Nightmares escrita por Rafú


Capítulo 15
Capítulo 15 - Safe Place


Notas iniciais do capítulo

OIZINHO! Voltei com mais um capítulo. Boa leitura.



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Fui dormir antes de todo mundo. Algumas horas depois de comer biscoitos com chocolate quente, junto com Katniss e Frank, fui atingido por uma dor de cabeça horrível. Talvez por ter saído naquele frio insuportável só para comprar açúcar mascavo.

Culpa sua, Peeta! Quem deu a ideia de fazer biscoitos, afinal?

Katniss me conseguiu um remédio, deitei na cama e apaguei imediatamente. Acordei algum tempo depois ouvindo gritos. Acho que era Natalie e Katniss, mas não tive certeza. Estava drogado pelo remédio que tomei e acabei pegando no sono de novo.

O sono mais vazio de toda a minha vida.

Acordei novamente um tempo depois, me sentindo bem melhor. Já estava bastante escuro. Saí da cama e liguei a luz. Katniss não estava no quarto. Olhei as horas no meu celular: três horas da manhã. Será que Katniss está tocando piano novamente?

Coloquei um moletom por cima da camisa que estava usando e saí do quarto, indo para o banheiro. Sempre seguindo com a mão na parede. Quando cheguei ao banheiro, lavei meu rosto rapidamente. Voltei ao corredor e desci as escadas. Não havia nenhum som de piano. Nada além do silêncio noturno.

Decidi passar na cozinha e tomar um copo de água antes de prosseguir com a minha busca por Katniss. Me surpreendi ao chegar perto da cozinha e ver a luz já ligada. Entrei vendo Katniss sentada à mesa, brincando com uma garrafa de vinho.

— Katniss? – a chamo.

Ela ergue o rosto para me ver. Seu rosto está inchado e vermelho, ela seca uma lágrima solitária que escorre pela sua bochecha, mas mesmo assim não nega sorrir para mim.

— Peeta! – ela exclama, embolando as palavras.

Segura a garrafa pelo gargalo e levanta da cadeira, caminhando aos tropeços até onde eu estava.

— O que aconteceu? – pergunto puxando a garrafa da mão dela e notando que estava vazia.

— Vamos brindar! – ela diz e puxa a garrafa de volta, levando o gargalo até os lábios, como se houvesse algo ali dentro. Ela me dá as costas e caminha cambaleando em direção a pia.

— Você bebeu a garrafa toda sozinha? – pergunto chocado.

Ela para no meio do caminho e vira para mim sorrindo.

— E seu tiver? – ela pergunta rindo – Estou em um país livre. Faço o que bem quero.

— E só por isso você tomou uma garrafa inteira de vinho sozinha? – corro até ela, segurando sua cintura, já que ela estava prestes a cair.

— Me solta! – ela fala se desvencilhando das minhas mãos e caminha até uma prateleira – Vamos brindar!

— Brindar o quê? Katniss, você está bêbada. Não está falando coisa com coisa.

— Vamos brindar a nós dois. – ela responde a minha pergunta, mas ignora tudo o que eu falei depois.

Então lembrei de ter acordado naquele estado de semi inconsciência e dos gritos que eu ouvi. Suspirei pesadamente.

— Você brigou com a sua mãe? – perguntei devagar, dando tempo de ela digerir a pergunta.

Katniss fraquejou por um instante, hesitando. Por cinco segundos seu sorriso desapareceu, mas reapareceu logo em seguida.

— Eu não preciso da minha mãe. – ela diz, jogando a garrafa dentro da pia. Achei impressionante ela ter conseguido acertar dentro da pia e não ter quebrado a garrafa no estado em que está. Ela tropeça até onde estou e coloca as mãos em volta do meu pescoço – Eu não preciso dela. Eu tenho você... Tenho você até a nossa formatura.

Ela mergulha o rosto no meu pescoço e inspira enquanto ri.

— Vem, vamos subir. – eu a puxo para fora da cozinha, mas antes desligo a luz. Carrego ela nas escadas, já que ela só estava tropeçando. Chegamos ao quarto e eu coloco ela na cama – Você precisa de um banho.

— Não quero tomar banho. – ela protestou com a voz chorosa.

Bufei, sem paciência para discutir isto com ela.

— Ok, sem banho então. Vamos dormir. – eu falo apontando para os travesseiros, ela prontamente se coloca embaixo das cobertas.

Eu desligo a luz e me junto a ela. Ficamos alguns minutos em silêncio. Mas não durou muito.

— Sabe, Peeta. – Katniss corta o silêncio que já estava me agradando – Não estou com sono. – ela afirma virando pra mim e passando a mão por baixo da minha camisa.

Eu seguro sua mão e suspiro.

— Katniss, por favor, você está bêbada. Apenas durma. – afirmo a puxando e abraçando ela.

Talvez eu não esteja tão bêbada assim. – ela diz.

Talvez você esteja sim. – discordo.

— Eu não quero dormir. – ela reclama.

— Por favor, meu anjo. Apenas feche os olhos e durma. Faça apenas isto. – eu praticamente imploro.

— Eu não sou um anjo... E também não sou sua.

— É, eu sei. – eu respondo de certa forma magoado, mas acho que ela acabou dormindo, já que não comentou mais nada.

Mas por enquanto ela é minha. Ao menos até a formatura. Eu queria que fosse por mais tempo, mas depois de ouvir a história de Katniss sei o porquê de não ser. Ela tem medo. Tem medo de que eu seja “um Ben”. Tem medo de que todos os garotos sejam “um Ben”. Não posso culpá-la. Mas queria ter uma forma de mostrar para Katniss que eu não pisaria na bola com ela. Que eu não seria um idiota como o padrasto dela.

Não queria que a garota dos olhos cinzentos me escapasse…. Mas desejar isto, é o mesmo que desejar que não faça frio no inverno. Algo impossível, imutável, inalcançável.

Eu sei que a perco um pouco a cada dia que passa. O Natal chegou tão rápido, e está passando mais rápido ainda. Mais um ano passará em um piscar de olhos. E Katniss Everdeen em breve não fará mais parte da minha vida.

Passo a noite acordado, abraçado a Katniss que dorme tranquilamente, pensando no meu futuro sem ela. Pensando se será mais fácil superar ela do que Greta.

Greta é passado, já não penso nela. Já não choro ao lembrar do que ela fez. Mas será que reagirei da mesma forma com Katniss?

Algumas horas passam, – para mim ao menos parecem horas – e eu durmo novamente. Acordo e encontro Katniss sentada aos meus pés, lendo o livro que lhe dei de Natal. Me ergo sobre meus cotovelos e isto desperta a atenção dela.

— Oi. – eu falo após nos encararmos por aproximadamente um minuto.

— Oi. – ela diz baixo, fecha o livro e o coloca de lado, enquanto olha para as próprias mãos – Desculpa. Eu sou muito idiota. Beber aquela garrafa inteira de vinho foi estupidez.

— Você não devia estar tão mal, já que lembra o que aconteceu. – afirmo o que deveria ser uma piada, mas soou sério demais.

— Eu só lembro de beber vinho e depois de você vir me buscar na cozinha. – ela explica.

— Está tudo bem. Você estava triste. Acontece! Quem nunca afogou as mágoas em álcool?

— É. – ela concorda.

Eu já ia dizer: “Bem, eu nunca afoguei as mágoas em álcool.” Mas decidi ficar quieto.

— E eu não fui na cozinha buscar você. Eu fui tomar um copo de água e encontrei você lá. – esclareço e ela ri. – Você ficou aqui me esperando acordar?

— É, por aí.

— Poderia ter pedido desculpas depois de tomar o café da manhã.

— Mas você fica tão fofo dormindo. – ela afirma com um sorriso.

Eu reviro os olhos, rindo. Pulo da cama, já indo para a porta.

— Vou para o banheiro. Você não vem? – pergunto abrindo a porta.

— Não. Eu já havia ido. Eu espero você aqui.

Vou ao banheiro tomar banho e fazer as higienes básicas e volto em pouco tempo.

— O que são estes arranhões na porta? – pergunto entrando no closet e puxando um moletom.

— Eu meio que surtei com a minha mãe no Dia de Ação de Graças e descontei na porta.

— Se você dizer que fez isto com as unhas eu saio correndo agora.

Ela ri antes de responder.

— Foi com uma tesoura. – eu visto o moletom rapidamente e dou uma ajeitada nos cabelos ainda úmidos – Vamos?

— Vamos! – afirmo.

Nos dirigimos para a cozinha. Natalie está lá, com uma xícara em mãos.

— Acordaram mais tarde hoje. – ela se estica até a pia e pega a garrafa de vinho vazia lá dentro – Alguém fez uma festinha particular de noite. Seu avô ficou furioso.

— Por eu ter bebido? – Katniss pergunta parada com os braços cruzados.

— Por você ter bebido o vinho dele. – Natalie responde.

— E onde ele está?

— Foi dar uma caminhada. Se prepare para um dos famosos sermões do vovô Frank.

— Que seja! – Katniss afirma se aproximando – Pode dar licença? Preciso de xícaras.

Natalie se afasta e coloca a xícara que segurava na pia. Ela caminha até a mesa se escorando nela.

— Como vai, Peeta? – Natalie pergunta enquanto Katniss me alcança uma xícara.

— Bem. – respondo servindo minha xícara de café.

Há pão na mesa, junto com geleia, queijo e várias outras coisas para acompanhar. Katniss vai para lá após servir seu café. Eu a sigo. Ela cortava o pão quando Natalie fala:

— Por enquanto você está bem. Mas se quiser continuar assim é melhor ficar longe desta garota.

Katniss pareceu muito paciente com a mãe desde que chegamos. Com exceção da ceia de Natal e de ontem, não vi ela gritar com Natalie por suas provocações. Mas dizem que paciência tem limite. E parece funcionar da mesma forma para Katniss.

Katniss simplesmente perdeu totalmente a paciência e bate na mesa com tanta força que acho que se eu fizesse o mesmo, teria quebrado minha mão. Ela pega a faca que estava usando para cortar o pão e se aproxima de Natalie, apontando a faca para ela. Natalie dá passos para trás até o balcão a impedir. Eu fico parado no lugar, assustado com o que vejo.

— Katniss... – Natalie fala.

— Está vendo esta faca? – Katniss pergunta a interrompendo, Natalie não responde, apenas fica em silêncio – Esta faca, foi a faca que o seu querido Ben usou para matar Prim. E você sabia disso?

— Não... – Natalie sussurra.

— Claro que não. – Katniss se aproxima mais dela encostando a faca no queixo da mãe – Não sabe porque você não estava aqui naquela noite. Você simplesmente fugiu e deixou duas crianças para lidar com o problema. Eu sei porque você me culpa. Você me culpa, para não culpar a si mesma. Você sabe que eu fiz de tudo para proteger Prim. Enquanto você estava Deus sabe aonde! E você sabe melhor que eu, que se estivesse aqui naquela noite, Prim poderia estar com a gente ainda. Então, para de falar as coisas como se a culpa fosse minha. Pare de me usar para camuflar a culpa que sente de si mesma. Porque você sabe que errou. Mas sabe? Eu perdoei você. Mas sei que você não consegue se perdoar. Você não consegue nem admitir que errou, por isso joga tudo encima de mim. Então apenas admita o seu erro e conviva com isto.

Katniss termina de falar e tanto eu quanto Natalie nos mantemos imóveis. Katniss ainda mantém a faca encostada no queixo dela e Natalie me lança um olhar de socorro.

Aproximo devagar de Katniss e passo um braço pela cintura dela, caso ela queira pular encima da própria mãe. Escorrego a outra mão pelo seu braço esticado e pego a faca.

— Katniss... Me dê a faca. – sussurro em seu ouvido. Ela relaxa o braço e solta a faca, me deixando pegá-la.

Ela dá alguns passos para trás quando eu a solto, se vira e sai da cozinha logo em seguida. Ouço o barulho de uma porta abrindo e fechando. Ela deve ter saído de casa, provavelmente.

Suspirei enquanto Natalie continuava petrificada no lugar, com os olhos arregalados.

Usei a faca que Katniss acabou de usar para ameaçar a mãe e corto duas fatias de pães.

— Eu... – Natalie fraqueja – Eu... Não... O que aconteceu?

— Ela simplesmente cansou. – retruquei sem encará-la, concentrado no pão que estava cortando.

— Cansou?

— Cansou de ser seu saco de pancadas. – resmunguei passando geleia nas duas fatias de pães.

— O quê?

Larguei a faca na mesa. Ela era idiota ou estaria se fazendo de idiota? Porque há uma grande diferença entre as duas hipóteses.

Olhei para ela, que continuava tentando processar o que aconteceu e o que eu falava.

— Sabe, se você tentasse, apenas tentasse entendê-la uma única vez... Mas acho que Katniss está certa. Você é estupidamente cega para entendê-la. Mas ela não é. E ela sabe que você está apenas descontando tudo nela. Por isso que ela aguentou tudo isto durante estes malditos cinco anos que se passaram. Mas sabe? Quando uma ferida é cutucada o tempo todo, ela sangra, ela cria pus, ela infecciona, ela não cicatriza. E é exatamente isto que você está fazendo com a Katniss. Você está cutucando a ferida mais dolorida dela, não deixando cicatrizar. Achando que, apenas assim, vai cicatrizar a sua própria ferida. Infelizmente, o mundo não funciona da forma que imaginamos ser. Infelizmente, a ferida de vocês duas não vão cicatrizar tão cedo, ainda mais com você cutucando as feridas todos os dias.

— Eu não cutuco...

— Cutuca sim. – a corto de imediato – Meu Deus! Estou aqui há apenas três dias e estou levantando as mãos pro céu e agradecendo por não ser Katniss e ter uma mãe como você. Nestes três dias, não vi você tratar Katniss como se fosse sua filha. Você a trata como se fosse uma ameaça, uma invasão na sua vida. E se você apenas parasse e observasse ela por cinco segundos, notaria, assim como eu notei, que ela é uma garota incrível. E vocês passariam por isto juntas. E tudo seria mais fácil. Mas você deve ser masoquista ou algo do tipo, porque está escolhendo o pior jeito de passar por isto. Sabe, eu perdi a minha família inteira nas últimas férias. Todos! Meu pai, minha mãe, meus irmãos. E eu sei como é horrível passar por algo assim. Mas colocar todo o seu peso encima da Katniss não é justo. Ela não suporta. Ela não suporta, porque já tem o próprio peso para carregar. – eu termino pegando as fatias de pães e colocando encima das xícaras que ficaram sobre a mesa. Logo após, peguei as xícaras.

— Eu sinto muito por sua família. – Natalie diz.

— Não... Eu que sinto muito. Sinto muito por você estar colocando sua filha no lixo. – falo saindo da cozinha.

Não sei de onde saiu tudo aquilo. Não sei como criei coragem de abrir a boca e falar tudo aquilo. Apenas falei. Falei o que Natalie não conseguiu ver em cinco anos, mas que eu vi em apenas três dias. Talvez eu me arrependa mais tarde de minhas próprias palavras, mas agora, só espero que ela compreenda quão ridícula ela está sendo ao tentar humilhar Katniss.

Caminho em direção de onde ouvi a porta bater. Dou um jeito de abri-la com o cotovelo e saio, vendo Katniss sentada nos degraus da sacada. Sento ao lado dela e estendo a xícara com a fatia de pão encima. Ela me olha enquanto pega a xícara. Ela mostra um fraco sorriso enquanto uma lágrima escapa de seus olhos.

— Obrigada. – ela sussurra.

Eu retribuo com um pequeno sorriso. Olho ao redor, estamos na sacada que possui atrás da casa. A neve cobre praticamente tudo, colorindo o inverno com sua cor predominante: o branco. Não faz um frio tão ruim hoje.

Katniss encosta a cabeça em meu ombro e eu encosto minha cabeça sobre a dela.

— Um dia isto vai passar. – a consolo.

Ela solta uma breve risada.

— Tudo passa... Tudo muda... Se passou cinco anos e, por enquanto, nada passou... Nada mudou... Estou começando a perder as esperanças.

— Não perca. – eu afirmo rápido. Ela desencosta a cabeça do meu ombro e me encara – É apenas o começo. Temos dezessete anos. dezessete anos. Temos tanto ainda a fazer. Tanto a viver. Já parou pra pensar nisto? Esta casa é apenas uma casa de passagem. Um dia você terá a sua própria. Sem ter a sua mãe por perto. Tudo aqui é passageiro. Agora temos a escola, depois a faculdade, emprego, uma vida inteira... – eu falo empolgado com as possibilidades, eu abaixo um pouco a voz – Só não se deixe abalar pelo que está acontecendo agora. Porque não vai durar para sempre.

— Você acredita em suas próprias palavras? – ela indaga.

— Em cada uma delas.

Ela se aproxima, encostando a testa dela na minha e fecha os olhos.

— Você acha que eu tenho alguma chance de entrar na universidade de Stanford? – ela pergunta baixo.

— Não. – eu respondo e ela se afasta me olhando – Você tem todas as chances de entrar em Stanford. É só se dedicar.

— Eu me dedico. Eu juro, mas...

— Então se dedique mais.

— Não dá. Só tenho derrotas como resultados.

— É colecionando derrotas que conseguimos alguma vitória. Se você desistir, aí sim não vai ter chance alguma de entrar em Stanford nem em nenhuma outra universidade. O que pretende fazer em Stanford?

— Não sei bem ainda. Eu queria achar alguma profissão que trabalhasse com crianças. Eu amo crianças. Sempre me visualizei em Stanford, mas nunca achei que conseguiria entrar lá.

— É claro que consegue, afinal, você é Katniss Everdeen. Katniss Everdeen consegue tudo.

Ela ri de verdade. Eu fico feliz ao vê-la com um sorriso sincero no rosto.

— Nem tudo. – ela discorda. – E você? Em que faculdade se visualiza?

— Não sei bem. Não tenho uma específica em mente.

— Sério? Bem, você também tem inúmeras opções. Com seu histórico escolar, não vai precisar nem fazer a prova de admissão.

— Como se isto fosse possível.

Katniss suspira olhando para frente.

— Que tal fazer um boneco de neve? – ela pergunta.

— Um o quê? Boneco de neve? Eu nunca fiz um.

— Não? Então vamos. Eu ensino. – ela levanta me puxando pela mão.

Eu levanto e caminhamos pela neve ela para e ajunta um punhado de neve, fazendo uma bola.

— Como se faz isto, professora? – eu brinco.

— Primeiro, a gente faz uma bola e rola ela na neve até ela ficar bem grande. – ela me estende a bola que fez – Faz com esta que eu faço outra bola.

Rolei a bola na neve, vendo ela crescer e ficar maior. Katniss fez uma outra e fomos fazendo as partes de nosso boneco de neve. Depois, juntamos as três bolas feitas de neve, uma sobre a outra e grudamos tudo com mais neve.

— Até que é divertido. – admito. – Ele vai ficar sem rosto?

— Vai. O Boneco de Neve Inexpressivo. – ela fala.

Eu acabo rindo.

Imagino que nossa vida seja assim. Feitas por partes. Começamos pequenos, como uma pequena bola de neve, depois vamos crescendo, ficamos maiores. As outras partes também são importantes. Nós somos como os bonecos de neve. A base, a bola de neve maior, são nossas famílias. Onde tudo começa. Afinal, é com nossa família que criamos uma identidade, aprendemos quem devemos ser. A bola de neve média, são nossos amigos. As pessoas com quem aprendemos a viver no mundo. Que nos ensinam a fugir da escola no primeiro dia de aula, apenas para comer pizza em um parque. A bola de neve menor, que fica no topo. Não é a menos importante, aliás, muitas vezes é a mais importante. É nossa própria família. Uma que nós mesmos criamos ao longo do tempo. Quando nos apaixonamos por alguém e descobrimos que ele ou ela é a pessoa certa. A pessoa com quem queremos passar o resto de nossas vidas. Todas estas partes juntas formam a gente. Formam vários bonecos de neve por todo o mundo.

Ou talvez não. Talvez seja o frio que aumentou do nada, fazendo com que congelasse meus miolos a ponto de comparar os seres humanos com bonecos de neve. Mas, creio que ao menos um pouco da minha ideia seja verdadeira. Ao menos uma pequena parte. Pois, da mesma forma que os bonecos de neve chegam ao fim quando chega o verão. Da mesma forma nos chegamos ao fim quando ficamos velhos. Derretemos ao passar dos anos.

— Podemos entrar? Está ficando frio aqui. – peço observando o Boneco de Neve Inexpressivo.

— Concordo. Vamos. – Katniss se vira voltando para a sacada.

Pegamos nossas xícaras e entramos. Largamos elas na pia.

— Você precisa estudar pra Química. – observo.

— Quer me ajudar agora?

— Pode ser. Você é meio lerda para entender as coisas. – falo com um sorriso irônico e ganho um tapa no braço.

— Cala a boca. Eu não sou lerda. – Katniss reclama sorrindo também.

Subimos para o quarto dela e gastamos um bom tempo estudando Química. Ela estava entendendo a matéria bem rápido.

— O que é uma ligação covalente então? – pergunto pela milésima vez.

— De novo? – eu a olho esperando a resposta. Ela revira os olhos antes de responder – Ligação covalente é uma ligação química caracterizada pelo compartilhamento de um ou mais pares de elétrons entre átomos, causando uma atração mútua entre eles, que mantêm a molécula resultante unida.

— Muito bom, um passo mais perto de Stanford.

Ela puxa um pequeno relógio que havia encima da mesa de estudos e exclama:

— Três horas estudando Química! Novo recorde mundial. – ela larga o relógio, olhando para mim – Podemos dar uma pausa agora, né?

Ela apoia um dos joelhos na minha cadeira, entre minhas pernas e se aproxima de mim.

— Se você não esquecer o que é uma ligação covalente. – eu tento brincar, mas com Katniss tão próxima minha voz sai baixa demais.

Ela sorri me dando um beijo.

— Uma ligação química... – ela me dá um rápido beijo – Caracterizada pelo... – mais um beijo – Compartilhamento de um ou mais pares... – beijo de novo – De elétrons entre átomos... – beijo... – Causando uma atração mútua entre eles...

— Que mantêm a molécula unida. – terminei rapidamente, embolando as palavras e a puxei para outro beijo, porém mais profundo. Mas as batidas nas portas na porta nos assustaram, fazendo Katniss pular da minha cadeira e sentar na dela rapidamente. No endireitamos e peguei o lápis apontando algo no caderno, enquanto ouvia a porta abrir – Então, a molécula de água...

— Crianças? – chama Frank parando dentro do quarto.

— Vô? – responde Katniss.

— O que estão fazendo?

— Nada demais. Apenas estudando Química.

— Certo. O almoço está pronto. Só vim avisar vocês.

— Ok. Vamos descer. – diz Katniss com um sorriso.

Guardamos os cadernos e descemos. O almoço era uma simples omelete. Mas omeletes me traziam algumas lembranças de casa. Minha mãe sempre fazia omeletes deliciosas. E quando meu pai tentava fazer, queimava tudo. Frank comeu na sala na frente da televisão. Não vi Natalie entrar na cozinha, muito menos sair. Katniss e eu comemos na cozinha.

Subimos depois de lavar nossa louça e assistimos alguns vídeos na internet para passar o tempo.

— Que gente idiota. – eu rio dos vídeos.

— Vamos dar uma volta? – pergunta Katniss.

— Pra onde? – pergunto.

— Sei lá. Só caminhar um pouco. Não gosto de ficar muito tempo aqui.

— Tudo bem.

Nos arrumamos e descemos.

— Vô, Peeta e eu vamos dar uma caminhada. – ela avisa.

— Ok... Espera, espera, espera! Estava me esquecendo de uma coisa. Quem lhe deu autorização de esvaziar minha garrafa de vinho?

Katniss rapidamente mudou sua cara neutra, para algo como culpada.

— Me desculpa. Eu não deveria ter feito isto. – Katniss fala olhando para o chão.

— Tudo bem. Pode ir. – Frank afirma, voltando a atenção para a televisão.

Saímos de casa e eu não pude conter a pergunta:

— É sério? Ele perdoou você tão fácil assim? Você bebeu a garrafa inteira de vinho.

Katniss dá de ombros.

— Ele me dá um desconto. Por causa da minha mãe. – ela explica sem olhar para mim.

Caminhamos algumas quadras em silêncio. Até chegarmos em um parquinho coberto pela neve. Katniss e eu caminhamos até os balanços e os sacudimos para remover a neve acumulada. Nos sentamos neles. Katniss movimentou os pés de leve, trazendo o balanço para frente e para trás.

— Ben costumava me trazer aqui pouco depois de Prim nascer. Só eu e ele. – Katniss falou olhando para algo a sua frente. – No caminho para cá, ele dizia que eu era sua princesa e que ele era meu nobre guarda. Ele dizia que me protegeria contra tudo e todos até chegarmos em segurança ao parquinho. Eu lembro de ele me empurrar no balanço enquanto eu ria e pedia para ir cada vez mais alto, pois eu queria chegar ao céu e alcançar as nuvens. – ela olha para o céu, com um sorriso nostálgico e depois volta a olhar para frente – Eu sempre tive consciência de que Ben não era meu pai, mas naqueles momentos eu esquecia disto. Eu esquecia de Prim, da minha mãe, do meu avô e de todos. Porque naqueles momentos era só ele e eu que existíamos. Eu lembro dele me pegar no colo e me jogar para cima. Ele prometia que nunca me deixaria cair, e eu confiava nele.

— Porque ele era seu pai. – sussurro, conseguindo entendê-la.

— Exatamente. Ele era meu pai de uma forma ou de outra. Ele dizia que me amava, que eu era a garota mais linda que o Planeta Terra já pode ter o prazer de ter. Ele me prometeu... Prometeu pra mim! Prometeu que nos dois seríamos eternos. E que eu sempre seria sua querida filha, não importava o que acontecesse. Depois de alguns anos, passamos a trazer Prim e mamãe junto, mas ele continuou com as mesmas promessas, mas desta vez ditas a nós duas. E nós acreditávamos em cada palavra dele. Porque ele era nosso pai. A gente amava ele. Confiava nele. E é por isso... Por isso que eu... Não consigo...

— Entender. – completo.

— Isso. Ele praticamente nos traiu. Traiu as promessas. Traiu as próprias palavras. E é por isso que eu o odeio. Porque ele mentiu para nós. Ele mentiu sem se importar em como ficaríamos. Bem, quando eu era pequena e era xingada por ele ou pela mamãe, eu costumava me esconder dentro do armário e chorava lá. Não porque tivesse vergonha de chorar na frente deles. Mas simplesmente porque o armário era meu refúgio. O meu lugar seguro. Depois que tudo aconteceu, e minha mãe começou a descontar tudo em mim, eu fugia de casa e vinha para cá. Mas não chorava, apenas deixava todas aquelas lembranças me invadirem e me forçava a acreditar que eu ainda tinha aquela vida. Ficava aqui até meu avô me buscar.

— O parquinho se tornou no seu lugar seguro. – afirmo.

— Sim. Ben nem sempre foi um homem ruim, ele apenas acabou saindo dos trilhos. Quer dizer, somos seres humanos e cometemos erros, mas mesmo assim... Eu não consigo mais fazer isto... Eu simplesmente o odeio agora e talvez o odeie para sempre.

Ficamos em silêncio enquanto nos balançávamos lentamente, ouvindo o ranger das correntes dos balanços.

— Por que está me contando isto? – corto o silêncio.

— Não sei. Apenas falei, cansei de guardar tudo para mim mesma. – Katniss afirma olhando para mim.

Foi neste momento, quando nosso olhar se cruzou eu notei o quanto isto a abalava. Ela já pode ter chorado na minha frente, pode ter tido crises e tudo o mais. Mas nunca vi este olhar. A máscara de Katniss caiu por completo com aquele olhar, deixando transparecer cada sentimento que ela possuía. Havia angústia, havia mágoa, havia tanta coisa misturada nela que passei alguns minutos apenas a encarando, tentando desvendar cada um daqueles sentimentos. Um por um. Me levantei e a puxei pelo braço, a envolvendo em meus braços.

— Tudo bem. – não sei bem se falei isto para ela ou para mim mesmo.

— Acho que agora você é meu lugar seguro. Ou ao menos seus braços são. – ela fala com a voz abafada e um tanto embargada. – Ao menos agora...

A apertei mais em meus braços e não falamos mais nada, apenas ficamos ali, transportando o calor um do outro. Ela se afastou lentamente, enxugando algumas lágrimas com a luva que envolvia sua mão.

— Vai ficar tudo bem. – assegurei mais uma vez.

— Claro que vai. – concordou Katniss – Afinal, não vai durar para sempre. – ela repetiu o que eu havia falado mais cedo.

— Não vai mesmo.

Mais cinco dias se passaram. Katniss e eu não fizemos muita coisa. Fomos ao parquinho mais vezes e passamos horas conversando sobre o futuro. Como seria nossas vidas daqui a alguns anos.

Mas hoje, ela disse que não iríamos ao parquinho. Caminhamos pela rua silenciosamente, os únicos barulhos eram dos nossos sapatos pisoteando a neve. Passamos direto pelo parquinho e andamos mais algumas ruas. Katniss parou em uma floricultura e comprou algumas margaridas. Voltamos a andar. Katniss cheirou as flores com um pequeno sorriso.

— Ela adorava margaridas. – comenta ela.

Mas seu comentário parece mais ser um lembrete dado a si mesma do que algo dito a mim.

— Quem adorava margaridas? – pergunto mesmo assim.

Katniss não respondeu, se limitou a me dar um singelo sorriso. E assim continuamos a caminhar. Até ela parar.

Vi no canto direito, um pilar de tijolos, descoberto pela neve. Alguém deve limpá-lo todos os dias, para estar sem neve. Grudado ao pilar, havia uma placa, onde se podia ler: “Union Cemetery”. Mais atrás pude ver várias lápides.

Estamos em um cemitério. E a única possível pessoa que Katniss viria ver aqui seria sua irmã. Olhei para ela, sem ter notado que ela estava a espera da minha reação. Ela me olhava, esperando que eu dissesse algo, porém continuei apenas a encarando de volta.

— Eu sempre venho vê-la no último dia do ano. – ela finalmente fala ao notar que eu não diria nada.

— E por que me trouxe junto? – era isto que eu queria saber.

— Porque eu não queria vir sozinha. Minha mãe não é uma opção. Frank sempre acaba chorando ao vir aqui, o que me faz chorar junto. Sobrou você. Alguém que não é familiarizado o suficiente para chorar, mas sabe o bastante para entender.

— Eu não sei, Katniss. Quer dizer, é a sua irmã...

—Por favor…. Eu não demoro muito. Por favor, Peeta.

Suspirei e assenti com um aceno de cabeça.

— Tudo bem.

Se ela precisava de mim para ver a lápide da irmã dela, então eu iria.

Passamos por algumas lápides, e finalmente parecemos ter chegado a certa. Katniss se ajoelha próxima a lápide e larga as flores que trouxe. Eu fico de pé um pouco mais atrás. Servindo apenas de companhia e telespectador.

— Ei, Prim. – ela diz – Estou aqui novamente. Este aqui atrás é Peeta, ele é um cara bem legal. Sei que é meio idiota falar com você aqui, sendo que você não está mais realmente aqui. Você deve estar aonde agora? Não importa, tenho certeza que pode me ver, não é? Mamãe está muito chata este ano, mas não posso culpá-la. Vovô Frank continua na mesma, achando que eu não sei que ele se tranca no quarto às vezes para chorar. Mas eu não me importo mais. Afinal, quem liga? Não posso me perder na tristeza de ter perdido você para sempre, tenho uma vida ainda. Eu prometo que vou vivê-la duplamente: por mim e por você. Bem, Prim, é melhor eu ir. Até ano que vem, irmãzinha. – ela se levanta e vira para mim – Vamos?

Me contenho a dar apenas um aceno de cabeça em resposta.

— Então você sempre há vê no último dia do ano? – pergunto enquanto fazemos a caminhada de volta para casa.

— Sim, eu meio que prometi isto a ela.

Voltamos para casa, esperando meia-noite chegar para nos abraçarmos e dizermos a famosa frase: “Feliz Ano-Novo”. Natalie se manteve calada e distante de nós durante o resto dos outros dias. Inclusive hoje. Nós ajudamos ela a preparar o jantar de Ano-Novo. Mas quando fazíamos alguma pergunta, ela respondia com monossílabos: “Sim”, “Não”, “Talvez”….

Talvez eu não devesse ter falado tudo àquilo para ela. Mas eu simplesmente não suportei mais ver Katniss sendo tratada daquele jeito.

Meia-noite chegou e troquemos abraços e felicitações. Natalie se manteve afastada, mas eu fui até ela abraçá-la. Liguei para meu tio mais tarde, lhe desejando um feliz ano-novo. Ele retribuiu, dizendo que este ano, viesse tudo do bom e do melhor para mim.

Se ele soubesse que eu já tenho isto…. Mas é uma pena que não durará para sempre. Algum dia terei que dar adeus a Katniss, e quero fazer o máximo possível para evitar este momento.


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Notas finais do capítulo

Contagem regressiva para o fim da fanfic: 5 capítulos!
Mereço comentários? :(
Espero que tenham gostado. Beijocas da Tia Rafú pra vocês.;)



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