É noite de ano novo e Octavia havia me chamado para ir ao centro quando estivesse próximo da meia-noite, para vermos a queima de fogos com o restante do pessoal. Acabei recusando seu convite, dizendo que ficaria na cobertura do meu prédio mesmo, já que não estava tão animada assim para comemorações de ano novo. A única companhia que eu gostaria de ter esta noite encontra-se longe demais e eu não tive coragem de ir até lá desde que a guerra acabou.

Se desejos de ano novo fossem reais, este seria o meu pedido.

Chego à cobertura e me surpreendo que uma boa quantidade de pessoas esteja presente aqui. Alguns dos meus vizinhos decidiram ficar aqui em cima, assim como eu, e acabaram trazendo alguns amigos. Poucos que conheço, mas não tenho tanta proximidade. Pelo menos a mesa está bastante farta. Deixo a garrafa de vinho que havia combinado de trazer e a coloco perto das demais garrafas, a maioria sendo de espumante. Logo após, apenas os cumprimento por educação e arrumo um lugar no parapeito com um bom espaço para me encostar.

Já se passam das 23:30hs e minha cabeça já gira um pouco por causa do vinho. Só tomei duas doses, mas já estou acostumada com o fato de que sou muito fraca com bebidas, totalmente ao contrário dele.

- Effie, querida! - ouço uma voz extremamente aguda vindo de trás de mim e quando me viro para me certificar de quem está vindo, percebo que é Octavia, com Flavius no seu encalço. Não deixo de abrir um sorriso quando os vejo aqui. Octavia abre os braços e me envolve, rindo comigo. - Me desculpe – ela diz. - Achamos melhor ficarmos aqui com você do que lá no centro.

- Obrigada, Octavia - agradeço com um pequeno sorriso, abraçando Flavius logo em seguida.

Octavia se recosta no parapeito, onde eu estava anteriormente. Paro de frente para ela enquanto Flavius vai pegar mais bebidas para nós.

- Ah, eu queria ter a sua coragem de ficar sem peruca – Octavia comenta, sem tirar os olhos dos meus cabelos ondulados até os ombros. Havia amarrado duas pequenas madeixas na parte superior. Todo o restante estava solto. - Você ficou maravilhosa assim.

- Obrigada – digo, sentindo-me corar. - Achei que precisava mudar um pouco.

- Você acertou em cheio! - ela diz com a voz um pouco alta e deduzo que antes de vir eles já tinham bebido um pouco. Reviro os olhos e dou de ombros, vendo Flavius vir em nossa direção com taças de champanhe.

- Dez minutos, garotas! Apenas dez minutos! - ele nos entrega as taças e tomo um gole da minha. Já Octavia, toma metade do líquido e faz uma careta.

- E então... - ela diz após voltar a si. - Já fizeram seus pedidos de ano novo?

- Com certeza! – Flavius quase grita. - Uma vez eu pedi dinheiro e quando estava saindo do centro encontrei duas notas no chão! Tudo bem que poderia ter sido mais do que aquilo, mas eu não especifiquei quanto eu queria, não é mesmo?

Flavius desata a rir e Octavia o acompanha. Acabo me divertindo com a visão dos dois bêbados na minha frente.

- E você, Effie? - ela indaga após conseguir controlar o riso. Sinto os olhares dela e de Flavius sobre mim agora.

- Ah, eu... - gaguejo. - Nada demais... - respondo e desvio o olhar em seguida, o que, para a minha sorte, nenhum dos dois notou.

- Olha, eu tenho que confessar – ela diz, estendendo uma mão na minha direção. - Várias vezes já pedi mais paciência na minha vida. Na verdade, pedi para ter sua paciência, porque alguém que consegue trabalhar e aturar Haymitch Abernathy durante anos deveria ganhar um prêmio.

Flavius volta a rir e eu solto uma breve risada. Octavia, por sua vez, está com o olhar fixo por cima do meu ombro.

- Sou obrigado a concordar – soa uma voz por trás de mim, mas mesmo sabendo de quem vem, sinto a necessidade de me virar para poder comprovar que isso não é ilusão minha.

Haymitch está parado bem atrás de mim, com um sobretudo preto e detalhes na cor cinza, o mesmo que usou quando foi embora. Seus cabelos estão praticamente a mesma coisa, exceto pela barba que está bem aparada desta vez. Há um sorriso misterioso em seus lábios, o qual não consigo desvendar. Estou bastante incomodada com o meu estômago congelado.

- Oi - é tudo que consigo dizer.

- Oi – ele responde, balançando levemente a cabeça. - É... posso falar com você? - ele diz e desvia o olhar para os dois atrás de mim. - A sós?

- Ah, ta. Tudo bem. Tudo bem. Já entendi – Octavia diz e eu entrego minha taça a ela. - Vamos ali pegar uns doces e mais champanhe.

Logo os dois saem e nos deixam mais à vontade.

- Não achei que você viria...

- Bom, eu tinha certeza de que você não iria aparecer no Doze – ele diz me lançando um olhar firme, o que me faz encolher os ombros. - E eu não queria passar a virada sozinho de novo, só que agora com um casal recém formado na casa ao lado.

- Como ouvir o barulho da cama se quebrando? - sugiro e ele levanta uma sobrancelha, em dúvida.

- Acho que nem tanto – ele diz. - Eles não são a gente.

Sinto-me mais corada ainda e rio para disfarçar. Ele se aproxima um pouco mais e me concentro no zíper do seu sobretudo, fechando-o um pouco mais.

- Eu acho que agora eu já posso contar qual foi o meu pedido de ano novo – digo e Haymitch franze o cenho, aguardando a minha resposta. Levanto o olhar até encontrar o dele e sorrio antes de prosseguir. - Você.

Haymitch move o canto dos lábios num pequeno sorriso em resposta.

- Eu também tenho um pedido de ano novo – ele diz, colocando uma mão em um dos seus bolsos, tirando de lá uma pequena sacola de tecido rosa, presa numa fita quase da mesma cor. - É mais um presente do que um pedido, mas também não deixa de ser.

- Um minuto! - alguém grita na cobertura.

- É melhor eu ser rápido - ele diz e me entrega a tal sacolinha. Retiro o laço de fita e a abro, retirando de dentro um anel com uma pequena pedra. Mordo o lábio e admiro o anel por alguns instantes até finalmente voltar a olhar para Haymitch. - É um anel de compromisso – explica. - É só porque... Enfim, eu quero ficar com você . Só com você.

- Eu também não quero outra pessoa, Haymitch.

- Sem anonimato.

- Sem anonimato – repito.

- Dez! Nove! - começam a contagem e dou de ombros rapidamente. A cobertura está cheia.

- E então? - Haymitch indaga e volto a fitá-lo.

- Me beija logo, vai – digo e o puxo até mim. Nos beijamos enquanto ainda estão no "cinco" e ouço alguns gritos de antecipação. De alguma forma sei que se trata de Octavia e Flavius, que, com certeza, estavam nos observando o tempo todo. Passo, então, os braços ao redor do seu pescoço e o sinto me abraçar pela cintura, grudando ainda mais os nossos corpos, enquanto nossas línguas começaram a brincar. A contagem finaliza e dá-se início a queima de fogos, mas continuo agarrada a Haymitch, como se não houvesse mais nada, como se fosse apenas nós dois ali.

Nos afastamos enquanto ainda está acontecendo a queima. Me viro de frente para o parapeito e ele fica atrás de mim, com as mãos pousadas na minha cintura. Ele deposita um leve beijo no meu ombro e passamos a admirar o céu tomado por explosões de cores.

- Eu sabia! - soa a voz de Octavia do meu lado e ela parece tão alegre quanto revoltada. - Eu sempre soube que tinha alguma coisa rolando!

- É, sempre soube! - Flavius repete, mas fica óbvio que ele não sabia de nada.

- Vocês não sabiam de nada – Haymitch diz.

- Mas por que nunca contaram?

- Privacidade – digo simplesmente.

Octavia levanta uma sobrancelha, parecendo desconfiada.

- Bom, eu vou pegar mais champanhe para nós - diz Flavius, afastando-se novamente com Octavia, que diz que vai ajudá-lo a trazer para nós.

- Cuidado para não exagerar – digo para Haymitch.

- Mas você está aqui justamente para isso – ele diz com um sorriso no rosto. - Para me controlar.

- Só para isso?

- Claro que não - ele responde e me puxa para si. - Você sabe que não.

- É bom mesmo – digo, olhando ao redor.

Haymitch me envolve num abraço e leva os lábios até o meu ouvido.

- Eu quero você pelo resto da minha vida – ele sussurra e eu me arrepio. Tento encontrar algo para dizer, mas apenas correspondo o seu abraço, apertando-o. Dou um leve beijo no seu pescoço. E quando ele desliza suas mãos pelas minhas costas, sei que ele não precisa de uma resposta, porque ele já sabe. Ele sabe que eu também quero.