Às vezes é bom começar histórias com clichês. Às vezes é perturbador e irritante. Também há quem ache cansativo e enjoativo. Mas, independente do que pensam, essa será clichê. Um belo clichê que não deu certo.

Ela era sua aluna, ela lutou para conseguir entrar em seu coração, era 10 anos mais nova, mas estava disposta a lutar contra todos os problemas por ele. Aceitou esperar ser maior de idade, esperou por dois anos, terminou um namoro de tempos, permitiu que ele fosse o primeiro a conhecer o seu corpo.

Ele era professor de história, ele tinha o sonho de ser músico, tinha um namoro escondido com outra garota enquanto ficava consigo. Disse que ia enfrentar seus pais, que desistiria de tudo por ela, faltou seu aniversário de 18 anos, viajou para São Paulo para trabalhar em uma indústria musical, esqueceu que havia sido o primeiro dela.

O destino deve estar nos olhando

Com aquela cara de quem diz

Eu tentei juntar vocês dois

Ela o amou e lutou por ele como uma bela adolescente apaixonada. Ele disse que a amava, mas jamais foi capaz de amá-la mais do que amava a música. Eles se declararam apaixonados, mas nunca foi com a mesma intensidade.

Ela pintou seus cabelos de ruivos por ele, pois ele amava garotas ruivas, ela aprendeu a tocar piano para lhe impressionar, deu-lhe um cordão com um pingente de violão que continha a inicial de seu nome gravada, para que ele nunca a esquecesse.

Ele deixou a barba crescer, mesmo sabendo que ela tinha a pele muito sensível e sempre ficava vermelha quando entrava em contato com seus pelos, ele compôs uma música para ela, que ele também disse ser para outras três garotas, ele perdeu o cordão na primeira turnê, esqueceu no quarto do hotel e hoje é usado por um dos funcionários do local.

O destino deve estar nos olhando

Decepcionado

Que pena, que pena

Ela passou em engenharia civil na universidade federal de seu estado, formou-se com méritos e conseguiu uma bolsa para mestrado no exterior, nunca mais voltou. Ele deixou de dar aulas de história para investir na carreira de cantor, tem casa em vários lugares do Brasil e se tornou conhecido internacionalmente.

Ela comprou uma casa grande, um akita ao qual deu o nome dele para que sempre estivesse a lembrar de seu primeiro amor, dava aulas na universidade, falava cinco línguas diferentes e nunca mais deixou o cabelo voltar a ser daquele castanho apagado. Namorou por no máximo dois meses com três garotos, mas nunca foi capaz de manter um relacionamento.

Ele comprou uma casa para cada uma das duas ex-mulheres que teve, comprou um labrador de pelagem clara, colocou-lhe o nome da mãe, ganhava milhões todo mês por compor musicas que estavam nos celulares da maioria dos adolescentes do país. Mesmo se casando, jamais foi capaz de amar de verdade.

Que a gente estragou tudo

Porque pensamos tanto em ser perfeitos

E os perfeitos não sabem amar

Mas naquela noite, no seu aniversário de 36 anos, ela já não aguardava mais uma mensagem dele como antigamente. Ela estava apenas sentada diante de sua mesa, observando os seus projetos que havia de entregar em uma semana para a prefeitura.

E ele, naquele exato momento, estava sentado diante de um bar com a sua atual namorada, em mais uma premiação da MTV. Ele não lembrava que era seu aniversário, mesmo que em seu facebook aparecesse o aniversário daquela amiga ruiva a qual ele lembrava vagamente.

A gente estragou tudo

Por apontarmos tanto os nossos erros

Os erros vão sempre estar aqui

Ao lado dos papeis em sua mesa estava sua costumeira xícara de café com aquela fumacinha saindo, mostrando o quão quente ele ainda se encontrava, contrastando com o clima frio que fazia naquele dia.

Ele ao menos sabia o que tinha em seu copo, ele apenas pedia algo mais forte a cada copo que acabava, sentia o álcool descer rasgando sua garganta, tentando esquecer todo o estresse que aquela vida lhe trazia, relembrando de quando ainda tinha uma vida normal.

O destino deve estar nos olhando

Com aquela cara de quem diz

Eu tentei juntar vocês dois

Diante de sua mesa encontrava-se uma janela, mostrando-lhe que já era tarde e que uma chuva fina caía, essa que parecia que ia demorar a passar. Aquele clima de que tudo estava dando errado, mas não era assim que ela pensava. Ela estava bem, estava feliz.

Havia realizado os seus sonhos de criança, morava em Londres, formada em engenharia civil, tinha uma vida saudável, ninguém que lhe impedisse de fazer o que bem entendesse, tinha um akita como seu fiel companheiro, tinha dinheiro o suficiente para visitar sua família de seis em seis meses...

Era independente, tinha tudo o que um dia havia desejado ter, ou quase tudo...

O destino deve estar nos olhando

Decepcionado

Que pena, que pena

Ele ao menos podia saber que horas eram em meio a tantas luzes coloridas, fumaça e música alta. Sua vida soava perfeita aos olhos de quem estava fora daquela realidade. Tudo parecia certo quando via a fama na qual se infiltrava.

Mas ele apenas queria voltar a ter a vida que um dia teve, voltar a dar aulas de Era Vargas e Ditadura Militar em salas de ensino médio e cursinho, ter vários amigos que lhe procuravam pelo que era e não pelo que tinha. Conseguiu a fama, mas perdeu tudo o que mais prezava que era ter pessoas reais, com olhares e sorrisos reais.

Porque, às vezes, o que pensamos ser o mais importante não é o que realmente nos carece ser...

Não foi amor

E o que faltou?

Foi o que então?

Não me pergunte não