FESTA PRA QUEM? Um conto de Natal escrita por Humbelina Grilo Gurgel de Matt


Capítulo 1
Capítulo 1




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O dia de Natal que vou narrar teve um desfecho que eu nunca esqueci. Tio Agenor caprichou na bebida desde cedo. Á noite, a família toda reunida, ele mal conseguia falar. Sentado no tapete da sala, aceitou a sugestão da esposa: “Deita homem, você está com sono.” Mas, tio Agenor faria acontecer...

Ele era o dono do pedaço. Na pequena cidade, todos reconheciam sua notoriedade. Sangue nordestino, cabeça grande, pescoço atarracado. O dente de ouro exalava sua fidalguia sertaneja. As férias passadas na casa do meu tio Agenor tinham sabor de aventura. A casa grande, o entra e sai de pessoas, as festinhas de interior... Deixaram muitas saudades. Ele trabalhava agenciando circos, parquinhos e espetáculos. No verão sempre trazia uma atração especial para a cidade, que se transformava num caldeirão de alegria e romance. O rei do baião era esperto. Senhor absoluto de suas vontades, uma “pândega” como dizia a minha avó. Um pequeno incidente que reunisse dois amigos, a chegada inesperada de um parente, era o suficiente para transformar a data num dia especial. Tio Agenor fazia acontecer.

Toda a família foi contra o casamento de Helena com Agenor. Havia diferenças gritantes nos campos cultural e material

entre as duas famílias. Mas ela se apaixonou perdidamente pela pessoa galante, inteligente e sedutora do jovem rapaz. A inocência própria ao inicio da mocidade arrastou-a irreversivelmente para um casamento infeliz.

Entretanto, havia um detalhe curioso. Embora o pai de Helena fosse Juiz de Direito renomado, se casou (para o desespero da família) com a filha de uma feirante, analfabeta de pai e mãe. O que se diz, é que tudo não passou de um pequeno deslize para o azar se aproveitar. Numa festa junina de um lugar perdido no mapa, uma rasteira do desejo no doutor, engravidou a moça caipira. O meritíssimo, embora jovem, possuía honradez e princípios sólidos. Constituiu com a graciosa caipira uma família de oito filhos e amargou num ostracismo resignado, deserdado sumariamente pela sua família. A vida faria então, pai e filha, cruzarem um mesmo destino, um casamento equivocado e infeliz. Independente das famílias avisarem...O que teria feito ambos sucumbirem a uma mancada tão ostensiva? Inocência genuína? Intrepidez? Rebeldia? Ou uma atração secreta pela aventura e pelo risco? Para ambos, o preço pago foi alto, em prestações diárias até o fim da vida.

Em pouco tempo, tio Agenor inventava suas festas. Tudo regado a whisky, e dos bons. Ele não gostava de porcarias. Com o cenário festivo armado, já totalmente bêbado, recepcionava as pessoas estranhas que chegavam de penetra, como velhos conhecidos. A esposa e a filha sempre assustadas com o que viam, permaneciam camufladas de convidadas da festa, fugindo das tentativas dele em destacá-las em lugar de honra. As duas, sóbrias e enfadadas retiravam-se à francesa para o segundo andar da casa, então protegidas da exuberância e audácia do meu tio.

Era admirável sua capacidade de improviso: lençol virava cortina e vice versa, na falta de um para acomodar alguém que ficasse para dormir. O melhor anfitrião que já conheci. Meu tio Agenor fazia acontecer.

Agenor trouxe Helena para a lua de mel no Rio de Janeiro. Parecia um sonho caminhar sobre as calçadas de Copacabana. Foram dias de intensa paixão para os dois. Contudo, não tardou Helena começar a viver os efeitos dolorosos do charme sedutor do seu marido. O álcool se instalou entre os dois, encharcando cada dia e cada noite da vida do casal. Helena chorava sozinha, nem mesmo nos seus familiares podia buscar consolo. Eles tinham avisado. Junto com a bebida, vieram as noitadas fora de casa. Helena descobria estarrecida, as sucessivas traições amorosas. Onde estava aquele homem galante, carinhoso, que lhe inspirou tanta segurança?

Sem a necessária maturidade, Helena engravidou. Na madrugada que entrou em trabalho de parto estava dormindo sozinha. Foi acordada pelas dores e no escuro pressentiu o vazio ao seu lado na cama. Sua sogra, pessoa jeitosa e competente foi buscar Agenor de táxi na zona de baixo meretrício da cidade. Ele estava no randez-vous Maria Bonita. O estado de embriaguez do filho inviabilizou qualquer tentativa de dar a notícia. Acompanhou ela mesma Helena ao hospital e permaneceu todo o tempo ao seu lado. O parto foi demorado e doloroso. O menino nasceu sem respirar, com sérias complicações pulmonares. Foi levado direto da sala de parto para a incubadora.

A despeito de todos os rumores negativos que eu ouvia aqui e ali dos adultos a respeito do caráter do meu tio Agenor, ele possuía uma maneira gentil de me tratar. Era muito divertido quando me levava para passar o dia inteiro com ele na rua. Estando ao seu lado sempre existia a possibilidade de uma surpresa, como: fazer um passeio de barco, conhecer um lugarejo próximo ou ganhar um presente especial. Ele gostava de viver e estava sempre selecionando a fatia mais doce da vida, para usufruir plenamente o exato momento em que se encontrava.

Suas risadas me contagiavam, e mesmo quando ficava embriagado, nunca foi agressivo ou desatento comigo. Não fazia seu estilo xingar palavrões, nem humilhar as pessoas, mesmo aquelas que o desagradavam. Era difícil para mim, encontrar em alguma parte do meu tio, aquela pessoa nociva e inconveniente que os adultos referiam. Meu coração de criança o amava. Mas eu escondia a minha admiração, porque não seria uma posição popular na família. Minhas férias de verão na casa de tio Agenor são as recordações mais preciosas que guardo comigo. Em raras situações eu o vi sóbrio: ficava quieto, pensativo, o semblante preocupado. Eu me sentia inadequada perto dele, não sabia como me aproximar, nem mesmo o que perguntar. Optava por me afastar, sentindo uma enorme pena dele. Não sei por quê. Eu o vi chorar várias vezes, mas sempre de alegria. Ficava emocionado quando ouvia vovó, a mãe dele, executar ao piano La Cumparsita, quando recebia um presente de um parente querido, mesmo que fosse algo insignificante..

No terceiro dia após o nascimento, Agenor apareceu para ver o filho no hospital, não foi possível porque estava na incubadora. Após esta data Agenor desapareceu por vários anos, sem deixar nenhum rastro, pista alguma de onde se encontrava.

Retirada da árvore ainda verdinha, Helena amadureceu à força. Sozinha e sem opção, voltou a viver na casa dos pais com o pequeno Gustavo. Não é necessário descrever as recriminações diárias pelo casamento fracassado. “Nós te avisamos!” O pai de Helena, homem da lei, providenciou seu divórcio, já que passados cinco anos Agenor permanecia desaparecido. Na delegacia de polícia foi expedido um documento de “tido como morto”. Helena já não chorava mais.

Tio Agenor sempre tinha um ajudante de “ordens”, um candango qualquer para acompanhá-lo realizando pequenas tarefas: ir levar algum recado, procurar as chaves perdidas, trocar o canal da TV (não havia controle remoto na época.) Via de regra, este pobre infeliz era remunerado com um prato de comida ou apenas pelo privilégio de servir ao grande patrão. Seu poder de atração era inegável, seu carisma arrastava as pessoas que elegia. A bebida era companhia diária - mas, e daí? A sua vida seguia próspera, ele dizia de boca cheia: “Sou quase analfabeto, mas sei fazer dinheiro! Não sou doutor, mas aqui está sempre cheio!” batendo a mão no bolso, visivelmente orgulhoso.

Determinada altura das festas, os espíritos se liberavam para exibir o inacreditável. Pouco a pouco os convivas embriagados, disputavam quem possuía mais coragem. Uma moça tira a roupa, e somente de biquíni desfila e samba entre aplausos e gargalhadas. Outro fulano pega a tigela de farofa e comendo de mãozada termina de boca cheia espirrando uma nuvem de farofa ao redor. Mais aplausos.

Certa ocasião, meu tio suspeitou que sua festa ficaria esvaziada. Se encaminhou ao hotel da cidade e convidou todos os hóspedes presentes na sala de convívio para participarem de uma grande festa em sua casa. Algumas pessoas reagiram com euforia: “Oba! Já estou lá!”, “Aonde é sua casa?” E meu tio excitado: “Me sigam amigos, é só me seguir!”

Mas Agenor retornou após cinco anos e meio. Como um príncipe encantado surgiu do nada e pediu a mão de Helena em casamento pela segunda vez. Conheceu o filho Gustavo, então com seis anos de idade. Helena evitou pedir explicações. Agenor repetia a cada minuto que sempre a amou e que a amaria para sempre. Ela nunca se interessou em saber se voltava para ele por amor ou se não agüentou a recriminação e a repressão dos familiares. Além do mais, vivia presa, sem liberdade para ir a lugar nenhum sem estar acompanhada da irmã caçula “mulher separada fica em casa”. Ainda na flor da idade e da beleza, Helena não possuía qualquer perspectiva de vida envolvendo um novo relacionamento. Mesmo com toda a proibição, um jovem dentista que a atendia, declarou-se apaixonado. Rapaz de boa família expressou o desejo de ir falar com os seus pais. E ela simplesmente deixou de ir ao tratamento. A irmã caçula que a acompanhava nas consultas narrou em casa o que estava acontecendo. Sua família jamais iria permitir juntar-se com outro homem, sem se casar. A possibilidade de uma nova oportunidade com este rapaz se foi. Talvez, este tenha sido o último vagão do último trem antes que ela ficasse confinada ao abandono voltando para Agenor.Por vezes quando dobramos determinada esquina da vida, jamais saberemos o que estaria nos aguardando na outra esquina que abandonamos...

Após a reconciliação, mudaram para uma pequenina cidade do interior. Helena já estava grávida da pequena Cecília. Aos poucos foi desenvolvendo um forte ressentimento pelo marido, sentia-se abandonada por ele nas longas viagens que ele fazia a trabalho. Talvez pela solidão, Agenor formou uma segunda família em outro estado. Certo dia, Helena desfazendo a mala do marido, encontrou uma carta. O envelope continha a foto de uma moça de cabelos longos e pretos. Um pequeno bilhete com letra garranchada e português precário, dizia: “Meu grandi amor eu estô isperano nenê vem logo estô com saldades”. A esta altura, o sofrimento de anos já havia forjado Helena uma mulher dura e vingativa. Resolveu que Agenor jamais saberia do seu conhecimento. Era de opinião que a mulher só deve se declarar sabedora da traição para pedir separação. Ficar junto, aceitando a infidelidade, tira o respeito.

A festa de natal rolava alheia aquela presença ostensiva do meu tio Agenor apagado no tapete. Seus roncos altos , foram incorporados ao burburinho do ambiente.

A ceia foi servida, sentados na sala os familiares teciam elogios aos quitutes. Todo o clima divergia do estilo do nosso querido festeiro. As pessoas conversavam baixo em pequenos grupos pela casa, com o copo de bebida na mão fazendo o gelo rodar e tilintar. A música natalina instrumental conferia leveza e sofisticação ao ambiente. Exceto a visão do tio Agenor: deitado atravessado no tapete de barriga pra cima, roncando de boca aberta.

Naquele Natal Helena tinha uma razão para ficar feliz. Sua irmã caçula viria com suas filhas passar os festejos de Natal. Na falta de um apoio dentro do casamento, Helena permaneceu muito ligada afetivamente aos seus irmãos e irmãs. Ficou presa ao único afeto que havia conhecido: sua família de origem.

Neste Natal conseguiu colocar de lado seu crônico desânimo por festas em geral... O que adiantava se Agenor sempre roubava a cena? O excesso de bebida destruía o momento, ele sempre transformava a situação numa bandalheira ao seu modo.

Com o passar dos anos, talvez para defender-se, Helena foi se transformando numa pessoa muito agressiva. As domésticas eram suas vítimas por excelência. As tratava com punhos de ferro, as perseguia pela casa cobrando cada detalhe do serviço. Quando não, as xingava em total descontrole, o que redundava na saída da empregada. Certa ocasião, totalmente enfurecida Helena jogou pela janela todas as roupas da doméstica. A moça aparvalhada foi tentando catar as peças no asfalto enquanto os carros buzinavam pedindo passagem. A segunda vítima era sua filha caçula, que tratava com rigor e xingamentos. A vida adquiriu um gosto amargo. Daquela jovem linda, que quando sorria tinha dois furinhos nas faces, não havia sobrado nada.

Mas aquele Natal era diferente, seria seu e dos seus familiares. Iniciou os preparativos muito antes da data. Havia juntado dinheiro para aquela ceia, retirando generosas quantias do bolso de Agenor quando desmaiava bêbado.Gostava de cozinhar e ser elogiada. Era talvez o único apoio para sua auto estima. Dizia para si mesma que a única razão de manter o casamento era a dependência financeira do Agenor. O que não era fácil, quase precisava implorar o dinheiro para os gastos da casa. Poderia ser uma mulher independente. Quando chegou na cidade, foi aprovada num concurso público para os Correios e Telégrafos. Agenor não consentiu que assumisse o cargo. “Mulher minha não trabalha!” Até hoje Helena se pega imaginando qual seria sua vida se tivesse tido forças para se opor ao marido. “Como eu era boba, meu Deus!”

Tinha a consciência tranqüila de que havia tentado tudo para salvar o casamento. Até tentar aprender a beber e fumar, apenas para acompanhá-lo e permanecer mais perto dele. Não funcionou, não estava na sua natureza.

Há tempos passou a não sentir mais falta de Agenor, muito pelo contrário. Ansiava pela tranqüilidade da sua ausência.

Eu não conseguia tirar os olhos do meu tio Agenor, tinha vontade de deitar ali no chão ao seu lado. O incrível é que parecia haver um acordo tácito entre os convidados: ignorar aquela situação patética para garantir o clima da festa. Helena pensava aliviada: “Graças a Deus ele apagou e podemos ter um Natal normal!” Os presentes foram trocados, expressões de alegria precediam o barulho do papel rasgado e amassado. Pouco a pouco meu tio estava rodeado de uma pilha de papéis de presente jogados ao seu redor. O bebê da família ganhou um brinquedo chamado “ João bobo”. Alguém colocou o boneco em cima da barriga do meu tio. Cada vez que ele roncava, o brinquedo ia para frente e para trás. No ritmo da barriga grande que subia que descia. A risada era geral. O neto dele gritou: “O enterro do papai Noel!” Mais risadas...

Especialmente naquele Natal, desejou ardentemente que Agenor ficasse pelas ruas, noutras casas, outras paragens. Queria muito celebrar um Natal dignamente com sua irmã, sobrinhas e filhos. Saborear a ceia, abrir os presentes que havia escolhido com tanto carinho. Na verdade, tinha vergonha do Agenor. O que inicialmente admirou nele como espontaneidade e criatividade agora pareciam palhaçadas e falta de classe.

Durante a tarde, uma vizinha amiga veio juntar-se a Helena e a irmã nos retoques finais. Enquanto passava açúcar com canela no pão de rabanada, escutava as últimas novidades trazidas pela irmã sobre sua terra natal. As três mulheres davam risadas e divertiam - se, fazendo comentários sobre as histórias do Nordeste.

Tudo corria as mil maravilhas, quando ás nove horas da noite Helena ouve o barulho do carro entrando na garagem. Um véu de tristeza fez sombra sobre o seu Natal. Era Agenor. Completamente bêbado. “Por que este homem não ficou por lá, meu Deus?” O ajudou a entrar e sugeriu que dormisse um pouco antes da ceia. Assim que ele começou a roncar deitado no tapete da sala, Helena olhou para aquele homem e sentiu ódio. Ali estava a sua estampilha, seu troféu, marca indelével do fracasso em sua vida. Não adiantava negar, nem fugir. Num rompante de coragem resolveu viver o seu Natal em família, ignorando solenemente a presença indesejável. Mas, não sabia por que, lágrimas começaram a cair. Foi para o banheiro e no espelho olhou firme dentro de seus olhos: “Agora já é tarde para você chorar, não cabe mais drama nenhum. Vamos lá”.

Os convidados foram chegando pouco a pouco. Olhavam rapidamente aquela cena do Agenor estatelado no tapete e prosseguiam meio sem jeito como se nada tivesse acontecido. Se a esposa não se importava, quem deveria se importar?

As crianças não conseguiam segurar o riso e faziam do Agenor um brinquedo, pulando sobre ele pra lá e pra cá.

Helena não sabia se ria porque achava graça, ou se ria por que todos riam e disfarçava assim sua vergonha. Era o seu marido desacordado, sendo tratado como uma coisa. Um Judas levando pauladas, diretamente exilado da quinta-feira da paixão para o dia do nascimento do menino Jesus.

Tudo parecia estranho a ela, tudo mesmo. A casa, aquele homem, seus convidados, suas próprias roupas. Queria sair dalí, ir para o seu quarto e dormir. Virar a página do Natal.

Para Agenor a batalha estava vencida, mas a guerra não. Quando todos pensavam que a noite de Natal estava caminhando para um final feliz, meu tio acorda. Levantou-se e emitiu três ordens: “Quero minha camisa de flores, meu chapéu panamá, meus óculos escuros novos!” A esposa lhe serviu prontamente a dose de whisky com expressão intrigada. Ele pegou o telefone trocou duas palavras e desligou. Colocou uma música de carnaval e chamou as sobrinhas para sambar. Não adiantava o esclarecimento aflito da esposa que aquela festa era Natal, não carnaval.

Tinha algo em Agenor que sempre a fazia ceder, atender, servir. Sentiu o estômago embrulhado, sabia que a partir daquele momento tudo podia acontecer. A festa passava a ser do Agenor. Ainda assim, o Natal havia sido feliz, com sua família. Seu coração havia tido um alento. Serviu a dose de whisky e entregou em silencio sem olhar para o rosto dele. “...Imbecil, infeliz, desgraçado. Quero que você morra. Não, melhor... quero te ver entrevado numa cadeira de rodas, sofrendo por tudo que me fez. Pensa que me esqueci da minha cirurgia? Eu com dores, os pontos abrindo, com febre e você se arrumou todo e foi para a rua. Você não tem coração Agenor.” Agora ele estava ali como centro das atenções, todos admirando suas palhaçadas.

Meu tio Agenor foi para a rua, assim que seu ajudante Cornélio chegou. Eu e algumas crianças corremos para dentro do carro. Não era justo perder o melhor da festa. Da janela das casas dava para as pessoas verem o espetáculo: ele sentado no caput do carro munido de um tambor entre as pernas, enquanto o carro era dirigido em ritmo de desfile. A garrafa de whisky numa mão enquanto a outra batucava em ritmo de carnaval. O colar de havaiana no pescoço indicava precisamente qual era a sua festa. O carro avançava no buzinaço e tio Agenor cantando só na garganta: “O importante é ser fevereiro e ter carnaval pra gente sambar!” Se encontrava no caminho alguém contrafeito, recriminando sua atitude, dispensava uma pequena atenção e naquele tom arrastado das músicas sacras, solenemente entoava : “Dominus tecum, dominus, dominus” Fazendo um sinal da cruz no ar, abençoando a pessoa contrariada.

Graças a Deus Cornélio veio logo e o levou de carro. Quanta palhaçada. Saiu fantasiado cantando música de carnaval e ainda havia pessoas aplaudindo. Os parentes ficaram na frente da casa olhando o carro se afastar com ele sentado no teto. Helena foi lavar a louça da ceia. Aos poucos sés familiares foram se recolhendo para dormir. A música foi desligada, o pisca-pisca apagado, as portas da casa fechadas.

Helena ficou só, em silêncio. Antes de subir a escada, ela apaga as luzes. Logo nos primeiros degraus pára e retorna para deixar uma luz acesa. Podia ser que Agenor bêbado desse um tropeção no degrau e se machucasse.


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