Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 36
A Casa dos Segredos


Notas iniciais do capítulo

Hello, meu povo. Como vocês notaram, esse episódio novo me deixou empolgada com o jogo e com minha fic ♥ Amém tia Chino, amém. Enfim, espero que gostem ♥



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No dia seguinte, eu acordei antes do despertador. Aproveitei a ansiedade que estava me consumindo e fui separar o que eu levaria para a casa de Nathaniel mais tarde. Eu precisaria comprar um pijama bonitinho, porque tinha medo do que Ambre faria se eu chegasse com um dos meus pijamas baseados em roupas velhas que eu não usava mais.

Tomei café com meus pais e fui para a escola, ouvindo a música que eu mostrara para Nathaniel, Carpet.

O dia tinha tudo para ser um dia normal. Ajeitei minhas coisas na minha carteira, fiquei conversando com os gêmeos e Kentin enquanto o professor não chegava, passei o almoço com as meninas, assisti todas as aulas enquanto riscava o caderno com frases soltas.

Até que o fim da aula chegou. Nathaniel me contara antes que eles sempre deixavam a escola tarde a pedido de Ambre, então eu tinha algum tempo. Deixei a escola correndo e fui para casa, pegar a outra mochila. Tinha deixado quase tudo que eu precisaria para a aula do dia seguinte na escola.

Aproveitei também e passei na loja de Leigh, encontrando Rosalya lá. Ela estranhou eu estar com tanta pressa, mas me ajudou a escolher o pijama. Bom, ela na verdade quis me matar quando peguei o pijama de gatinho, enquanto ela me mostrava um com um short super curto. E imagino que a vontade de cometer um assassinato aumentou quando eu paguei pelo pijama de gatinho.

─ Para de reclamar, você sabe que eu não uso roupa daquele jeito.

─ Porque é otária. Você tem um corpão e não gosta de mostrar, vai entender.

─ Rosa, corpão é exagero. E se me dá licença, eu preciso ir. Te vejo depois.

Ela me entregou o pijama com a cara emburrada e murmurou em resposta. Acenei para Leigh e fui na direção da escola. Pensei em procurar Ambre pelas salas, mas preferi esperar do lado de fora. Ela teria que passar ali de todo jeito, então não corria o risco de nos desencontrarmos.

Só que ela não passou. Comecei a ficar ainda mais nervosa. Não que eu confiasse plenamente na palavra de Ambre, mas ela perderia se não me ajudasse, naquele caso. O céu já começava a ficar alaranjado, quando o telefone tocou. Era o número de Nathaniel, mas a voz aguda do outro lado fez meu sangue ferver.

─ Cadê você?

─ Eu quem pergunto, não vai mais me levar pra sua casa?

─ Ora, quem disse que eu ia te trazer? Realmente, você não é muito esperta. É só pegar o ônibus.

─ Ah, que ótimo, vou perguntar todos os motoristas por um endereço que eu não sei. ─ Ouvi o suspiro do outro lado da linha e tive que me segurar para não soltar um palavrão. Aquela garota me tirava do sério, mais do que eu devia permitir. Pelo menos ela me disse qual ônibus pegar e em qual ponto descer. Ah, e ainda fez questão de completar.

─ É falta de educação chegar de mãos abanando. Até mais.

Desliguei, respirando fundo. Era só eu me manter calma, só isso. Tudo funcionaria. Peguei o troco do pijama que ainda estava no meu bolso e caminhei até o mercado, procurando a coisa mais detestável possível. Encontrei algo que era particularmente bom, mas que eu tinha certeza que Ambre odiaria. Velas perfumadas. Paguei e pus o “presente” na mochila, indo para o ponto de ônibus.

Sentada dentro do veículo, com os fones de ouvido ligados e prestando atenção na paisagem que passava pela janela, eu fui controlando meus nervos. A cada segundo que passava, eu sentia cada vez mais como um rato caminhando para um ninho de cobras.

Dei o sinal e desci na rua deserta. Ambre tinha me passado uma descrição bem genérica da casa, então eu tive que ficar caçando entre aquele mar de mansões. É, meu amigo dormia bem. Toquei o interfone de uma com o portão cinza, esperando ser o certo. Pela voz do outro lado da linha, era.

─ Sou eu, Ambre.

─ Olha só, chegou a margarida. Finalmente.

Esperei mais uns cinco minutos enquanto ela abria o portão e vinha me receber. Tirei o presente da mochila e entreguei, dando um sorriso bem falso. Se eu tinha arrasado num teatro de verdade, eu me viraria bem naquele ali. Ela abriu as velas e sentiu o perfume com uma cara péssima. Ótimo.

─ Obrigada. Bom, ande logo, o jantar já vai ser servido. Meus pais não gostam de esperar.

Segui-a pelo jardim muito bem cuidado. Sinceramente, aquele lugar era maravilhoso. Ela abriu a porta e passou direto, sem me esperar. Respirei fundo e passei pelo vão, absorvendo os detalhes da sala de estar. A mulher altiva de antes estava sentada no sofá, tomando uma taça de vinho. Ela me estudou de cima a baixo antes de vir me cumprimentar.

─ Anna, sim? Seja bem vinda.

─ Obrigada, senhora.

─ Quem está ai, Ambre? ─ O pai, com sua voz firme e a postura um pouco assustadora. ─ Oh, sua amiga. Prazer, Francis.

─ Anna, o prazer é meu.

─ Chegou em boa hora, Anna. O jantar vai estar pronto logo.

─ Que bom. Se incomodam se eu deixar minha mochila no quarto de Ambre antes?

─ Não, claro que não. Ambre, por favor…

─ Vem, meu quarto é lá em cima.

Ela saiu caminhando, subindo a escada de madeira como se estivesse desfilando numa passarela. Subi atrás dela, tentando me preparar para o encontro fatal. Ele saiu de um dos quartos mais a frente no corredor e empacou quando me viu. Sorri, entrando no quarto da irmã dele antes que ele reagisse.

Deixei a mochila no chão, em um canto qualquer, e esperei Ambre dizer alguma coisa. Ela estava digitando algo com pressa em seu iPhone, então fiquei calada. A mãe dela bateu na porta, chamando nossa atenção.

─ Querida, mostre a casa, sim? Ela pode precisar de algo mais tarde.

─ Tudo bem. Vamos, Anna?

─ Claro.

A parte de cima da casa eram os quartos e um banheiro, onde eu poderia me trocar e afins. Lá embaixo havia a sala de estar que eu já conhecia, a sala de jantar, uma cozinha e uma sala de televisão. Quando subimos de volta, Ambre bateu na porta de Nathaniel e mandou ele ir pôr a mesa. Ele passou por mim, cenho franzido, esperando explicações. Fiquei quieta enquanto seguíamos escada abaixo.

─ O jantar já está pronto, Anna. Espere conosco.

─ Ah, claro. Nathaniel não precisa de ajuda?

─ Oh, não. Não se incomode.

─ Fizemos lagosta, Anna. Não tem alergia, certo?

─ Não, senhora. Confesso que não como muito, no entanto. ─ Ela estava fazendo aquilo de propósito, com certeza. Eu percebi pelo jeito que ela disfarçou um sorriso quando disse que eu não saberia comer muito bem.

─ Vamos, sentem-se. ─ Ambre assumiu seu posto sem sequer checar se eu estava por perto. Puxei a cadeira ao seu lado e fiquei quieta, enquanto Nathaniel parecia cada vez menor perto do pai. Até que o homem, até então educado, explodiu.

Para ser sincera, eu me assustei quando o homem bateu o punho na mesa e começou a berrar sobre...colheres de sobremesa? Nathaniel pediu desculpa e corrigiu seu erro no mesmo instante, evitando fazer contato visual. Principalmente comigo. O homem voltou a se sentar e se desculpou.

─ Meu filho normalmente sabe como pôr uma mesa. Peço desculpas por um erro tão estúpido.

─ Tudo bem, não foi nada grave.

Nunca tive uma refeição tão tensa. Sinceramente, aquele plano meu parecia mais difícil do que parecera. Se eu tinha pensado que ele não faria nada contra o filho com alguém de fora na casa, acho que me enganei. Tentei manter a calma e responder todas as perguntas que eu recebia. Como me aproximei de Ambre? O que eu queria ser no futuro? Quais as profissões dos meus pais? Outra pontada de Adelaide.

─ Seus pais trabalham com o que?

─ Minha mãe é arquiteta, mas pinta nas horas vagas. Meu pai é comerciante.

─ Então ele tem uma rede de lojas?

─ São só duas, na verdade. São livrarias, mas ele possui exemplares difíceis de encontrar.

─ Oh. E você disse que sonha com alguma engenharia?

─ Não tenho certeza, senhor, mas considero a mecânica.

─ Área excelente. Uma das melhores, na minha opinião.

Por incrível que pareça, Francis era um homem muito bem educado, e estava me salvando de algumas pequenas humilhações. Por que ele não podia ser assim com o próprio filho também? Acabei de comer, com algum custo, e esperei a próxima ordem.

─ Podem subir, garotas, não vamos mais incomodar.

─ Obrigada pelo jantar. Com licença.

Fiquei de pé e vi Nathaniel se levantar também. Ambre já estava no alto da escada quando ele me alcançou e me segurou, falando baixo.

─ O que você está pensando?

─ Nathaniel, dá pra se acalmar? Você me conhece, tenho as melhores intenções.

─ E é isso mesmo que me deixa receoso. Anna…

─ Seu pai te chamou.

E era verdade. A voz firme soou pela casa, chamando pelo outro nome masculino disponível. Ele me soltou e desceu as escadas de volta. Era raro vê-lo num visual tão relaxado, mas com os ombros ainda tensos. Fui para o quarto com Ambre, que já estava perdida nas suas conversas de celular. Peguei o meu e disse que precisava ir ao banheiro. Não sei se ela ouviu.

Lavei as mãos e coloquei os fones no ouvido, desligados. Abaixei a cabeça e fui andando pelo corredor. Meu plano era tentar ouvir a discussão que vinha lá de baixo, mas eu não consegui distinguir muito bem as palavras. Até arrisquei me aproximar da escada, mas no mesmo instante a mãe parou na minha frente e perguntou se eu precisava de algo.

─ Hum, eu só queria um copo d'água, mas não quis incomodar…

─ Eu pego para você, pode esperar no quarto. Vai.

Agradeci em voz baixa e abri a porta atrás de mim, rezando para que ela não estivesse com raiva. Que ela não comprou a desculpa eu tenho certeza, porque eu ia passar sede se realmente quisesse a água. Olhei a criatura loira largada em cima da cama, enquanto eu estava sentada no colchão no chão. Como ela conseguia fingir que estava tudo bem? Fingir, porque nem mesmo Ambre poderia ser tão sonsa.

Com o tempo passando, a casa foi ficando mais quieta. A mãe de Ambre passou no quarto, avisando Ambre que ela deveria ir dormir logo. E eu também. Oh oh, o olhar gelado de megera. Concordei, pegando meu pijama e dizendo que ia me trocar. Acho que ela ficou vigiando se eu ia mesmo entrar no banheiro.

Vesti meu pijama com os dedos trêmulos. Aquela família era alucinada. Uma irmã que fingia não ver nada, uma mãe que simplesmente ignorava tudo que estava acontecendo, um pai que tratava um filho como lixo...e aquilo tudo por que? Em nome do luxo, da fortuna em que eles se escondiam? Assustador demais.

Voltei ao quarto e apaguei a luz. A casa toda já estava em silêncio agora, a porta dos quartos todas fechadas. Olhei o relógio, onze e meia. Ambre não demorou muito para dormir depois disso. Ela deixou o iPhone ao seu lado na cama e dormiu, com a boca aberta. Bem, eu também fazia aquilo, mas não roncava daquele tanto. Com todo o cuidado do planeta, rezando para as tábuas do piso não rangirem, deixei o quarto e segui para a porta que eu queria.

Chequei mais uma vez se a área estava limpa e bati o mais de leve possível na porta, chamando seu nome. Fiquei receosa de ele não ouvir e eu ser pega ali no meio do corredor, mas logo a chave virou e ele me puxou para dentro, me trancando lá dentro logo em seguida.

─ Okay, pode falar agora, que ideia maluca é essa? ─ Ele me soltou, deixando seus braços cairem ao seu lado. E foi o movimento que eu precisei para perceber meu amigo de cueca na minha frente. Não era hora nem lugar, mas fui obrigada a dizer aquilo.

─ Essa produção é pra mim?

─ Como é? ─ A luz que entrava pela janela era o que me deixava vê-lo na minha frente, com o rosto um pouco mais vermelho que de costume. Ele realmente estava me levando a sério?

─ Foi brincadeira, tonto. O que aconteceu aqui? ─ Cruzei os braços, esperando ele dizer algo. Ou melhor, sussurrar. Se o assunto não fosse tão sério, eu acharia que estávamos de volta nas nossas brincadeiras de seis anos, escondidos debaixo da cama.

─ Não foi nada, okay? ─ E lá estava ele de novo, fugindo dos meus olhos. E aquilo partiu meu coração. Descruzei os braços, enquanto ele se jogava na sua cama, encarando o teto.

─ Ah, Nath, por favor… ─ Depois que ele não me respondeu e virou de costas, como se aquilo fosse me fazer desistir e deixá-lo em paz, eu cedi ao meu impulso e me deitei ao lado dele, dando um abraço por trás.

─ Anna.

─ Conta, por favor. É por você.

─ Promete que não vai falar para ninguém? ─ Eu concordei em voz baixa, mas ele pediu de novo. ─ Anna, promete.

─ Prometo. Só para de guardar isso para você.

Antes de me falar qualquer coisa, ele voltou a se deitar encarando o teto, mas sem tirar meus braços de si. Esperei que ele começasse, depois de um suspiro comprido. Eu nunca estive tão perto de vê-lo chorando, depois de anos.

─ É assim toda noite. Nunca nada está bom.

─ Por que ele é assim com você?

─ De verdade? Eu tenho quase certeza de que ele me associou ao rapaz que tomou sua vaga de promoção dentro da empresa.

─ Espera, ele faz isso por causa do trabalho dele?

─ Sim. Ele trabalhou muito para ser promovido e, quando a hora finalmente chegou, o chefe dele passou um cara bem mais novo na frente. Todos os sonhos destruídos por um garoto pouco mais velho que a gente.

─ Não justifica, nem explica. Nath, você não merece isso.

─ Eu sei, mas tente ver as coisas pelo meu ponto de vista. Ele sempre fez de tudo por nós, pela família, e de repente tudo isso está em risco. Foi difícil lidar com isso, então ele desconta na pessoa que mais o faz se lembrar de quem tirou isso tudo, o filho homem. Eu tenho medo de tentar melhorar a situação e ele acabar ferindo minha mãe, ou Ambre.

─ Sua mãe devia estar te protegendo, Nath, não te usando de escudo. Olha para mim. ─ Ele se deitou de lado, me olhando com os olhos tristes. Ai, como aquilo fez meu peito doer. ─ Você merece muito mais que isso tudo, e mesmo que você não queira, deixa eu pelo menos ser seu ancoradouro, tudo bem?

Por um instante, ele ficou calado, me olhando. Eu queria saber no que ele estava pensando, mas quando ele voltou a falar, eu quase desabei em choro. Ele me abraçou de volta e murmurou em resposta.

─ Você não faz ideia do quanto você já me ajuda, Anna. Do bem que você me faz.

Nathaniel não chegou a chorar, mas eu pude sentir que depois de um tempo seus ombros ficaram um pouco mais relaxados. Quando já devia ser meia noite, ou mais, ele me soltou e se sentou na cama, puxando-me junto dele.

─ Não importa o que aconteceu aqui, tudo bem? Digo, o que aconteceu na sala. Sabe que eu continuo sendo seu Nathaniel para sempre, sim?

─ Se continuar a falar assim usando só uma cueca eu posso entender errado, bonitão.

Ele riu, parando na mesma hora e olhando para a porta esperando se alguém tinha acordado. Depois que o silêncio continuou, ele abriu a porta e apontou pra mim. Entendi o recado e sai da cama, parando perto dele.

─ Que pena, ser pega com meu amigo de cueca.

─ Para de falar bobagem e vai. ─ Sorri para ele e atravessei o corredor, com tudo aquilo ainda na minha cabeça. Fechei a porta de Ambre e peguei meus fones antes de deitar. Só com algum som abafando os roncos eu conseguiria dormir.

Bom, não é como se eu tivesse conseguido dormir muito bem, ainda assim. Aquela história de violência não saia da minha cabeça. Óbvio que não. E estava me deixando angustiada, ter que fingir que tudo estava certo. Só consegui dormir depois que a exaustão foi maior que o peso na consciência.

O que já era bem tarde, só para deixar claro. Se eu dormi duas horas foi muito. Acordei com Ambre abrindo seu guarda roupa e tacando minha mochila na minha direção. Esfreguei os olhos e fui para o banheiro me trocar. Eu tinha levado um vestido, só para o caso de sujar a calça no dia anterior. A calça estava limpa, mas eu podia me arrumar um pouco para não ficar ouvindo Ambre recitando as falhas no meu figurino.

Tomamos um café silencioso, dessa vez com Nathaniel numa cadeira próxima da minha. Eu imaginava que os pais dele ainda se lembravam da nossa amizade, mas o olhar que sua mãe me deu foi bizarro.

Mais bizarro ainda foi chegar na escola junto do representante. Ambre tinha nos feito atrasar um pouco, então a escola já estava relativamente cheia, e grande parte do pessoal estava no pátio. Peguei a mochila e desci, com Nathaniel segurando a porta para mim. Agradeci, agarrando seu braço como de costume.

─ Vocês dois me dão nojo. ─ Foi o último comentário de Ambre antes de puxar seu iPhone do bolso e passar pelo mar de gente. Aliás, gente que prestava atenção em nós dois. Respirei fundo e soltei meu amigo, dizendo que ia pegar meu material. Ele concordou, vindo pouco depois de mim.

─ Pode parar ai, queremos algumas explicações. ─ Alexy se sentou na minha mesa, seguido pelas outras meninas. Eu já comentei que Melody vira outra pessoa quando vê qualquer menina perto do Nathaniel? Aquele dia ela estava um pouco mais assustadora.

─ Bom dia, Alexy. Que foi?

─ Estava com Nathaniel?

─ É, eu dormi na casa dele. ─ E no instante seguinte me arrependi. Alexy abriu a boca tanto que achei que ele fosse engolir minha cabeça. Melody simplesmente fechou a cara, mas Rosalya mandou eu explicar tudo. Detalhe por detalhe.

─ Anda logo, eu quero saber mais do seu boy que é “só amigo”.

─ Ele é só meu amigo, gente. Amigos dorme na casa um do outro. E eu dormi no quarto da bruaca, de todo jeito.

─ Ah, fala sério. Deve ser bem chato ter pais empata-foda assim. ─ Alexy resmungou, cruzando os braços. Ri da reação dele, conseguindo ignorar o olhar mortal de Melody.

─ Não ia ter foda nenhuma, logo, sem problemas.

─ Nossa, que casal mais sem criatividade.

─ Dá para parar? Obrigada. Eu só fui resolver um assunto, só isso.

E o assuntou morreu. Pelo menos naquele momento. Pelo olhar que Rosa e Alexy trocaram antes de me olhar de volta, eu ainda ia ser interrogada. Era incrível como eles nunca acreditavam em mim. Suspirei e peguei meu caderno, esperando o início da aula.

Concentração, porém, foi algo que faltou naquele dia. Nathaniel tomou o assento ao meu lado, ignorando todas as especulações que chegavam até nós. Decidi fazer o mesmo. Eu tinha mais que me preocupar do que o boato de namorar o representante da turma.

No intervalo entre as aulas, Rosa e Alexy me pressionaram. Eles disseram que me conheciam o suficiente para saber que eu estava escondendo algo. E infelizmente, eu estava. E estava sendo bem difícil, diga-se de passagem. Só que eu não podia fazer aquilo, colocá-los numa briga que não era deles.

─ E você não vivia reclamando que Nathaniel nunca te convidadava para visitá-lo?

─ Não foi ele quem me chamou. Estou devendo fazer todos os trabalhos da Ambre desse mês.

─ E isso tudo para resolver “algo da escola”? ─ Alexy fechou a cara. ─ E eu nasci ano passado.

─ Não vou contar, desculpem.

─ Viu? Namoro secreto.

─ Acreditem no que vocês quiserem. Não posso mesmo contar, lamento.

Os dois me deixaram em paz depois daquilo. E também não reforçaram o boato para ninguém. Depois do almoço, na aula de música, estávamos decidindo qual seria nosso próximo trabalho. Eles estavam. Eu estava em outro planeta, pensativa.

─ Anna? ─ Lys colocou uma mão no meu ombro, fazendo com que eu voltasse à realidade. Pisquei, percebendo os outros três me encarando.

─ Dá pra fingir que está interessada?

─ Desculpa, eu me distraí.

─ Não era como se alguém ainda não soubesse do namorico de vocês, então presta atenção.

─ O que? Ah, não era nisso que eu estava pensando. Isso eu sei que não é verdade. Mas qual era o assunto mesmo? ─ Coloquei meu cabelo para trás das orelhas e esperei eles me colocarem a par da situação.

─ Queríamos apresentar uma música, mas ela precisa de piano, então fora de cogitação. ─ Castiel resmungou, e no mesmo instante eu reparei o olhar de Nathaniel sobre mim. Eu suspirei.

─ Qual música?

─ Seria uma versão de Once Upon a December, do filme da Anastasia. Uma versão no piano. É uma pena nenhum de nós tocar, é realmente bonito.

─ Eu faço.

─ Como é?

─ Eu disse que eu faço. Só preciso da partitura.

─ Você toca? É sério?

─ É, Castiel. Digo, eu estou um pouco enferrujada, mas com uma semana eu retomo a prática. E vocês podem checar se está bom para vocês.

─ Eu posso conseguir a partitura. Tem o piano?

─ É, parado na minha sala. Se quiserem…

─ Podemos ensaiar na sua casa amanhã? Digo, se não for trabalho.

─ Tudo bem, Lysandre. Só vou avisar meus pais de que vocês estarão lá. ─ Murmurei, fazendo o possível para me manter naquela conversa, e não na da noite passada. Como ele tinha a coragem de me pedir para guardar aquilo como segredo?

O sinal encerrou a aula. Nathaniel me disse que precisava correr para conversar algo com Melody e me deu um beijo no alto da cabeça. A cara de nojo do Castiel chegava a ser engraçada. Ele pegou a mochila e apontou pra mim.

─ É, com certeza não são um casal. Até amanhã.

Revirei os olhos, voltando a guardar meu material. Notei que Lysandre continuava sentado, fitando meu rosto, imóvel. Joguei o resto das coisas na mochila e fiquei de pé, puxando a saia do vestido sobre minhas pernas. Achei que ele quisesse dizer algo sobre minha habilidade secreta para piano, mas a pergunta dele me desconcertou.

─ Está tudo bem? Parece preocupada.

─ Oi? É, sim, tudo bem. É coisa boba. Nada grave, pelo menos.

─ Pois bem, então deixe que eu te ajude. ─ Olhei para ele, sem reação. Ele me seguiu para fora da sala, escolhendo bem suas palavras, como se ele estivesse para escrever uma música. ─ Sabe, eu estou do seu lado. Tenho a impressão de não deixar isso claro, às vezes.

─ Ah, para, você me fez um strip tease quando me pegou chorando no vestiário.

─ Posso fazer outro daqueles. Tem certeza de que está tudo bem?

─ Sim. ─ Hesitei, desviando o olhar e falando mais baixo. ─ Eu não sei nem como agradecer pelo tanto que você se preocupa.

─ Bom, se quiser compartilhar algo, me procure. ─ Ele estava prestes a ir embora. Minha cabeça entrou num turbilhão desesperado, tipo quando uma onda nos atinge em cheio e tudo perde foco. E naquela confusão, eu acabei o chamando de volta.

─ Lys. ─ Ele se virou. O corredor estava vazio. Respirei fundo e cheguei ainda mais perto, numa tentativa desesperada de tornar aquilo ainda mais confidencial. Ele me fitava, os olhos sérios e serenos ao mesmo tempo. E foi o que me deu coragem. ─ Promete não contar isso para ninguém?

─ Para algo que não era grave, confesso estar um pouco assustado. Aconteceu algo?

─ Não comigo. É Nathaniel. Ele me pediu para guardar um segredo, mas é demais para mim. E eu não quero colocar os outros nessa confusão. Nem você, mas eu preciso tirar isso de cima de mim e… ─ Percebi que comecei a me embolar na minha própria língua quando Lysandre segurou meus ombros e perguntou diretamente o que estava acontecendo. ─ O pai do Nathaniel bate nele.

─ Desculpa?

─ Ele perdeu uma promoção de emprego e desconta a raiva no Nathaniel e… ─ Eu tremia. Não cheguei a chorar, mas o tremor quase passava de mim para as mãos de Lysandre ainda nos meus braços. E logo em seguida, mãos no meu rosto.

─ Anna, você tem certeza? Isso é muito sério.

─ Acha que eu não sei disso? Eu tenho, eu vi. Eu já tinha o visto com as costas arroxeadas, mas ele não quis contar, e agora eu fui para a casa dele e… Eu não vi, mas eu ouvi. Eu vi como o pai dele explode com qualquer coisa. Lys, ele me fez jurar que não ia contar para ninguém. E eu acabei de fazer, que ótimo.

─ É ótimo, sim. Anna, vamos fazer isso parar. Eu vou agora fazer uma denúncia.

─ O que? Lysandre, Nathaniel vai me matar se fizer isso.

─ Anna, você não quer o melhor para ele? Pais agressivos começam com explosões, depois pancadas e ninguém sabe onde eles vão parar. ─ Acho que tremi um pouco mais. Eu estava assustada. Apavaroda, provavelmente. E não só pela reação de Nathaniel, mas pelo simples fato de saber aquilo tudo, saber que era verdade.

─ Tem razão. Posso ir com você?

─ Sim, vamos. É melhor fazer isso num telefone longe daqui, já que não quer que ele saiba. ─ Para meu choque ainda maior, Lysandre pegou minha mão trêmula e me puxou corredor abaixo, com passos firmes e rápidos. Já fora da escola, ele me soltou assim que encontrou um orelhão.

─ Eu ligo.

─ Não, eu faço. Se ele se incomodar, eu direi que fiz por conta própria. Não precisa de mais peso em si.

─ Obrigada. Eu me sinto péssima de te pedir isso tudo.

─ Não pediu, eu me ofereci. ─ Ele afagou minha cabeça rapidamente e se virou para o telefone. Enquanto chamava, algo finalmente o ocorreu. ─ Ahn, precisa dizer o que exatamente aconteceu para que eu possa…

“Disque 100, posso ajudar?”

─ Me dê aqui, é melhor que eu mesma descreva. ─ Tomei o telefone de suas mãos e levei a orelha, respondendo à mulher insistindo na linha. Ele segurou meus ombros, enquanto eu falava tudo para aquela estranha. Ela pediu os nomes completos e se eu sabia o endereço da família. Passei tudo, explicando o caminho que eu tinha feito até a mansão. E quando finalmente desliguei, suspirei.

─ Agiu certo. Não podemos acobertar esse tipo de atitude.

─ Uma parte de mim sabe disso, Lys, mas acho que essa foi a coisa mais difícil que já fiz. Obrigada pelo apoio.

Ele me deu aquele sorriso calmo, fazendo meu coração voltar ao seu compasso. Ele tinha razão. Nathaniel merecia muito mais que aquilo tudo. E eu ia ajudá-lo a se recuperar. Agradeci o garoto comigo mais uma vez antes de ir para casa, com os ombros mais leves.

Estava feito.


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Notas finais do capítulo

Eu lembro de cada lágrima por essa treta ;-;