Os olhos da Princesa estavam atentos aos grandes flocos de neve que caiam do lado de fora da enorme janela que pegava grande parte da parede de seus aposentos. Ergueu a mão, tocando com a ponta dos dedos no vidro embaçado soltando um suspiro longo. A cabeça trabalhando a todo o vapor, havia alguma coisa naquele lugar... Algo no qual lhe deixava inquieta, com o coração preocupado. Era quase uma sensação de que as paredes estavam a ponto de se fechar envolta dela. Seria aquilo nervosismo? Medo de não ser bem-aceita pelo irmão de seu noivo, pelos súditos daquele reino? Talvez fosse porque nunca tinha estado em outro reino desacompanhada de seus pais.

Estava longe do lugar onde nascera, dos limites das terras que lhe pertenciam. Desencostou as pontas dos dedos do vidro gelado e levou a mão ao rosto, balançando a cabeça levemente. Precisava se distrair daqueles pensamentos, daquela sensação estranha, na qual desde o dia que havia pisado no Reino de Star - três dias atrás -, lhe envolvia corroendo pouco a pouco o seu ser. Girou o corpo dando de costas a imensa janela e caminhou graciosamente até o espelho, contemplando uma última vez suas vestes. Um longo e volumoso vestido marrom escuro, com inúmeros botões dourados do pescoço até o meio do peito, bordados igualmente dourados que iam desde os pés até a gola alta e também envolviam as mangas. O longo cabelo meio preso com a singela tiara cravada de diamantes que ganhara de presente de sua avó paterna, a Rainha Julie, antes desta vir a falecer lhe enfeitava a cabeça. Ergueu a mão, tocando com a ponta dos dedos na bochecha onde o rouge ressaltava o ar de saúde dela naquela manhã tão fria. Não estava demasiado, apenas a quantidade certa, tal como sua mãe lhe ensinara.

Varreu com os olhos sua figura pelo reflexo do espelho uma última vez, ajeitando o vestido antes de caminhar até a porta indo finalmente de encontro às suas acompanhantes e amigas que a aguardavam diante da porta.

— Fel, onde está sua capa? - Perguntou Marie com o semblante franzido ao ver a amiga da mesma forma que havia entrado em seus aposentos a minutos atrás. - O Príncipe já mandou avisar que ele e o Rei nos aguardam no estábulo do Castelo.
— Não encontrei a que procurava... - A Princesa suspirou, tocando com as mãos inquieta no vestido e se forçou a pôr um sorriso nos lábios tentando dissipar o nervosismo. - Me ajudem a procurar. - Pediu, girando o corpo e abrindo a porta de madeira recém-fechada voltando a entrar no quarto.

Lady Marie e Lady Caitlyn se entreolharam antes de segui-la, ainda sem entender o modo de agir da Princesa naquela manhã e o porque dela não querer ajuda para arrumar-se mais cedo.

— Está tudo bem, Princesa? - perguntou Lady Caitlyn já abrindo o enorme baú de roupas pintado à mão com flores vermelhas e verdes que viera com elas du Louvre.
— Ah, é claro que sim. - Mentiu, não querendo contar do mal estar, da sensação estranha. - Apenas estou ansiosa para conhecer os arredores do Castelo. Respirar um pouco de ar puro.
— Entendo... - Caitlyn sorriu, ainda olhando dentro do baú. - Estou tão ansiosa por esse passeio. Achei que o Rei havia se esquecido da promessa que me fez!

Felicity balançou a cabeça achando graça da amiga, estava tão maravilhada com a ideia de estar com o Rei Oliver que nem se dava conta das tolices que dizia desde que saíram da sala de jantar naquele primeiro dia, se esquecera até que um Rei nunca dá sua palavra em vão, sempre cumprem com suas promessas e até onde sabia o Rei Oliver também não era diferente dos outros Reis que conhecera.

— A capa que quero usar é a azul-turquesa. - Informou se juntando a Marie que estava com a cabeça enfiada dentro do grande guarda-roupa, onde a maior parte de suas roupas já estavam guardavas. - Se ele se esquecesse, sem dúvidas não permaneceria assim por muito tempo, você o faria lembrar facilmente. - Implicou, lançando um olhar divertido sobre os ombros em direção a morena.

Amava caçoar de suas amigas, ficavam tão constrangidas e vermelhas... Exatamente como ela na maior parte do tempo.

— Caity, terás muitas oportunidades de estar com o Rei, impressioná-lo, de se encantar mais ainda ou será que estas tão tolinha que já se esqueceu do baile que ele dará neste final de semana? Imagino que será maravilhoso!
— Nunca que eu iria me esquecer! - Caitlyn exclamou levando a mão ao peito. Quase ofendida pela possibilidade. - Apenas sei que no passeio terei mais tempo a sós para atrair a atenção dele, afinal não terei concorrentes, não é mesmo? - Estreitou os olhos na direção de Marie, pronta para esmagar qualquer interesse dela que pudesse existir pelo Rei.
— Que Deus me livre! - Marie negou, tirando a cabeça de dentro do armário. - O Rei é muito velho! Além do mais ser Rainha não me atrai nem um pouco. - Virou o rosto, olhando para Felicity e sorrindo envergonhada. - Me desculpe! - Franziu o nariz de uma maneira fofa. - Apenas creio que ser Rainha não seja para qualquer uma.

Felicity sorriu divertida ao ver a grande confusão que começara em francês de Caitlyn com Marie que contradizia todas as palavras da menor e apenas concordava em uma: Ser Rainha não era para qualquer uma.

— Contente com o passeio? - Barry sorriu, conduzindo-a até os estábulos.
— Quero muito conhecer a tão falada queda d'Água. - Sorriu, abaixando o rosto segurando mais firme no braço dele e com a mão livre erguendo um pouco a barra do vestido ao atravessar um lugar mais escorregadio na neve.
— Tenho certeza que irá amar. - Felicity ergueu novamente o rosto, olhando-o feliz. Amava como desde que havia de encontrado com Barry há quase três semanas atrás ele em nenhum momento havia deixado de demonstrar o quanto se preocupava e lhe queria bem.
— Conte-me mais sobre o Castelo e suas aventuras ao redor dele. - Pediu, querendo conhecê-lo melhor, descobrir como ele era quando criança, desvendar histórias que apenas ele lhe poderia contar.
— Ah... - O Príncipe sorriu largo com o rosto avermelhado, uma veia pulsando bem no meio de sua testa. Tímido! Felicity sentiu vontade de rir. Era extremamente divertido - é raro - ver um homem na posição dele com aquela característica. - Eu não me lembro de muita coisa. Passei bastante anos da minha infância morando longe desse Castelo por conta de nossa mãe, ela preferia manter pelo menos um dos filhos em uma rotina normal para uma criança daquela idade.

Felicity assentiu, olhando o caminho em sua frente. Conseguia entender que ele por ser o segundo filho e não ser o herdeiro direto da coroa tinha certas liberdades. - Claro que tinha meus deveres por ser Príncipe, as infinitas aulas de todos os tipos desde geografia e até resistência. Eu amava morar no castelo do leste...

— Você morou lá até a morte de seus pais? - Quis saber, franzindo o cenho. Ele assentiu. - Então nunca passou muito tempo por aqui? Nunca esteve realmente envolvido com a coroa? - Questionou, tentando ao máximo camuflar e não demonstrar o quanto aquilo a incomodou.
— Eu vinha até aqui de dois em dois meses... Por vezes passava mais tempo, outras vezes menos, mas só comecei a realmente me envolver quando meu pai achou que estava na hora de me preparar para o futuro... - Virou o rosto procurando os olhos dela e sorriu com brilho nos olhos - Futuro ao seu lado.
Ele talvez ainda tivesse que aprender mais, Felicity concluiu. Correspondeu ao sorriso dele e decidiu que não se preocuparia com aquilo, não esquentaria os neurônios, não por enquanto. Agora tinha que aproveitar o passeio e a companhia dele.
— Talvez depois possamos nos divertir na neve. - Propôs, olhando ao redor deles e vendo a quantidade abundante de neve.
— Sabia que a Princesa não resistiria. - Barry sorriu suavemente. - Qual seria a graça de tanta neve se não pudéssemos nos divertir com ela?

O casal foi interrompido por Marie que chegou correndo em direção a eles, dizendo que o Rei já estava inquieto, sem paciência de esperá-los e que queria que se apressassem para começarem de uma vez o passeio. Afinal, não tinha todo o tempo do mundo para gastar fora do Castelo.

O vento gelado batia impiedosamente contra o grupo que cavalgava quase em uma sincronia perfeita pelos campos cobertos de neve. Qualquer cavalheiro ou pessoa que viesse da direção contrária não teria dúvidas de que aquele grupo pertencia a Realeza.

Tudo neles demonstrava poder, desde os cavalos de grande porte até o Rei que liderava o grupo e esbanjava a sua beleza, os cabelos curtos, lábios retos, barba cerrada - diferente de muitos homens naquelas terras - uma capa negra e grossa que ajudava a mantê-lo quente. Atrás de si e junto ao Príncipe Barry, a Princesa Felicity segurava firme as rédeas de seu cavalo, com a cabeça erguida, os olhos atentos no caminho e beleza do lugar - mesmo coberto de neve, ainda podia ver as árvores altas, nuas e sem folhagem nenhuma, os pinheiros enormes cobertos de neve com suas pontas rebeldes tão verdes tal como a vegetação no verão. Uma longa e grossa capa de um azul-turquesa esplêndido a cobria e quando o vento soprou mais forte e impiedoso fez o capuz deslizar de sua cabeça, expondo os longos e ondulados cabelos e sua imponente tiara.

— Subiremos por aquele caminho, mas atenção pois há pedras e, sem dúvida, estará escorregadio! - O Rei instruiu, diminuindo a velocidade de seu cavalo, apontando na direção em que eles seguiriam.
Felicity assentiu, apertando a rédea de seu cavalo entre as mãos cobertas pelas luvas, desviando o olhar do Rei e trocando um olhar animado com seu noivo.

Nada a prepararia para aquela vista. Mal podia acreditar naquela paisagem, parecia uma cena tirada de um quadro. Retirou uma mão da rédea do cavalo e afastou os cabelos rebeldes que insistiam em lhe bater no rosto, contemplando a queda d'água que caia forte diante de seus olhos. Era sublime! Fechou os olhos respirando fundo e aproveitando o ar puro daquele lugar mais alto, o frescor do vento para lhe acalmando do esforço feito para chegar até ali. Ouvia a risada animada de Caitlyn que falava empolgada com o Rei, Marie que não cansava de soltar elogios em francês aquela paisagem maravilhosa, deixando ainda mais claro o quão apaixonada pela natureza ela era. Podia sentir a presença de Barry perto de si e pela primeira vez desde que chegara ao Reino de Star não sentiu aquela sensação ruim. Tudo o que sentia era paz!

Abriu os olhos devagar e ouviu Caitlyn em meio a conversa citando o nome dela, fazendo o Rei olhá-la. Felicity olhou por instantes nos olhos do Rei Oliver, antes que ele desviasse o olhar dela, voltando a atenção totalmente para sua amiga e não pode deixar de estremecer ao notar quem em um azul tão lindo e penetrante como uma adaga havia muito frio, muito mais frio do que imaginava. O rosto sério parecia ter sido esculpido por uma grande artista, embora não demonstrasse nem um pingo de emoção era impossível negar o quão estonteante ele era. Deixou os olhos correrem pela figura até caírem em seus ombros, sua postura gritava poder e autoridade. A forma como estava rígido sobre seu cavalo, com o olhar perdido na vista, as orelhas e bochechas coradas pelo vento, sua boca sempre em uma linha reta, o queixo firme. Ele era sempre daquela forma?

Balançou a cabeça negativamente, é claro que ele não era sempre daquela forma, mas na maior parte das vezes era necessário, pois ela melhor do que ninguém sabia era essa a postura que a posição dele exigia, sem contar que segundo todas as histórias que ouvira falar ao longe de sua vida, Oliver não só era um grande Rei, mas um guerreiro imbatível. Um barulho alto soou por todo o lugar interrompendo as conversas animadas das meninas, espantando as aves do céu e arrancando Felicity de seus próprios pensamentos, mas não fora isso que mais lhe assustou e sim o fato de que seu cavalo relinchou alto, erguendo o corpo, levantando as patas dianteiras quase a derrubando de cima de si antes de dar a volta e sair trotando desgovernadamente.

Felicity não conseguia pensar em mais nada, assimilar informação alguma, todos os comandos de sua mente para o corpo pareciam ter sido interrompidos, nem gritar conseguia. Ouvia cada vez mais longe os gritos de Barry, Marie, Caitlyn e do Rei, o desespero.
As mãos que seguravam firme na rédea estavam perdendo a força, o corpo saltava mole de acordo com as trotadas do animal, as árvores passavam por si em um borrão, lágrimas já escorriam pelos cantos dos olhos, os pulmões doendo.

Não era possível que ela, a futura Rainha Du Louvre acabaria daquela maneira. Aquele não podia ser seu fim. Não podia morrer sendo arrastada por um animal!