NyahN - Uma peça de natal escrita por Pedro Teressan


Capítulo 1
Uma peça de natal (Capítulo único)


Notas iniciais do capítulo

É uma one-shot, logo é um capítulo único, espero que gostem!

Eu queria ter postado no dia 24, mas não deu tempo, então aqui está meu presente de natal pra vocês, porém atrasado!



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O natal é, com certeza, uma época mágica, é aquele dia em que todos são felizes, as pessoas vivem em harmonia entre elas, reuniões em família recheadas de comida e doce, uma mesa farta para uma deliciosa ceia natalina e, principalmente, os presentes! Nesse dia desde crianças até idosos se alegram ao receberem seus presentes.

O natal também alegra grandes empresas de alimentos que nunca perdem a chance de fabricar seus produtos temáticos, o entretenimento também é muito famoso, nesses dias belos do mês de dezembro são apresentados musicais e peças de teatro retratando o nascimento de Jesus Cristo e foi em uma dessas peças que o imprevisto aconteceu.

Era dia vinte e quatro de Dezembro, o teatro estava cheio de famílias assistindo uma peça que retratava o dia do nascimento do menino Jesus, todos sorrindo e vendo a peça felizes e acreditavam que o dinheiro que haviam pago naquele ingresso para a peça valia a pena, deu-se o intervalo da peça. Alguns pais levantaram-se para comprar mais pipoca, outros levaram seus filhos para ir ao banheiro, porém a paz e a alegria foram interrompidos por um grito agudo de pavor, o silêncio reinou na sala, pois aquele era um grito estranho para uma peça de teatro, um som de pessoas correndo atrás das cortinas era o que dava para escutar, dois policiais, que faziam a segurança do teatro, subiram no palco para investigarem a situação, depois de um tempo as cortinas abriram e um integrante do elenco apareceu segurando um microfone, ele explicou-se dizendo que um acidente inesperado acontecera com o diretor da peça, o homem não quis detalhar muito, ele ainda concluiu dizendo que a peça teria que ser interrompida devido à isso, ele ainda pediu que as pessoas se movessem calmamente para a saída e pegassem seu dinheiro de volta.

As pessoas saíram confusas da peça, porém de maneira calma, quando alcançaram o lado externo do teatro observaram dois carros de polícia parados do outro lado da rua, alguns oficiais conversavam entre si, outros falavam em seus rádios e um terceiro grupo se dirigia para dentro do teatro, logo as pessoas concluíram: o diretor havia morrido!

Enquanto as pessoas saiam em direção aos seus carros, outro carro chegou, era preto e de um aspecto antigo, vidros escurecidos, saiu um homem diferente do automóvel, usava uma cartola preta e um óculos escuro mesmo não sendo dia, em sua mão esquerda, ele empunhava uma bengala, tinha um terno preto risca de giz, um cavanhaque negro e costeletas que não se uniam à barba, era uma mistura de formal, rústico e atual que caia bem naquele sujeito estranho.

O homem andou calmamente até o teatro como se não visse nada do que estava acontecendo, atravessou a rua sem a menor cautela e passou por pessoas desesperadas, chegou, por fim, na escadaria do teatro, subiu os 37 degraus e foi em direção à porta, chegando no seu destino foi cumprimentado por dois policiais.

― Boa noite, detetive ― disse o primeiro.

― Boa noite, oficial ― cumprimentou o detetive de volta.

― Posso guardar os seus óculos, bengala e cartola?

― Por favor ― concordou o investigador.

O detetive entregou sua cartola, seus óculos e sua bengala ao policial; seu cabelo era acinzentado representando que o detetive não era tão novo, em volta de seus olhos à pele era levemente enrugada indicando que ele tinha em torno de cinquenta anos de idade, seus olhos eram azuis.

Sem nem pedir permissão, o detetive entrou no estabelecimento, o policial não se opôs.

A sala em que o investigador se encontrava era o local em que eram vendidas as pipocas e refrigerantes, algumas balas também; o detetive foi até uma segunda porta guarnecida por mais dois policiais.

O detetive passou sem menor problema, ele desceu a escadaria lateral da plateia, enquanto isso observava a sala, cabiam ali cerca de trezentas pessoas, nas paredes havia luminárias com uma proteção fosca que ajudava a luz a se espalhar pela sala com maior êxito, o palco tinha um metro e setenta centímetros (1,70m) de altura com duas escadas laterais, uma de cada lado.

Sobre o palco estavam dois policiais e o narrador da peça, os três pareciam conversar naturalmente, o narrador estava de costas para o lugar da plateia e os dois policiais estavam à sua frente, um dos oficiais olhou para o detetive, virou para o segundo oficial e disse algumas palavras, o narrador percebeu o movimento e olhou por cima do ombro avistando o detetive.

O investigador subiu os cinco degraus laterais do palco, um dos policiais veio em sua direção com um sorriso no rosto.

― Detetive Daniel Augusto? ― indagou o oficial.

― Sou eu ― respondeu o detetive ― O senhor seria o…?

― Sou o Policial Lucas, prazer em conhecê-lo! ― Lucas estendeu sua mão direita para cumprimentar o detetive.

― O prazer é meu ― respondeu Daniel cumprimentando Lucas.

O oficial Lucas deveria ter cerca de vinte anos, olhos castanhos, era alto, mas tinha ausência de barba ou bigode, seu cabelo estava escondido pelo quepe.

Outro policial aproximou-se e cumprimentou o detetive, esse segundo parecia ser um pouco mais velho, porém também não tinha barba ou bigode, era mais alto que o primeiro e tinha uma voz mais grossa, sua pele era escura e seus olhos eram pretos.

― Prazer detetive, sou o Policial Tavares.

― O prazer é meu, Tavares ― disse o investigador enquanto apertava a mão do segundo policial ― Quem é aquele ali atrás?

― É o narrador da peça, seu nome é Felipe, acredito que o senhor queira conhece-lo melhor ― respondeu Tavares.

― Com toda certeza ― concordou o investigador.

Os três aproximaram-se de Felipe, o detetive se adiantou e estendeu a mão esquerda para o narrador.

― Felipe, certo? ― indagou Daniel.

― Sim ― respondeu Felipe ― O senhor deve ser o detetive.

― Exatamente ― respondeu o senhor Augusto ― Prazer em conhecê-lo, narrador, nós poderíamos conversar um pouco a sós?

― Claro ― respondeu o narrador enquanto apertava a mão do detetive.

Ambos foram para um canto do palco. O detetive tirou do bolso da sua calça, com a mão direita, um bloco de notas e do bolso de seu paletó, com a mão esquerda, uma caneta esferográfica preta com a tinta na metade, o investigador destampou a caneta e levou-a ao começo da primeira folha do bloco de notas e começou uma série de perguntas:

― Quem encontrou o diretor morto?

― Bem, a primeira pessoa a achar o corpo do diretor, acredito que tenha sido Silvia, a atriz que interpretava Maria, pois ela foi quem gritou assim que deu o intervalo da peça.

― Entendo você tinha algo contra o diretor? Algum rancor guardado, uma mágoa?

― De maneira alguma! Roger, o diretor, era muito alegre com todos, muito feliz, eu já trabalho com ele há dez anos e em todo esse tempo de trabalho nunca tive uma reclamação contra Roger.

O detetive estava anotando as resposta e havia um detalhe facilmente notável: Ele era canhoto.

― Certo ― prosseguiu Daniel ―Você saberia me informar se ele tinha algum problema pessoal envolvendo agiotas ou algo do tipo?

― Infelizmente não, detetive. Roger era uma pessoa muito reclusa, não se abria pra ninguém, não tinha nem família, pelo menos era o que ele nos dizia.

― Tudo bem, Felipe, obrigado. Agora, poderia me levar para ver o corpo da vítima?

― Claro, detetive, siga-me.

Ambos foram para trás das cortinas vermelhas, era um lugar diferente para o detetive, todos os objetos de cena ficavam lá, alguns atores choravam a perda, outros andavam de um lado ao outro conferindo as coisas, às vezes uns entravam em uma sala e depois em outra, mas Felipe conduziu o investigador a uma sala onde na porta havia a placa: “Camarim do diretor”. A sala estava cheia, dois médicos andavam de um lado para o outro com instrumentos medicinais, ambos vestiam jalecos brancos iguais e máscaras de mesma forma, além dos médicos ainda estavam alguns atores olhando para o cadáver do diretor, havia uma faixa em volta do corpo do diretor impedindo a passagem das pessoas; o detetive teve que pedir para as pessoas se afastarem.

Daniel chegou à conclusão de que havia cinco pessoas do elenco e dois médicos, todos amontoados em cima do corpo feito abutres. O detetive foi falar com um médico que estava se levantando.

― Com licença, médico ― chamou o detetive ― Eu poderia…

― Estou muito ocupado ― respondeu rapidamente o médico e ele começou a andar para o outro lado da sala para pegar algo que estava em cima da mesa, parecia ser uma toalha.

O detetive foi atrás do médico e botou a mão em seu ombro.

― Eu sou o detetive Daniel Augusto e tenho umas perguntas para fazer a respeito da vítima.

― Eu já disse, detetive, estou ocupado.

― Estamos todos ocupados, médico ― concluiu Daniel ― E eu estou usando o meu tempo de ceia de natal e convívio familiar para investigar esse caso, eu poderia estar com meus tios, minha mãe, meu pai, alguns amigos, mas ao invés disso estou numa sala com cheiro podre de gente morta, então o senhor vai me conceder essa entrevista por bem ou por mal.

O médico parou de andar e virou-se para o detetive com cara de impaciente.

― Tudo bem, prossiga senhor Daniel.

― Qual é o seu nome?

― Ricardo.

― Qual é o momento da morte?

― O que quer dizer?

― A que horas o diretor morreu.

Houve um momento de silêncio, o médico movimentou os olhos para todos os lados.

― O outro médico pode te dar conclusões melhores ― disse Ricardo.

― Certo Ricardo ― agradeceu o detetive, Ricardo havia voltado a andar ― Mas ainda não acabei.

O médico virou-se, parecia um pouco nervoso; o detetive percebeu seu nervosismo.

― A vítima está realmente morta?

― Sim, ela está morta, eu já te disse isso um milhão de vezes! ― o médico estava nervoso.

― Obrigado. ― agradeceu o detetive e ele foi falar com o outro médico.

O segundo médico havia acabado de cobrir o corpo com um manto que estava ali no camarim, Daniel Augusto aproximou-se.

― O senhor é o médico?

― Sim, o senhor deve ser o detetive, certo?

― Exato ― Daniel já estava tirando de seu bolso a caneta e o bloco de anotações ― Posso lhe fazer algumas perguntas?

O médico olhou para os dois lados.

― Pode, sim ― concordou então.

― Certo, a que horas o diretor morreu, precisamente?

― O diretor morreu há, mais ou menos, uma hora.

O detetive anotou a resposta.

― E ele foi morto de que maneira?

― Enforcado com a própria gravata.

― Onde está a gravata?

― Em cima da espelheira.

O detetive olhou para a espelheira do camarim e sobre ela havia uma gravata azul escura risca de giz, a gravata era semelhante ao terno que o morto vestia.

― Não tinha nada na cena do crime que poderia indicar o assassino? ― indagou o detetive.

― Não.

― Muito obrigado, senhor…?

― Gabriel, médico Gabriel.

― Então muito obrigado, senhor Gabriel.

― Sem problemas, detetive, qualquer coisa é só me chamar!

O detetive saiu um pouco da sala para ver as suas anotações, sentou-se em uma cadeira ao lado de fora e viu uma mulher chorando, provavelmente, pela morte do diretor, o detetive não perdeu a oportunidade e se aproximou devagar, a mulher estava sentada em um canto afastado dos bastidores, com a cabeça baixa.

― Com licença ― disse Daniel.

A mulher levantou a cabeça, seus olhos estavam vermelhos e lacrimejando, seus cabelos negros caiam ao lado de seu rosto, a mulher tinha olhos azuis, podia se notar com dificuldade.

― Está tudo bem com você? ― perguntou o detetive.

― Não muito ― respondeu a mulher com voz chorosa.

― Entendo… ― o detetive sentou ao lado da mulher ― A senhora gostava muito do diretor?

― Claro! ― soluçou a mulher ― Era como um pai pra mim, principalmente porque eu perdi meu pai há dez anos e foi justamente nesse tempo que entrei para o teatro e conheci Roger.

― Entendi ― o detetive deu um tempo para a mulher, ele não havia pegado seu bloco de notas, pois queria tornar aquela conversa a mais natural possível ― Fiquei sabendo que a senhora foi a primeira que viu o diretor… você sabe… morto.

Uma lágrima escorreu pelo olho da mulher, ela soluçou, mas respondeu:

― Sim, fui eu.

― Poderia me contar como foi que o encontrou?

― Claro, a peça havia acabado de dar o intervalo e eu fui falar com Roger, porém ao abrir a porta… ― a mulher soluçou, seus olhos produziram mais lágrimas ― Ele estava morto.

A garota voltou a chorar, o detetive para confortá-la abraçou-a junto de si, quando percebeu que ela ficara mais calma, ele vagarosamente retornou a entrevista.

― Está melhor? ― indagou o detetive.

― Acho que sim ― respondeu a mulher.

― Só para constar, a senhora que fez o papel de Maria, certo?

― Exato ― ela fungou o nariz.

― A senhora saberia quem tinha ódio do diretor?

Silvia pensou um pouco.

― Acho que ninguém, digo, ele era legal com todo mundo, eu nunca vi ele bravo com alguém.

― Tudo bem, Silvia, obrigado pela sua companhia e pelas respostas.

― Eu que agradeço, mas não sei seu nome.

― Eu sou o detetive Daniel Augusto.

― Então, eu que agradeço senhor Daniel.

O detetive foi para frente das cortinas vermelhas e sentou na borda do palco, tirou o seu bloco de anotações do bolso e começou a ler para ligar as pistas:

A primeira pessoa a ver o corpo do diretor foi Silvia; O diretor não tinha rivalidade com ninguém do elenco; Era uma pessoa fechada em relação a sua vida fora dos palcos; Ricardo, o médico, não queria dar entrevista; Ele estava nervoso; Não sabia o momento da morte, algo incomum para médicos que estavam trabalhando em um corpo morto; Ficara nervoso quando perguntado se a vítima estava morta; O diretor morreu há uma hora; Enforcado com sua própria gravata; nenhuma pista na cena do crime encontrada pelos médicos; Médico Gabriel parecia mais calmo que Ricardo

O detetive ainda anotou o que Silvia havia dito, lembrou-se de tudo.

Daniel leu e releu as anotações, procurando por pistas, mas eram informações muito vagas, sem complemento. Ele precisava investigar a cena do crime para ter mais pistas, o detetive voltou ao camarim do diretor, a sala continuava cheia, porém dessa vez o cadáver já estava coberto e os médicos estavam explicando a situação para as pessoas:

― O diretor morreu há uma hora e alguns minutos enforcado pela sua própria gravata, uma morte horrível, claro. Nós sabemos que vocês eram muito próximos de Roger, porém não podemos fazer nada ― Gabriel, que estava fazendo o discurso, olhou para trás, lá havia Silvia, ela tinha os olhos vermelhos ainda e com lágrimas escorrendo ― Agora, Silvia gostaria de dizer algumas palavras a respeito da morte, por favor, Silvia.

A mulher foi para frente tomando o lugar de Gabriel, ela limpou a garganta antes de falar, soluçou um pouco e limpando os olhos molhados disse:

― Roger era um homem muito bom, como pessoa e como diretor de teatro, porém, infelizmente, ele foi… morto, como todos já sabem. Eu queria ter me despedido dele corretamente, dizer o quanto ele era importante pra mim, o quanto ele era importante para nós! Mas agora ele está em um lugar melhor, dirigindo peças ao lado de Shakespeare ― Silvia sorriu um pouco ― Nunca mais seremos os mesmos, amigos, eu, a partir de hoje, me sentirei um pouco mais vazia.

Todos aplaudiram, eles choravam emocionados, como se as palavras de Silvia os tivessem tocado, Gabriel voltou ao seu lugar.

― Mais alguém gostaria de dizer algumas palavras? ― indagou o médico.

Ninguém se adiantou, todos ficaram quietos, nessa hora, Daniel entrou na sala, ele havia ouvido todo o discurso, mas estivera do lado de fora.

― Eu quero dizer umas palavras!

Ricardo e Gabriel trocaram olhares.

― Certo, detetive, pode vir.

Daniel andou de sua maneira misteriosa e calma até o lugar de Gabriel, virou-se para o público e começou a discursar:

― Atores, atrizes e todas as pessoas que trabalharam nessa peça, imagino que vocês estejam abalados com a morte e tocados pelas palavras de Silvia, mas eu vim para acalmá-los, pois eu irei prender o traste que fez esse ato horrível, nunca cheguei a conhecer Roger, mas eu conheci vocês e o amor que vocês tinham por esse diretor e isso não será em vão, porque juntos podemos descobrir quem foi que matou o pobre homem, porém antes eu preciso que vocês me deem licença e saiam dessa sala para que eu possa investigar a cena do crime, por favor.

As pessoas rapidamente saíram da sala, inclusive os médicos, Daniel começou a investigação.

Primeiro foi até a gravata, mas não encontrou nenhuma digital, nem nada que pudesse indicar o assassino, anotou isso; porém, perto do corpo, antes da faixa de “interditado”, havia maquiagem, um pó da cor da pele do diretor, porém um pouco mais branco, parecia que alguém tinha deixado cair, Daniel também tomou nota; de resto, não havia outra pista, não havia marcas de bota, nem impressões digitais espalhadas, aquilo soava estranho para Daniel, mas antes de sair da sala, tirou o manto que cobria o rosto do diretor, era a mesma cor do pó de maquiagem, mas finalmente concluiu:

“Estranho” pensou o detetive “Um caso sem pistas… tem alguma coisa errada”

Saiu do camarim sentindo como se tivesse falhado em uma missão, uma missão que ainda não acabara. Começou a olhar em volta, para as pessoas, nenhuma tinha a pele da cor da maquiagem, buscou na memória e a única pele assim que encontrou foi a do diretor, pois ninguém do elenco aparentava ter essa cor, era uma cor mais pálida que o normal, apenas alguém morto ou muito doente teria uma coloração dessa maneira.

Silvia se aproximou ainda chorando.

― Detetive ― chamou entre soluços ― Encontrou algo?

Ela parecia esperançosa, mas Daniel não podia mentir, porém, com aquelas palavras, percebeu que as pessoas não contavam com ele porque queriam, mas porque tinham que contar com ele, pois ele era renomado na área de investigação.

― Infelizmente, não, Silvia.

A mulher chorou ainda mais, Daniel ainda acrescentou:

― Mas não terminei a investigação, existem outros lugares onde posso procurar, lugares que talvez me mostrem a resposta.

Silvia acalmou-se um pouco antes de dizer as palavras finais:

― Boa sorte, detetive.

― Obrigado.

Daniel saiu um pouco apressado e olhou toda aquela gente, eles estavam abalados, precisavam de um conforto, precisavam saber que alguém estava agindo lá para desvendar o mistério, para pegar o suspeito; de repente, o detetive sentiu um grande peso cair sobre os seus ombros, como se ele estivesse segurando o mundo em cima de si, como se tivesse que carregar um grande fardo, o que, na verdade, era a profissão de detetive.

Ser detetive não é simplesmente investigar o caso e depois esquecê-lo em uma gaveta qualquer da vida, ser detetive é saber controlar as suas emoções e a dos outros, saber como entrar na cabeça das pessoas e conseguir conversar daquela maneira, lembrou-se então de um outro caso que solucionara, era o assassinato de um cachorro que, segundo a dona, era o bem mais precioso da casa. Lembrou-se que a mulher, uma daquelas madames, estava muito abalada com a morte de seu cachorro e oferecera cinquenta mil reais para aquele que desvendasse o caso, claro que todos tentaram descobrir (até aqueles que não eram detetives), mas nenhum deles conseguiu, exceto um: Daniel Augusto, que soubera entrar na mente da madame e, a partir daí, conversar com ela e aos poucos ela foi se acalmando, até que revelou uma dica importantíssima.

“Concentre-se, Daniel!” pensou o investigador “Você tem trinta anos de experiência como detetive e nunca perdeu um caso, você consegue! Só têm que olhar de maneira correta as coisas, não como o detetive, mas como o assassino”.

Daniel Augusto esforçou-se, tentou imaginar um homem entrando pela porta, talvez de maneira furtiva, sem ser percebido; imaginou um terreno limpo, sem ninguém olhando, era o momento ideal, Daniel começou a recriar os passos do assassino, entrou cautelosamente no camarim, sem ser notado por ninguém; o diretor deveria estar procurando algo na sua gaveta, provavelmente um pó de rosto de cor da sua pele, porém mais pálido, logo o diretor não estava olhando o espelho e não vira o assassino aproximar-se; o homem teria, supostamente, pego Roger em um momento desprevenido, em um momento de falta de atenção e foi naquela hora, na hora que o diretor não estava olhando, que o assassino puxou a gravata para trás, Roger lançou o pote com pó de maquiagem para trás, provavelmente sem tampa, pois o diretor ia usar para alguma finalidade exatamente naquele momento; o som dos aplausos assustou o assassino o fazendo fugir.

Mas a gravata não tinha impressão digital, não havia marca da sola de sapatos ou botas, nem um erro cometido pelo assassino, logo o criminoso era esperto, esperto o suficiente para não fugir e sim esconder-se. Ele ainda estava lá!

O detetive saiu correndo do camarim, sabia que o assassino não poderia sair pelas portas do teatro, pois a polícia cercara tudo, mas ainda havia janelas e dutos de ventilação, porém a chance de Daniel encontrar o homem estava ali, na sua cara, era agora ou nunca.

Daniel Augusto foi até o meio dos atores e funcionários e disse:

― Atenção, todos! ― o elenco ficou em silêncio ― Tenho motivos para acreditar que o assassino não fugiu, mas está escondido. Deduzi isso após ver que não havia impressão digital na gravata nem qualquer outra pista que o assassino deixou, logo é um homem esperto e furtivo, um criminoso ágil e mirabolante como um gato. Ele não se esconderia na multidão por ser muito arriscado, logo ele ainda não saiu, é o que eu espero, por isso acredito que ele ainda esteja aqui nesse teatro e, a menos que ele tente sair por uma janela ou um duto de ventilação, ele está preso aqui conosco. Ao trabalho, pessoal!

Todos se dispersaram enquanto o detetive gritava instruções:

― Procurem em portas que ninguém vai! Dentro de armários! Próximo às janelas!

Em meio a toda aquela caça, Gabriel, o médico, foi falar com Daniel.

― Detetive! Havia alguma outra pista lá?

― Apenas um pote de pó de maquiagem ― lembrou o detetive.

― Ah sim, sobre o pote de maquiagem…

― Sabe para que foi usado o pote, doutor? ― interrompeu o detetive.

― Sei, sim, detetive. Roger queria fazer uma surpresa para o elenco, algo que nem estava no roteiro, um improviso. Nesse improviso ele chegaria vestido de Deus, mas para isso, Roger acreditava que ele tinha que ter a pele pálida para incorporar o personagem.

― Só um minuto, doutor!

Daniel foi andando apressado em direção à sala do diretor, desde que chegara ali, ele sabia que alguma coisa estava errada, pois havia uma possibilidade quase nula de que o diretor não estivesse morto.

― Detetive, espere, aonde vai? ― Indagou Gabriel segurando o ombro de Daniel.

― Eu tive uma ideia, doutor. ― Respondeu o detetive mexendo o ombro para que a mão do médico saísse.

Daniel Augusto não perdeu o passo, continuou andando até que chegou ao camarim do diretor, mas ele não parou por aí, andou até o cadáver e retirou o manto que cobria o rosto, reparou que a cor da pele do morto se assemelhava bastante a cor da maquiagem.

― Pegue um papel ― pediu o detetive.

― Papel?

― Sim, um papel higiênico.

― Claro!

Gabriel saiu e o detetive ficou apenas olhando o rosto do diretor morto, esperando algum movimento.

― Aqui está! ― Gabriel chegou com um rolo de papel higiênico.

― Obrigado ― agradeceu o detetive.

Daniel tirou um pouco do papel higiênico e, delicadamente, passou no rosto do diretor esperando que aquela coloração de pele fosse uma maquiagem e que ela saísse logo, mas nada aconteceu.

O detetive se sentiu humilhado, havia desrespeitado o corpo de um morto. Daniel pegou seu bloco de anotações.

― Doutor, me dê licença um minuto, por favor.

― Claro! ― Gabriel saiu do camarim do diretor.

O detetive ficou ali observando o seu bloco de anotações, as pistas que encontrara pareciam leva-lo a um beco sem saída, ele estava mais perdido agora do que quando começou. Tinha que ter um assassino ali, o detetive pensou muito e então se lembrou de Ricardo. Aquele médico tinha aparecido pouco, Daniel o viu apenas trabalhando como médico ali no camarim há uma hora, mais ou menos. Daniel Augusto saiu da sala do diretor e foi até Gabriel.

― Doutor, onde está Ricardo, o outro médico?

― Ricardo? ― repetiu o médico Gabriel ― Ele deve estar por aí procurando o assassino como você pediu.

― Tudo bem, obrigado, médico.

Daniel começou a vasculhar o teatro perguntando de Ricardo, mas todos diziam que não tinham visto o médico, aquilo aumentava as chances de Ricardo ser um assassino, mas se ele já fora embora, os policiais que ficavam na porta do teatro devem ter visto ele. O detetive foi em todas as portas perguntar de Ricardo, mas nenhum policial sabia sobre o médico.

Daniel voltou para trás da cortina vermelha, ele estava de olhos atentos.

― Encontrou-o? ― indagou Gabriel.

― Não, doutor ― respondeu o detetive.

― Mas por que essa busca por ele?

― Porque eu acho que ele é o assassino ― revelou Daniel ― Aliás, doutor, permita-me fazer uma pergunta: Você e Ricardo são amigos?

― Sim, somos, na verdade, eu considero Ricardo como meu melhor amigo.

― E você era amigo do diretor?

― Sim e por incrível que pareça, o diretor me considerava o seu melhor amigo.

― Estou cada vez mais certo de que seu amigo matou seu outro amigo.

― Mas por qual motivo? ― Gabriel estava curioso.

― Ciúmes, meu caro.

― Ciúmes? Não sei se entendeu, detetive, eu e Ricardo somos apenas amigos.

― Eu sei Gabriel ― respondeu Daniel ― Mas os ciúmes não acontecem apenas entre casais, pode acontecer entre amigos também.

Daniel olhou para cima e reparou em um suporte de metal, como uma plataforma estreita e em cima dessa plataforma, no teto, havia uma grade, a entrada para o duto de ar.

― Ele fugiu por ali! ― Daniel apontou para o duto de ventilação.

― Detetive, você não está pensando em subir lá, está?

― Quando eu era uma criança, doutor, eu subia em muitas árvores, esses pilares de metal não devem ser muito difíceis.

O detetive correu até um desses pilares de metal, apoiou seus pés e suas mãos e começou a perigosa escalada. Em pouco tempo as pessoas se reuniram para ver a escalada de um homem de cinquenta anos, ele era rápido e tinha um olhar determinado, estava confiante que conseguiria, pois ele só tinha um objetivo em sua mente: pegar o assassino.

No meio da escalada, seu pé esquerdo escorregou junto com a mão esquerda e o pé direito, as pessoas acharam que o detetive ia despencar lá de cima, todos inspiraram nervosos, mas Daniel manteve-se firme e conseguiu retomar a escalada, prosseguiu sua jornada até as alturas. Já quase no final, sua mão escorregou e ele caiu e as pessoas julgaram ser o fim do detetive, mas esse foi mais rápido, segurou em outra barra de ferro do pilar e prosseguiu sua escalada, depois de um tempo, finalmente chegou ao topo.

O detetive engatinhou pela plataforma estreita de ferro até a entrada do duto de ar, apoiou-se e, trêmulo, conseguiu se levantar agora a entrada do duto de ar estava logo acima dele e quando ele foi investigar as grades percebeu que os parafusos já estavam soltos, estavam encaixados, mas não parafusados, Daniel simplesmente tirou os parafusos da grade e guardou-os no bolso, depois retirou a tampa do duto de ventilação.

Daniel olhou para cima e deu um salto, pegou as bordas da entrada do duto, segurou firme e conseguiu entrar, era um lugar apertado que reduzia extremamente a liberdade do detetive se movimentar, era um lugar horrível para quem tem claustrofobia, mas Daniel não tinha isso, na verdade a única fobia daquele detetive era Aracnofobia, o medo irracional de aranhas.

Depois de um tempo engatinhando chegou até uma parte que o duto descia da maneira mais íngreme possível, de forma que ele só conseguiria descer caindo.

“Se o assassino conseguiu escapar por aqui, eu também consigo” pensou o detetive.

Daniel olhou pra baixo e após pensar na melhor maneira pra descer, se jogou no buraco, suas mãos se arrastavam nas laterais do duto para desacelerar a queda, a palma da mão ia esfolando enquanto o detetive caia, quando ele chegou ao chão, olhou as mãos: A pele rasgada, mas não profundamente, pois o duto era liso, a palma da mão ardia como se tivesse queimado, mas o detetive não desistiu e engatinhou até uma segunda grade, ela estava trancada.

O detetive tentou chutar, empurrar ou qualquer outra coisa pra abrir a grade, mas em vão. Tudo foi em vão.

Daniel foi invadido por uma onda de raiva e de dúvidas, pois quanto mais seguia as pistas naquele caso, mais ele ficava perdido e agora se encontrava em um beco sem saída.

Ele tentou dar meia volta e conseguiu claro que com uma grande dificuldade, após isso, engatinhou de volta, até a parte em que havia caído e levantou-se.

“Tenho que agarrar as paredes de novo” pensou “Pois não há outra maneira”

Daniel então pulou segurando os estreitos parafusos das paredes do duto, mas com muito esforço conseguiu chegar ao destino, saiu do duto e desceu os pilares de ferro, as mãos já estavam melhores, mas ele estava suando, toda aquela confusão havia deixado ele cansado.

― O que encontrou, detetive? ― indagou Gabriel.

― Nada ― respondeu rapidamente Daniel ― Ricardo apareceu?

― Na verdade, sim, detetive, ele está com o elenco.

Daniel suspirou decepcionado.

― Tudo bem, leve todos para o palco, tenho que esclarecer o caso.

“Bem, Daniel, então é isso” pensou o detetive “Você não solucionou esse caso, em trinta anos de carreira, com todos os casos solucionados, nesse você falhou!”

Envergonhado, o detetive foi até o palco para admitir, ao chegar lá, encontrou todos reunidos e assim que ele pôs o pé no palco o elenco inteiro se calou e olharam para o detetive.

― Bem, amigos ― começou o detetive ― Eu trabalho há trinta anos nesse ramo de detetive e nesses trinta anos, nunca falhei em uma investigação, porém… ― Daniel parou um pouco para certificar-se de sua falha ― Porém eu falhei, não consegui completar o caso.

― Claro que não conseguiu ― disse uma voz vinda dos alto-falantes, era uma voz grossa e poderosa ― Pois o diretor não está morto!

De detrás da cortina saiu o diretor, vivo, porém ainda pálido.

― Não acredito! ― exclamou Daniel ― Como?

― Bem, detetive, em alguns anos morrerei de verdade, na verdade, pode ser qualquer dia desses e eu preciso de um substituto para comandar esse grupo de atores, então combinei com Gabriel e Ricardo pra eles se passarem por médicos e fingirem que eu havia sido morto, há uns dias atrás, preparamos tudo, desde o duto de ar, até essa maquiagem pálida, dessa maneira, você acreditou que eu morri.

― Então você fez tudo isso pra conseguir um substituto? ― indagou Daniel.

― Bem… sim.

― Você é egoísta, arrogante, é ridículo, eu tive que sair da minha ceia de natal para vir até aqui, quase morri escalando aquele pilar de metal, esfolei as mãos naquele duto de ar, Silvia ficou apavorada, assim como todo mundo, você arruinou a sua peça, não lucrou nem um centavo com ela, pois o dinheiro foi todo devolvido para o público, logo, você arruinou a peça, apavorou seus amigos e ainda quase me matou! Você é doente!

― Detetive ― chamou Silvia ― Posso falar com Roger?

― Vá em frente, enquanto isso, eu vou fazer uma ligação.

― Vai ligar pra quem? ― perguntou o diretor.

― Polícia!

Silvia se aproximou de Roger, Daniel não conseguia ouvir mais nada, pois já conversava com a polícia, ele viu Silvia dar um tapa na cara de Roger deixando o rosto do diretor vermelho, provavelmente, latejando.

Um tempo depois, a polícia chegou ao local e levou Roger, o elenco se desculpou pela internet com seu público, o roteirista da peça virou o diretor e o narrador se tornou o chefe por ser o mais simpático e o que melhor comanda; Daniel retornou para sua casa após aquilo e conseguiu chegar a tempo de comer a ceia de natal; Roger não foi preso, mas foi mandado para uma clínica, não foi diagnosticado com nenhuma doença mental e logo foi liberado, ele pegou todo seu dinheiro e gastou em uma viagem só de ida para os Estados Unidos; o detetive voltou a resolver outros casos por mais trinta anos; dez anos depois Roger veio a falecer e a notícia de sua morte chegou ao elenco rapidamente; eles continuaram se apresentando por vários anos e ficaram muito famosos, conhecido mundialmente.

Bem, no final tudo acabou bem para o detetive e o natal não foi completamente arruinado, pois o natal é uma época de felicidade, amor e paz, não é um dia para acontecer um assassinato nem um crime, na verdade isso não deveria acontecer em nenhum dia, principalmente no natal.

Dias depois Daniel deu uma entrevista ao jornal que, quando perguntaram qual a maior dificuldade de um detetive, ele respondeu:

― Ser um detetive não é olhar através dos seus olhos e sim através dos olhos do criminoso.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentem, por favor!



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