Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 38
Cumprindo Favores


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente ♥ Eu já tinha essa cena na minha cabeça há tempos, sempre que eu ficava no escuro ouvindo Bon Iver :3 Aproveitem



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   Eu acordei com o despertador, debaixo do cobertor. Minha mãe deve ter me encontrado dormindo e me cobriu. Confesso que, mesmo sem sono, faltou vontade de me levantar e ir para a aula. Ainda assim, forcei-me a ficar de pé e olhei o retrato sobre minha cômoda.

   ─ Espero que entenda algum dia.

   ─ Meu bem, vai se atrasar. ─ Minha mãe empurrou a porta enquanto prendia seus brincos. ─ Está tudo bem?

   ─ Sim, tudo bem. Já vou descer.

   Ela me deixou sozinha depois de olhar na direção do retrato. Suspirei e prendi meu cabelo, tentando me preparar para o dia. A vontade de chorar ainda estava lá, mas respirei fundo e fui tomar café.

   Já na escola, eu tive uma ideia idiota. Eu estava presa a qualquer esperança, por mais boba e pequena que ela fosse. Entrei no grêmio, vendo Nathaniel com os olhos perdidos num documento qualquer e os fones de ouvido. Bati na porta, só para ver o olhar voltando a ganhar foco e logo em seguida se encher de decepção.

   ─ A gente pode conversar?

   ─ Não. Eu já disse tudo que eu precisava.

   ─ Você já foi mais compreensível.

   ─ Você já foi mais leal. Licença.

   Doeu de novo. É, ele já tinha deixado bem claro que queria me esquecer e fingir que eu nunca existi. Aliás, ele estava fazendo aquilo muito bem. Eu engoli o choro que estava subindo pela garganta e deixei o recinto, cabisbaixa. Já que ele estava se esforçando, eu podia muito bem fazer o mesmo.

   As aulas eram chatas, ainda mais quando minha cabeça estava em qualquer outro lugar. Num lugar onde eu dormia com a cabeça nas pernas de um amigo meu que sempre me ajudava. Um lugar onde um loiro gentil sempre me abraçava e xingava os coleguinhas que riam de mim.

   Eu era insistente. Doía, mas eu tinha que saber o resultado das minhas ações. No segundo dia, quando eu estava procurando uma sala para fugir, encontrei Ambre por acaso. Lembram quando eu disse que ela não conseguia parecer humana? Eu me enganei. Ela estava chorando, desabafando com Li e Charlotte sobre como sua vida estava acabando.

   ─ E o imbecil do meu irmão parece que só vai ficar feliz quando o vir preso. Eu não aguento mais.

   Encostei a porta com o maior cuidado, pensativa. Eu gostava de dar murro em ponta de faca, mas apertei a alça da minha mochila e fui atrás de Lysandre. Encontrei-o conversando com Rosa, já no pátio. Segurei seu braço e perguntei se ele podia me acompanhar até um lugar.

   ─ Eu vou deixar vocês dois em paz. Anna, não vá fazer nada que...

   ─ Obrigada, Rosa.

   ─ Aonde está pensando em ir?

   ─ Eu sei que é idiota, mas eu queria muito ir até a casa dele de novo.

   ─ Nathaniel? Não sei se é uma boa ideia, Anna.

   ─ Eu vou de qualquer jeito. Só não queria ir sozinha. Confesso que a ideia de encontrar os pais dele me assusta um pouco.

   ─ Nenhum deles faria qualquer coisa com você, não são nem loucos.

   ─ Normais é que eles não são. Por favor.

   ─ Sabe ir para lá?

   ─ Sei.

   ─ Então não vamos nos demorar mais, sim? Vamos.

   ─ Obrigada.

   ─ Não acho justo que encare isso tudo sozinha sendo que fui eu quem te convenci.

   Sim, foi uma ideia idiota. Eu toquei mais de cinco vezes e, quando finalmente obtive resposta, foi a mãe dele quem respondeu. A voz estava seca, mais que o normal, enquanto ela olhava na câmera quem a importunava. A voz sumiu para em seguida, a figura altiva abrir o portão e me enxotar de lá aos berros.

   ─ Arruinar minha família não foi o suficiente, sua infeliz.

   ─ Não fui eu quem fez isso, senhora.

   ─ Saiam, ande logo. ─ Voltei para casa junto com Lysandre. Ele se ofereceu para me pagar um lanche antes de me deixar em casa, mas eu dispensei educadamente. Comida não ia preencher aquele vazio.

   Passei uns três dias naquilo. Eu não ia almoçar porque temia encontrar a figura familiar, então ficava sentada nos bancos do jardim, com os fones ouvidos ligados e o olhar perdido. Não era tão difícil ignorar nove anos da sua vida assim. Nem em três dias, nem em uma semana, nem nunca. Eu tentei mais algumas vezes falar pelo menos o básico com Nathaniel, mas era feito falar com uma parede.

   E foi depois de uma semana nesse relacionamento doentio, que estava me fazendo mal e que estava me intoxicando que eu me forcei a tirar aquilo tudo de dentro de mim. Nunca achei que eu conseguisse ser uma pessoa tão fraca.

   Eu sai arrancando de dentro do meu armário tudo que me lembrava Nathaniel. Fotos, roupas, presentes, tudo que ele algum dia tinha me dado, taquei tudo dentro de uma caixa, berrando pelo meu quarto. Não era só a tristeza, mas era a raiva de como ele não deu a mínima para mim quando eu o ajudei. Até as coisas que eu tinha escrito sobre ele no fim do caderno em horário de aula eu joguei dentro daquela maldita caixa. Eu não queria mais nada que me fizesse sofrer.

   Quando ouvi a porta de casa se abrindo, entrei pro meu banheiro e bati a porta, mordendo a língua tão forte para parar aquele choro desesperado. Porque eu tomei a atitude seguinte, não sei. Eu fiz. O sol já estava se pondo, eu larguei a tesoura no chão e deitei debaixo do chuveiro, segurando os pulsos trêmulos. Minha mãe só conseguiu me tirar de lá com a ajuda do meu pai, que ficou comigo no colo assim como quando eu tinha cinco anos. Acho que dormi no colo dele, mas no dia seguinte queria ter dormido dentro de um caixão.

    Peguei a primeira roupa que encontrei e, enquanto calçava o tênis, minha mãe veio me ver. Tudo que eu precisava. Ela encostou a porta e se sentou na cama, esperando eu olhar para ela.

    ─ Esse seu amigo, o que discutiu com você...ele conseguiu resolver seu problema?    

    ─ Não sei direito. Pelo que ouvi estão tentando um acordo, mas o conselho tutelar não concordou com nenhuma das propostas. Se importa se eu trouxer Rosa e Alexy mais tarde?

    ─ Promete que vai comer alguma coisa antes?

    ─ Posso tentar. ─ Engoli uma torrada, sem sentir o gosto, e fui para a escola. Antes de sair, fui de volta pro quarto e busquei a caixa maldita. Carregar aquilo rua afora não foi nada fácil, mas eu precisava fazer aquilo. Deixei minha mochila na sala e, logo em seguida, fui para o grêmio.

    ─ Nathaniel.

    Ele me ignorou. Suspirei e larguei a caixa em cima da mesa, falando sem me importar se ele estava ouvindo ou não. Eu ia falar, se ele quisesse responder, o problema é todo dele.

    ─ Pode pegar o que quiser, ou jogar fora, tanto faz. Ah, eu coloquei os restos do enfeite ai também.

    ─ Que que é isso?

    ─ Você mandou eu te esquecer, fingir que você nunca existiu. É o que eu estou fazendo. Tudo que você já me deu ou que eu fiz pensando em você está ai. Eu ainda espero que tudo dê certo, Nathaniel, mas eu não vou mais deixar você me matar. Não mais do que já fez.

    ─ O que você fez, Anna?

    ─ Eu ajudei um amigo. Eu tentei retribuir por todo o carinho e cuidado que esse amigo sempre teve comigo, em qualquer coisa, por mais besta que fosse. E agora eu vou fazer o que ele me pediu. Com licença.

    Sinceramente, eu esperava que aquilo fosse tocar Nathaniel em algum canto escuro onde eu ainda estivesse escondida, dentro do peito dele, e fosse trazer tudo ao normal, de novo. Ele não veio atrás de mim, infelizmente. Respirei fundo e fui para a sala de aula, sacudindo a cabeça.

    ─ Ai. Meu. Deus. Rosa, entra nessa sala agora!

    ─ Que foi, Alexy? Ai meu Deus.

    ─ Oi, gente. Espero que estejam livres essa tarde, vou precisar de ajuda para arrumar isso daqui. ─ Alexy parou ao meu lado e segurou meu cabelo entre os dedos. Ou pelo menos o que sobrou do meu cabelo. As mechas que antes chegariam até o meio do meu peito agora estavam acima dos meus ombros, com o corte absurdamente torto e errado. Provavelmente eu teria que ceder mais um pouco em comprimento para arrumar aquela bagunça.  

   ─ Por que você fez isso?

   ─ Não gostou? Eu confesso que agora é bem mais fácil lavar.

   ─ Anna, você não fez isso por causa dessa briga idiota, certo?

   ─ Rosalya, não é idiota. Eu acabei de devolver tudo que Nathaniel me deu, inclusive o enfeite que ele quebrou. Esse assunto morre aqui. Vão ajudar ou não?

   ─ Seu cabelo assim te deixa com o rostinho mais jovem. E fofa. Nunca reparei que tinha essas bochechas.

   ─ Obrigada, Al. E então?

   ─ Claro. Vamos juntos para sua casa.

   Sorri. Não existia tempo ruim perto daqueles dois. Mesmo com o coração partido, mesmo com toda a dor e com todos os olhares curiosos sobre meu cabelo, saber que os dois me ajudariam em qualquer situação me fez sentir melhor.

   Mesmo assim, não fui almoçar. Fome ainda era algo que me faltava, e eu tinha certeza que tinha perdido bastante peso na última semana. Estava sentada num banco qualquer, rabiscando meu caderno, quando um saco de papel engordurado caiu no meu lado. Melhor, foi jogado.

   ─ Bom dia. Gostei do novo visual.

   ─ O que é isso?

   ─ Seu almoço. Essa comida da escola realmente não inspira muito.

   ─ Não estou com fome.

   ─ Se seu plano é desaparecer, acho que não existe isso.

   ─ Castiel...

   ─ Aquele idiota não vale isso tudo, sabia? Chega a me irritar te ver chorando tanto por aquele imbecil.

   Suspirei e apanhei o pacote, olhando o conteúdo. Dois cheeseburguers. Peguei o primeiro e mordi, largando meu caderno de lado. Castiel arrumou um espaço para si ao meu lado e ficou olhando o céu enquanto eu comia. Ainda não tinha me acostumado com a ideia de ter Castiel cuidando de mim, mas não reclamei.

   ─ Ele vai se acertar com eles. O conselho tutelar vai forçar algum acordo na garganta deles. Talvez seu amigo ganhe um assistente social ou um lar provisório. Agora acaba de comer e vê se fica mais tranquila.

   ─ Já comentei que você me deixa muito confusa?

   ─ Porque um dia eu te ajudo e no seguinte estou fingindo que não existe. É, ouvi algo parecido.

   ─ Não passou esse sentimento, mas estou grata.

   Vi que ele me encarou de um jeito estranho, mas não comentei nada. Eu confesso que eu queria entender Castiel, mas eu tinha medo de ficar ainda mais confusa quando entendesse. Ele esperou eu acabar meu lanche e jogou o pacote fora, dizendo que o sinal tocaria logo.

   Fechei o caderno depois de escrever mais alguma coisa e fiquei de pé. Ele tinha razão ao dizer que tudo se resolveria. Voltei para o interior da escola, um pouco menos nervosa.


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Notas finais do capítulo

Nathaniel tem que aprender a largar de ser otário, só isso msm