Repassei aquela cena na minha mente várias vezes durante aquele dia, tudo aquilo era loucura, então era isso, eu estava louca , passei tanto tempo sem beijar o paquera que me cérebro não aguentou e criou essa realidade maluca como consolação.

Se fosse assim então não havia nenhum motivo para eu estar como estava, nervosa e com medo do meu primeiro dia de aula na Sweet Amoris, naquele instante eu tinha milhares de problemas e 86% deles eram situações imaginárias que eu havia criado por estar muito estressada e claro que todo aquele stress voltou pra mim em forma de pesadelo.

Na manhã seguinte depois de longos vinte minutos olhando para o teto e pensando em mais coisas que poderiam dar errado naquele dia me levantei para fazer minha higiene matinal, peguei uma das poucas roupas do armário uma calça branca com uma camisa pêssego com mangas médias e o único par de sapatilhas que eu tinha… precisava resolver aquilo.

Ao sair do quarto dei de cara com Agatha e Lynn que conversavam na sala, a mais velha ainda parecia estar com muito sono, usava um pijama rosa de bolinhas brancas e seu cabelo estava preso em um coque bagunçado que a fazia parecer com uma adolescente, já a sobrinha usava o de sempre calça, camiseta e um casaco.

–Vim te levar pra escola - Lynn respondeu antes que eu sequer tivesse a chance de perguntar - Você demorou um bocado no banho, se não formos logo vamos nos atrasar.

–Mas meu café…

–Você compra no refeitório da escola - interrompeu com uma ponta de impaciência - Graças a certas pessoas que costumam matar aula agora eles fazem chamada na entrada e em todas as aulas. - reclamou me puxando pra fora e passando o braço pelo meu para que andássemos lado a lado.

Não haviam nuvens no céu e o clima estava agradável, nem sinal da tempestade de alguns dias atrás.

Eu já sabia mais ou menos o caminho para a escola então fui confiante até o momento em que Lynn mudou a rota de repente , eu não comentei nada mas estava curiosa, estávamos indo por um caminho que eu não conhecia , por dentro de algum bairro residencial suponho.

Era um bairro residencial, com casas bonitinhas de dois andares, jardins e cercas brancas , todas iguais com as mesmas árvores e flores nas janelas.

–Essa é a Alameda das cerejeiras - explicou Lynn - Mas todos a chamam de QG porque a maioria das pessoas que moram aqui são militares.

Assim que ela falou isso não consegui evitar de pensar no Rambo morando em uma daquelas casinhas de boneca com um avental cheio de babados regando as flores no jardim e tomando chá com os amigos militares nos fins de semana.

Paramos na frente da última casa da rua e Lynn tirou o celular da bolsa para ligar pro morador não demorou nem cinco minutos para que a porta branca da casinha de bonecas se abrisse e o garoto saísse de lá.

Dizem que quando você morre sua vida toda passa diante dos seus olhos, acho que naquele momento eu morri , todos os anos jogando amor doce passaram diante dos meus olhos , eu não conseguia respirar, tinha certeza de que poderia morrer feliz agora.

Nada havia me preparado para aquele momento, nada, não há um curso profissionalizante de “ficar okay quando encontrar o amor da sua vida”, muito menos o curso “ ficar okay quando encontrar o amor da sua vida, ele não notar você e dar aquele olhar pra outra menina”.

Ele não estava usando as roupas de sempre mas parecia bem em qualquer coisa que vestisse, a qualquer coisa daquele dia era uma calça chino, dockside, camisa de mangas longas e uma jaqueta , não parecia em nada com o garotinho de óculos que eu amei desde o primeiro episódio.

Ken… Kentin saiu de casa e deu aquele sorriso para Lynn, ele obviamente estava contente em vê-la e ela retribuiu o afeto me largando e deixando que ele passasse o braço direito pelos seus ombros, eles eram realmente próximos mas o fato que mais me magoara naquela situação era ele nem sequer ter notado minha presença.

–Ah, é mesmo, quase me esqueci - Lynn sorriu sem graça voltando pro meu lado - Kentin essa é Anya, ela vai passar um tempo com tia Agatha e não conhece ninguém por aqui, seja bom pra ela.

–Então essa é a garota que você tinha falado ! - Sorriu ele estendendo a mão - É um prazer , se é amiga de Lynn então é minha amiga também.

Apertei a mão dele me demorando um pouco mais que o necessário pra sentir a pele dele em contanto com a minha… quente, como a de uma pessoa real.

–É um prazer Ken … Kentin - me corrigi rapidamente ao vê-lo fazer uma careta

–Eu não disse meu nome - falou um pouco mal-humorado por ter sido chamado pelo seu antigo apelido.

–Ele gostou de você - confessou Lynn brincando com um sorriso bobo no rosto - Agora vamos antes que cheguemos atrasados.

Dizendo isso correu e nós tivemos que fazer o mesmo para acompanhá-la. Na entrada da escola os alunos escreviam seus nomes em uma lista antes de entrar, Lynn e Ken escreveram primeiro e eu logo depois , eles riam e conversavam sobre a semana de aula e mesmo não entendendo nada gostava de estar com eles , com ele.

–Ah, eu preciso te falar algo - Ken disse de repente virando-se pra outra garota.

–Bem , eu estou aqui , pode falar - Falou animadamente antes de ver que ele olhava desconfortável em minha direção - Ah, claro, Anya você não se importa, certo?

Eu me importava, mas seria estranho se eu me recusasse a sair dali.

–Claro que não! - respondi e eles começaram a se despedir - Eu tinha que comer mesmo, a propósito pra que lado fica o refeitório ? - perguntei mas eles já haviam se afastado - Bem, acho que posso achar sozinha.

Esperando que ninguém tivesse visto minha ceninha de ser abandonada segui sem rumo pra qualquer lugar até que vi Armin e Alexy conversando na frente de um armário, eu normalmente sou uma pessoa tímida mas estava morrendo de fome , prioridades.

–Sabe onde é o refeitório ? - perguntei à Armin antes de qualquer outra coisa.

–Bom dia pra você também ! - Falou com falsa revolta

–Desculpe, bom dia , estou com fome - confessei

–Irmão, essa criança mal educada é … não sei seu nome, qual é o seu nome?

–Anya

–Irmão, essa criança mal educada é a Anya - apresentou-me ao rapaz de cabelos azuis

–Você é nova, é um prazer te conhecer ! - sorriu balançando minha mão como uma criancinha -Meu nome é Alexy, parece que já conhece meu irmão.

–Re. Fei. Tó.Rio. - falei pausamente

–Ela é mesmo mal educada - Alexy concordou falsamente ofendido - Tenho que procurar a Rosa, ela me prometeu um desconto na loja daquele namorado dela… vocês se comportem, eu tenho olhos em todo lugar, se fizerem alguma coisa podem ter certeza que eu vou saber - sorriu fazendo com que eu não tivesse certeza se ele estava nos ameaçando ou só brincando.

–Então vamos - Armin suspirou ligando seu mini-game enquanto andávamos em direção ao refeitório.

Eu nunca tinha visto o lugar e tenho que dizer que era um tanto depressivo, um salão grande com uma porta que levava ao lado de fora um self service e várias mesas que parecia ser de metal, como uma prisão.

–Belo lugar - comentei pegando uma caixinha de leite e um saquinho de biscoito em uma máquina.

–Veja pelo lado bom, não temos câmeras por aí e eu tenho que ir pra biblioteca antes que os corredores fiquem vazios . - mudou de assunto rapidamente antes de sumir em meio aos alunos que iam para o corredor por onde viemos.

Tomei meu leite sem pressa mas resolvi comer os biscoitos enquanto andava, segundo o papel que eu havia recebido da secretaria minha sala era o segundo ano B.

Andava pelos corredores quando alguém me empurrou, esperava ver uma Ambre ou algo assim mas seja lá quem fosse não parecia querer ser visto pois correu pra fora antes que eu pudesse sequer reclamar.

A porta da sala do zelador estava aberta, eu estava apostando com todas as minhas forças que aquele idiota que me empurrara deveria ter vandalizado a sala ou algo assim no entanto quando cheguei a porta do lugar a sala estava intacta com exceção de um monte de papéis caídos ao lado de Ken no chão.

Ao me ver ele se levantou incomodado, seu lábio estava cortado e não havia nem sinal da sua jaqueta, o moreno parecia ter levado uma surra e por isso eu realmente não esperava… não depois da escola militar de qualquer forma.

–O que aconteceu? Você está bem? - perguntei estendendo minha mão automaticamente para tocá-lo.

–Não é da sua conta - respondeu simplesmente afastando minha mão com um tapa leve e saindo pisando duro.

Eu não acreditava que aquele era meu doce Ken, pra mim mesmo depois da escola militar no fundo ele continuava sendo a mesma pessoa mas parecia que ele continuava o mesmo só perto de Lynn … eu não queria pensar naquilo e foi o que fiz.

Fui pra aula e anotei tudo em um caderno emprestado, me sentei perto de Alexy e Rosa que eram brincalhões e animados, na verdade eles passavam mais tempo fofocando do que prestando atenção nas aulas, Lynn e Ken estavam em outra sala e Armim chegou apenas depois do terceiro tempo quando se sentou atrás do irmão e ligou o smarthphone tentando jogar sem ser notado ocasionalmente fazendo comentários sobre a conversa do mais novo (ao menos imagino que Alexy seja o mais novo) , desse modo o dia passou.

Mas na última aula foi que lembrei de algo importante : meu celular.

Ele poderia não ter sinal mas mesmo assim eu não o queria por ai jogado onde qualquer um pudesse pegá-lo, então depois da aula tomei toda a coragem que tinha para voltar àquele lugar, rejeitei o convite de Lynn para ir comer com ela depois da aula e o de Alexy pra ir ao shopping com ele e os outros.

Nos filmes de terror sempre é uma má ideia sair sozinho mas eu não tinha escolha nesse caso, não poderia explicar pra eles porque aquele objeto era importante e não fui feita pra mentir , eu simplesmente não suportava a pressão.

A diferença de temperatura entre a manhã e a noite era assustadora, não estava usando roupa para o frio então resolvi fazer tudo rápido.

O parque parecia intocado desde aquele dia, ainda haviam as marcas das botas dele na lama seca e logo vi o retângulo branco no meio de tudo aquilo.

Meu celular!

Peguei ele aliviada por continuar ali e quase chorei quando apertei o botão e ele começou a iniciar, quase tive um ataque cardíaco quando começou a tocar wannabe - o toque de Diana.

–Alô , Diana? - atendi choramingando

–Não, sua mãe ! - gritou ela por cima da música , eu simplesmente não conseguia acreditar que ela estava por aí festejando depois que a melhor amiga havia passado quase uma semana sumida - O que essa voz? Acabaram seus PA’s ?

–Di, onde você está? Eu estou com medo você precisa me ajudar

–Onde eu estou? Eu estou na festa oras, eu disse pra você que viria e você me fez todo aquele discurso de mãe coruja… você usou drogas em menos de seis horas que eu estive fora? Eu vou pra sua casa agora, e se você estiver drogada eu vou te bater , é sério! - Ela gritou do outro lado encerrando a chamada que só servira pra me deixar mais confusa.

Menos de seis horas? Haviam se passado dias!

Tentei ligar pra ela novamente mas era como se o celular dela estivesse sem sinal, parecia que aquilo não era um caminho de mão dupla, eu teria que esperar Diana me ligar de novo.

Eu estava abalada mas não o bastante pra esquecer daquele maníaco perseguidor do outro dia , corri o mais rápido que pude pro apartamento da mulher que me acolhera e pedi o notebook dela emprestado.

Novo objetivo : Misturar-se aos nativos para obter informações.