Vida e Morte de Zachary Walker escrita por Florels


Capítulo 6
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

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Eles desciam de bicicleta a ladeira da quadra mais alta, chegando ao fim da rua em segundos à toda velocidade, apostando quem iria fazê-lo primeiro. Eram Zac, Andrew e Alex, o primo de Andrew com cabelos negros e mente psicótica. Ele e Zachary formavam uma combinação perigosa, todos os vizinhos já se preparavam quando o primo dos Parks vinha passar uma semana na cidade. Alex tinha as ideias, Zac a audácia de executá-las. Andrew era em geral a consciência do trio, embora se divertisse com as pequenas impertinências que pregavam.

—Estou entediado - disse Alex.

Os três estavam sentados na calçada de Zachary, a velha vitoriana os observando silenciosa.

—Tem alguma ideia melhor do que fazer nada? - provocou Andrew.

—Eu acho que deveríamos mexer com coisas mais sérias do que apenas nossos vizinhos - sugeriu.

Naquela tarde haviam pichado três muros e escapado de dois. O terceiro foram obrigados a limpar.

—Você diz mexer com não-vizinhos? - disse Andrew sarcástico.

Zachary observava o diálogo enquanto tomava uma garrafa de cerveja.

—Eu digo mexer com espíritos - Alex declarou.

Os dois amigos se entreolharam, para depois encarar o primo. Risadas se seguiram, enquanto Alex, muito sério, esperava que terminassem para prosseguir. Ele tinha um rosto fino e olhos castanhos tão escuros quanto seus cabelos.

—Você não pode estar falando sério - Zac disse com voz rouca ainda rindo.

—Estou, é seríssimo. Andei ouvindo algumas lendas dessa cidade, fato que me deixou ainda mais instigado. Quer dizer, eu sempre soube que isso aqui era estranho, mas aquelas histórias, cara...

—O que você andou ouvindo, maria sangrenta no banheiro das meninas? - Andrew provocou, seu primo lhe lançou um sorriso irônico.

—Eu tô falado de espíritos de verdade cara, e não só isso, espíritos que um dia foram feiticeiros em vida. Magia negra, cara. A gente simplesmente têm que invocar algum deles.

Zac contava incoscientemente quantas vezes a palavra cara era pronunciada pelo garoto. Sua inconsequência e ansiosidade o divertia, e ele queria saber até onde isso iria chegar.

—Tudo bem, vamos fazer um tabuleiro - Zac deu a palavra final, levantando-se em direção ao portão negro de ferro de sua casa.

—Como assim? - Andrew perguntou.

—Deve ser a forma mais fácil de chegar até um morto, eu suponho - respondeu Zac, dando os ombros e entrando na casa em busca de papel e canetas.

Foram então os três para baixo da árvore curva, que ficava no jardim de trás da casa de Zac. Era sábado, seus pais haviam saído para um almoço e até então não haviam retornado. O vento uivava nos morros e conforme ficava mais frio, as flores silvestres desapareciam do gramado com a proximidade do outono. O tabuleiro improvisado de papelão era iluminado pelas duas velas que Zachary encontrara em sua cozinha, para dar o clima como ele mesmo dissera.

Os garotos se entreolhavam, Alex ansiosíssimo, Andrew descrente, e Zac se divertindo com a situação da mesma forma que um sádico em um experimento científico divertiria-se observando suas cobaias.

Colocaram então os dedos sobre ponteiro improvisado, e deram início ao ritual.

—Há alguém aqui? - Zachary quem disse.

Os olhares fitavam o ponteiro estático. Alex respirou fundo, Andrew começava a sussurrar dizendo que aquilo não daria certo.

—Existe alguém entre nós? - Alex quem invocou desta vez.

As velas tremulavam com a brisa, e em uma delas Zac começou a queimar um pedaço de papel despreocupadamente. Ele gostava das chamas. A profundidade que atingiam, a eternidade que consumiam. Sua fragilidade, paradoxal ao seu descontrole. O flamejar delas o hipnotizava sem que ele percebesse.

"Zachary! Zachary, veja!" ouviu ele ao longe, até que piscou repentinas vezes, só então saindo do transe e largando o papel no gramado, onde as chamas o consumiram silenciosamente até que cessassem por completo.

—Zac, está se movendo! - os dois diziam.

Só então Zac focou no tabuleiro e percebeu que sob sua mão fina, o ponteiro de madeira ia até a escrita rabiscada "Sim".

Os olhos de Alex brilhavam. Então era verdade.

—Quem é você? - Zac perguntou.

Andrew tinha um caderno à mão, e anotava as letras que eram apontadas. Mas o ponteiro não revelou nenhum nome, apenas ia e vinha no tabuleiro lentamente.

—Não precisa ter medo - Zac dizia suavemente, incitando o espírito a se nomear.

Zac era capaz de ter a famigerada fala mansa: era conhecido por embora sempre aprontar, ter o carisma e a persuasão necessária de fazer os outros sorrirem e fazerem suas vontades. Alguns o chamariam simplesmente de manipulador.

Foi então que um misterioso gato preto surgiu no jardim, esguio e silencioso, e se sentou próximo à eles, que se entreolharam. Enquanto isso, o ponteiro moveu-se pelas letras, formando o que Andrew documentou como "ALICE" no caderno.

Conversaram por horas com Alice. Sempre Zac tomando a liderança, embora Alex também se atrevesse à fazer suas perguntas, decepcionado ao perceber que não se tratava de uma feiticeira e sim de uma menina comum. Andrew por fim perguntou se ela morava ali, e então o ponteiro vacilou e foi até o "ADEUS" rabiscado abaixo de todas as letras. O gato desapareceu assim que o ponteiro tornou a ficar estático.

Os garotos, novamente sozinhos, entreolhavam-se estupefatos, Alex com um ar de vitória sobre os outros dois que duvidaram que algo aconteceria.

—Ok Alex, essa você ganhou - disse Andrew para o primo.

—Mas ainda precisamos encontrar um espírito de um feiticeiro - dizia Alex decepcionado, como uma criança fã de quadrinhos diria em busca de seus personagens favoritos na vida real. Zachary riu imaginando essa comparação.

x x x x

Os garotos agora estavam no telhado de Zachary observando o por do sol purpúreo. Alex contava das garotas com que havia saído no último ano em sua cidade, enquanto Andrew se queixava das fúteis que costumavam se jogar para ele e os amigos do time. Zac ouvia tudo entediado, costumava não ter muita empatia com garotas. Lembrou-se da garota ruiva ruiva de Bloomfield. Muito embora o seu jeito desleixado e espírito rebelde deixasse todas instigadas, ela fora sua única namorada. Suas sardas, o jeito durão e seu espírito livre lhe fascinavam. Ela era de família, mas andava com os garotos de maneira destemida. Os dois passavam horas assistindo Mtv, queimando fogos juntos e caminhando nas campinas de mãos dadas, porque além de tudo ele era romântico. Suas poesias da época sempre remetiam ao calor que as chamas traziam para sua vida, sua analogia favorita à garota que o iluminava. Que previsível, pensaria ele anos mais tarde.

A questão é que Zachary era intenso. E sua intensidade o fazia se intregar totalmente, ele não vivia amores pela metade. Culpava a mãe por isso, pelo excesso de atenção que recebera dela desde que se conhecia por gente, resultando nessa sede de atenção e necessidade de entrega. Entretanto, paradoxalmente, ele fazia com que as garotas tivessem vontade de cuidar e protegê-lo, pois embora ele emanasse essa brutalidade e intensidade, ao mesmo tempo parecia frágil e delicado. E quando se conectava de verdade com alguém, era quase doentio. Por isso ele buscava não estabelecer conexões assim tão facilmente. Nem sempre terminava de maneira saudável. Alegrias violentas, fins violentos.

Alex então tirou do bolso uma cartela com exatas três pílulas rosa bebê, sua nova guloseima. Ele sempre trazia consigo novidades ilícitas. Cada um tomou uma pílula, e enquanto o céu escurecia suas pupilas dilataram, não exatamente por conta da noite.

Dentro do quarto as coisas começavam a girar. Andrew levou minutos para conseguir colocar o cd no tocador, porque o buraco do disco parecia sempre mudar de lugar. Alex tentava ajudar, mas os dois caíam na gargalhada ocasionalmente e tinham que começar tudo de novo. Zac ria sentado no chão entre as roupas e embalagens amontoadas, observando o caos ao seu redor como sempre o fazia - um telespectador da vida real. As formas pareciam menos definidas, e os contornos pareciam ondular perante seus olhos. Até que finalmente os riffs iniciais de Holidays In The Sun começaram a tocar, seguida por uma comemoração geral. Os três batucavam as mãos e pés no ritmo da música enquanto cantavam - ou gritavam - a letra em seu melhor sotaque britânico satirizado. Sex Pistols sempre revitalizava o punk que jazia dentro de cada um deles.

O ácido os deixou eufóricos madrugada à dentro, fazendo-os cantar o álbum inteiro com a mesma energia da primeira faixa. Copos foram derrubados acidentalmente, novos rabiscos acrescentados à parede e alguns cigarros queimados no parapeito da janela. Quando o disco chegou ao fim, os três estavam deitados no tapete em frente à cama, fitando o teto. Andrew foi o primeiro a dormir, e Alex aproveitou a deixa para escrever em sua testa com um canetão que encontrou por perto. Não que tenham saído letras reconhecíveis, sua coordenação ainda estava alterada.

Zac se levantou com dificuldade, num estado quase que de sonambulismo, e foi cambaleante até a janela. O dia começava a amanhecer no horizonte nebuloso. Viu o carro dos pais estacionado lá em baixo, mas não se lembrava de tê-los ouvido chegar. Abriu a janela e se sentou ao telhado, sentindo um imenso vazio. Aquilo não fazia sentido, certo? Havia tido uma noite divertida com seus amigos. Zac não entendia a si mesmo. Decidiu ignorar o que sentia, internalizando seus problemas - algo que se tornou frequente. Acabou deitando e adormecendo ali, sob o céu.

"Zachary"

Ouviu alguém lhe chamar ao longe, e imediatamente despertou assustado. Mas ao se sentar no telhado, ainda confuso, e olhar pela janela, os dois amigos estavam no tapete deitados um sobre o outro de boca aberta, roncando baixo. Achou que eram ainda ecos de um cérebro perturbado quimicamente, e ignorou.

"Zachary, venha cá!"

Dessa vez ouviu mais alto e claro, em uma entonação mais urgente. Os pelos de seu braços e arrepiaram. A voz parecia vir lá de baixo do jardim, e ele sentiu uma vontade imensa de ir lá ver o que era. Se levantou desequilibradamente, até atingir estabilidade. Já de pé foi caminhando, um passo atrás do outro com os braços abertos, a descida levemente íngreme que o telhado fazia. Ao chegar próximo a ponta, deu uma leve escorregada, mas não foi o suficiente para o fazer parar. Era um estado de transe, sua mente - ou a voz, não sabia mais a diferença - apenas lhe incentivava "venha, continue vindo." Parou na ponta, quase que na calha, e olhou para baixo.

Tudo girou.

O chão parecia uma realidade distante e inatingível, porém tentadora. Ele ia dar o próximo rumo à imensidão, quando dessa vez, uma voz mais real e forte, gritou vinda do lado oposto:

—Zac! O que você está fazendo?

Como um desconjuro, a chamada desesperada de Andrew tirou o amigo daquele estado, que se virou confuso e, após repentinas piscadas, retornou à realidade. Ao se dar conta de onde estava, sentiu-se apavorado. Não lembrava de como havia chegado até lá. Andrew pulou a janela e foi até Zac, o puxando de volta e lhe dizendo palavras calmantes.

Logo estavam de volta ao quarto, sentados em segurança sobre a cama. Alex ainda roncava no tapete. Os olhos azuis de Zachary estavam perdidos e cofusos, enquando os verdes de Andrew pareciam aflitos. Quando Zac contou o que ouviu e aconteceu, Andrew pareceu aliviado ao perceber que não foi algo intencional.

—Você não deve mais usar isso, Zac - disse ele para o amigo, preocupado.

—É, deve ter sido as pílulas... - concordou Zachary para tranquilizar o amigo, mas ele sabia no fundo que havia acontecido algo além daquilo de muito estranho ali.


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