Nightmares escrita por Rafú


Capítulo 19
Capítulo 19 - New York


Notas iniciais do capítulo

OIZINHO! Voltei com o penúltimo capítulo da fanfic. :(



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/668155/chapter/19

Alguns anos depois…

 

— Se acalme, Molly! Eles só cancelaram a reunião. Eles irão ver outro dia em que possam vir e irão ligar novamente para remarcar. Não precisa deste escândalo! - tento acalmar minha secretária que está aos nervos.

Apresso o passo e troco o celular de ouvido.

— Mas e se eles não ligarem? - ela discute apreensiva.

Reviro os olhos e começo a perder a paciência. Estagiárias…

— Se eles não ligarem, deixa pra lá! Aparecerão outras pessoas. Vou desligar, Molly! Em pouco tempo estarei aí. Sei que consegue dar conta de tudo!

Não espero uma resposta e deligo o celular. Apresso mais ainda meu passo e atravesso o Central Park rapidamente.

Tio Phil acabou vencendo a batalha e fui para a Inglaterra afim de estudar direito em Oxford. De lá, voltei para Frederick e fiz um estágio temporário. Ao final do estágio, resolvi vir para Nova York e arranjei uma boa oportunidade. Estou aqui até agora e não tenho planos de sair.

Sempre visito tio Phil nas datas comemorativas. Não estou disposto a perder o contato com a única “família” que me sobrou.

Não mantive contato com ninguém na escola. Falei poucas vezes com Finnick quando estava na faculdade. Perguntei a ele sobre Katniss, mas ele simplesmente disse que nunca mais falou com ela ou a viu.

Tenho certeza que estava mentindo.

Tenho certeza que foi ela que disse para ele mentir.

Insisti por um tempo, mas depois resolvi deixar para lá. E foi neste “deixar para lá” que nunca mais falei com Finnick.

A dor do começo não era tão insuportável agora. Na verdade, nem doía mais.

Mas no início doía… E como doía…

Na noite da formatura, após ler o diário de Katniss e passar horas chorando, acabei pegando no sono de cansaço. Tio Phil me procurou pela escola inteira como um louco e me encontrou graças ao Finnick e a Annie, que já tinham uma ideia do que poderia ter acontecido.

Ele me levou de volta para casa e eu chorei novamente. E chorei pelos próximos três meses seguidos.

Como sempre fui um grande idiota, tentei ligar para Katniss mil e uma vezes, mesmo sabendo que ela não atenderia nenhuma das minhas ligações. Na última vez, fui informado que o número não existia ou estava fora de área. Ela trocou o número.

Continuei a chorar e reclamar. Dizendo que a vida era uma grande merda. Que eu queria morrer e que dane-se a faculdade, a advocacia e toda a minha vida.

Obviamente, tio Phil não deixou isto acontecer. Ele falou que Katniss era apenas uma das garotas de quem eu levaria um fora. E que se ele fosse desistir depois de cada fora que ganhou, estaria morto há muito tempo.

Acabei melhorando depois e fui para a faculdade e aconteceu todo o resto até eu chegar aqui.

Acabei esquecendo de Katniss, pois sempre colocava uma meta a minha frente e me focava em realizá-la.

Minha meta atual é abrir meu próprio escritório de advocacia. Sei que trabalho em um lugar ótimo, mas quero concretizar este sonho.

Em meio a tantas metas, Katniss acabou virando algo do passado. Mas tinha momentos em que me pegava a imaginando. Não a imaginando comigo, mas imaginando em onde ela estaria e o que estava fazendo naquele segundo. Imaginando se ela conseguiu trabalhar com crianças como sempre quis. Imaginando se ela está casada e se está feliz atualmente. Imaginando se ela e a mãe continuam a brigar.

Estes momentos de imaginação se tornaram raros depois de um tempo e acabei por aceitar, finalmente, que Katniss e eu nunca mais nos falaríamos.

Este é o melhor para nós dois, certo?

Espero que esteja certo ao menos…

Chego ao ponto que quase sempre venho para almoçar. Almoço vendo as pessoas passarem apressadas na rua e me surpreendo ao notar que também sou uma delas.

Como meus devaneios sempre me distraem, acabei perdendo a hora e saio apressado do estabelecimento e ando mais apressado que as pessoas que eu observava há pouco tempo.

Decidi pegar um atalho por um dos parquinhos. Uma criança para na minha frente quando eu estava passando por lá e eu paro violentamente quase a atropelando. Olho para o menino de cabelos castanhos e encaracolados que me estende uma rosa.

— Aceita uma rosa, senhor? - ele pergunta com um doce sorriso de criança.

É sério isto? Tem tanta gente parada e sem pressa no parquinho e ele precisa parar justo eu?

— Não! - acabei respondendo grosseiramente. O garoto fecha a cara com fúria e chuta meu tornozelo para logo após puxar minha pasta cheia de documentos para o chão, fazendo os papéis se espalharem – Mas que diabos… - rosno me abaixando e catando a papelada.

— Thomy, não era para fazer isto. - ouço uma voz feminina e agradeci pela mãe deste garoto aparecer. A voz me pareceu familiar, mas estava irritado demais para pensar nisto. Vejo os pés da moça próximo a mim enquanto eu continuo a ajuntar aqueles papéis infinitos – Eu sinto muito! Eu ajudo o senhor!

— Apenas mantenha seu filho longe de mim. - respondi sem olhar para a moça que havia se abaixado.

— Peeta? - ela me chamou.

E só quando ela pronunciou meu nome que eu pude reconhecer aquela voz. Olhei para a moça e não pude acreditar.

Como é possível…

— Katniss… - consegui sussurrar.

— O que faz aqui? - ela pergunta surpresa e se coloca de pé.

— Como assim o que faço aqui? Eu moro e trabalho aqui. - falo me levantando também surpreso – E você? O que faz aqui?

Não podia acreditar em como ela continuava incrivelmente linda. Seus cabelos – que antes batiam na cintura – estavam um pouco abaixo dos ombros. Ela perdeu completamente os ares adolescentes e se tornou uma mulher.

— Eu também moro e trabalho aqui. - ela falou levantando as sobrancelhas.

Não é possível que moremos na mesma cidade. Pode haver uma coincidência destas? Bem, o mundo não é tão grande como pensamos ser.

Esta novidade fez algo se aquecer dentro de mim. Mas lembrei do garoto que derrubou meus papéis e olhei para ele, sentindo aquele “algo” se esfriar.

— É seu filho? - perguntei olhando para o garoto que me devolvia o olhar com cara feia.

Katniss olhou para o garoto e sorriu. Ele abraçou a cintura dela e Katniss passou a acariciar seus cabelos.

— Oh, não! Ele é um dos meus pacientes. - ela riu – Sou terapeuta infantil.

— Ah… - sorri mais contente.

— Me desculpe por isto. - ela fala se abaixando e ajuntando os papéis.

— Tudo bem. - respondo, me abaixando e ajuntando os documentos também.

Depois de ajuntar tudo e guardar na pasta, nos levantamos. Katniss olha para o relógio em seu pulso e suspira.

— Eu preciso voltar para o consultório. A mãe dele vai buscá-lo daqui a pouco.

Demoro a responder, pois ainda não acredito que Katniss está na minha frente neste exato momento. Ela ergue as sobrancelhas, esperando eu dizer algo.

Eu pisco várias antes de acordar e responder.

— Claro! E-e-e-eu também preciso ir. - por que estou gaguejando? - Estou atrasado.

— Certo! Bem… Foi bom ver você. - ela diz e parecia que iria falar mais alguma coisa, mas desiste. Apenas se aproxima e me abraça.

Ela continua com o mesmo cheiro. Resisto ao impulso de afundar a cabeça no pescoço dela e inspirar mais aquele cheiro. Resisto ao impulso de segurá-la naquele abraço e não soltá-la mais.

— Foi bom ver você também. - respondo quando ela me solta.

Ela sorri levemente.

— Tchau. - ela diz baixo e segura a mão do garoto, me dando as costas e indo embora.

Fico parado no meio do parquinho, vendo ela ir embora.

Eu estava deixando ela partir novamente…

Estava a perdendo mais uma vez…

Passei a mão no cabelo e comecei a correr até ela.

— Katniss! - gritei me aproximando.

Ela virou-se e soltou a mão de Thomy.

— O que houve? - ela perguntou voltando seus olhos cinzentos para mim.

Cocei a cabeça e soltei uma breve risada. Por que estou tão nervoso? Não fico deste jeito nem quando estou defendendo um cliente meu no tribunal.

— Bem… É que… Sei lá! Poderíamos conversar um pouco uma outra hora, então… Sei lá! Não… Não quer me dar seu telefone?

Posso ver a hesitação nos olhos dela.

— Hã… Não sei se é uma boa ideia. - ela responde.

— Apenas para tomarmos um café e conversar. Como velhos amigos. Nada demais. - insisto.

Ela me olha desconfiada antes de tirar um papel da bolsa e uma caneta. Ela anota algo e me entrega.

— É meu cartão de visita. Tem o número do consultório e atrás eu anotei meu telefone de casa. - ela suspira e pega a mão do garoto – Agora eu preciso ir. Até mais, Peeta.

Até mais…

— Até. - sorri e virei tomando meu rumo para o escritório.

Precisei dar uma certa explicação sobre meu atraso quando cheguei lá, mas fora isto tudo bem.

Molly ficou mais calma depois que os clientes que cancelaram a reunião ligaram novamente a remarcando.

Fiz meu trabalho como em qualquer outro dia e voltei para casa. Pedi comida pronta e fiquei um tempão olhando para o cartão de visitas da Katniss. Pensando se seria uma boa ideia ligar para ela hoje mesmo ou se eu esperava mais alguns dias.

Fui tirado dos devaneios pelo telefone que tocou.

Peeta! - ouvi a voz animada de tio Phil no outro lado.

— Tio Phil! Como vai?

Não sei se é infantilidade ainda chamar Phil de tio, mas é algo que não consigo deixar de fazer.

— Vou muito bem. Alguma novidade por aí?

— Não. - não tinha necessidade de contar sobre Katniss – E aí em Frederick? Alguma coisa nova?

— Bem… Na verdade… Eu estarei aí te visitando semana que vem!

— Não brinca? Isto é incrível! Reserva no mesmo restaurante de sempre?

Você sabe que sim.— ele ri – Bem, Peeta. Foi bom falar com você. Até semana que vem.

— Até. - falo e ele desliga.

A semana se passa tranquilamente e descubro que sou um covarde. Não consegui nem um pingo de coragem para ligar para Katniss. Tio Phil acaba me ligando novamente enquanto eu arrumava a casa para recebê-lo.

— Alô?

Olá, Peeta! É o Phil.

— Ah, oi! Eu já estou arrumando o apartamento para quando você chegar…

Não vou mais, Peeta.

— Mas por quê?

Cancelaram os voos por causa de uma tempestade e não tem previsão de quando voltará.

— Que droga!

Eu sei, mas poderemos marcar outro dia, certo?

— Certo.

Ok. Até mais, Peeta!

— Até.

Sentei no sofá de couro do meu apartamento e apoiei os cotovelos nos joelhos, deixando minha cabeça tombar. Peguei o telefone e liguei para o restaurante, pronto para cancelar a reserva.

Contei os sinais do telefone mentalmente em minha cabeça.

Um… Dois…

Então a ideia me surgiu. Não preciso cancelar a reserva. Hoje ligarei para ela. Ligarei para Katniss e convidarei ela para jantar comigo.

Restaurante Crown! Boa Noite! Como posso ajudar? - ouço a voz da atendente no outro lado da linha, mas não respondo. - Alô?

Corto a ligação e corro até o meu quarto para pegar o número da Katniss dentro da minha carteira. Pego rapidamente e corro de volta ao telefone. Disco os números rapidamente e a cada toque que dá meu coração acelera mais. Espero não ter um infarto.

Finalmente ela atende…

Alô.

— Oi, Katniss. É o Peeta. Eu fiquei de ligar para você e marcar de nos encontrar para batermos um papo.

Ah, sim! Eu lembro. Já pensou em um dia?

— Pode ser hoje?

Hoje?

— Bem, é que eu fiz uma reserva em um restaurante para jantar com meu tio, mas ele acabou não vindo. Seria um desperdício cancelar a reserva.

Ah, certo! Tudo bem.

— Quer me passar o seu endereço? Eu posso buscar você às 20 horas.

Ela me passou o endereço que eu anotei em um bloco de notas. Esperei ansiosamente o tempo passar. Mas parece que ele está sempre contra nós. Quanto mais rápido queremos que ele passe, mais lerdo ele fica.

Finalmente o tempo decidiu passar, a muito custo, devo acrescentar.

Me arrumei e parti em direção a casa de Katniss. Parei em frente ao seu edifício. Desci do carro e subi os poucos degraus de encontro ao interfone. Apertei o número do apartamento da Katniss.

Oi, Peeta! Pode subir.

— Como sabe que sou eu?

Quem mais seria? Sobe logo!

Ouvi o chiado da porta, sinalizando que estava destrancada. Subi e bati na porta, esperando ela me atender.

Ela abriu a porta e se virou caminhando pelo apartamento.

— Eu já estou pronta. Só estou procurando a minha bolsa. - ela avisa – Pode sentar.

Entro e sento no sofá, esperando ela. Ouço um barulho vindo do que eu acho que era a cozinha. Logo surge alguém com uma tigela e uma colher.

Não posso acreditar! Era Natalie, a mãe de Katniss. Elas moram juntas.

— Boa noite, Natalie. - a cumprimento me levantando.

— Faz tempo que Katniss não sai com alguém. Você deve ser uma pessoa especial. Como sabe o meu nome? - ela pergunta dando uma colherada no sorvete.

— Hã… Parece que a senhora não me reconheceu. - falei embaraçado – Sou o Peeta. Lembra de mim?

Ela fica parada por alguns segundos. Então Natalie larga a tigela de sorvete na mesa de centro e a contorna, vindo ao meu encontro e me abraçando.

— Oh, meu Deus! Peeta! Nem o reconheci. Como é bom ver você novamente. Como está?

— Estou bem. E a senhora?

— Também estou ótima.

— Achei a bolsa. Podemos ir. - fala Katniss surgindo na sala e para ao ver a mãe – Parece que a minha mãe encontrou você.

— Por que não me contou que era com Peeta que iria jantar hoje, querida?

Querida? Natalie chamou Katniss de querida? E não foi de forma irônica? Bem, parece que algumas coisas mudaram.

— Bem… Surpresa! - diz Katniss.

Natalie ri.

— É melhor vocês irem logo. Tenham um bom jantar.

— Obrigada, mãe. - Katniss se aproxima da mãe e deixa um beijo em sua bochecha – Amo você.

— Também amo você.

— Até mais, Natalie. - me despeço.

— Até mais, Peeta.

Mantemos uma conversa leve dentro do carro.

— Então se tornou um advogado como queria. - fala Katniss.

— E você trabalha com crianças. - devolvo.

— Sim. - ela sorri.

— Parece que você e sua mãe estão se dando bem agora.

— Ah, sim. Estamos. Ela quis vir morar comigo quando disse que viria para Nova York. Vovô Frank não quis sair de Virgínia.

— E como fizeram as pazes?

— Bem, ela disse que teve um surto de consciência ou algo do tipo. Tomou conta do que aconteceu comigo e o que eu sofri. Ela parou de ficar de luto pela Prim e viu o monstro que Ben era. Então se sentiu culpada e com a consciência pesada. Ela me levou junto na última vez que visitou Ben na prisão. Falou inúmeras verdades para ele e mandou ele olhar bem para mim, pois seria a última vez que ele me veria. Disse também que nunca o perdoaria pelo que fez. Ele começou a chorar dizendo o quanto estava arrependido, mas minha mãe apenas me arrastou para casa e desde então, nunca mais tivemos notícias dele.

— Fico feliz que tenham feito as pazes. - falo estacionando o carro – Bem, chegamos. Já comeu no Crown?

— Nunca. - ela diz empolgada.

— Então seja bem-vinda.

Saio do carro e dou a volta abrindo a porta para ela.

— Parece que você ainda é um cavalheiro.

— Velhos hábitos nunca morrem. - afirmo com um sorriso convencido.

Ela para um pouco, olhando o casarão antigo transformado em restaurante.

— Bem… Eu poderia ter me arrumado melhor. - ela fala.

— Ah, que isto? Você está linda. Adoro laranja. - a contradigo, observando o vestido dela ser da minha cor preferida.

Passo na recepção e dou meu nome. Logo somos acomodados em uma mesa. Katniss olha para o restaurante todo, parecendo admirada.

— É como voltar no tempo… - ela sussurra.

Eu sorrio ao ver que consegui agradá-la.

— É um casarão bem antigo, se não me engano é dos anos 30.

— Puxa!

— Espero que goste de comida italiana.

— Eu gosto de tudo que seja comestível. Sou uma pessoa fácil de agradar.

Nessa hora, chega o garçom com os cardápios e estende dois para nós.

— Boa noite! Meu nome é Ryan e vou servi-los hoje. O que irão pedir? - ele pergunta abrindo um bloco de notas.

— Quer pedir primeiro? - pergunto a Katniss.

Ela abre o cardápio, lê rapidamente e depois o fecha com um suspiro.

— Por que não pede por mim? Tenho certeza que você não irá me decepcionar. - ela sorri – Você nunca decepciona.

Ela cora por um instante ao falar a última frase e olha para baixo. Parece que ela não queria dizer aquilo. Para não deixar ela desconfortável, abro o cardápio e escolho o mesmo para nós dois.

— Podemos começar com algum aperitivo. Deixe-me ver...DuckTerrine. E depois pode ser… Hmm… Veal Chop. E vinho para acompanhar.

— Tinto? - pergunta Ryan.

— Sim.

— É só aguardarem um pouco.

— Obrigado.

O garçom sai e Katniss e eu ficamos em um silêncio um tanto embaraçoso.

— Você costuma vir aqui com frequência? - pergunta Katniss, quebrando o silêncio.

— Não muito. Venho mais com meu tio, já que ele ama este lugar. Ou a comida, para ser sincero.

— Phil? Puxa! E como ele está?

— Ah, ele está ótimo. Vez ou outra ele vem para cá. Mas e você? Costuma sair?

— Não muito ultimamente.

— Falta de tempo ou de dinheiro?

— Nenhum dos dois. Estou economizando. Quero me mudar de Nova York.

Aquela novidade fez eu ter um aperto no meu peito. Mal a reencontrei e ela já está escapando novamente.

— Vai se mudar? - perguntei sem conseguir esconder a decepção.

— Não estou conseguindo me adaptar muito bem nesta cidade. Vim aqui pelas oportunidades. Mas é um lugar cheio demais, barulhento demais, chuvoso demais… Aqui não é o meu lugar.

A comida chega até nossa mesa e somos servidos.

— Mas para onde você vai? - pergunto enquanto começamos a comer.

Ela pega a taça de vinho e fica movimentando ela, fazendo o líquido girar lá dentro.

— Atlantic Beach. - ela sussurra a resposta sem olhar para mim.

Atlantic Beach….Eu engulo em seco ao lembrar de tudo o que aconteceu com minha família. Nunca mais estive naquele lugar. Tudo o que meus pais possuíam naquele lugar foi vendido. Menos o chalé. Tio Phil se negou a vender o chalé e não consegui o convencer do contrário. Ele ainda vai para lá de vem em quando.

Mas então lembro de outra coisa. Lembro da última vez que estive lá. Com Katniss. Lembro de não ter sido tão ruim. Lembro da imagem do corpo de Katniss na praia. Parece que isto aconteceu há séculos atrás.

Tomo um gole do vinho antes de dizer algo.

— Parece que você realmente gostou de lá. - tentei falar de forma normal, mas meu tom de voz saiu amargurado.

— Pois é. - foi tudo o que ela disse. - Mas e você? Gostou de Nova York?

— Bem, não tenho planos de sair daqui até agora.

— Até agora? - ela pergunta semicerrando os olhos.

— Como saber o que futuro tem guardado para mim? - pergunto de volta e consigo um sorriso em resposta.

A refeição acaba rápido demais, então nos contentamos em ficar sentados relembrando o nosso último ano de escola.

— Lembra quando tentei colar de Finnick? - pergunta Katniss rindo.

— Não foi a ideia mais inteligente do mundo. - observo.

— Finnick nunca soube passar colar. - Katniss fala brincando com a taça vazia – Faz tempo que não falo com ele. Na última que vez que nos falamos, ele estava noivo de Annie.

— Finnick noivo? É algo difícil de acreditar.

— É, eu sei. - ela concorda.

O silêncio volta novamente. Mas desta vez ele não é embaraçoso. É reconfortante. Fico olhando para Katniss, notando que mesmo depois de todo este tempo ela continua ser a mesma pessoa. E por ela ainda ser a mesma pessoa, eu descubro que ainda sinto algo por ela. Não sei se é o amor que eu sentia no tempo da escola, acho que isto não retornaria tão rápido assim. Mas é algo forte o suficiente para que eu tente fazer tudo de novo.

Katniss larga a taça e olha para mim. Ela solta um pequeno sorriso e me pergunto em que ela está pensando.

— Por que está me olhando assim? - pergunto sorrindo.

— Você é que começou a me olhar. Me diga você.

— Você continua linda. - deixo escapar contra a minha vontade. Ela fica séria com a afirmação e eu tento começar outro assunto para omitir o que eu falei – Então, gostou da comida?

— Sim, é ótima. Mas a sua comida é melhor. - ela afirma com um sorriso maroto.

— Sente falta da minha comida? - pergunto rindo.

— Quem não sentiria? Aquele macarrão à carbonara que comemos na cabana no feriado de São Cristovão estava incrível!

— Nossa! Você tem uma boa memória. - observo e ela apenas ri – Que tal eu cozinhar um bom macarrão à carbonara para nós?

— A ideia é tentadora…

— Então topa?

— Por que não? - ela sorri.

Após pagar pela refeição, voltamos para o carro e rumei para o meu apartamento. Ficamos em silêncio o percurso todo. Vez ou outra olhava para Katniss, vendo ela com a cabeça apoiada na janela apenas observando a cidade.

Por fim chegamos no meu apartamento.

— Sinta-se em casa. - falo acendendo a luz e deixando ela entrar.

Ela olha tudo em volta e parece surpresa.

— Quanto espaço para uma pessoa só!

Eu rio por um instante.

— Pode sentar, eu vou ali trocar de roupa e já volto. - falo apontando para o meu quarto e saio. Atiro minha roupa na cama e coloco outra rápido. Logo já estou na sala de novo – Vamos lá?

Ela levanta e tenho a impressão de que Katniss perdeu um pouco da altura. Então noto seus saltos ao lado dela.

— Vamos lá. - ela diz animada.

Nos encaminhamos para a cozinha e eu pego tudo que iremos precisar.

— Quer cozinhar o macarrão enquanto eu frito o bacon?

— Claro! - ela fala já pegando a panela e o pacote de macarrão.

Depois de fritar bem o bacon eu desligo o fogo e vou ver como está o macarrão da Katniss.

— Ah, não… - falo olhando para a panela.

Pego a peneira e coloco o macarrão lá dentro.

— O que foi? - ela pergunta.

— Você cozinhou demais o macarrão. - falo pegando uma tira do macarrão e jogando na Katniss – Parabéns!

Eu rio e ela me olha incrédula.

— Você é maluco? Isto está quente! - ela quase grita passando a mão onde o macarrão bateu.

Eu fico sério e me afasto quando ela se aproxima da peneira e liga a torneira deixando a água cair encima da comida.

— Desculpa. - eu falo olhando para os meus pés, mas sinto algo batendo na minha cabeça e logo tem um macarrão no chão.

Eu olho para ela confuso, mas tudo o que ela faz é sorrir.

— Agora não está mais quente… - ela diz fechando a torneira.

Eu me aproximo e pego outro macarrão jogando nela. Ela ri e pega um bocado da peneira e esfrega na minha cara.

— Ah, é? Então é assim? - falo e pego a peneira jogando tudo que tinha lá na cabeça de Katniss.

Ela me olha de boca aberta, mas não deixa de sorrir.

— Tudo bem… - ela diz antes de abrir a caixa de ovos e me acertar com um deles.

Me aproximo e pego a caixa dos ovos atirando vários nela. Ela ri e tenta alcançar a caixa, mas eu me afasto até bater no balcão da cozinha. Então levanto a caixa de ovos, deixando fora do alcance dela. Mas isto não impede Katniss de se colocar na ponta dos pés e tentar pegar os ovos. Eu rio, sabendo que ela nunca iria conseguir. Ela tenta em vão puxar meu braço, mas o único efeito que faz é derrubar um ou dois ovos no chão.

— Desista! - eu digo.

— Nunca! - ela afirma e dá um pulo.

Neste pulo ela quase cai, mas eu a seguro pela cintura e ela se agarra aos meus braços. Os ovos perderam a atenção dela e ela agora olha no fundo dos meus olhos, tirando o sorriso alegre do rosto. Meu sorriso também desaparece quando sinto a respiração de Katniss no meu rosto.

Não há forma de eu desviar dos olhos cor de tempestade de Katniss agora. É como se fosse um buraco negro. Que me puxa para os olhos dela… Depois para o nariz… E por fim para a boca da garota.

Meus olhos em seus lábios fazem um pedido mudo de que eu quero beijá-la. Volto a olhá-la nos olhos e vejo que Katniss está confusa. Parece travar uma batalha com ela mesma. Volto a boca dela pois sabia que a confusão dela passaria para mim.

Não pedi licença… Não disse nada… Não fiz nenhuma cerimônia… Apenas a beijei.

Não consegui prender a lembrança da primeira vez que Katniss me beijou. Na cabana. As lágrimas dela escorriam junto e adicionavam um gosto a mais no beijo naquela noite. Mas hoje não havia lágrimas, apenas nossas línguas em sincronia em uma dança. A maciez era a mesma, o gosto também. Exatamente da forma que eu me lembrava.

Peguei Katniss no colo e ela rapidamente envolveu suas pernas em minha cintura. A sentei na mesa e ela agarrou meus cabelos. Da boca dela fui para o pescoço. Ela estava cheirando a baunilha e me peguei rindo pela sua escolha de perfume. Mas devo admitir: o cheiro era incrível. Ela gemeu quando mordisquei várias vezes seu pescoço. Voltei a boca dela e a peguei novamente em meus braços. Fui ao quarto e a joguei na cama, fiquei um minuto apenas apreciando ela. Rememorando cada pedaço visível de Katniss. A observei de olhos fechados, tentando recuperar o fôlego com a boca entreaberta. Seus lábios avermelhados pelos beijos.

Ela abre os olhos e se apoia sobre os cotovelos. Me lança uma pergunta com o olhar: “O que está esperando?”
Respondo a pergunta dela da mesma forma silenciosa. Me aproximo por cima dela e deixo apenas meus instintos me guiarem esta noite.

Acordo de manhã com o sol no meu rosto. Ainda de olhos fechados, me espreguiço e sorrio ao lembrar da noite que tive com Katniss. Pensei que nunca mais faria isto com ela, mas fiz. Me viro para o lado, pronto para abracá-la, mas tudo que há ao meu lado são travesseiros. Abro os olhos, sento na cama e olho em volta. Minhas roupas ainda estão atiradas pelo chão, mas as de Katniss sumiram.

Levanto da cama e visto uma calça. Ando pelo apartamento.

— Katniss? - a chamo a todo momento e não obtenho nenhuma resposta.

Por fim, chego a cozinha. A bagunça que havíamos feito ontem desapareceu. A louça que sujamos foi lavada. Olho para a grande mesa que há no meio da cozinha e me aproximo dela ao ver algo. Acho o álbum de fotografias que Katniss meu deu há tanto tempo aberto. Vejo a foto de nós dois nos beijando quando éramos adolescentes. Junto à foto, encontro um bilhete.

 

Não achei que fosse guardar este álbum de fotos, mas você guardou. Não achei que fosse te encontrar em Nova York tanto tempo depois de termos nos visto pela última vez, mas nos encontramos. Não achei que fosse falar com você novamente, mas falei. Não achei que fosse jantar com você, ir ao seu apartamento, beijar você e acabar na cama, mas tudo isto aconteceu. Mas, acima de tudo, não achei que fosse sentir o mesmo que senti quando eu era uma adolescente estúpida… Mas senti.
Obviamente a culpa não é sua. A culpa é inteiramente minha. Sempre sou levada por meus sentimentos e agora acabei aqui: escrevendo esta carta para você.
A vida é uma merda, Peeta! Isto é fato e você concordará comigo. O destino é um grande traiçoeiro e nós temos provas disto. O destino nos provou isto quando transformou Ben em um bebum e quando ele levou embora sua família. E agora ele está tentando nos pregar uma peça. Está confundindo nossos sentimentos da mesma forma que nos confundiu quando estávamos na escola. Depois fará um de nós nos separarmos e iremos cair na tristeza novamente.
Mas não desta vez…
Não vou deixar isto acontecer novamente, Peeta. Não posso magoá-lo novamente. Naquela noite, na nossa formatura, cada lágrima que você soltava podia ser comparada a uma navalha no meu peito. Soará clichê, eu sei, mas… Doeu mais em mim do que em você.
E não é isto que você merece. Você merece alguém que faça você sorrir em cada segundo da sua vida. Alguém que o faça feliz todos os dias. Alguém que não tenha traumas e pesadelos para incomodar você.
Você merece muito mais do que eu sou capaz de dar a você.
Você parece estar muito bem sozinho. Sua carreira é um sucesso. Você possui tudo o que quer. Eu não quero atrapalhar isto. Não quero atrapalhar a sua vida.
Foi ótimo rever você, Peeta… Mas acho melhor para nós dois continuarmos da forma que estávamos.
Desejo tudo de bom para você.

Com carinho,
Katniss.”

 

Larguei a folha na mesa e abaixei a cabeça, sem acreditar que havia perdido Katniss novamente. Puxei o álbum de fotos e olhei novamente para elas. Por que não podíamos ser felizes como éramos nas fotos?

Você possui tudo o que quer.” Não possuo tudo o que eu quero se eu não possuo ela. Eu estaria disposto a fazer qualquer coisa. Droga! Se ela quer ir para Atlantic Beach, eu iria com ela. Se ela quisesse pular de paraquedas, eu pularia também. Qualquer coisa, eu faria.

Não vou perdê-la! Não desta vez. Deixei ela escapar na primeira vez, mas não vou repetir este erro e me arrepender.

Visto uma roupa e saio de casa. Noto uma garoa caindo assim que chego na rua, mas não me importo. Dirijo pelas ruas, a chuva aumenta, meu coração acelera a cada esquina que atravesso. Por fim, chego ao meu destino.

Desço do carro e corro até o interfone. Aperto, mas ninguém me atende. Minha salvação é uma senhora que acaba de sair do prédio e eu aproveito a porta aberta para entrar. Estou completamente ensopado e correndo o risco de pegar uma virose, mas estou pouco me importando com isso. Subo os degraus de dois em dois e paro em frente a porta de Katniss. Respiro profundamente e bato na porta.

Quem atende é a mãe dela, mas não dou importância. Invado o apartamento sem pedir licença.

— Olá, senhora. Preciso falar com Katniss. - falo antes que Natalie possa dizer algo.

— Ela sabia que você viria de atrás. - ela suspira – Katniss não quer falar com você, Peeta.

— Natalie, você não entende. Eu não posso cometer o mesmo erro duas vezes. Por favor, diga onde está Katniss. - falo tentando manter a paciência.

— Querido, tente entender…

— EU A AMO! NÃO POSSO PERDÊ-LA NOVAMENTE. - eu grito, desesperado.

— Peeta? - ouço a voz de Katniss atrás de mim.

Viro para ela e suspiro de alívio.

— Com licença. - ouço Natalie dizer antes de sair da sala.

Katniss se aproxima, mas mantém alguns metros entre nós.

— O que quer, Peeta? - ela pergunta com os braços cruzados, como se fosse um escudo que impedisse minha aproximação.

— Katniss… Eu não posso cometer o mesmo erro duas vezes…

— Você não cometeu erro nenhum, na verdade…

— Cometi sim! Cometi um erro terrível ao deixar você partir na noite da nossa formatura.

— Peeta… - ela suspira parecendo cansada. Como se esta discussão acontecesse todos os dias.

— Você está certa. Eu entendo e concordo. Sim, a vida é uma merda. Sim, o destino é um maldito traiçoeiro. Mas há algo que não concordo naquela sua carta. Você disse que mereço alguém que me faça sorrir… Que me faça feliz. Você diz que não pode me dar isto, mas… Droga, Katniss! Você é a única pessoa capaz de me fazer feliz por completo. E eu prometo que farei de tudo para fazer você feliz na mesma proporção. Você apenas tem que aceitar ser minha, Katniss. Seja minha e eu serei completamente seu. Por favor, seja meu anjo novamente.

Me calei quando senti meu olhos umedecerem. Segurei as lágrimas para não chorar na frente dela. Mas ela não parecia se importar com isto, já que não segurava suas lágrimas. A observei chorar em silêncio e negar com a cabeça.

— Peeta, eu não sou a garota perfeita que você acha que sou.

— E quem diabos é perfeito? Ninguém é perfeito, Katniss. Somos seres humanos cobertos de falhas e defeitos. Eu não peço que você seja perfeita, apenas que seja a garota que conversou comigo no primeiro dia de aula.

— Eu não vou fazer você feliz ao estar com você. - ela retruca sendo atrapalhada com um soluço e mais lágrimas.

— E não me fará feliz se não estiver…. Por que acha que não me fará feliz?

Ela solta uma risada nervosa, como se eu tivesse feito uma pergunta ridícula.

— Traumas, pesadelos, remédios…

— Eu também tenho pesadelos. Eu também carrego o trauma de ver minha família morta. Eu sei lidar com isto. Você não seria um problema em minha vida.

— Eu sonho com Atlantic Beach e não estou disposta a desistir deste sonho.

— Não precisa desistir. Você quer ir para Atlantic Beach? Vamos para lá então. Vamos amanhã se você quiser.

— Mas você…

— Tudo é suportável desde que você esteja comigo.

— Eu não sei, Peeta…

— Eu amo você. Eu sei que parece ridículo dizer isto. Faz anos que não nos vemos e eu pensei que o que sentia por você havia sumido, mas não sumiu. O sentimento estava aqui o tempo todo, ele apenas estava apagado. Então você reapareceu e colocou lenha no sentimento novamente. Eu amo você, Katniss. Mas e você? Você me ama também?

Vi ela hesitar e desviar o olhar do meu enquanto descruzava os braços.

— É confuso… Não sei o que responder.

Agindo por impulso, dei três rápidos passos até ela e segurei sua cintura antes de acertar meus lábios nos dela. Ela tentou desviar, mas em pouco tempo estava me retribuindo. Parei quando meus pulmões começaram a arder pela falta de ar.

— Você me ama, Katniss? - perguntei em um sussurro com minha testa encostada na dela.

— Amo. - ela sussurrou ainda de olhos fechados e com um pequeno sorriso nos lábios.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. No próximo terá o Epílogo.
Beijocas da Tia Rafú pra vocês. ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nightmares" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.