Mia estava no seu quarto, os fones de ouvido no ultimo volume e papéis a sua frente. Pretendia escrever uma nova música, não eram muitas as vezes que tinha se aventurado a isso, mas todas que tentou se saiu bem.

Estava tão concentrada na nova tarefa que nem percebera que estava enrolava uma mecha de cabelo nos dedos, uma antiga mania. Em outros dias ela teria se censurado e soltado as mechas, mas hoje não, ela estava feliz demais para ligar para isso, além disso, não havia nenhuma câmera (pelo menos achava que não) para vigiar suas ações.

Ela parou por um momento e olhou rapidamente para o espelho que cobria parte da parede do quarto, admirando seu novo cabelo, com mechas azuis. Não era apenas o fato de ele está bonito que a deixava feliz, mas sim o que aquilo significava: sua liberdade.

Desde que fora anunciado a Seleção, seus pais estavam no seu pé para se inscrever.

“Vai ser bom para o negócio da família, dará visibilidade”, eles diziam.

Mas o que realmente importava para Mia era o trato que tinha feito com os pais.

“Se inscreva, e poderá ter sua liberdade, poderá tentar sua carreira como cantora”.

Aquilo bastou para ela preencher a ficha esquecida em cima da escrivaninha, afinal, qual sua chance de ser sorteada quando todas as garotas da província se inscreveriam? Além disso, existiam outros motivos pelos quais ela queria ser livre, mas aquele não era o momento para os revelarem a seus pais, ela seria paciente.

Ela estava tão pensativa que nem percebeu quando sua mãe entrou como um furacão no quarto, só percebendo a presença da mesma quando ela puxou seus fones de ouvido.

—Filha, olha o que chegou!

“A Seleção – Illéa”

Mia olhou fixamente para o envelope e lagrimas desceram pelo rosto, e elas não eram de felicidade.

**

E lá estava ela de novo, no seu lugar preferido de toda a casa, o jardim. Estava pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo. Fechou os olhos e deixou que o vento balançasse seu cabelo com força, sentia o frio bater com força em sua bochecha, estava começando a esfriar em Dominica. Seu transe foi interrompido por um barulho metálico, ela sorriu, sabendo que certamente se tratava de Andrew, seu irmão, mexendo novamente carros, ele era engenheiro mecânico, e aquele era seu hobby preferido.

Seu riso se transformou em um suspiro pesado quando passou a pensar em sua relação um tanto conturbada com os pais.

Desde que seu irmão mais velho saiu de casa seus pais direcionaram todas as pressões para ela e Andrew, felizmente ambos escolheram profissões “de peso”, ele engenheiro, ela veterinária. Mas isso em nada impedia que seus pais exigissem deles o melhor, que eles fossem os melhores. Aquilo pesava em seus ombros e a deixava maluca, ela não queria ser a melhor, não queria ser uma gênia, ela só queria... viver.

Aria olhava tão fixamente para a grama que nem percebeu que o barulho na garagem cessara e Andrew estava recontado na árvore que ficava no centro do quintal a observando, ele sabia o que ela pensava, porque era o que ele pensava constantemente.

Era feliz no que fazia, gostava da engenharia, mas as conversas do pai sobre “ganhar dinheiro” o deixava tão irritado que fazer o que mais gostava às vezes perdia o brilho.

Andrew suspirou e apertou os envelopes que trazia nas mãos, deixados á alguns minutos pelo carteiro. Arrastou-se por fim até onde a irmã estava:

—Aria.

—And, nem percebi que estava aqui no jardim. – Então percebeu o tom sombrio do irmão – O que aconteceu And?

—Nada demais, apenas que acabo de saber que iremos passar as férias fora.

Ela arqueou uma sobrancelha, sem entender. Ele sentou-se ao lado dela na grama e estendeu os envelopes em sua direção.

“A Seleção – Illéa”

Ambos tinham sido selecionados, ambos estavam na Seleção.