A Garota do Cachecol escrita por Mrs Days
Notas iniciais do capítulo
Espero que gostem.
Aileen Jones nunca foi minha amiga. Não que nossos pais não se esforçassem, já que eles eram amigos desde o colegial queriam que os filhos seguissem os mesmos passos. Isso incluía reuniões de amigos, festas casuais e escolares. Morávamos um de frente para o outro e ainda assim eu e Aileen Jones nunca fomos amigos.
Não que ela fosse esnobe ou coisa do tipo. Ela foi bastante gentil quando tínhamos dez anos e meu pai nos colocou debaixo de um visco, insinuando que deveríamos seguir as tradições. Aileen não recuou ou se negou a me beijar. Ela ficou parada com os seus grandes olhos azuis me encarando, esperando o meu próximo movimento. Eu me inclinei e a beijei de leve.
Aquele foi o nosso único contato e meu primeiro beijo.
Na escola éramos de grupos diferentes. Eu participava de inúmeras atividades extracurriculares que me desafiassem, enquanto ela apenas aparecia nas aulas e sumia no soar do sinal do fim da aula. Porém nem sempre tinha sido assim.
Até os quinze anos Aileen era extrovertida e se disponibilizava a falar com todos que a rondavam. Proativa e caridosa nunca deixava ninguém de canto. Isso a fazia receber vários convites para festas de veteranos e viagens de final de ano. E depois de retornar de uma dessas viagens, Aileen mudou drasticamente. Se isolou e evitava falar mais que o necessário, além do cachecol que envolvia o seu pescoço independente do calor que estivesse fazendo. Aos poucos, todos se afastaram de Aileen e eu perdi a coragem de querer finalmente ser o seu amigo.
Era por esse e outros motivos que quando vi Aileen pulando a janela do meu quarto na véspera de natal, fiquei transtornado e surpreendido. Seus cabelos incrivelmente escuros estavam presos e tinha uma camada fina de neve neles, suas bochechas adquiriram uma coloração avermelhada por causa do vento frio, porém seus olhos azuis estavam acesos e ansiosos. Ela sorriu.
— Oi, Max — cumprimentou-me como se falássemos todos os dias. Apontou para mim. — Bela cueca.
Olhei para baixo, recordando de minha nudez parcial e me apressei em pegar uma camisa, vestindo-a.
— O que você está fazendo aqui, Aileen?
Seus olhos se mantiveram nos móveis do meu quarto e seus dedos roçavam nas extremidades. Sentou-se na cadeira do meu computador e moveu as mãos em direção ao cachecol azul, hesitando e desistindo em seguida de tirá-lo.
— Queria conversar. — franziu o cenho. — Sua voz está menos fina.
Cruzei os braços sentando-me na cama.
— Isso se chama puberdade. — retorqui. — Não poderia ter esperado até amanhã para conversar? É véspera de Natal, seus pais podem acordar preocupados.
Seus olhos se escureceram brevemente diante da menção dos seus pais, porém ela respirou fundo e colocou a mão em seu bolso de trás. Minha mente trabalhava em explicações plausíveis quando ela levantou um visco preso entre seu polegar e o indicador.
— Minha mãe achou isso enquanto montava a árvore — ela disse mantendo os olhos no objeto a sua frente. Ajeitei os óculos na ponte do meu nariz e a esperei sair de sua divagação. — É engraçado como a maioria dos pais nunca sabe quando alguma coisa está errada. — desabafou passando a mão livre por seu cachecol. O movimento de seus dedos me hipnotizou momentaneamente. Ela arqueou uma sobrancelha. — Alguma coisa errada?
Balancei a cabeça com força, fazendo com que meus cabelos roçassem em meus ombros.
— Não! — respondi com pressa vendo-a sorrir diante do meu constrangimento. — Só achei seu cachecol bonito. Você deve gostar bastante deve já que o usa faz um tempo.
Seu sorriso sumiu instantaneamente. Ela encarou o cachecol e começou a acariciá-lo como se fosse um bichinho de estimação, seus olhos perdidos e distantes, fazendo com que eu lamentasse ter aberto a minha boca.
Aileen e eu nunca fomos amigos, porém isso não significava que nunca senti nada por ela.
— Quer saber a história desse cachecol? — ofereceu em voz baixa e triste, o que acompanhava os sentimentos trasbordados de seus olhos. — Eu nunca falei dela antes, mas sinto que posso te contar.
Cocei meus cabelos escuros, indeciso sobre essa armadilha do destino.
— Está tudo bem, Aileen? — questionei. Ela piscou confusa diante de minha pergunta aleatória. — Não prefere conversar com os seus amigos?
Franziu o cenho.
— Aqueles falsos? — bufou. — Quando quis contar a história do cachecol zombaram de mim e me ignoraram. Você será o primeiro, se quiser ouvir.
Cruzei minhas pernas na cama e suspirei. Ela queria se abrir comigo, talvez me dissesse o motivo de nunca ter se aproximado de mim. Debati mentalmente por poucos segundos antes de assenti. Aileen suspirou aliviada por minha aceitação e respirou fundo tomando coragem enquanto desenrolava o cachecol de seu pescoço.
— Há dois anos eu viajei com alguns veteranos para uma cabana no interior. — continuou narrando tirando o pano com lentidão. — Nós ficamos muito bêbados e nos desinibimos. Porém acho que dei as dicas erradas à alguns deles. — ela terminou de desenrolar e descansou o pano em seu colo. — Cada um deles se revezou em meu corpo desacordado e quando acordei, só desejei a morte cada vez que eles riam. Bem, eu quase consegui.
Seus dedos finos e trêmulos traçaram a grossa cicatriz em seu pescoço, fazendo-me arfar. Aileen sempre foi cheia de vida e extrovertida. Ver aquela marca desconstruiu toda a imagem que havia se solidificado em minha cabeça. O vento forte contra as árvores me fez despertar.
— Aileen... Temos que falar com a polícia sobre isso...
Ela continuou como se eu não tivesse dito nada.
— Quando encontrei esse visco, sabia que você iria me escutar. — deu um sorriso triste. — Éramos tão jovens e tão puros. — se levantou prendendo o cachecol de volta no pescoço andando na minha direção e sentou-se na minha frente. — Irei sentir falta disso.
Antes que pudesse questionar o motivo de suas palavras, ela se inclinou e me beijou com suavidade, como se reprisasse o nosso primeiro beijo. Sorriu, tocando o meu rosto com a ponta de seus dedos e se levantou. Segurei o seu pulso.
— Aileen, posso te ajudar com isso. — ofereci, querendo que ela não fosse embora. Não depois daquelas palavras.
Ela se abaixou e beijou minha testa.
— Feliz natal, Max. — desejou se soltando e movendo-se em direção a janela. Parou, soltando o ar. — Eu realmente precisa disso.
***********
Assim que consegui escapar das tradições de família, fui até a casa dos Jones. Eu deveria ter estranhado o fato da senhora Jones não ter batido na nossa porta de manhã com a sua tradicional torta de maçã. Só que minha mente estava concentrada em apenas uma coisa: Aileen.
— Bom dia, senhora Jones. A Aileen está? — perguntei.
A senhora Jones fungou e desviou o olhar de mim.
— Max, a Aileen se matou. — murmurou antes de cair no choro. — A encontramos hoje de manhã na cama com um vidro de remédios na mão.
Meus olhos se arregalaram com a notícia surreal. Ela estava no meu quarto na noite anterior, certo? Ou tinha sido apenas o seu fantasma se despedindo? Passei a mão por meu rosto, incapaz de acreditar no que me era dito. Queria empurrar a senhora Jones e gritar por Aileen até que aparecesse.
Ela não poderia ter simplesmente morrido. Não quando tomei coragem de lutar por ela.
— Max, é você? — o senhor Jones apareceu na porta com uma expressão cansada e passou um braço ao redor dos ombros de sua esposa.
— É verdade? — indaguei com a voz morta.
Ele apenas assentiu.
— Eu sinto muito. — murmurei com a mente longe dali. Lembrando da cicatriz e da história por trás dela. — Sinto muito. — repeti.
Senhor Jones balançou a cabeça.
— A culpa não foi sua. — garantiu, por mais que eu não sentisse isso. Deveria ter ido atrás de Aileen quando ela pulou minha janela. — Ela deixou isso para você.
Senhor Jones me estendeu um pacote fechado. Peguei-o por entre as minhas mãos e sentei na escada da varanda. Os Jones entenderam e fecharam a porta atrás de mim. Eu estava temeroso com o que encontraria quando abrisse, mas não hesitei por muito tempo, querendo mais um pedaço de Aileen comigo.
Meus olhos se encheram de água ao encontrar o cachecol azul repousado no fundo da caixa. O puxei para fora, ansiando por sentir o cheiro doce de Aileen e vi algo caindo no chão. Era um bilhete.
Você parecia ter gostado mais dele do que eu. Espero que dê um novo significado à esse presente. Seja puro, Max.
No final do bilhete estava o velho visco preso com fita adesiva.
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