Warming My Heart. escrita por Sunny Bunny


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Weeeeeell, por essa você não esperava, huh? ajdhasljkfhkajsh

Mysa, feliz Natal atrasado, espero que você goste desse presente simplório, mas que foi feito com muito amor e carinho ♥

Boa leitura :3

Leia as notas finais!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/668135/chapter/1

“Que beleza pode haver na vida, se não há morte? Qual o valor dos passos se não houver um destino final? Há beleza na chama quando ela não queima vívida? Por favor, não se esqueça de mim quando me for; por favor, mantenha-me viva em sua memória.”

Sasuke colocou o último ponto – o ponto final em seu sentido mais literal – e suspirou, flexionando os dedos e movendo a cabeça em círculos para aliviar a tensão dos músculos de seu pescoço. Finalmente, o seu mais recente projeto estava pronto.

Olhou para o relógio e percebeu que passara as últimas cinco horas naquela coffee house, a qual sempre frequentava por causa do café extra forte e por que ficava perto de casa, mas, ainda assim, longe o suficiente.

Apenas então verificou a conexão de seu notebook com a rede de internet do lugar e percebeu que não havia nada com que se conectar. Franziu o cenho e chamou a garçonete.

- O que houve com a internet? – perguntou rudemente assim que a jovem aproximou-se o suficiente. Àquelas horas do dia 25 de dezembro apenas ele encontrava-se no estabelecimento, mas como estava ali quase todos os dias, a garçonete apenas suspirou e explicou-lhe que, por conta da forte nevasca da madrugada anterior a rede não estava funcionando.

Sasuke bufou impaciente. Queria enviar imediatamente os últimos capítulos para seu editor, mas pelos vistos teria que esperar até que chegasse em casa, algo que não estava nada inclinado a fazer.

Pediu outro café e salvou seu arquivo de texto, os olhos focando-se em algo além da tela do notebook pela primeira vez em horas ao mirarem o cenário esbranquiçado do lado de fora da vidraça muito limpa, mas embaçada pelo vapor.

Nevara ao longo de toda a madrugada, uma verdadeira tempestade, e Sasuke a passara ali, mal percebendo que o mundo praticamente acabava do lado de fora. Mas não fazia diferença; seu mundo já havia acabado, de qualquer maneira.

Desligou seu notebook e guardou-o em sua maleta, assim como a fonte de alimentação. Acendeu um cigarro, tragou e exalou. Tomou um gole do café recém-chegado e seu corpo cansado agradeceu a dose extra de cafeína. Pegou seu celular na esperança de haver alguma chamada perdida, mas seu irmão Itachi não dera qualquer sinal de vida, como sempre.

Desde que seus pais haviam falecido anos antes, Itachi começara a viajar como se buscasse em qualquer parte distante do mundo algo para preencher o vazio dentro de si. Quanto mais o tempo passava, menos ele voltava para casa e, quando o fazia, parecia mais vazio do que quando saíra pela última vez.

Por fim, cansado da solidão, Sasuke dedicou-se a algo que acabou por tornar-se sua profissão: escrever como louco.

Estava com 23 anos agora e já publicara 12 livros. Começara com 17 anos e, repentinamente, havia alcançado o primeiro lugar de mais vendido no Times. Nem sequer pensara sobre parar depois daquilo.

Quando escrevia, as dores eram de outras pessoas. Quando parava, era sua dor. Preferia sentir dores que não eram suas.

Tudo começara mais como loucura de adolescente do que verdadeiro desejo. Enviara seu manuscrito para uma editora e já estava há seis anos publicando com a mesma equipe.

Suspirou e começou a formular uma mensagem para seu irmão mais velho. Passara vários minutos digitando e apagando, insatisfeito com o que escrevia. Quando se tratava dos sentimentos de suas personagens, as palavras fluíam tão facilmente. Quando se tratava de seus próprios sentimentos, seus dedos pareciam feitos de madeira.

“Feliz Natal.”

Suspirou novamente, infeliz.

Natal...

Aquela data perdera todo o significado quando seus pais haviam deixado esse mundo.

Costumavam fazer tantas coisas juntos... Compravam os presentes, embrulhavam-nos e os colocavam sob a árvore de Natal, a qual seus pais permitiam que Itachi e Sasuke decorassem todos os anos. Sua mãe fazia as delícias natalinas e seu pai acendia a lareira. Era uma data de nevascas muito brancas e frias, mas de calor aconchegante também.

Agora, por mais quente que fosse o fogo que crepitava na lareira, Sasuke ainda se sentia frio por dentro, congelado no tempo.

Enfiou o celular no bolso adjacente da maleta, apagou seu cigarro e finalizou seu café. Deixou alguns dólares sobre a mesa, pegou sua maleta, vestiu seu casaco e saiu para o frio nova-iorquino sem realmente pretender ir para casa. Mais algumas quadras adiante e estaria lá, mas não queria chegar.

Sua respiração formava nuvens de vapor diante de seu rosto e suas mãos estavam congelando. Percebeu que não poderia ficar na rua por muito tempo, então começou lentamente seu trajeto em direção ao seu mais novo apartamento.

Itachi vendera a casa que pertencera aos seus pais logo após o falecimento destes e comprou um apartamento que era suposto que os dois dividissem, mas ele nunca morara lá de fato, então Sasuke o vendera e comprara outro. Caso Itachi quisesse sua metade, dinheiro não seria o problema.

No tempo de um batimento cardíaco, Sasuke foi bruscamente retirado de seus pensamentos quando sua maleta foi arrancada de suas mãos por um vulto maltrapilho de cabelos loiros e pés descalços muito rápidos.

Demorou um instante para processar o acontecido, mas quando percebeu que todos os seus pertences estavam lá, um tipo de raiva misturada com incredulidade cresceu em seu peito e disparou no encalço da criança que o assaltara.

Dobrou esquinas, adentrou becos e saiu destes. Atravessou sinais abertos, pulou cachorros, latas de lixo e o que mais o acaso ou a criança colocassem em seu caminho, até que perdeu-a de vista.

O frio havia sido sacudido de seu ossos, mas era um fumante sedentário que encontrava-se arfante, quase engulhando devido ao esforço físico. A criança o fizera correr tanto que encontrava-se em uma vizinhança completamente desconhecida. Observou ao redor e decidiu que também não parecia nada amistosa.

Caçambas de lixo transbordantes inundavam as calçadas, gatos de rua magricelas e crianças de olhos e bochechas encovados observavam com cautela o recém-chegado bem vestido com cara de quem queria ser assaltado.

Sasuke suspirou e passou uma mão pelos cabelos, jogando-os para trás. Em que tipo de merda se enfiara?

Olhou para todos os lados casualmente, buscando algum vislumbre da criança de cabelos loiros que levara seu bens. De fato, a perdera de suas vistas, então enfiou as mãos nos bolsos, fez sua pior expressão facial e entrou no beco mais próximo.

Talvez estivesse caminhando para a morte. Talvez essa fosse a melhor hipótese na qual pensara em todos aqueles anos.

Observando todos os cantos de esguelha, Sasuke percebeu que havia muitos livros nas mãos das crianças, o que achou atípico ao esperado de crianças de rua. Elas seguravam os livros com força, como se fossem seus bens mais preciosos.

Casas improvisadas feitas com caixas de papelão, que derreteriam com a neve, encontravam-se espalhadas por todos os lados. Algo apertou no peito de Sasuke. Ele tinha tanto dinheiro e tão pouca felicidade. Imaginou que, para aquelas crianças, sua conta bancária significaria uma mudança extraordinária.

- Ei! – o grito ecoou pelas paredes do beco e sobressaltou Sasuke, seus mais primitivos reflexos obrigando-o a virar-se na direção da voz. E ali estava a criança loira. – Vá embora!

Sasuke não estava exatamente acostumado com pessoas gritando com ele ou expulsando-o de qualquer lugar. Sentiu uma vontade estranha de sorrir.

Quem lhe enfrentava era um garoto com 12, talvez 13 anos, maltrapilho e sujo, os pés descalços, as roupas nada além de farrapos que mal cobriam seus braços e pernas. Apesar disso, seus olhos muitos azuis eram brilhantes, desafiadores, como se Sasuke sequer representasse uma ameaça. De fato, não o era, mas aquela criança não precisava saber daquilo.

- Irei com todo o prazer assim que você me devolver o que me pertence. – Sasuke respondeu calmamente, dando alguns passos na direção do garoto, mas este não recuou. Seus punhos estavam cerrados e o brilho em seus olhos intensificava-se.

- A única coisa que te pertence aqui é um chute nas bolas, almofadinha bastardo! – a criança petulante lhe mostrou o dedo médio, sua voz ainda mais alta, se é que isto era possível. Mais um pouco e todo o estado poderia ouvi-lo.

Sasuke coçou a cabeça e franziu os lábios. Não perderia seu tempo discutindo com uma criança, mas também não queria ligar para a polícia. Até mesmo ele, que crescera como parte da sociedade média-alta sabia o que policiais faziam com crianças de rua.

- Você pode ficar com o dinheiro e a maleta, mas preciso do meu notebook, do meu celular e da minha carteira. Não tenho tempo de correr atrás de novos documentos e meus celular e notebook são minhas ferramentas de trabalho. – Sasuke tentou negociar. Aquele garoto conseguiria ao menos uns duzentos dólares com a maleta, e, mais os trocados da carteira, provavelmente teria quase trezentos dólares se aceitasse a negociação. Então Sasuke sentiu vontade de rir de si mesmo. Por que diabos ele aceitaria a barganha se poderia ficar com tudo ao disparar em corrida para outro lugar?

- Em que você trabalha? – o garoto perguntou, mirando Sasuke da cabeça aos pés com visível desconfiança. Se ele não estava gritando novamente, Sasuke poderia considerar aquilo um bom sinal?

- Eu sou escritor. – Sasuke respondeu pacientemente, algo que não era de seu feitio. Estava falando mais com aquele garoto do que falara no mês inteiro juntando todos os seus diálogos.

- Que tipo de escritor? – uma criança perguntou, mas Sasuke não sabia dizer quem poderia ter sido. Olhou ao redor, mas todas as crianças continuavam nas mesmas posições adotadas inicialmente. Era quase como se fizessem parte da paisagem e isso, com certeza, era uma das coisas mais tristes que Sasuke já vira em sua vida. E Sasuke vira muitas coisas tristes.

- Eu escrevo livros. – Sasuke olhou ao redor com um sobrancelha arqueada, ainda se perguntando quem falara. – Um deles está no meu notebook e preciso enviar para o meu editor.

- Eu conheço um monte de escritores. Eu leio bastante. Me diga seu nome. – o garoto loiro pediu, a postura ainda tensa.

- Sou Sasuke Uchiha. – o beco parecia ter prendido a respiração à simples menção de seu nome e Sasuke sentiu vontade de sorrir novamente ao observar a expressão de espanto petrificada no rosto do garoto loiro. Talvez ele realmente lesse muito, afinal.

- Mas é claro que não pode ser... – a criança balbuciou, mas seus olhos brilhavam ao analisar Sasuke com um respeito recém-descoberto desta vez.

- Mas sou eu. – Sasuke deu de ombros, caminhando alguns passos mais em direção ao garoto. Não sabia nem mesmo por que ainda estava conversando, mas ali, rodeado por todas aquelas crianças que, há um momento pareciam tão vazias de esperança quanto ele e agora o miravam com respeito de admiração, algo novo estava nascendo no coração de Sasuke. Empatia, talvez, ou algo perigosamente mais intenso.

- Então faça uma citação do sexto capítulo de Correndo Com Lobos. – o garoto de olhos azuis o desafiou, mas o brilho em seus olhos era mais ansioso do que desconfiado.

- “Talvez doesse por que eu amava. Talvez eu amasse por que doía. Fosse qual fosse a razão, não poderia me parar, não poderia deixar de apreciar aquele sentimento que crescia como erva daninha e espalhava-se em minha alma. Era loucura, eu bem sabia, mas meus olhos sempre buscavam os dele enquanto eu observava a multidão. Eu tinha um mundo aos meus pés, mas apenas uma pessoa em meu coração.” – Sasuke recitou sem ao menos pestanejar. Era uma de suas passagens favoritas de Correndo Com Lobos, seu terceiro livro a ser lançado. Tratava-se da história de vida de um homem rico que, em certa altura, apaixonara-se por um jovem pobre, mas com uma existência muito poética. Não era o tipo de livro que crianças deveriam ler. – Eu gosto muito deste livro como um todo, mas não acho que crianças como vocês deveriam estar lendo esse tipo de coisa.

- Então você é mesmo Sasuke Uchiha! – o garoto loiro fechou as mãos em frente ao corpo, sacudindo os punhos com entusiasmo, os olhos azuis brilhando ao mirar Sasuke da cabeça aos pés. Sasuke não sabia muito bem como portar-se diante daquela situação. Como alguém que vivia uma vida tão feia poderia ter olhos que refletiam tanta beleza? – Bem, você se parece mesmo com as fotografias. E o que quer dizer? Por que não deveríamos ler esse tipo de “coisa”?

- Você sabe... Romance gay adulto e os tipos de coisas que eu escrevo em geral. – Sasuke deu de ombros, mas sentiu-se tolo por pronunciar as palavras assim que o fez. O garoto loiro deu voz à seus pensamentos.

- Morar nas ruas, comer o que comemos, dormir onde dormimos, ver as coisas que vemos... Acho que isso também não são coisas para crianças, mas aqui estamos nós. – a criança deu de ombros, os olhos desviando-se de Sasuke. O Uchiha conhecia aquele tipo de olhar: dor disfarçada.

- Me desculpe. – Sasuke sussurrou. Sabia que não era sua culpa que todas aquelas crianças estivessem naquela situação, mas sentiu-se culpado da mesma forma. Não era justo. Não era humano.

- Nah, não se importe com isso. – a criança deu de ombros novamente, mas dessa vez seus movimentos pareciam mais forçados. Seus olhos miravam o chão sujo com falso interesse e seus braços estavam cruzados com força em frente ao pequeno corpo. – Não é como se fosse você quem nos jogou fora como um brinquedo quebrado.

Repentinamente, o fato de Sasuke ser muito popular entre aquelas crianças de rua que eram leitoras assíduas não tinha qualquer significado. Um silêncio duro e frio prolongou-se e Sasuke percebeu que nenhuma das crianças olhava diretamente para ninguém, todas perdidas em seus próprios pensamentos dolorosos.

Sasuke, por sua vez, estava absorto pelo diálogo que se desenrolava em sua mente.

“Não é justo!”, sua mente sussurrou, obstinada, como se o fato de dizer aquilo pudesse mudar a realidade.

“A vida não é justa...”, sua própria mente respondeu, melancólica.

Estava muito acostumado a debater mentalmente sobre os mais variados assuntos. Odiava as pessoas e quão estúpidas elas poderiam ser, então preferia falar consigo mesmo.

Entretanto, aquele não era um tópico ao qual estava habituado. Geralmente, os pensamentos que lhe atormentavam eram sobre seus próprios problemas, suas próprias dores. Não se lembrava de jamais ter se preocupado sobre outras pessoas como fazia a respeito daquelas crianças.

Talvez, às suas próprias maneiras, aquelas crianças fossem semelhantes a ele: largadas por si só no mundo, sem esperança, sem amor, sem o calor humano de um abraço repleto de amor.

Porém, diferente daquelas crianças, Sasuke conhecera o amor. Lembrava-se com detalhes do sorriso de sua mãe, acolhedor, gentil, compreensivo; os olhos de seu pai, negros e duros, mas brilhavam de orgulho quando Sasuke lhe mostrava seu boletim ou dizia ter recebido elogios de seus professores, honrarias na escola ou um papel de destaque em alguma atividade em equipe.

Perguntou-se como seria não ter nada de bom a que se apegar, nenhuma lembrança aconchegante do passado, nenhum momento de amor e carinho vindo de alguém importante.

Sasuke percebeu que estava sentindo dor empática pela primeira vez em sua vida e isto dava-se por conta de uma criança que sequer conhecia, uma criança que lhe assaltara e o arrastara em plena manhã de Natal para aquele lugar sujo e inóspito.

Mirou a criança loira mais uma vez. O garoto estava imundo, com uma camiseta fina esburacada e calças que eram vários números menores que o seu, quase deixando seus joelhos à mostra. Seu cabelo estava bagunçado e opaco, mas Sasuke poderia apostar que possuía um brilho mais forte que o do próprio Sol. Seus pés estavam descalços e suas unhas eram mal cuidadas. Mas apenas então Sasuke reparou nas marcas simétricas em ambas as bochechas do garoto: seis riscos profundos na pele e, mesmo sob a sujeira e à distância, Sasuke podia dizer que eram cicatrizes de ferimentos profundos e antigos, as cicatrizes aparecendo esbranquiçadas e lívidas na pele bronzeada.

- Hey. – Sasuke chamou, caminhando mais alguns passos na direção do garoto, que sobressaltou-se quando foi chamado. Talvez estivesse tão imerso em seus pensamentos que houvesse momentaneamente se esquecido de que Sasuke ainda estava ali, os orbes muito azuis mirando a figura alta do Uchiha. – Qual é o seu nome?

- Naruto. – o menino respondeu olhando diretamente dentro dos olhos ônix de Sasuke. Naquele simples gesto, o homem foi totalmente cativado pela transparência de alma do garoto, que agora tinha um nome. Sasuke sentiu-se aquecido por dentro, como se finalmente seu coração houvesse voltado a bater, como se o tempo houvesse retomado seu curso, como se seu frio interior começasse a desaparecer aos poucos.

- Naruto... – Sasuke saboreou o nome na ponta de sua língua, como se houvesse descoberto um novo sabor intrigante, cativante.

Em um lapso de segundo, Naruto girou em seus calcanhares e correu para o amontoado de papelão mais próximo. Sasuke estava prestes a perguntar se o havia assustado de alguma maneira, mas antes que pudesse fazê-lo, Naruto estava de volta, segurando sua maleta nas mãos e olhando para baixo enquanto a estendia em frente, oferecendo-a de volta à Sasuke.

- Me desculpe por isso. – Naruto murmurou e Sasuke inclinou a cabeça para o lado, tentando espiar a expressão do garoto, mas era inútil. – Eu sei que não é nenhuma desculpa, mas... Nós precisamos comer. A vida não é fácil para ninguém, mas para essas crianças... Elas não têm ninguém por elas senão eu.

Sasuke engoliu em seco; as palavras de Naruto haviam tornado difícil respirar. Aquele garoto pequeno assumira a responsabilidade de cuidar de todas aquelas crianças, protegendo-as, talvez até ensinando-as seu amor pelos livros. Como podia alguém que tinha quase nada querer dividir tanto?

Então, como se sua mente obscurecida fosse finalmente iluminada, Sasuke percebeu: Naruto não tinha bens para dividir, mas o que tinha, não hesitava em dar – amor.

Sasuke queria um pouco daquele amor também. Aquecia-o apenas pensar na grandiosidade do coração de alguém tão jovem e tão sofrido.

Inspirou profundamente. Quando ligasse para Kakashi a fim de lhe explicar o que tinha em mente, seu advogado ficaria enlouquecido ou, ainda, pensaria que aquele quem perdera sua sanidade fora Sasuke.

Retirou seu pesado casaco e estremeceu com a brisa gélida que penetrava através de seu suéter de lã, congelando-o até os ossos. Como aquelas crianças poderiam estar praticamente nuas?

Aproximou-se de Naruto e abaixou-se, sobressaltando o garoto e obrigando-o a olhar-lhe nos olhos. Tão perto, Sasuke percebeu o quanto Naruto tinha traços bonitos, mas suas bochechas que deveriam estar coradas pelo vento frio, não estavam, e, seus lábios – como ele poderia estar aguentando? – estavam arroxeando, a pele rachada pelo frio do fim de ano.

Tal qual Naruto havia aquecido seu coração, Sasuke queria lhe aquecer onde sentia frio também. Surpreendendo o garoto, o Uchiha o envolveu com o casaco que era visivelmente muito grande para ele.

Pegou a maleta que Naruto ainda lhe estendia e vestiu-o apropriadamente em seu casaco diante do olhar incrédulo do loiro.

- Senhor... – Naruto conseguiu dizer com voz embargada e áspera. – Esse é seu casaco... Você vai ficar com frio.

- Não se preocupe, Naruto. Creio que, graças a você, estou aquecido. – Sasuke sorriu ao encarar aqueles olhos tão azuis. Era a primeira vez que sorria em quanto tempo? Não lembrava-se, mas estar perto de Naruto dava-lhe vontade de fazer coisas que nunca antes fizera. Sasuke estendeu as mãos para o pequeno rosto de Naruto e tocou a pele fria com cuidado. Não queria falar mais, não era do tipo que o fazia. Mas ali estava Naruto, incitando-o apenas com sua presença mais uma vez. – Talvez você não entenda isso hoje, mas você me salvou. Permita-me ajudar você, então. Espere por mim. Não me esqueça, okay?

Junto a um aceno de cabeça de Naruto, vieram suas lágrimas quentes, tocando as mãos de Sasuke, que enxugou-as.

- Não faça assim. Não chore. Na próxima vez em que nos virmos, quero ver seu sorriso. – Sasuke pediu, mas ele mesmo estava sentindo-se impelido a entregar-se às próprias lágrimas. Naruto, que tão pouco tinha, compartilhava o que podia; Sasuke, que muito possuía, queria seguir seu exemplo.

Levantou-se, pegou sua maleta, procurou seus trocados e enfiou-os em um dos bolsos do casaco. Tocou os cabelos sujos de Naruto e bagunçou-os ainda mais. Temeu que, se continuasse ali por mais tempo, não poderia conter-se, então caminhou para fora do beco.

Quando estava prestes a retornar à rua, a mesma voz o fez virar-se pela segunda vez no mesmo dia:

- Senhor Uchiha! – Naruto gritou. – Feliz Natal.

- Feliz Natal, Naruto. – Sasuke ainda conseguiu responder antes de começar a andar rapidamente, estendendo uma mão para um táxi vazio que passava e adentrando-o, já avisando ao motorista que a corrida seria paga em cartão de débito e dando seu endereço.

As lágrimas que estivera contendo finalmente alcançaram seus olhos e embaçaram sua visão. Esfregou-as, colocando-as sob controle novamente, pegando seu celular a fim de ligar para Kakashi. Preparou-se, pois a conversação duraria muito, mas encontrou a notificação de uma mensagem de Itachi.

“Feliz Natal. Espero que o Papai Noel tenha lhe trazido algum bom presente.”

Sasuke sorriu.

Com certeza havia recebido um bom presente.

Ligou para Kakashi tendo aquilo em mente.

xxx

- Vamos lá, vamos lá, façam silêncio! – Sasuke pediu, sua voz elevando-se. – Naruto!

Aqueles olhos azuis e brilhantes voltaram-se em sua direção, desarmando-o completamente com um sorriso. Sasuke amava aquele sorriso, mas odiava o fato de que não podia – nunca – resistir-lhe.

- Vamos lá, Senhor Uchiha, as férias de inverno começam hoje! Como posso me conter? – Naruto estendeu os braços para seus colegas de classe e todos agitaram-se novamente, concordando completamente com a deixa do loiro.

- Ah! – Sasuke suspirou exasperado. – Vamos lá, seus selvagens, saiam da minha sala de uma vez!

Em gritos explosivos e uma confusão de casacos e cachecóis, os alunos de Sasuke deixaram a sala, despedindo-se e pedindo para que ele viesse no Natal, como sempre. Eram uma mescla entre 15 e 18 anos, todos ainda vivendo sob o teto da Fundação Casa das Estrelas Perdidas, o orfanato que Sasuke fundara em conjunto com vários outros colegas escritores, atores, jornalistas e pessoas da alta sociedade de Nova Iorque.

Começara com apenas cinquenta crianças, incluindo Naruto e seus protegidos. Atualmente, a Fundação abrigava quase quinhentas crianças, e, naturalmente, entre elas, estava Naruto.

Diferente de quaisquer outros lugares, a Fundação oferecia aulas extracurriculares com os fundadores e colaboradores, que lhes ensinavam seu ofício em classes divididas por faixas etárias. Sasuke lecionava Literatura.

- Naquele dia, quando te vi, nunca imaginaria que você, meu ídolo, viria a ser meu professor. – aquela voz que sempre aquecia o coração de Sasuke falou às suas costas.

- Naruto, deixe de ser idiota. – Sasuke murmurou enquanto ajeitava suas coisas, mas a verdade era que sempre que Naruto falava daquela forma, Sasuke sentia-se encabulado. Naruto obrigava Sasuke a descobrir e cultivar novos e estranhos tipos de sentimentos.

- Não seja tão chato, Sasuke. – Naruto moveu-se, entrando no campo de visão do Uchiha. – Seus cabelos estão tão negros hoje...

- Naruto... – Sasuke suspirou. – Meus cabelos são negros sempre.

- É, tem razão. – Naruto riu-se tolamente, como sempre fazia, encarando as janelas da sala de aula, os olhos perdendo-se na fina nevasca que caía do lado de fora. Sasuke não conseguia colocar em palavras o que sentia todas as vezes em que ouvia a música daquele riso e sentia-se quase inútil... Um escritor que não conseguia descrever algo. Mas, novamente, lá estava Naruto, levando-o para rumos desconhecidos. – Mas talvez seja por que hoje a neve veio forte, firme. Deixou tudo tão branco... Isso destaca seus cabelos, seus olhos. – os orbes azuis encontraram os ônix. E lá estava aquela seriedade que só se mostrava para Sasuke. A mão quente de Naruto tocou a pele do rosto do moreno e acariciou-o levemente, mas tão rapidamente quanto viera, se fora. – Não me esqueço, Sasuke. Nunca me esqueci. Nunca me esquecerei de você naquele dia. Você me pediu para não fazê-lo, então não o faço. Mas, mais que isso... Não posso. Você marcou profundamente em mim.

Sasuke encontrou-se sem palavras.

Todas as memórias voltaram vívidas a ele, desde cinco anos antes até aquele momento. Tudo o que vivera com Naruto, por Naruto.

Lembrou-se do reencontro quando a Fundação estava finalmente pronta, Naruto sorrindo e aquecendo seu coração naquela ocasião; a primeira vez em que a assistente social permitira que Sasuke levasse Naruto para um rápido passeio e o loirinho hiperativo tirara muitas fotos de tudo no celular do Uchiha, mas uma de si mesmo que Sasuke ainda considerava especial e, provavelmente, sempre consideraria. Lembrava-se com perfeição de Naruto dizendo que assim Sasuke nunca poderia esquecê-lo – como se pudesse; o primeiro Natal juntos, compartilhando a mesa com tantas outras pessoas, e todos os dias desde então, e todos os Natais...

A princípio, os sentimentos de Sasuke por Naruto eram puramente fraternais. Sentia a necessidade de cuidar-lhe enquanto sabia que, na verdade, quem o cuidava era Naruto.

Entretanto, como as estações mudava, o coração de Sasuke também mudara. Pouco a pouco, gradualmente, os sentimentos transformaram-se.

Agora, observando Naruto em seus recém-feitos 18 anos, Sasuke entendia que jamais amara nada como amava Naruto.

O loiro o cativara, dera-lhe forças, razões, sorrisos, amor. Quando não havia nada no mundo para Sasuke, havia Naruto. E, a partir de então, Sasuke tinha tudo.

O Natal, que depois da morte de seus pais deixara de fazer sentido para Sasuke, tornara-se uma data de comemoração para ambos e nada tinha a ver com o nascimento do Menino Jesus ou qualquer coisa assim. Era uma comemoração por que haviam se encontrado. Aquele era o maior milagre que ambos poderiam ter desejado.

- Você também marcou profundamente em mim, idiota. – Sasuke murmurou, finalmente reencontrando sua voz. – Você pode ver isso apenas olhando para esse lugar. Se não fosse por você, nada disso existiria.

- Você sempre diz isso... – Naruto sussurrou com um sorriso triste. – Mas eu quero ser mais do que o motivo da existência de um lugar, Sasuke. Eu quero ser algo para você. Só para você.

Aqueles olhos azuis prenderam Sasuke pela milésima vez e o Uchiha esquecera-se de como respirar novamente. Os olhos de Naruto queimavam em ânsia e Sasuke temia estar interpretando errado.

Naruto tornara-se um rapaz muito mais do que meramente bonito. Era deslumbrante, estonteante. Sempre que Sasuke o via, estava cercado por garotos e garotas, mas sempre que os olhos azuis o avistavam, todas as outras pessoas, repentinamente, eram esquecidas. Sasuke jamais verbalizaria tal coisa, mas sentia-se lisonjeado, aquecido com isso.

Poderia fingir o quanto quisesse que seus sentimentos por Naruto ainda eram fraternais, mas para si mesmo admitira há muito que aqueles lábios cheios eram tentadores; que aquela pele bronzeada, que tantas vezes vira exposta durante os verões, pedia para ser marcada com mordidas e chupões; que queria ouvir aquela voz agradável gemendo rouca e chamando seu nome; que queria sentir aqueles dedos enredados em seus cabelos, puxando-os; que desejava ver aqueles olhos azuis revirando, demonstrando delírios de prazer; que ansiava pelo contato com aquele corpo quente, suado, entre os lençóis ou em qualquer lugar que fosse.

- Você é algo apenas para mim. – Sasuke respondeu, dando a volta em sua mesa calmamente e parando em frente a Naruto, apoiando-se no móvel. Infelizmente, não poderia nunca dizer o que Naruto representava para si. Não inteiramente, de qualquer forma.

- Então por que não me diz o que eu sou para você? – Naruto perguntou, aproximando-se de Sasuke e parando a centímetros de seu rosto, os olhos azuis fazendo, dos ônix, novamente, seus prisioneiros e, como se lesse a mente do moreno, completou. – Inteiramente.

Sasuke engoliu em seco. Desde quando Naruto era tão ousado, tão sério sobre tudo o tempo todo?

Levou uma mão ao rosto de Naruto e deslizou os dedos pelas cicatrizes em sua bochecha. Lembrava-se todos os dias que o rapaz a quem dedicava todo o seu amor era também alguém que sofrera aquele tipo de violência logo no começo de sua vida. Assim, prometera a si mesmo ser sempre tão suave quanto pudesse com Naruto, mas isso não era muito em se tratando de Sasuke Uchiha.

A pele sob o toque de seus dedos era quente e macia, totalmente diferente daquele dia perdido no passado. Tal qual Naruto se transformara, os sentimentos de Sasuke por ele o haviam seguido.

No entanto, a real questão em suas mãos era: como dizer a Naruto a totalidade de seus sentimentos sem fazê-lo pensar que Sasuke era um monstro assustador como aquele homem que lhe causara tantas feridas, tanto físicas quanto emocionais? Que lhe usara quando o encontrara nas ruas tal qual usa-se um objeto? Que o machucara por prazer doentio?

Naruto fechou os olhos e entregou-se ao toque de Sasuke, roçando sua pele na palma da mão do moreno, deleitando-se com o contato.

Naquele simples gesto de Naruto, Sasuke encontrara sua resposta.

Guiou o rosto de Naruto para mais perto, cada vez mais próximo, lentamente fazendo-o cobrir a distância que os separava. Com o polegar, tocou o lábio inferior do rapaz loiro, sentindo a pele suave, morna e macia, o preenchimento generoso. O tempo apenas valorizava Naruto.

Quando os lábios do mais novo finalmente encontravam-se a milímetros de distância dos seus, Sasuke sussurrou:

- Eu espero que você entenda com isso.

E finalmente os lábios tocaram-se, calma e suavemente. Os lábios de Naruto eram exatamente como Sasuke imaginara, mas não conseguia descrever.

Esperou ser repudiado, ganhar um belo soco no nariz, nos rins, uma joelhada em seus países baixos, mas nada em sua mente o preparara para os braços de Naruto envolvendo seu pescoço e puxando-o para mais perto, seus lábios quentes movendo-se junto aos de Sasuke e a língua úmida e hábil invadindo sua boca. Aquele beijo estava aquecendo muito mais do que apenas o coração de Sasuke.

O moreno envolveu a cintura de Naruto com seus braços e apertou-o em um abraço enquanto entregava tudo de si naquele beijo, pelo qual tanto ansiara, mas tanto pensara ser impossível.

Quando finalmente afastaram-se em busca de fôlego, seus rostos estavam corados, as respirações arfantes e as batidas dos corações eram descompassadas.

A testa de Naruto encostou-se à de Sasuke e ele sorriu de olhos fechados. Sasuke desejou que aquele momento pudesse durar para sempre.

- Feliz Natal, Sasuke. – Naruto desejou em sua voz que não era mais alta que um sussurro.

- Ainda não é Natal, idiota. – Sasuke riu-se baixo, apertando mais Naruto em seu abraço.

- Para mim é. – Naruto respondeu com um sorriso e abriu seus olhos, encarando Sasuke como o fizera milhares de vezes antes, mas daquela vez Sasuke poderia facilmente dizer que havia algo diferente. Sasuke perguntou-se se seu próprio olhar poderia estar daquela forma. – Apenas no Natal eu poderia ganhar um presente assim tão bom.

Sasuke sorriu. Gostaria de dizer que, muito mais do que qualquer coisa que já houvesse dado a Naruto, este lhe dera infinitas vezes mais. Naruto dera-lhe uma segunda chance rumo à felicidade, um grande bocado de amor que o fizera recomeçar, calorosos sorriso que haviam aquecido seu coração.

O que mais Sasuke poderia querer para o Natal, se Naruto já era tudo o que queria? O que mais Sasuke poderia pedir, quando seu coração estava aquecido novamente? Pensando sobre isso, uma ideia começara a formar-se.

- Acho que vou escrever um novo livro... – Sasuke comentou como tantas outras vezes o fizera. Naruto era um ouvinte atento e tinha um amplo conhecimento em se tratando de enredos. Com o tempo, sua opinião tornara-se ainda mais importante do que a do próprio editor de Sasuke.

- Mesmo? – a excitação tão característica à voz de Naruto quando falavam sobre aquele tópico estava de volta. Seus olhos azuis brilhavam e um grande sorriso estampava seu rosto. Mesmo que fã e ídolo houvessem se tornado mais do que amigos, esta relação jamais deixara de existir. – E já pensou em um título?

- Aquecendo Meu Coração.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, e então, gostou? :3

Espero que tenha sido do teu agrado e que eu não tenha te feito desgostar do ship lçdksalfjldksjfklsjd

Pensei até em não colocar a parte depois do "xxx", mas ela ficou tão fofa na minha mente que não consegui me controlar. Amo MUITO esses dois, poxa ♥

Aos demais, espero que tenham apreciado a leitura também. Boas festas a todos, com muito amor e carinho ~

@UmaSunnyBunny