Piloto Suicida escrita por Bombom


Capítulo 1
uma vida de não-arrependimentos


Notas iniciais do capítulo

Hello
it's me



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Grandeen sempre se prometera que não morreria com arrependimentos.

Era a razão que ela corria toda manhã por seis quilômetros ao redor da base, na área dos lagos cheios de algas para ajudar na suplementação de oxigênio; assim, poderia comer tudo que quisesse, sem se preocupar em ficar gorda, e ao mesmo tempo não se arrependeria de nunca ter ficado em forma.

Era a razão que, ao ouvir que sua mãe tinha morrido, tinha trazido Luna, sua irmã mais nova, para uma casa em Jundare, o planeta mais próximo de sua base, para que pudesse cuidar dela. Não queria morrer com o peso na consciência de que não a tinha ajudado.

Era a razão pela qual, ao encontrar Tina pela primeira vez em seis anos, já que tinham decidido seguir carreiras bem diferentes, a de piloto e a de embaixadora, não fizera nada para acalmar o impulso de beijá-la, mesmo que fosse na frente de seu comandante – ele entenderia, no fim.

Mas ela nunca imaginaria que morrer viria tão rápido.

— Central, aqui é Huttler. Pedindo permissão para aterrissar — Grandeen falou no comunicador, inclinando-se sobre os controles de sua nave para falar. Bem na sua frente, sua base flutuava gentilmente em órbita.

— Huttler, aqui é Central. Permissão garantida. — A resposta veio com uma voz tão fria que tinha levado anos para Grandeen conseguir distingui-la de um robô.

A aterrissagem foi normal, tão precisa e elegante quanto era exigido dela. Afinal, poucos se já tinham se formado na Academia com notas tão altas quanto as dela.

Minutos depois, ela não sabia dizer como tinha saído de sua nave e ido para seu cômodo apertado. Ela só viu que, ao chegar lá, ele estava vazio. Seu coração parou e parecia que tudo que já tinha feito, todos esses arrependimentos que tinha evitado, não valiam nada perto deste.

— Gran? — uma voz detrás dela falou. — O que você está fazendo aqui?

A voz grave, mas ainda irrevogavelmente feminina, mostrou quem era no momento. E Grandeen nunca tinha ficado tão feliz em ouvir o tom confuso de Tina.

— Tina! — exclamou, dando uma pirueta que fez seus cabelos castanhos encaracolados formarem uma nuvem de cachos. Tomou-a por surpresa quando a beijou sem se importar com o fato de a porta ainda estar aberta, as poucas outras mulheres passando pela ala feminina olhando-as com curiosidade.

Puxou-a pela cintura com sensualidade, fazendo o máximo de esforço para conseguir acertar o botão para fechar a porta com o cotovelo. Grandeen deixou-se chorar entre o beijo, apertando a outra de modo que tudo em seus corpos se tocasse, e acabou molhando a bochecha de Tina no processo.

A embaixadora parou o beijo imediatamente. Olhando fundo em seus olhos castanhos, Tina acariciou as lágrimas para longe, fazendo com que a piloto chorasse ainda mais forte. Cerrou o cenho. — Mas o que há com você, Gran? É a primeira vez que te vejo chorar desse jeito em anos.

— Tina, Tina, Tina — Grandeen repetia enquanto balançava a cabeça, uma leve risada borbulhando de seu estômago e fazendo seu corpo inteiro tremer. Ela se sentia tão leve como se estivesse em gravidade zero, mas nenhuma das vezes em que estivera em tal situação, seu coração tinha batido tão forte. Não acelerado, como se estivesse correndo com o tempo, mas forte, uma afirmação que estava viva, viva e respirando e amando e sofrendo e amando mais ainda, sem perceber onde seus pensamentos negativos terminavam e onde os positivos começavam.

Tina a olhou preocupada, e ela notou imediatamente. Parou de rir quase no mesmo instante, afastando as mãos da outra para poder colocar as próprias na bochecha dela, apertando a pele branca e macia entre seus dedos finos e cheios de calos dos controles do voo. Tina estava quase sempre acima do peso, mas Grandeen achava nada mais e nada menos do que maravilhoso o modo como as bochechas fartas subiam durante seus sorrisos.

— Eu te amo. — Sua voz, apesar de ter tentando seu melhor, estava completamente embargada. Seus olhos castanhos refletiam uma felicidade que iluminava o resto do seu rosto, mesmo que não estivesse sorrindo. Sua pele, tão negra e tão bonita contrastando com seu uniforme azul-claro de piloto, também emitia um brilho próprio.

— Eu também te amo — Tina respondeu, completamente confusa. Era a primeira vez que ouvia aquilo da boca dela, mesmo que tivesse saído de sua própria várias vezes durante seu relacionamento. Não sabia o porquê de Grandeen estar chorando ao falar isso, e isso puxou sua consciência para longe de seu estado de felicidade.

Elas se beijaram, Tina ainda sem saber o que estava acontecendo, mas Grandeen, com suas mãos percorrendo seu corpo, seus cílios gentilmente acariciando sua pele, a língua experientemente envolvendo a sua, e a perna se entremeando entre suas coxas para esfregar seu centro, a distraía com eficiência.

Terminaram aquilo na cama, com gemidos contidos e pequenas trilhas de saliva percorrendo o corpo das duas. Estavam ambas cansadas, mas enquanto Tina queria permanecer na cama pelo resto do dia, Grandeen já vestia novamente seu macacão de uniforme, e escovava os cabelos.

— Você tem mesmo de ir? — perguntou, mesmo já sabendo a resposta. Estava deitada de lado entre os lençóis, exausta de toda a atividade que fizera, mas gostaria de dormir embalada pelos leves roncos que Grandeen soltava.

— É uma missão muito importante, Tina. — Repreendeu-a, mas ainda ajoelhou-se na cama para um último beijo. — Eu te amo — disse, sorrindo.

— Eu também te amo — a outra respondeu, sua voz não mais do que um suspiro. Sentiu a mudança na configuração de peso no colchão quando Grandeen saiu dele e se dirigiu à porta. Ela apertou o botão para abri-la e esgueirou-se para o corredor, fechando a porta.

Novamente, não sabia dizer como exatamente tinha chegado à sua nave, mas logo se viu apertando as teclas certas para ligar para seu comandante. Ele atendeu imediatamente e lhe deu permissão para voar na Central. Grandeen levantou gentilmente Huttler do chão e saiu pelos portões.

— Adeus, soldado Rockfeller. — A despedida foi o que finalmente quebrou Grandeen, que deixou sua nave ser levada pelo piloto automático enquanto afundava o rosto nas mãos. Seus dedos tremiam. — Você foi uma das melhores que eu já tive sob meu comando.

Ficaram em silêncio, então, sem saber o que dizer, até que Grandeen finalmente desligou a conexão. O que dizer a seu comandante quando ele estava admitidamente enviando-a para sua morte?

Pelo menos, concluiu amargamente enquanto finalmente desligava o piloto automático e manobrava a nave para que pudesse evitar o cinturão de asteroides perto de Jundare, ela não se arrependeria do fato de que suas últimas palavras de despedida foram aquelas que nunca pensou que falaria.

Não se arrependia de nada, além de não ter tido mais tempo.


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