou, atordoada. -Eu segui vocês, desde o Grande Salão, eu sei que vocês queriam fugir. -Nós engolimos nossas desculpas.
–Você vai nos entregar? -Eu perguntei tentando fazer com que o pânico não me dominasse mais uma vez.
Ela riu deliciada.
–É claro que não! -Nós quatro trocamos sorrisos mas ela voltou a falar. -Mas vocês vão me levar junto.
O queixo de Prongs caiu um pouco, mas eu sorri.
–Me parece bem justo. Garotos? -Eu falei olhando para os outros.
–Quanto maior o barco, mais pessoas se afogam juntas. -Remy falou, mas não ficou sério por muito tempo. -Estou brincando, eu adoraria sua companhia Lily.
–É válido para mim, quem me pega no meio das minhas operações merece algum crédito. -Sirius falou. -Eu costumo ser muito bom em despistar.
–Eu quase me perdi de vocês... Três vezes. -Lily falou com um pequeno sorriso. Todos olhamos para James.
–Que é?! -Ele falou irritado, voltando-se para o estacionamento e seus carros.
–Prongs...? -Eu chamei ele, colocando a mão em seu ombro.
–Vocês são maioria. -Ele falou ainda olhando os carros. -Agora vamos logo com isso.
–Espera aí. -Lily começou. -Vocês pretendem fugir a pé?
–Huh... Sim. -Eu respondi, querendo entender qual o ponto dela.
–Nossos pés nos levariam até Hogsmeade no máximo. Mas se nós pegarmos um carro, podemos ir até Londres. -Ela falou esperando uma reação nossa.
Nós nos entreolhamos muito assutados, ela estava falando para literalmente roubarmos um carro? Quem era aquela garota por Deus? Se aquela era Lily Evans, eu nunca tinha visto esse seu lado e era assustador, mas muito interessante.
Sirius foi o primeiro a concordar, claro, eu e Remus preferimos nos abster dessa discussão então mais uma vez James foi minoria.
–E o que você sugere? -Ele falou quando ficou decidido que roubaríamos um carro.
–Slughorn. -Ela falou sem pestanejar. -Os diretores das Casas não saem para os fins de semana. O carro dele vai estar aqui o tempo todo, e eu não quero roubar o carro da McGonagall. -Ela continuou e todos rimos nos imaginando no pequeno New Beatle vermelho de McGoo.
–Roubar o Slug não me parece a melhor forma dele te readmitir no seu clube. -Moony se manifestou, correndo os dedos pelos cabelos. Ele estava ficando muito preocupado, eu também. Já Lily e Sirius pareciam estarem no paraíso.
–Eu não quero mais essa merda de clube, não quero nem ser mais a monitora dele. -Ela falou franzindo os lábios. -Maldito velho. -Ela emendou e nós rimos.
–Se nós vamos mesmo fazer isso, -James disse cortando nossa risada. -Tem que ser agora. -Pads e Evans trocaram alguns cochichos e ao notar que o estacionamento estava mesmo vazio, o atravessaram até chegarem no Sedan de Slug.
–Eles sabem o que estão fazendo? -Eu perguntei apreensiva.
–Olhe bem para o Padfoot, -Moony respondeu. -Olhe a cara daquele pequeno criminoso. Ele sabe o que está fazendo.
–Justo. -Eu falei e nós dois voltamos a olhar para o serviço deles. Eles estavam ao lado da porta do passageiro, Lily passava sua pequena presilha de cabelo para as mãos ágeis de Pads.
–Prongs. -Eu chamei ele com cuidado. Ele me encarou com seu olhar amigável de sempre, mesmo estando magoado.
–Não se preocupe comigo, huh? Eu estou bem.
Menos de cinco minutos depois e umas poucas tentativas frustradas, o carro estava saindo de sua vaga, o motor suave roncando, esperando por nós. Mas então Sirius, que estava ao volante parou subitamente.
Ele colocou a cabeça para fora, o rosto contorcido em uma careta de medo.
–Eu não tenho carta! -Ele falou para nós.
–Nenhum de nós tem, Padfoot. Deixa de ser idiota. -James falou, mas um sorriso repousava em seus lábios.
–Oh, -Ele falou ficando muito vermelho. -É...
–Algum problema, querido? -Eu falei em tom de deboche.
–Eu não posso dirigir sem carta! -Ele falou afobado.
–Deixa eu recapitular, -James começou contando nos dedos. -Quebrar o toque de recolher, ok. Fugir da escola, ok. Roubar um carro, ok. Agora, dirigir sem carta, não ok, isso é crime. -Prongs falou com uma sobrancelha arqueada, incrédulo.
–Sim? -Sirius falou inseguro.
–Troca comigo! Rápido! -Lily falou já abrindo a porta, eles inverteram os lugares e nós entramos no carro.
–Então é assim que eu morro. -James falou se sentando, eu fiquei no meio, com Moony do outro lado.
–É uma morte honrosa soldado. -Eu falei. -Melhor que morrer cagando.-Eles me olharam sem entender. -Game of Thrones gente... -Eles ainda assim não captaram a referência.
–Depois eu sou o nerd. -Moony disse bufando.
–Quando voltarmos, nós totalmente vamos fazer uma maratona de Game of Thrones. -Eu falei, mas então eu me lembrei. Eu iria conversar com Dumbledore no dia seguinte à noite. Não haveria tempo para uma maratona, não haveria tempo para nada. Aquele, era meu último grande momento com eles. Eu senti que todo meu corpo estava sendo sugado por um buraco negro, como se o carro, eles ao meu lado, nada existisse e tudo que estivesse ao meu redor fosse meu catre minúsculo no orfanato. O choro incansável das crianças solitárias, a dor da varinha contra meu braço, a falta de vida que rodeava o lugar.
Eu fui arremessada para fora dos meus pensamentos quando Prongs colocou uma mão no meu ombro.
–Não deixe nada estragar sua noite. -Ele falou no meu ouvido. -Amanhã podemos falar sobre isso, se você quiser.
Eu coloquei minha mão contra a dele e assenti, um sorriso fraco.
Ele estava certo, últimas coisas devem ser memoráveis.
–Lily, -Eu disse me projetando para frente, ficando com a cabeça entre ela e Padfoot. -Pegue a D101. Eu vou levar vocês para um lugar incrível. -Todos eles comemoraram. -E Pads, nos arrume uma música decente.
Ele mexeu os dedos rápidos pelos botões das estações até que "Doom e Gloom" dos Rolling Stones começou a tocar. Ele aumentou o volume ao máximo e colocou a cabeça para fora do carro, uivando. Prongs fez o mesmo. Eu olhei para Moony dando de ombros, ele hesitou por um tempo, pensando na loucura que era uivar nas estradinhas de Hogsmeade. Mas pouco tempo depois, ele também estava uivando.
Eu e Lily rimos deliciadas.
–FINALMENTE! -Ela gritou, fazendo uma curva excepcionalmente perigosa. -FINALMENTE PORRA!
Eu tentei captar cada segundo, cada gesto, som e sensação daquele momento, a liberdade é tão sublime e relativa, mas ela estava ali, enchendo os pulmões dos garotos, permeando Lily em sua risada e seus gritos. Estávamos livres, muito mais do que da escola, estávamos livres de nós mesmos.
Entre Londres e Hogsmeade, a viagem durava em média quarenta minutos, passando por cidades de transição entre campo e ambiente urbano. Nós íamos conversando por todo o caminho.
Quando passamos pela última cidade antes de Londres, a pequena Windsburgh, eu fiz Lily mudar a rota e entrar no centro dela.
–Aqui é o nosso lugar incrível? -Padfoot falou debochando.
–Cale a boca, você já vai ver. A direita agora Lily. -Nós andamos mais quinhentos metros. A música já avisava que estávamos no lugar certo.
O Cavern Club, um dos clubes mais antigos da Inglaterra, não mudara um único centímetro. A mesma fachada de granito, o mesmo velho segurança, a mesma música. Tudo.
–Um bar de Rock? -Sirius e Remus falaram ao mesmo tempo, excitados. E nós pulamos para fora do carro.
–Esse, senhora e senhores. -Eu disse em tom teatral. -Não é um bar de rock comum. Esse é o Cavern.
Eu mal podia conter minha alegria de estar de volta a um dos poucos lugares nos quais eu realmente fui feliz. E eu estava com eles, meus amigos.
–Velho John! -Eu falei cumprimentando o velhote sentado do lado de fora. Ele levantou o olhar vagarosamente, me encarando da ponta dos pés até enfim os olhos. Eu dei um sorriso.
–Anna? -Ele perguntou passando as mãos ossudas contra o rosto.
–A filha dela John, Pietra. -Eu expliquei sentindo uma pequena pontada no peito.
–Impossível! -Ele falou fazendo um som chupado com a gengiva. -Pietra é só uma menina. Eu a carrego no colo. -Ele falou muito orgulhoso de si, não havia mudado um centímetro. -Eu vou te levar ao Tony, Anna.
–Tony está vivo ainda?! -Eu falei muito aliviada. Não me levem a mal, quando John era uma criança, Tony já era velho.
–Mais vivo que você! -John falou e resmungando levantou do seu banquinho e abriu a grande porta de madeira do Cavern. -Me sigam.
E nós fomos.
Assim como a fachada e o segurança, o interior do Cavern tinha mudado muito pouco. Um salão grande, com umas poucas mesas espalhadas, um palco de tamanho considerável ao fundo onde bandas principiantes tentavam a vida e um bar com bebidas mais antigas que os próprios bárbaros. Nas vigas, fotos das primeiras bandas que tocaram na casa de shows estampavam orgulhosamente o espaço, Beatles, Stones, The Who, Zeppelin, todos tocaram ali.
Remus e Sirius não demoraram para notar esse detalhe, se jogando contra as fotos.
–Cuidado para não babarem. -Eu disse me aproximando deles. -Eu vou ver o Tony e já volto. AH! E antes que eu me esqueça, não bebam nenhuma verde em hipótese alguma. Estamos entendidos? -Os olhos esbugalhados dos quatro me deu alguma confiança. -Eu volto em um segundo.
Eu e John subimos as escadas que ficavam na lateral do bar até o andar de serviços.
–Nós ficamos muito tristes quando você desapareceu Anna. -John comentou fazendo aquele som com a gengiva de novo.
Eu me lembrei da última vez que tinha estado ali, minha mãe me puxando pelo braço, lágrimas tomando seus olhos enquanto eu implorava e me debatia para ficarmos.
–Eu também fiquei John. -Eu falei, sem mentir.
Nós andamos pelo longo corredor, tomado de matérias jornalísticas sobre o Cavern e chegamos à grande porta de madeira de Tony, o dono do Cavern a mais tempo do que qualquer um podia se lembrar.
O som ali era mais abafado, graças a acústica das paredes, Tony bateu os nós esbranquiçados dos dedos contra a porta maciça.
Segundos depois a maçaneta girou lentamente e eu me deparei com Antony Surrane. O mais próximo que eu tive de um pai, mesmo quando eu ainda tinha um pai.
Nos poucos anos que separaram a última vez que eu vi Tony até aquele dia, as coisas claramente não tinham corrido tão suaves quanto para o Velho John. Agora o lado direito do rosto de Tony estava paralisado, distorcido pelo que eu supus ter sido um AVC, uma bengala agora era sua companheira, seu olhar alegre e sorriso rápido tinha sido substituído pelas marcas da tristeza profunda. Mas então ele me olhou, primeiro apenas o meu rosto, cada dia mais parecido com o de Anna, e por fim no fundo dos meus olhos. Ele fechou os olhos por um segundo, uma grossa lágrima escorrendo por sua bochecha.
–Eu achei que ela iria acabar te matando. -Ele falou com alguma dificuldade. Me puxando para um dos abraços mais nostálgicos da minha vida. Ele tinha cheiro de fumaça de charuto e perfume barato, o mesmo de sempre. Era o Tony mesmo.
–Minha menina. -Ele falou tentando conter o choro compulsivo.
Eu não sabia o que dizer, eu só queria abraçar Tony para sempre. Mas enfim nós nos separamos.
–Não houve um dia, Pietra, em que eu não pensei no que aconteceu. Um dia sequer. -Ele falou a voz abafada pelo choro.
–Eu estou aqui, tudo está bem de novo Toto. -Eu falei com um sorriso.
–Sua mãe? -Ele perguntou com o olhar mais sentido que eu via em anos.
Eu neguei com a cabeça, foi o suficiente para ele.
–Oh, Anna. -Ele murmurou, se dirigindo para sua grande mesa de madeira. Ele se sentou e eu fiz o mesmo. John se virou e voltou para seu posto.
A conversa que se seguiu naquela sala foi dolorosa para mim e para Tony. Dolorosa demais para duas pessoas que já sofreram o suficiente. Eu contei tudo para ele, do dia em que nós abandonamos o Cavern, passando por minha entrada em Hogwarts e por fim como nós fugimos para ir para o bar. No fim, eu perguntei.
–Tony, você acha que eu poderia tomar o antigo posto da minha mãe?
–Mas e o colégio? -Ele perguntou assustado.
–Eu não posso ficar lá Tony, não é meu lugar.
–Eu já ouvi um discurso parecido. -Ele falou respirando fundo.
–Não é a mesma coisa Toto, e não trate como se fosse.
Ele olhou para o fundo de sua sala, onde diversas fotos decoravam seu escritório. Uma foto dele jovem, muito jovem, apertando a mão de um tão-jovem-quanto, John Lennon, a foto de sua esposa e filha, mortas em um acidente, a foto de seu pai, o primeiro dono do Cavern atrás do balcão do bar, a foto de Churchill bebendo um copo de Whisky numa das mesinhas e por fim, a foto de Tony, minha mãe e uma pequena e desdentada Pietra montando a decoração de natal do Cavern. Eu sorri para a foto.
–Aqui é meu lugar Tony.
–Isso eu não posso negar. -Ele disse dando sua famosa risada, parecia que milhares de pedras estavam em sua garganta quando ele ria. -Hoje não é dia de negócios. -Ele continuou esfregando sua mão contra a calça risca-de-giz impecável. -Divirta-se com seus amigos, seu lugar no Cavern está reservado. -Eu me levantei e depositei um grande beijo em sua bochecha.
–Agora vá, nos falamos mais tarde. -Ele disse me expulsando com as mãos. -E lembre-se...
–Nada de bebidas verdes! -Nós falamos juntos. Eu desci correndo, a casa não estava muito lotada, mas não estava vazio de forma alguma. Depois de procurar um pouco por eles, eu os encontrei perto da pista de dança. A banda que tocava hoje era afinada e tocava apenas clássicos, eu sorri para nossa sorte.
–E aí pessoa... -Eu falei me aproximando, mas engoli minhas palavras. -O QUE É ISSO?!
Na mão de Prongs, Lily e Moony, um copo de bebida verde fluorescente repousava. Padfoot olhava para aquilo com seu sorriso malicioso.
–Isso é Deus! -Prongs falou balançando no ritmo da música.
–Porra. -Eu falei olhando para cada um deles. Prongs parecia o primeiro afetado mas não demoraria muito para fazer efeito nos outros. Eu comecei a imaginar o babaca que Sirius se tornaria bebendo aquilo, então olhei rapidamente para suas mãos. Ele olhou para mim ainda sorrindo e levantou as mãos, virando a palma e as costas para mim.
–Fez um mau julgamento de mim Wormy, eu não bebo.
–Graças a Deus! -Eu exclamei, mas fui cortada por Lily.
–ESSA É MINHA MÚSICA, EU QUERO DANÇAR! -Ela falou puxando Remus e James pela pista de dança,
Quando eles se afastaram, eu puxei meu cabelo e o amarrei em um rabo de cavalo.
–Que porra eles tomaram? -Pads falou ainda sorrindo.
–Absinto. A bebida das fadas. -Eu falei em
um fôlego só.
–Absinto tipo... Aquela bebida que faz todo mundo ficar doidão imaginando coisas? -O sorriso dele tinha desaparecido.
–Essa mesma.
–E o que fazemos?
–Esperamos a evolução, se algum deles quiser pular da janela, nós seguramos e não deixamos mais eles beberem essa merda. Estamos entendidos?
Ele bateu continência para mim.
–De todas as pessoas, bem você não bebe?
–Surpresa?
–Não posso dizer que não estou.
–A real diversão sobra para as pessoas que não bebem. -Ele disse apontando para a pista de dança com um maneio de cabeça. -Nós podemos observar.
Lily e James estavam dançando um de frente para o outro, bem mais próximos que em qualquer outro momento da vida deles, Lily balançava os cabelos, com os braços para o alto, sorrindo. Já Prongs era uma verdadeira surpresa, por mais que levemente desengonçado, ele não dançava mal, muito pelo contrário. Um sorria para os passos do outro e tentava imitar a dança.
–E você? -Sirius perguntou sem parar de olhar para o casal.
–Um sábio uma vez me disse que a real diversão sobra para as pessoas que não bebem. -Eu falei dando de ombros.
–Touché. -Ao dizer isso, eu e ele instintivamente procuramos por Moony, que não estava em lugar nenhum da pista de dança. Foi então que eu o vi, debruçado contra o balcão do bar, com um sorriso bêbado, do outro lado o barman enchia mais um copo de absinto.
Antes que Padfoot também percebesse, eu me apressei em direção ao bar.
–É só aparecer um garoto bonito que você esquece todas as suas promessas Thomas? -Eu disse me colocando do lado de Remus, lhe dirigindo um olhar de repreensão que ele pareceu não notar. Thomas, o barman, se virou bruscamente na minha direção. Os olhos arregalados e a boca entreaberta.
–Mini...? -Ele falou incrédulo. Eu sorri ao notar que ele crescera tanto quanto eu. Thomas Surrane era o neto de Tony, e seu maior tesouro, filho de Donna, sua falecida filha, ele era o único remanescente da linhagem. Ele era meu amigo mais antigo e minha promessa de amor eterno. Agora, mais velho, mais forte e muito mais bonito ele nem parecia o garoto magrelo que corria comigo no estacionamento do Cavern e se escondia embaixo da mesa do seu avô.
–Você está estritamente proibido de embebedar meu amigo Thomas, use outros atributos para conquistá-lo. -Eu falei pegando o copo de liquido verde da mão dele e colocando longe de Remus.
Enquanto eu tentava fazer com que Moony parasse de encarar descaradamente Thomas e olhasse para mim, eu senti uma mão sobre a minha, me puxando.
–Eu tentei te achar. -Ele falou entrelaçando nossos dedos.
–Muitas pessoas tentaram, ao que parece minha mãe não queria ser encontrada. -Eu notei o quão fria estava parecendo e tentei me retratar. -Eu também senti sua falta Tommy.
Ele deu a volta no bar e me puxou para um abraço, me levantando no ar como ele sempre fazia. Ele ainda tinha o cheiro do bosque que se estendia atrás do Cavern. Agora, seu corpo era forte e musculoso, mas seu abraço ainda me lembrava os tempos antigos.
Quando eu disse para Moony que meu primeiro amor tinha sido Jason, um garoto que morava nos arredores da casa de shows, eu não estava mentindo, para mim, Thomas sempre foi meu irmão mais e desde muito cedo ele admitiu para si, e para nós que ele era bissexual, uma coisa que Tony nunca viu problema algum, compartilhando com frequência suas aventuras homoafetivas na adolescência rebelde.
Quando ele me pôs no chão, logo se apressou em se explicar.
–Eu não queria embebedar seu amigo, ele é bem insistente entende?
–Esse papo de vocês está me entediando. -Remus falou se colocando entre nós. Ele estava muito alterado. -E eu quero dançar!
–É melhor você ir com ele. -Thomas disse coçando a nuca, desconfortável.
–Eu não quero dançar com ela! -Moony falou ultrajado. Ele aproximou o rosto do rosto de Thomas. -Eu quero dançar com você.
Eu olhei para Remus.
–Remy, você tem certeza? -Eu não queria cortar o clima de ninguém naquela noite, e por mais que eu tivesse certeza que James e Lily se lembrariam de muito pouco no dia seguinte, Sirius estava bem ali, sóbrio.
Ele assentiu como uma criança feliz no dia de natal. Eu não iria cortar o clima de Remus, já o de Thomas...
–Eu fico no bar, mais tarde nós conversamos sobre tudo, -Eu falei para ele. -E se você avançar uma única base, um centímetro que seja, eu arranco sua língua e te faço engoli-la.
Ele deu uma risada nervosa, mas ao ver que eu falava sério, assentiu com veemência e saiu com Moony para a pista de dança.
Moony sorria até não poder mais, puxando Thomas pela mão.
Agora eu tinha outro problema para lidar, um problema que em instantes se materializara na minha frente, carrancudo.
–Quem é aquele? -Sirius falou irritado, olhando para os dois na pista de dança.
–Thomas, o neto do dono.
–E o que ele está fazendo dançando com Moony?
–Eu não sei Sirius, talvez dançando?
–Você sabe onde eu quero chegar. -Ele falou sentando em um banquinho, de costas para mim, fuzilando os dois com o olhar.
–Não seria estranho sabe? -Eu falei, me lembrando das palavras de Remus na arquibancada enquanto assistíamos ao treino dos garotos.
–O que? -Ele falou se virando para mim.
–Ter um crush no Moony.
Ele abriu a boca, pronto para dar uma desculpa, mas eu levantei a mão e ele se calou.
–Eu não estou interessada nas suas desculpas. E eu também não estou interessada em rótulos, o que você é ou deixa de ser, com quem se relaciona ou não, não me importa, desde que você esteja bem com isso. Guarde seus discursos prontos Pads. Mas lembre-se de uma coisa, essa noite nem existe, para começo de conversa. Ninguém sabe onde estamos e o que estamos fazendo. O que acontece aqui, fica aqui. -Ele se apoiou na mesa, olhando para uma mancha de bebida antiga. Ele ficou muitos minutos lá, enquanto eu atendia alguns pedidos e entregava drinks. Ele não estava vendo, mas eu via James agora com suas mãos na cintura de Lily, o rosto dela na curva do pescoço dele, se mexendo como um só corpo. Ele também não via Moony cada vez mais próximo de Thomas, os dois rindo enquanto Remus dançava passos desengonçados sem se preocupar, eu nunca tinha visto nenhum deles assim e a visão era incrível.
Padfoot por fim bateu o punho contra a mesa.
–Foda-se. Wormy, me dá uma dose de Whisky, eu preciso ir para a pista.
Todo meu corpo foi tomado por uma alegria sobre-humana, eu peguei um copo e coloquei uma dose para Sirius. Ele bebeu tudo de uma vez e saiu, sem falar mais uma única palavra.
Eu sorri até minhas bochechas não aguentarem e acompanhei a cena que se seguiu.
Padfoot chegou na sua melhor pose "macho alfa" perto dos garotos e dando dois toques no ombro de Thomas, fez um maneio de cabeça na direção de Remus. Tommy entendeu com agilidade impressionante do que tudo aquilo se tratava, e levantando as mãos em sinal de rendição, deixou Moony e veio para o bar.
–Por que você não me falou que ele namora? -Ele falou um pouco irritado, se postando do meu lado na bar.
–Não namora.
–E aquele seria?
–O amor platônico que até minutos atrás era 100% hétero, agora cala a boca que eu quero prestar atenção.
Eu me debrucei no balcão e ele fez o mesmo.
A banda agora ressoava suavemente uma versão de "Stolen Dance" de Milky Chance.
Eu vi o rosto confuso de Remus quando Sirius, com a eficiência de um profissional, segurou-o pela cintura e o puxou para perto, não deixando nenhum espaço entre eles. Moony continuava sem reação, foi quando Sirius sussurrou algo em seu ouvido, o que o fez corar da raiz do cabelo a ponta dos pés, mas ele enfim passou seus braços ao redor do pescoço de Padfoot. Eles começaram lentos e um pouco abobalhados, mas não demorou até encontrarem um ritmo, os olhos de ambos fechados, a mão de Sirius cada vez mais baixa, a música cada vez mais presente neles, naquele instante, eles eram a própria música.
–X-
–Eu te culpei por muito tempo. -Eu disse ao sairmos no estacionamento, uma fumaça de vapor se formando enquanto eu falava. Maldita Inglaterra e seu tempo imprevisível. -Você disse que me encontraria e eu não conseguia entender por que você não me achou.
Eu vi ele olhando para o chão, chutando um pedregulho.
–Eu tentei, -Ele falou depois de algum tempo. -Eu tentei de verdade.
–Eu sei Tommy, eventualmente eu entendi que a culpa não era de nenhum de vocês.
–Foi muito ruim depois que vocês se foram? -Ele perguntou ainda olhando para o chão.
–Um inferno, eu nunca achei que vidas como aquela sequer existiam.
–Você está bem? -Ele falou agora olhando para mim, as mãos nos bolsos. Eu assenti.
–Eu consegui uma bolsa em Hogwarts, eles são de lá. -Eu falei apontando com o polegar para dentro do Cavern.
–Hogwarts?! Tipo Hogwarts mesmo?
–Sim, aquele castelão para filhinhos de papai.
–Mini! Isso é a chance de uma vida! -Ele falou animado.
–Não fique muito feliz, eu vou sair de lá.
–Que quer dizer com isso? -Ele falou interrompendo a caminhada, me encarando com as sobrancelhas franzidas.
–Lá não é meu lugar Tommy, meu lugar é aqui no Cavern, com seu pai, com você.
–Mini, -Ele falou, e eu só então notei o quanto sentia falta daquele apelido, Thomas é 4 anos mais velho que eu, e ele sempre me achou uma miniatura da minha mãe, então eu virei Mini, simplesmente. -Pessoas como nós não nascem com placas de ouro avisando qual é ou não nosso lugar na sociedade. Nós lutamos por isso, cavamos nosso cantinho ao sol e defendemos como for possível. Qual é seu plano? Vir para cá, nunca mais estudar, talvez virar minha esposa, tomar conta desse lugar até ninguém mais ligar um foda-se para rock e irem para a balada de música eletrônica do babaca do Stan, e então nós temos nossa primeira crise e você me esfaqueia com a faca de pão?
Eu não pude conter o riso, mas ele estava sério.
–Isso não é brincadeira Pietra, -Ele dificilmente me chamava pelo nome. -Você tem uma chance de ouro, tem amigos ótimos, tem uma casa, comida e um futuro. Vá se foder Pietra, você vive um sonho. -Ele falou voltando a andar. Eu nem me dei ao trabalho de ficar brava com ele, continuei o acompanhando.
–Tem um garoto que tem feito da minha vida um inferno. -Eu falei passando a mão pelo rosto.
–Chute ele nas bolas, como eu te ensinei.
–Já fiz isso. -Eu falei, um arrepio de frio correndo pelo meu corpo. Ele tirou sua jaqueta jeans e colocou sobre meus ombros.
–Você não pode querer largar a vida que você tem por causa de um babaca. Não minta para mim.
Nós nos sentamos numa mureta que cercava o estacionamento, o bosque atrás de nós. Ele puxou um maço de cigarros do bolso e acendeu um cigarro, eu peguei um também, ele se aproximou de mim e eu acendi o meu no fogo do dele.
–Eu sei qual é seu problema, -Ele continuou. -Você acha que não merece estar lá, que sua estada no lugar mais conceituado grã bretanha é algo que desafia as leis do universo. Talvez você se sinta um tipo de aberração naquele lugar imaculado. -Entre mim e Thomas, não haviam meias palavras, nós sempre conversamos francamente e ponto final, eu não me irritava nem um pouco com aquilo. -E quer saber? Você está certa em pensar tudo isso. Não é algo natural. Mas desde quando você liga um foda-se para isso? Para o que os outros pensam? Você não ligava nem para o que eu falava, porra.
–Isso não é verdade. -Eu retruquei um pouco sentida.
–Qual parte? -Ele falou entre uma tragada e outra.
–Eu sempre liguei para o que você achava.
–E esse foi seu primeiro erro. Você não deve nada a eles, nem a mim. Se ele te deram o inferno, mostre que você é o próprio demônio. Se eles te deram uma vida difícil, faça a deles pior. As portas do Cavern sempre estarão abertas para a maldita garota irritante que me fazia mil perguntas irritantes e que se colocou na minha frente enquanto eu levava uma surra com 9 anos de idade. Não esse pedaço de carne molenga que você está se tornando. -Ele arremessou o cigarro longe e me encarou, esperando minha resposta.
–Eu senti sua falta. -Eu disse simplesmente, tragando uma última vez o meu cigarro e também o jogando longe.
Ele passou o braço ao redor dos meus ombros e me puxou para perto. Nós ficamos assim, apenas observando o tempo passar, quando Sirius saiu afobado pela porta, o rosto vermelho.
–James caiu! -Ele falou se aproximando rápido.
–ELE FEZ O QUE?! -Eu falei me levantando e já correndo em direção à porta.
–E-Ele... Ele começou a dançar em cima de uma mesa. E então *POF*, caiu como um saco de batatas.
Nós entramos no Cavern, agora já bem mais vazio e encontramos um grupo ao redor de James que estava desacordado no chão.
Eu corri e me coloquei ao lado deles.
–Ele bateu a cabeça? -Eu perguntei e só então eu vi que lágrimas cortavam o rosto de Lily, ela segurava a mão de James entre as dela.
Para a minha pergunta, ela negou com a cabeça, fungando.
–Você não pode chamar a ambulância. -Eu falei par Thomas e ele logo guardou seu telefone de volta no bolso. -Eu preciso de um copo de água gelada, agora. -Ele saiu correndo e foi para o bar.
No geral, ele não parecia machucado, nenhum membro em posição estranha ou manchas horríveis de sangue.
Thomas voltou com o copo, que eu prontamente joguei no rosto de Prongs.
Ele se levantou de supetão, assustado.
–Mas que porra... -Mas ele não terminou de falar. Lily, ainda segurando a mão dele puxou seu rosto e lhe deu um beijo. Os olhos de James pareciam duas luas por um momento, mas ele logo começou a beijar Lily de volta, a mão em seus cabelos vermelhos. E então, tão rápido quanto começou, ela se separou dele e deu-lhe um tapa na cara. Do tipo que faz estralar a junta dos dedos.
–NUNCA MAIS ME ASSUSTE ASSIM POTTER! -Ela falou, com lágrimas ainda correndo pelo rosto.
–Se eu ganhar um beijo toda vez, eu talvez desmaie mais vezes. -Ele falou com um sorriso malicioso. A horda de curiosos se dissipou e nós fomos para uma mesa.
–Eu vou levar eles para casa. A nossa casa. -Eu disse me dirigindo à Thomas. -Chega de aventuras por hoje. -Ele entendeu o que eu queria dizer.
–Eu nem vou perguntar como vocês conseguiram um carro. -Ele falou, dando uma risada curta. -Você bebeu?
–Nem uma gota.
–Bom mesmo. Me passa seu número antes de ir?
Eu engoli em seco.
–Eu... Hum... Não tenho um celular.
–Oh, eu posso resolver isso. Espera aqui.
Ele saiu da mesa e correu escada acima.
–Vocês sabem mesmo se divertir, huh? -Eu falei me virando para os quatro.
Eles pareciam acabados, mas felizes. Era tudo que esperava da noite.
Tommy voltou logo depois, com um celular em mãos.
–Eu dei ele para o vovô de natal, mas ele nunca conseguiu usar. Meu número e o do Cavern já estão salvos.
–Eu nem sei como agradecer.
–Não sumir de novo é um bom começo.
–Tony já foi dormir?
–Eu aviso que você se despediu. -Eu peguei a mão de Tommy e apertei, entrelaçando mais uma vez nossos dedos.
–Vamos cambada. Temos uma viagem a fazer. -Eu disse, soltando sua mão e me dirigindo a eles.
–Você tá bem mesmo para dirigir?
–Sim senhor. -Nós nos levantamos e eu puxei Tommy pra um último abraço. -Até logo menos.
–Já estou com saudades.
–X-
Tirar Remus, Lily e James do carro se provou uma tarefa muito difícil. Fazer isso sem chamar atenção então e sem que eles gritassem coisas idiotas como, "Nós roubamos o carro do lesmão!" Era ainda mais impossível.
Lily estava tão grogue que andava escorada em James, que por sua vez se escorava em mim, já Sirius guiava Remus com a mão em sua cintura.
Nós entramos pela janela da sala de física e eu me coloquei à frente do grupo. A única pessoa acordada aquela hora era Filch, fazendo sua ronda noturna.
Eu ia como batedora, analisando cada corredor e dizendo se o grupo podia avançar ou não.
Depois do que pareceu uma eternidade, nós chegamos a nossa Sala Comunal sem maiores problemas.
–Eu ajudo você a colocar os dois na cama, -Eu falei para Padfoot. -E depois levo Lily.
E assim nós fizemos, mas os planos tiveram uma leve alteração.
Quando nós chegamos ao quarto dos garotos, os três já estavam em um nível de esgotamento tão grande, que Lily se jogou na cama de James, enquanto ele apenas tirou a camisa e se jogou em uma pilha de roupas sujas no chão, e quando nós dois paramos de rir e olhamos para Moony, ele já estava na cama de Sirius, agarrado ao travesseiro dele, apenas com uma cueca samba canção cinza. Padfoot só faltava babar.
–Se cuida garanhão. -Eu falei para ele, que olhava para o garoto em sua cama com a boca entreaberta.
Quando eu estava saindo do quarto, ele me chamou.
–Obrigado por tudo Wormtail.
–Pode contar sempre comigo, eu não vou a lugar algum.


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Notas finais do capítulo

Bom, como eu já estou com muuuuito sono e eu acabei agorinha mesmo de revisar a história, eu serei breve.
Esse capítulo é especialmente dedicado a @jamespottrer e também para você que está acompanhando as aventuras e desventuras da Pietra a um tempão já.
Nos vemos semana que vem (se tudo see certo) na mesma bat hora e no mesmo bat local.



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